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Interrogando as teorias sobre o arco-íris

Understanding the theories about the rainbow

Resumos

Tentar entender as teorias do arco-íris é uma maneira de pensar sobre as argumentações entre a lógica científica e o pensamento mítico na história da ciência. Este trabalho segue três percursos relacionados: primeiramente, expõe um resumo das descontinuidades e recorrências históricas na explanação do arco-íris; em segundo lugar, examina registros de etnógrafos estrangeiros na Amazônia, na primeira metade do século XX; por último, aborda a 'teoria nativa' sobre o fenômeno nas terras baixas da América do Sul, visando compreender a lógica das classificações nativas, que opera como um pensamento mítico. A simetria das disciplinas permite uma complementaridade entre as teorias científicas e as humanidades, bem como analogias entre diferentes leituras dos códigos biológicos e sociais.

lógica científica; pensamento mítico; descontinuidades históricas; lógica de classificações; códigos biológicos


Trying to understand the theories of the rainbow we focus the debate between scientific logic and mythic thinking in the history of science. This paper follows three paths. Firstly, it presents a summary of the discontinuities and recurrences in the explanation of the fenomena in history of thinking. Secondly, registrations of foreign ethnographers in the Amazon in the first half of the twentieth century are examined. Thirdly, the approach is directed to the 'native theory' about the rainbow in the low lands of South America, trying to understand the logic behind the native classifications as mythic thinking. Symmetry among disciplines supposes complementarities between biological theories and humanities and allows for analogies involving biological and social codes.

scientific logic; mythic thinking; historical discontinuities; logic of classifications; biological codes


ANÁLISE

Interrogando as teorias sobre o arco-íris

Understanding the theories about the rainbow

Priscila Faulhaber

Pesquisadora titular do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG/MCT); pesquisadora visitante no Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast/MCT) Av. Marquês de Herval, 2359/802 66087-320 Belém – PA – Brasil priscila@museu-goeldi.br

RESUMO

Tentar entender as teorias do arco-íris é uma maneira de pensar sobre as argumentações entre a lógica científica e o pensamento mítico na história da ciência. Este trabalho segue três percursos relacionados: primeiramente, expõe um resumo das descontinuidades e recorrências históricas na explanação do arco-íris; em segundo lugar, examina registros de etnógrafos estrangeiros na Amazônia, na primeira metade do século XX; por último, aborda a 'teoria nativa' sobre o fenômeno nas terras baixas da América do Sul, visando compreender a lógica das classificações nativas, que opera como um pensamento mítico. A simetria das disciplinas permite uma complementaridade entre as teorias científicas e as humanidades, bem como analogias entre diferentes leituras dos códigos biológicos e sociais.

Palavras-chave: lógica científica; pensamento mítico; descontinuidades históricas; lógica de classificações; códigos biológicos.

ABSTRACT

Trying to understand the theories of the rainbow we focus the debate between scientific logic and mythic thinking in the history of science. This paper follows three paths. Firstly, it presents a summary of the discontinuities and recurrences in the explanation of the fenomena in history of thinking. Secondly, registrations of foreign ethnographers in the Amazon in the first half of the twentieth century are examined. Thirdly, the approach is directed to the 'native theory' about the rainbow in the low lands of South America, trying to understand the logic behind the native classifications as mythic thinking. Symmetry among disciplines supposes complementarities between biological theories and humanities and allows for analogies involving biological and social codes.

Keywords: scientific logic; mythic thinking; historical discontinuities; logic of classifications; biological codes.

A contemplação do arco-íris despertou perplexidade desde os primeiros tempos históricos, motivando diferentes simbolizações em diversos povos. Do ponto de vista da história do pensamento científico, sua explicação e interpretação têm sido fonte de incessantes experiências e questionamentos. Remonta ao pensamento grego, em que o arco-íris era tratado predominantemente como objeto de admiração e não de estudo. Já autores do pensamento científico moderno tomaram explicar o arco-íris como um desafio. A dicotomia entre o racionalismo e o romantismo traduziu-se em divergências após experiências com o prisma e envolveu problemas de lógica e matemática. Para poetas e filósofos românticos, o desvendamento lógico das leis de refração e separação das cores destruía a aura de mistério e poesia que envolvia o fenômeno, daí os idealistas alemães voltarem a atenção aos processos de produção das cores a partir do olhar subjetivo.

Contemporaneamente, não cabe perseverar numa posição dicotômica entre e a ótica científica e os tratados de estética, considerando-se que a interlocução entre antropologia e história procura mostrar a significação da intersubjetividade para a ciência. Segue o presente trabalho uma linha de pensamento fundamentada na 'antropologia da razão', entendida como disciplina nutrida por uma "curiosidade cosmopolita" (Rabinow, 1996, p.151), ou seja, uma disposição para pensar a ciência impregnada de significados múltiplos, que permitem diferentes interpretações de acordo com a perspectiva de cada sujeito, e considerar as práticas sócio-históricas em que ela se insere.

A história da ciência é um lugar privilegiado da interrogação acerca dos antecedentes do atual conhecimento sobre determinado problema (Canguilhem, 1981, p.15). Cabe, então, dialogar com autores que, em momentos passados, explicaram cientificamente o fenômeno, sem querer encontrar continuidades entre os problemas colocados hoje e no passado, no âmbito da ciência. Uma vez que a história da ciência não é uma história natural, as rupturas e recorrências são identificadas com relação aos eventos e às construções sócio-históricos, através dos quais se delimita um determinado objeto – tal como o arco-íris – com relação a outros objetos, construído segundo a especificidade disciplinar, ou seja, conforme a singularidade de cada abordagem na análise do modo de constituição de conhecimento sobre o objeto na história.1 1 A história da ciência, na descrição rigorosa do processo pelo qual a verdade é elaborada em sua historicidade, é a pedra de toque "da arquitetura da casa da razão habitada por Canguillem" (Rabinow, 1996, p.82; 1999, p.125).

O presente trabalho seguirá três percursos inter-relacionados: o primeiro, uma leitura da história das descontinuidades, recorrências e perspectivas de explicação científica acerca do arco-íris. O segundo parte do ponto de vista dos etnógrafos na Amazônia, na primeira metade do século XX. Cabe considerar em que medida seus registros sobre o arco-íris eram informados no referencial da cultura científica, bem como observar as relações entre as disciplinas envolvidas. Embora suas práticas estivessem vinculadas, em parte, ao modo de pensar naturalista, a maneira como concebiam o conhecimento numa perspectiva das humanidades levou-os a traduzir a forma como aqueles com quem interagiam percebiam o fenômeno e reconstruíam-no, mental e imaginariamente, em sistemas de representações no terreno da moral, da religião e da experiência vivida no mundo social e político. O terceiro percurso considera o alcance da teoria antropológica para a análise do pensamento mítico e dos conhecimentos indígenas como formas de classificação, bem como para a tradução de seus nexos ordenadores, informados por uma teoria nativa construída sob determinada lógica. Com base na correlação entre tais formas de raciocínio e ordenação da realidade, é possível comparar registros atuais com os registros etnográficos do passado.

Uma leitura da história das teorias sobre o arco-íris

Primeiramente faço uma leitura da história das teorias sobre o arco-íris, procurando observar, na história das ciências exatas, as mudanças de situação que modificam o observador, os meios de observação e o modo como os humanos percebem o fenômeno a partir de determinado ponto de vista – lembrando que física e antropologia têm em comum o estudo das coisas e das representações.

Tentativas de explicação do arco-íris remontam ao pensamento grego. Contemporâneos de Platão (427-347 a.C.) desenvolveram argumentos para justificar a idéia de reflexão (Boyer, 1959, p.58). Atribui-se a Felipe de Oros (século IV a.C.) a atenção ao fato de que, assim como um observador vai de um lado a outro, a posição do arco vai de um lado a outro no mesmo sentido, como a sombra de uma pessoa, tal como ocorre com a imagem vista em um espelho.

Alguns passos no estudo da ótica e da reflexão foram dados por Aristóteles (384-322 a.C.). Sua explanação divide-se em quatro partes: os agentes físicos envolvidos, a forma do arco, seu tamanho e a origem das cores. Aristóteles tratou da diferença dos espelhos que refletem as coisas e daqueles que refletem as cores, incluindo o arco-íris na segunda categoria. Confundiu, porém, reflexão e refração, posto que as considerava sinônimos. Algumas de suas observações, contudo, são aceitáveis ainda hoje, como a explicação da formação do arco por alguma relação geométrica entre a posição do Sol, da nuvem e do olho do observador, bem como do centro ou pólo do arco. Sua explanação sobre a forma semicircular do arco também é válida até hoje (Boyer, 1959, p.38-44).

No pensamento romano destacam-se as idéias de Sêneca (55 a.C.–39 d.C.), que também associou a aparição do arco-íris a prognósticos de mudanças climáticas e sugeriu a idéia da formação das cores pela colisão dos raios do sol com as nuvens (Boyer, 1959, p.59), utilizando a analogia do prisma para as nuvens e de pequenos espelhos para as gotas de chuva.

Outra importante figura do pensamento clássico foi Ptolomeu (século II d.C.), que escreveu sobre ótica e apresentou estudos sobre refração (Boyer, 1959, p.61) com base em idéias de Cleomedes (século I a.C.), que observara qualidades elementares da refração: a reversibilidade e o desvio perpendicular do arco do meio menos denso para o mais denso.

A tese de Aristóteles, de que o arco-íris resulta da reflexão da luz no conjunto de gotas de uma nuvem, foi contestada em 1304 pelo monge Theodorico de Freiberg (?-1311), que testou experimentalmente a hipótese simulando uma gota gigante – um frasco esférico com água –, na qual observou a passagem da luz (Nussenzveig, 1977, p.116).

Essas idéias passaram a ser vistas de novos ângulos na efervescência renascentista – da qual Leonardo da Vinci (1452-1519) é figura exemplar, quando, no século XVI, valeu-se da matemática para silenciar as teorias sofísticas (Boyer, 1959, p.51). Com base nessa perspectiva, Kepler (1571-1630) explicou a produção do arco-íris por refrações e reflexões nas gotas d'água, supondo-as como perfeitamente esféricas e desenvolvendo a assertiva de Harriot (1560-1621), segundo a qual o arco é causado numa gota pela reflexão numa superfície côncava e refração numa convexa (Boyer, 1959, p.189-191). Empregando princípios da ótica geométrica e métodos de experimentação desenvolvidos por Galileu Galilei (1564-1642), Snell (1591-1626) formulou a Lei da Refração (1621), baseada na igualdade entre índices de refração de dois materiais (Nussenzveig, 1977, p.116).

Koyré (1982) interpreta a gênese da ciência moderna com base na defesa de A.C. Crombie sobre a continuidade científica, valorizando a contribuição dos antecessores daqueles que são considerados os grandes 'vultos' da ciência. Crombie examinou a obra de Robert Grosseteste (1175-1253), da chamada 'Idade Média'. Analisou a importância da contribuição, para a história do pensamento, dos métodos de 'verificação' e 'falsificação' dos filósofos ocidentais dos séculos XIII e XIV, que, com o propósito de superar a 'observação' aristotélica, "transformaram a geometria dos gregos e dela fizeram a ciência experimental moderna" (Crombie, 1953, citado em Koyré, 1982, p.57). Entre aqueles que, a partir dessa herança, conceberam a estrutura lógica da ciência experimental moderna, citam-se Galileu e Francis Bacon (1214-1294), que antecederam os considerados 'gênios', como Descartes e Newton. Grosseteste distinguiu clara e cuidadosamente as matemáticas das ciências naturais, afirmando, por exemplo, que a razão da igualdade dos ângulos de incidência e de reflexão não reside na geometria, mas na natureza da energia radiante, insistindo na incerteza das teorias físicas, em oposição à certeza das matemáticas. Afirmou, segundo Crombie, que "todo conhecimento físico não era senão uma probabilidade" (Crombie, 1952, p.59, citado em Koyré, 1982, p.61).

Koyré mostra que não se deve fazer tábula rasa dos antecedentes das 'descobertas' científicas modernas. Destaca a importância dos ensinamentos de pensadores como Sêneca para a explicação do arco-íris por Bacon, o qual aceitava a teoria da propagação da luz de Grosseteste, mas contestava a idéia de que a luz era um fluxo de corpo, entendendo-a como uma pulsação. Ao mesmo tempo, Bacon colocava em relevo o papel desempenhado por cada gota de chuva, fazendo notar que cada observador vê um arco-íris diferente. Registre-se, no entanto, que Bacon equivocou-se em sua explicação do arco-íris, ao retirar a ênfase na refração e colocá-la na reflexão da luz (Koyré, 1982, p.64).

No início do século XVII René Descartes (1596-1650), também com o objetivo de explicar o fenômeno do arco-íris, rompeu com a idéia da admiração contemplativa que remontava a Platão. Concebeu a separação entre sujeito e objeto de conhecimento a partir de uma postura de dúvida sistemática.2 2 Descartes é considerado um ícone da racionalidade científica. Sua biografia, todavia, indica que ele não pertencia, propriamente, ao establishment. Passou muitos anos de sua vida no estrangeiro, adquirindo certo respeito pela diferença, ainda que isso não seja suficiente para encontrar uma postura 'antropológica', caracterizada como "uma disciplina em crise constituída por um sujeito em crise" (Rabinow, 1982, p.185). Conforme seu método, tratava-se de dividir o problema em quantas partes fossem necessárias, visando partir de idéias simples e claras (Gaukroger, 1999, p.278).

Descartes, no entanto, não partiu do nada, pois sistematizou as idéias de Kepler (1571-1730), Harriot (1560-1621) e Snell (1591-1626). Recorrendo ao método racional, de dedução lógica baseada em princípios indubitáveis, construiu procedimentos de observação e verificação experimental no âmbito da teoria ótica e das leis de geometria. Seus três principais objetos de investigação foram o percurso dos raios da luz, as cores da luz e a concentração da luz no céu em ângulos determinados. Chegou a uma precisão matemática da medida dos ângulos de incidência da luz (aproximadamente entre 42º e 52º), determinando-os no que se refere à refração, ao primeiro desvio e aos desvios subseqüentes, que consistiram na chave do problema da formação do arco-íris pela análise lógico-científica. Preocupado com o equacionamento da questão relativa à incidência de luz em conformidade com os princípios racionais, circunscreveu o arco-íris no escopo de indagações gerais – que partiram de problemas da ótica – sobre a natureza da explicação física. Trabalhou com problemas de Beekman (1588-1677), em 1628 e 1629, a fim de reconstituir os resultados de Kepler em bases mais sólidas, ou seja, traduzir as noções keplerianas representando os processos físicos em termos microcorpusculares. Com base em problemas formulados pelo raciocínio sistemático, Descartes arquitetou o método que recebeu seu nome.

Na parte 5 de seu "Discurso sobre o método", Descartes discorre sobre seus procedimentos no tratado escrito de 1629 a 1633, em que expôs o que conhecia sobre a luz, tanto aquela proveniente de estrelas fixas, como a refletida sobre os planetas, cometas e a Terra, quanto a dos corpos coloridos sobre o nosso planeta. Ao final, observa (antropologicamente) que o homem é o espectador que observa tais corpos. As leis do movimento sustentam e explicam as leis da refração e da reflexão da luz, bem como fenômenos do arco-íris (Gaukroger, 1999, p.319). Reproduzindo experiência bastante conhecida na sua época, reconstruiu uma gota de chuva num grande modelo. Supôs, fundamentado no exame na trajetória do raio luminoso percebido pelo olho humano, que o índice de refração da água em relação ao ar determina: (1) o ângulo de aparecimento do arco-íris primário, com o vermelho na parte superior e o violeta na inferior; (2) o ângulo de um arco-íris secundário, com o espectro invertido e que, sendo mais esmaecido, não aparece tanto quanto o primário (Descartes, 1982, p.329).3 3 Descartes afirmou considerar sua pesquisa sobre o arco-íris um bom exemplo de seu método, distinguido em três partes, relacionadas às três capacidades mais importantes do conhecimento (intuição, imaginação e sensibilidade, respectivamente): (1) as proposições que contêm as verdades a priori; (2) as suposições e hipóteses especulativas; (3) as descrições empíricas, generalizações e leis da teoria da refração e reflexão, descrita em La dioptrique, que Descartes aplicou ao arco-íris (Tiermersma, 1988). Tais ângulos podem ser medidos matematicamente. Pode ser visto ainda um terceiro arco, mais fraco e distante que os anteriores. Confirmando observações de antecessores, nota que a posição do arco-íris depende da posição de quem o olha (p.342-343). Na sua exposição, as cores não são nem mais nem menos reais que a luz; conclui que consistem em fenômenos aparentes. Descartes explicou a formação das cores em termos da velocidade giratória delas, sem fornecer qualquer meio para medi-las. Embora tenha sido levantada suspeita de plágio, destaca-se, na física matemática mecânica, o caráter inovador do seu modelo, com o qual realizou cálculos não inferidos por seus predecessores e contemporâneos (Gaukroger, 1999, p.334).4 4 A condenação de Galileu Galilei pela Inquisição, em 1633, por suas hipóteses e demonstrações, causou grande preocupação a Descartes, que temia que isto fosse criar problemas à circulação de suas obras, uma vez que ambos tinham como referencial o sistema copernicano. Os acontecimentos levaram Descartes a deixar de lado a filosofia da natureza e passar a formular suas indagações sob o marco da metafísica legitimadora, o que pode ser considerado uma estratégia para não cessar suas reflexões (Gaukroger, 1999, p.360).

A teoria da formação das cores de Descartes foi contestada por Christian Huygens (1629-1695), que desenvolveu a teoria sistemática das ondas de luz, derivando da lei de refração a conclusão de que no ar a luz se propaga mais depressa do que na água. Não chegou a formular uma teoria ondulatória, por não ter observado a periodicidade e a variação de ondas, porém com a 'teoria dos pulsos' mostrou as limitações da explicação cartesiana do arco-íris (Boyer, 1959, p.236).

Newton (1642-1727) refutou a cosmologia positivista cartesiana. Em linhas gerais, seu experimento consistiu em observar o espectro de cores produzido pela passagem da luz através de esferas e prismas de água e materiais vítreos. Usou o prisma para separar as cores, inclinando-as por diferentes ângulos, e mostrou, com isso, que a luz é separada por refração em componentes habitualmente misturados. A contribuição de Newton foi mostrar que, virando-se o prisma de ponta-cabeça, as cores, separadas pelo primeiro prisma, voltaram a ser reunidas pelo segundo, e demonstrou assim que a luz branca é a mistura de diferentes cores. Por meio de experimentação reduziu a cor a uma base quantitativa regular, publicando em 1704 seu tratado sobre ótica. A partir das críticas de Hooke (1635-1703), estabeleceu a diferenciação entre cores simples e compostas, em termos de sua correspondência a um grau definido de refrangibilidade (Silva, 1998) – novas reflexões ou refrações não mudam a cor e o índice de refração. Sua descoberta da dispersão forneceu uma explicação adequada para a dimensão do arco principal, do secundário e do terciário.

O romantismo alemão e as teorias do arco-íris

Pensadores românticos e idealistas reagiram ao racionalismo científico tal como formulado na ótica de Newton. Para românticos como Goethe (1749-1832), o homem e a natureza não se separam. As cores são as paixões e ações da luz. O olho constitui-se "na luz e para a luz" (Goethe, 1993a, p.81; 1993b, p.15). Interessado nos processos de recomposição das cores na imaginação humana, Goethe parte de Kant (1724-1804) ao se perguntar sobre as condições e os limites em que ocorre a experiência do fenômeno cromático. Sob um extremado subjetivismo, impressiona-o a produção das cores como algo construído pelas mãos e pelos olhos humanos, já que a natureza aparece como representação da alma humana. Para Goethe há um vínculo mágico entre luz e cor filtrados pelo olho, o qual considera um órgão vivo, informado pelos processos de consciência e imaginação.

Os idealistas ironizam a 'objetividade' newtoniana. Schelling (1775-1854) vê na luz um "grau determinado de figuração do infinito no finito", na composição da totalidade orgânica (Schelling, 1980, p.221). Fichte (1762-1814) trata sujeito e objeto como parte de uma mesma construção do absoluto, e a luz vista como manifestação dessa unidade. Para o idealismo subjetivo, nossas sensações têm causas externas, que existem independentemente de nós. Numa distinção hierárquica entre experiência interior e exterior, o fenômeno da experiência interior mostra-se em termos de revelações da coisa-em-si. Schopenhauer (1796-1879), para quem o mundo é pensado como representação, como se não existisse e não o víssemos, desenvolveu estudos óticos paralelamente à sua epistemologia (Schopenhauer, 1986). "Ele acreditava ter encontrado a causa do skieron não na própria atividade da luz, mas na atividade da retina, a qual poderia ser completamente ativa, completamente passiva ou parcialmente ativa. No último caso o fenômeno das cores aparece, e as diferentes cores correspondem a diferentes frações da atividade da retina como um todo" (Lauxterman, 1987, p.283). O cérebro tem um papel crucial no processo de transformação do material cru da sensação em percepção consciente. Os argumentos subjetivos do romantismo e do idealismo não são considerados, todavia, relevantes para a explicação da física ou da ótica geométrica, nem para a teoria física contemporânea no século XX, quando a física do arco-íris foi objeto de novas investigações.

As teorias contemporâneas, a espectroscopia e a leitura ótica

Desde Einstein (1879-1955), a velocidade da luz é tomada como uma constante, calculada a partir da sua velocidade no vácuo: o "grande e universal máximo c" (Dawkins, 2002, p.70). O 'índice de refração' de substâncias transparentes que a retardam é calculável, e tal retardamento se traduz em uma mudança de ângulo que implica uma variação de cor. Detectam-se, contudo, algumas recorrências, extrapoladas diretamente da decomposição do arco-íris. Alguns experimentos e avanços teóricos de Newton foram testados no âmbito da teoria ondulatória, mostrando que a teoria da luz como onda facilita a compreensão do espectro de cores. Na teoria ondulatória, as propriedades da luz são condizentes com a suposição de vibração transversa. A teoria quântica explicou a transmissão da luz através da noção de transmissão de fótons discretos, suplantando a teoria ondulatória, a qual todavia ainda é utilizada para fins de explanação conceitual. A espectroscopia, nos dias de hoje, ainda se vale de princípios de decomposição das cores do arco-íris que remontam a Newton.

As gotas de chuva agem como um espelho côncavo. Vemos o arco-íris na parte do céu oposta ao sol porque essas gotas refletem a luz do sol depois de refratá-la, a partir de um determinado ângulo atingido pelo sol, mais precisamente 42° acima do horizonte. O movimento do arco para baixo e para cima é inversamente proporcional ao movimento do sol. As ondas da luz do sol, de diferentes comprimentos, são inclinadas em diferentes ângulos, desdobram-se em cores e passam pelo interior da chuva até atingir a parte côncava do lado inverso, refletidas novamente para baixo. Quando passam novamente da água para o ar, são mais uma vez refratadas, inclinadas de novo em ângulos diferentes (Boyer, 1959, p.298).

Vemos o arco-íris como um conjunto, uma vez que o processo de decomposição da luz ocorre simultaneamente em uma multiplicidade de gotas. Cada observador vê o arco no centro de uma série de círculos. A faixa visível para a qual olhamos, no entanto, é comparada a uma fenda estreita no pleno espectro das ondas eletromagnéticas (Dawkins, 2002, p.69-80). A partir de experimento de Wollaston (1766-1828), que fez com que o raio de luz passasse por uma fenda estreita antes de atingir o prisma, o físico alemão Fraunhofer (1787-1826) mediu e catalogou sistematicamente linhas que configuram uma disposição característica, como as impressões digitais. A configuração depende das características químicas da substância pela qual passaram os raios de luz. A leitura, na espectroscopia, é análoga à decodificação do DNA, baseando-se ambas em uma análise da correlação do espacejamento de linhas. Dawkins lembra que a zoologia hoje pode "ler o corpo de uma espécie recém-descoberta e dar apenas um veredicto qualitativo sobre seu provável modo de vida e habitat". Com os modernos recursos da informática, contudo, informações meticulosas são associadas em bancos de dados genéticos, que combinam matematicamente detalhes de "dentes, intestinos, química do estômago, coloração e armas sociais, ossos, músculos e ligamentos...". Isto equivale a dizer que o animal, qualquer animal, "é um modelo ou descrição de seu próprio mundo ou, mais precisamente, dos mundos em que os genes de seus ancestrais foram naturalmente selecionados" (p.307).

Ao discorrer sobre uma epistemologia não-cartesiana, Gaston Bachelard trata do caráter redutivo da doutrina das naturezas simples e absolutas. Mostra como essa doutrina turva-se ante as evidências da ambigüidade essencial da prática científica atual, a qual, ao romper com o simples espírito de ordem e classificação, rompe também com a crença de que se possam tomar como ponto de partida elementos absolutos conhecidos diretamente, em sua totalidade. Exatamente como ocorre quando a riqueza e complexidade da concepção einsteiniana mostra as limitações da concepção newtoniana, colocando em dúvida seus pressupostos e apontando seu caráter provisório, dentro de novas bases (Bachelard, 1968, p.126).

O conhecimento da natureza da luz comporta problemas até hoje insolúveis. Há ainda o que descobrir a respeito da dispersão, da polarização e das propriedades das partículas dos raios de luz (Nussenzveig, 1977, p.116). As teorias do arco-íris são ponto de partida para experiências com base na leitura do DNA, cuja decodificação permite identificar variações genéticas. E a leitura do espectro das cores tem implicações práticas para o diagnóstico por imagens na medicina, como nos exames de densitometria óssea, por exemplo.

O arco-íris nos registros etnográficos no início do século XX no Amazonas

Etnógrafos estrangeiros que viveram na Amazônia, como Constant Tastevin (1880-1962), Theodor Koch-Grünberg (1872-1924) e Curt Nimuendaju (1883-1945), preocuparam-se em mostrar como índios e ribeirinhos viam o arco-íris e descreveram a duração e o movimento das imagens em seus pensamentos.

Os textos desses etnógrafos do século XX circunscrevem-se na trilha dos naturalistas viajantes, cujos relatos de viagem impregnavam-se da história natural e da filosofia da natureza sob influência do romantismo alemão, que já tematizava o organicismo, um dos pilares da moderna história natural (Richards, 1992). A abordagem humanista dos viajantes remonta ao geógrafo e viajante alemão Alexander von Humboldt (1769-1859), irmão mais novo do lingüista Wilheim von Humbold (1767-1859). Destaca-se, em grande parte de seus relatos, a convergência da narrativa literária com a observação científica, como decorrência da relação entre objetividade e subjetividade no estudo da natureza, implicando a existência de formas de mediação entre uma e outra. Já em Carl Von Martius (1794-1868), a descrição do cromatismo do nascer do sol, em seu relato de viagem no Pará, datado de 16 de agosto de 1819, "representa um gênero elaborado da mediação entre arte e ciência" (Bolle, 1999, p.273), dirigido a um público menos especializado que aquele ao qual os tratados de botânica se destinam. Em lugar da descrição factual e da objetividade própria aos tratados científicos, os relatos do viajante naturalista incorporam a seu enunciado o sujeito e os sentimentos, valorizando a subjetividade ao falar de sua "disposição de espírito, seu estado de alma, do momento", imprimindo à narrativa o caráter de "espelho de sua vida interior" (Spix, Martius, 1981, citado em Bolle, 1999, p.273), nos moldes do romantismo alemão de Goethe e dos irmãos Auguste Guillome Schlegel (1767-1845) e Charles Guillome Schlegel (1762-1829) (Berman, 2002).

Já os etnógrafos do século XX estavam em contato com expoentes do campo etnológico e, ainda que sob influência do romantismo e da filosofia da natureza do século XIX, imprimiam em suas observações a preocupação com a objetividade própria aos primeiros tempos da antropologia como disciplina científica. Como etnógrafos estrangeiros, preocupavam-se em traduzir as culturas ágrafas e os saberes locais e fornecer, desse modo, informações detalhadas sobre a fronteira amazônica para os leitores europeus.

Koch-Grünberg nasceu em Grünberg, no alto Hesse (Alemanha), e doutorou-se sob orientação de Adolf Bastian (1826-1905). Em 1903 subiu ao alto rio Uaupés, área geográfica pouco conhecida, com fronteiras ainda indefinidas, apesar das grandes expedições que ali fizeram cientistas naturais como botânicos, geólogos e geógrafos. Em Roraima, na fronteira com a Venezuela, Koch-Grünberg (1989) identificou a associação da representação da cobra-grande a uma constelação específica, a de Escorpião, denominada ali de Keieme, vista como capaz de transfigurar-se em arco-íris. Formado em filologia em Giessen e Tübingen, interessou-se pelas humanidades e enveredou pela etnologia. Os relatos de suas viagens reúnem descrições detalhadas de fauna, flora, cultura material, mitos, rituais, arte, lingüística, em suma, do modo de vida dos nativos amazônicos, interpretados segundo um pensamento humanista e publicados em inúmeras revistas especializadas, constituindo bases fundadoras dos estudos americanistas sobre as terras baixas da América do Sul. Deixou registros fotográficos e cinematográficos (Koch-Grünberg, 1995).

Em seu livro sobre os 'começos da arte' entre os índios do Noroeste amazônico, Koch-Grünberg (1905) descreveu a imaginação desses índios conforme os princípios de dinamismo mental, também na convergência entre romantismo e naturalismo. Afirmou que "os indígenas também têm sua 'poesia do céu'", citando a imagem poética de Byron para falar da configuração de imagens geradas pela imaginação humana a partir da configuração das estrelas. Comenta como a fantasia dos índios que conheceu povoa o céu com seres humanos e animais, formas freqüentes de sua saga (p.58). Para o etnógrafo, essa disposição em séries daria idéia não tanto de uma classificacão taxonômica, mas sim de uma dinâmica cinematográfica do pensamento indígena. Koch-Grünberg estava em sintonia com a visão de mundo de sua época, a exemplo de um curso ministrado por Bergson em 1902-1903 no Collège de France, "A história da idéia de tempo", no qual o mecanismo do pensamento conceitual é comparado ao do cinematógrafo (Bérgson, 1948, p.273).

Constant Tastevin, etnógrafo missionário nascido na região francesa da Bretanha, atuou durante vinte anos na prelazia de Tefé, na Amazônia brasileira. Estabeleceu, por intermédio de Jacques Huber, diretor do Museu Paraense entre 1907 e 1914, estreita relação com etnógrafos como Paul Rivet (1876-1958), Curt Nimuendaju e Koch-Grünberg. Do primeiro assimilou conceitos da lingüística e da antropologia, ainda que sob um viés missionário. Publicou inúmeros trabalhos sobre geografia e história em periódicos científicos europeus e publicou uma coletânea de seus registros sobre a Amazônia no Strategic index of the America (Tastevin, 1943). Consta na apresentação dessa coletânea: "Seus artigos são de uma significação especial, dado o interesse atual do desenvolvimento econômico e social da Bacia Amazônica". Com efeito, os trabalhos de Tastevin tiveram repercussão tanto por seus vínculos com o campo científico contemporâneo, como pela produção de um conhecimento sobre a Amazônia. A região representava, no início do século XX, um desafio para o conhecimento científico, para a ocupação territorial por parte dos Estados nacionais fronteiriços e para uma nova ordem econômica de integração de mercados.

Para Tastevin, os habitantes da Amazônia atribuem a formação de tempestades ao aparecimento do arco-íris. Acredita-se que não se deve jogar pimenta ou comida apimentada na água, pois a 'cobra-grande'/arco-íris, entidade 'encantada' que se instala nos locais mais profundos dos rios, se enfurece e castiga os infratores, atraindo a canoa para o fundo. Os turbilhões e as grandes tempestades são atribuídos a essas cobras encantadas, que se transformam de dia em arco-íris e de noite em mancha celeste. A constelação de Escorpião é a árvore pela qual a 'cobra-grande' subiu ao céu, o que significa que ela pode voltar à terra. Segundo uma história registrada por Tastevin em Tefé, dois pescadores mataram um macaco vermelho na boca do lago do Mamirauá – situado na área geográfica da atual estação ecológica Mamirauá –, cozinharam-no com pimenta e jogaram na água os restos apimentados. Imediatamente a cobra-grande que vivia no fundo daquele lago agitou o mundo subaquático, formando um temporal e transformando-se em um arco-íris, que começou a atrair a canoa dos pescadores, puxando-a para o céu como um ímã na direção do turbilhão. Os pescadores conseguiram forças surpreendentes para remar contra essa atração sobrenatural e lograram encostar em uma barreira de terra firme, salvando suas vidas e a canoa (Tastevin, 1925; Faulhaber, 1998).

Considerando as interpretações nativas sobre o arco-íris, Tastevin compulsou as lendas amazônicas juntamente com um reconhecimento geográfico exaustivo da região, que até os dias de hoje tem sido objeto de interesse científico, sobretudo do ponto de vista da ecologia e da biodiversidade. Note-se que essas observações sobre o arco-íris registraram-se no local onde hoje se encontra a Estação Ecológica Mamirauá, que recebeu grande visibilidade internacional por associar a preservação de espécies em extinção – como o acari branco – ao desenvolvimento sustentável com participação da população ribeirinha.

Curt Nimuendaju nasceu em Iena, cidade que serviu de ponto de encontro para os pensadores românticos alemães. Autodidata de formação, chegou ao Brasil em 1903. Colaborou desde 1935 com o etnógrafo austríaco Robert Lowie (1883-1957), discípulo de Franz Boas (1858-1942), autor que definiu a cosmografia na interseção de métodos das ciências naturais e humanas, mas que privilegiou em seus estudos o 'espírito do povo' ou a lógica do pensamento popular (Volkergedanken) em relação com as concepções geográficas, enfatizando como são traduzidas, pelos povos específicos, as relações entre os humanos e os fenômenos da natureza. Antes de migrar para o Brasil, Nimuendaju trabalhou como operário na fábrica Zeiss, especializada em lentes com alto grau de precisão, utilizadas em observações astronômicas (Welper, 2002).

Nimuendaju registrou representações sobre o cosmo em mais de 50 grupos indígenas do Brasil, identificando algumas constelações com grande precisão, e mostrou como os Tukuna (ou Ticuna, como se pronuncia em português pelos agentes locais) do alto Solimões diferenciam o arco-íris do leste e do oeste, ambos demônios subaquáticos, respectivamente o senhor dos peixes e o senhor da argila de cerâmica. A argila é retirada do fundo dos rios, ao passo que o arco-íris é associado ao desmoronamento de encostas (Nimuendaju, 1952, p.143). Mostrou que a associação geodésica com os pontos cardeais impregnava a mitologia e a organização social dos Ticuna. Segundo mito por ele compulsado, no início dos tempos os dois gêmeos míticos, os heróis culturais Dyoi' e Ipi começaram a brigar sobre a divisão do mundo, disputando quem receberia o leste ou o oeste. Ipi queria descer o Solimões para o leste e deixou os seus seguidores ocupando essa região. Mas enquanto ele dormia Dyoi' virou o mundo ao contrário, de forma que Ipi e seu povo ficaram no oeste, enquanto Dyoi' e seu povo permaneceram no leste, como este queria, e passaram a viver na terra do sol nascente, além do mar, em um lugar chamado Mu'ruapi, onde nenhum mortal jamais teve condições de chegar. Em outro mito, conta-se que muitos anos atrás um Ticuna viajou para onde o sol se levanta. No caminho chegou à casa de Dyoi'. Ele entrou, mas não viu Dyoi'. Para onde ele olhava, via apenas sua imagem, porque as paredes da casa eram feitas de espelhos. Dyoi' enviou-lhe mensagem para ele voltar para sua terra, porque não queria vê-lo nem ser visto por ele. O espelho não produz apenas o reflexo de uma imagem momentânea, mas dele se utiliza como retrovisor, registrando o movimento, e a idéia de relação com os mortos e com os que ainda não nasceram. A descrição do jogo de espelhos, que se refletem uns aos outros, remete, por seu efeito multiplicador, à idéia do jogo das reflexões e refrações do arco-íris (Nimuendaju, 1952, p.134). Conforme se depreende da leitura de Nimuendaju, para os Ticuna o arco-íris envolve, além da significação como fenômeno natural, observações sobre os pontos cardeais (Leste e Oeste), e a expansão dessa etnia em movimento oposto ao da expansão colonial portuguesa, de Oeste para Leste.

Considerar esses etnógrafos implica imprimir uma dimensão humana à história da ciência, cuja problematização não se reduz ao recurso a um instrumento de detecção positiva (Canguilhem, 1979, p.13), mas procura discernir, nos depoimentos, aquilo que pode responder a determinada problemática formulada em termos de inquérito, dentro de determinado(s) paradigma(s). Embora estivessem informados pelo Romantismo e por práticas das ciências naturais do século XIX, tinham contato com cientistas e vanguardas do século XX e realizavam estudos etnográficos cientificamente embasados, envolvendo disciplinas relacionadas. As observações desses etnógrafos não eram realizadas em laboratório, mas em interação direta com agentes e agências das sociedades nacionais. Sendo assim, não se pretende opor o que é interno e o que é externo à história das ciências. A correlação dos registros etnográficos sobre o arco-íris com a história da explicação do fenômeno leva a destacar a importância desses registros para a história da meteorologia, da astronomia e da etnociência, sobretudo no que diz respeito ao sujeito que observa lugares geográficos e sociais específicos e traduz, em linguagem escrita e ordenada segundo critérios racionais, a visão de mundo de membros de povos nativos sobre a relação entre os humanos e a natureza.

Os planos de desenvolvimento gerados no pós-guerra incluíram grandes esquemas de pesquisa nas ciências naturais e sociais (Asad, 1993). Esses planos incorporaram as contribuições de etnógrafos da Amazônia na primeira metade do século XX. Sendo assim, não é gratuita a publicação em Washington, em 1943, de uma coletânea dos principais artigos de Tastevin e da monografia de Nimuendaju sobre os Ticuna, pela Universidade da Califórnia, em 1952: a hegemonia no campo científico deslocava-se da Europa para os Estados Unidos. No espectro de relações entre Estados Unidos e demais países do norte e a América do Sul, a Amazônia já aparecia como uma fronteira de recursos e, por conseguinte, como uma 'fronteira científica', ou seja, lugar da produção de escritos e reflexões considerados científicos, ainda que aqueles que os produzem não sejam considerados verdadeiros interlocutores.

A seguir, exponho minha abordagem das atuais representações sobre o arco-íris na Amazônia brasileira, coletadas em pesquisa etnográfica atual, e uma reflexão sobre o seu rastro na região.

O arco-íris hoje: uma perspectiva etnográfica

Lévi-Strauss (1908-) abre sua coleção sobre a mitologia dos índios das terras baixas da América do Sul com um volume no qual cita largamente os etnógrafos considerados neste artigo. Em sua análise estrutural disseca os mitos, com o objetivo de observar as variáveis com as quais são formulados. Define a própria 'ciência dos mitos' como uma anaclástica, "tomando este termo antigo no sentido lato, autorizado pela etimologia, e que admite em sua definição o estudo dos raios refletidos e refratados" (Lévi-Strauss, 1991, p.15). Relaciona, assim, seu objeto à história das teorias do arco-íris; incorporando-as à sua reflexão e desenvolvendo idéias apresentadas em trabalhos anteriores, com o propósito de considerar o pensamento mítico como um sistema de classificações (Lévi-Strauss, 1962).

Apreende-se, aqui, a contribuição deste autor não em termos de um estruturalismo a-histórico, mas numa perspectiva antropológica que considera os índios hoje, que vivem em uma situação histórica de contato interétnico com a sociedade nacional. Com efeito, em muitas áreas da Amazônia os índios, sem abandonar suas tradições, apresentam idéias semelhantes às populações brasileiras suas vizinhas, pois o contato os leva a compartilhar o modo de vida da sociedade envolvente sem que deixem de conceber o mundo dentro de uma identidade etnicamente diferenciada (Oliveira, 1988). Em nossa pesquisa com os índios Ticuna, verificamos que suas classificações sobre a natureza e as espécies são sofisticadamente elaboradas. Tal sistema de classificações é ordenado por uma lógica própria ao pensamento humano, que também informa a "teoria nativa" (Cardoso de Oliveira, 1979). Cabe à teoria antropológica, com base em padrões de objetividade universalmente aceitos, traduzir as concepções locais em um sistema universalmente reconhecível. Em termos de parâmetros de objetividade científica universalmente aceitos, cabe à mesma teoria mediar as distintas concepções na história do conhecimento e das técnicas científicas, a fim de avaliar o alcance da racionalidade e da lógica humana (Tambiah, 1995).

A teoria nativa, nesse sentido, procura explicar a cultura, compreendida antropologicamente como um sistema simbólico que constitui fontes extrínsecas de informação. Assim como a ordem das bases de DNA forma um programa codificado, os padrões culturais provêem programas para a instituição dos processos sociais e psicossociais que delineiam o comportamento público (Geertz, 1973, p.92-94). No entanto, diferentemente dos estudos genéticos, que identificam 'modelos para', a interpretação antropológica também fornece 'modelos de' padrões culturais: ela dá sentido, ou seja, dá forma conceitual à realidade social e psicológica, definindo-se em conformidade a tais padrões, ao mesmo tempo que os define em conformidade com seus próprios modelos. Essa compatibilização de modelos 'de' e 'para', tornada possível pela operação simbólica, é uma característica distintiva das ciências humanas (Rabinow, 1973, p.64).

As interpretações indígenas sobre a cobra-grande/arco-íris contemplam matizes de padrões de cor dos diferentes tipos de cobras e podem apresentar contribuição ao estudo da diversidade biológica. Em oficina realizada na reserva de herpetologia do Museu Goeldi5 5 Oficina promovida dentro das atividades de elaboração do CD-rom Magüta Aru Inü. jogo de Memória. Pensamento Magüta, Belém, Museu Goeldi, 2003. Prêmio Rodrigo de Melo Franco de Andrade (Iphan, 2003) na categoria Inventário de Acervos e Pesquisa. O CD-rom sistematiza classificações Ticuna sobre espécies zoológicas de plantas, animais vertebrados e invertebrados, associando-as a representações iconográficas e a padrões gráficos constantes nos artefatos rituais Ticuna da Coleção Nimuendaju do Museu Goeldi. Tais classificações e representações levam em consideração a relação entre as espécies e o meio ambiente, que os Ticuna conhecem meticulosamente, uma vez que vivem em contato direto com a natureza, em atividades de sobrevivência como caça, pesca e coleta. Tal como suponho, as classificações indígenas, concebidas no âmbito da historicidade das relações entre os humanos e o meio ambiente, correspondem, no plano da teoria nativa, à história, à zoologia e à astronomia no plano das teorias científicas. (Faulhaber, 2004). Nossas observações vêm ao encontro da argumentação de Dawkins, quando afirma: "Em alguns casos, o corpo de um animal é uma descrição do mundo no sentido literal de uma representação pictórica ... Todavia, assim como a arte não tem de ser literal e figurativa, pode-se dizer que os animais descrevem o seu mundo de outras maneiras: impressionista, digamos, ou simbólica" (Dawkins, 2002, p.308). , representantes Ticuna identificaram, por exemplo, uma espécie ali armazenada – Epicrates cenchria, denominada popularmente jibóia vermelha no Brasil conhecida nos Estados Unidos como rainbow snake – como uma forma da serpente arco-íris tal como representada pelos Ticuna.

Segundo afirmaram representantes Ticuna, essa serpente, quando viva e no fundo da água, é amarelada e brilhante. Recriada mentalmente é personagem imaginária, 'encantada', chamada pelos Ticuna de Yewae. No imaginário Ticuna a serpente, cujo brilho assusta as pessoas, é capaz de fazer quem a vê perder a noção de perigo e chegar até o desespero ou a loucura. As representações sobre o arco-íris são aqui focalizadas pela antropologia histórica dos fenômenos meteorológicos e climáticos, considerando as contribuições da história cultural para a análise do meio ambiente amazônico.

O relato seguinte foi registrado por mim em observação direta entre os índios Miranha do rio Japurá, há muito tempo em contato com a sociedade nacional e com modo de vida semelhante ao dos outros ribeirinhos não índios do Japurá,

A cobra é encantada, tem um poder de jogar um pedaço de terra, de fazer um novo rio, um igarapé, ela fura, passando em cima forma um rio. Também tem poder de formar arco-íris. Quando está sol, ela pode soprar assim, joga água para cima se transforma o arco-íris. O arco-íris depende do choque da água com o sol e o vento. Ela pode assoprar esta água tão grande, que como que pulveriza com a venta. E o vento, juntamente com o sol, torna o arco-íris. Mas se acaba rapidinho, porque não tem possibilidade todo o tempo de ficar soprando ... O arco-íris é um sinal, que quando aparece o arco-íris ela está chupando a atmosfera da água para cima. Chama a chuva do arco-íris, que ela está chamando juntamente com o vento, e com o sol... O arco-íris é o encontro do sol e da água. Se tem uma chuva forte, caindo aqui em cima, aí tem aqui o vento, forte. Se o sol está forte, e está de lá para cá, aí fica entre o sol, o vento e a chuva, aí transforma em arco-íris. Fica o arco, conforme está as nuvens, a gente pensa que vai cair água, mas vem o arco-íris. Se uma criança pega uma chuva dessa, fica ferida, fica com mijo de arco-íris. Nós temos um pau aqui na beira, que é meio azul, chama pau de arco-íris. A gente esmigalha, e sai aquela folha, e banha na cabeça da criança, todinha, aí sara.

A linguagem dos índios e ribeirinhos não é fechada em si mesma, porque essas populações estão em contato com a sociedade nacional. No depoimento, o pensamento lógico e o pensamento mágico estão combinados. Semanticamente, ela pode ser tanto a 'cobra-grande' como o arco-íris; ou a 'chuva de arco-íris', que tem o poder de 'encantar', de trazer doenças; ou ainda a natureza, onde existe o 'pau de arco-íris', que tem o poder de curar as feridas dos meninos que pegaram a 'chuva de arco-íris'. Mas também pode corresponder à noção de atmosfera, que é uma concepção de observação objetiva, possivelmente introduzida por agentes da sociedade nacional que manejam conhecimentos científicos. O próprio pensamento científico aparece, aos olhos do nativo, como um pensamento mágico.

Segundo Dumont (1972; 1979), a ciência moderna explica o arco-íris como um fenômeno atmosférico que se encontra abaixo de corpos celestes como a lua, o sol e as estrelas. No entanto, na cosmologia de índios americanos como os Panare o arco-íris está acima dos outros corpos celestes, em um sistema lógico de classificações (que associa os corpos celestes a termos de parentesco), revertendo, assim, a percepção ordinária. Para falar sobre a polaridade e alternância entre amanhecer e entardecer ou estação seca e estação das chuvas, eles evocam o aparecimento ou desaparecimento de estrelas ou constelações específicas. Nesse jogo de termos complementares, que, segundo Dumont (p.181), expressa uma teoria da reversão sexual e serve como uma metáfora do fluxo do tempo, a Via Láctea, que aparece sobretudo nas noites de verão, contrapõe-se ao arco-íris, um ser andrógino associado à chuva e que aparece apenas de dia, principalmente na estação chuvosa.

O arco-íris está presente em outros enunciados míticos na literatura antropológica latino-americana, sobretudo em estudos produzidos no México – sobre a serpente emplumada, que teria também relação com o arco-íris, com o cromatismo e com a historicidade indígena – e na Colômbia, onde recentemente têm sido produzidas monografias relacionadas com as etnias e o tema deste artigo. Observou-se, por exemplo, que os índios pré-colombianos de San Augustin conheciam o prisma e o utilizavam em rituais de magia (Reichel-Dolmatoff, 1972). Consta que o arco-íris estava entre as principais divindades de adoração dos Inca andinos (como o sol, a lua, Vênus e o trovão), assumindo, em muitos registros, a forma de serpente arco-íris (Urton, 1999). Os Maia meso-americanos relacionam a serpente emplumada (Quetzalcoatl/Kukultan) a Vênus e à fertilidade, na historicidade de um sistema de pensamento que ordena o caos e torna-se vital na promoção da vida metódica (Aveni, 1992).

Em estudo etnográfico realizado em solo colombiano, o 'caminho do arco-íris' é relacionado, nas representações de Miranha e Uitoto, à rota mercantil e aos comerciantes portugueses, os quais, dirigindo-se do Oriente para o Ocidente, viajavam comprando, vendendo e transportando mercadorias e escravos indígenas (Pineda, 1979, p.52.). Numa suposição que formulei em trabalho anterior (Faulhaber, 1998), as representações sobre o caminho do arco-íris correspondem a uma polêmica entre historiadores com base em documentos sobre a história da expansão portuguesa na Amazônia, que era disputada entre Portugal e Espanha. Tais disputas luso-espanholas foram as bases dos tratados que resultaram na delimitação das fronteiras entre Brasil e Colômbia (Faulhaber, 2005). O caminho do arco-íris estaria relacionado com a cobra que caminha pelo fundo do rio e serve também como veículo de transporte, ou 'navio encantado', e como transmissor de doenças. A cobra-grande teria um ímã que 'atrai', tal como os comerciantes 'atraem' os fregueses. O 'banco' e o homem branco aparecem, nesse sistema simbólico sobre os movimentos étnicos, a troca e a luta dos homens, como um 'encantado' e são transfigurados por feições fantasmagóricas, ao imporem, pela violência, a submissão a relações desiguais.

Entre os Araueté, Wayãpi e Aché, o arco-íris é uma cobra mítica de grande sensibilidade olfativa. As cobras, por sua capacidade de trocar de pele, simbolizam a imortalidade e, por seu veneno, conduzem a idéias ligadas à paralisia, associadas em geral ao mundo das águas e a toda uma simbologia da morte. Em uma cadeia de significados, passam a se relacionar com o céu e com os fenômenos atmosféricos. A imagem do trovão, para os Tapirapé, e do arco-íris, para os Guarani, expressa ao mesmo tempo o espectro dos mortos e a posição do inimigo, ocupando a posição do 'outro' (Viveiros de Castro, 1986, p.446).

Em mitos nos quais se evoca a imagem do caos, a imagem do arco-íris é associada a mitos sobre a catástrofe primordial e o subseqüente renascimento. Relaciona-se tanto à idéia de invenção das línguas quanto à de convulsão apocalíptica. Segundo Sullivan (1987, p.73),

A base para a distinção epistemológica entre seres relacionados em essência deve ser encontrada nas relações, retratadas nos mitos, entre criação, destruição, desordem e re-criação. O arco-íris, do qual todas as cores derivam, é considerado como uma espécie de degradação das cores primordiais. É uma articulação entre cores separadas, degradadas, que as permite serem recolhidas e reordenadas em uma nova conjunção.

Para a comunidade de Chuami, na Bolívia, "cada cor é a expressão mediadora de uma fonte singular, que consiste na totalidade primordial da luz, a qual é um complexo mítico do território sagrado, localizado no centro do espaço do mundo" (Martinez, 1983, citado em Sullivan, 1987, p.73).

A associação cobra-grande/arco-íris conecta aquilo que seria inconectável. No imaginário de diversos povos, mundos sobrenaturais subterrâneos ou subaquáticos e celestiais estariam conectados simbolicamente por uma 'terra intermediária'. O domínio da atmosfera, por sua vez, seria a mediação entre a terra e o firmamento superior. Entre as representações de seres que transitam por tais domínios intermediários, a imagem da cobra-grande/arco-íris, em suas metamorfoses, passa dos mundos inferiores para a terra, e desta para os mundos superiores (Sullivan, 1987, p.73). A dissociação das duas entidades representa a separação e a distinção entre os diferentes domínios.

Essas imagens apresentam relações entre o mundo terreno, o mundo subterrâneo e subaquático, e o mundo celeste da atmosfera e do firmamento superior. A chave das passagens entre esses domínios identifica-se com a ação de virar o mundo de dentro para fora, invertendo-o através de um jogo de espelhos. Isso ocorre na mudança de sexo, na passagem da noite para o dia, nos eclipses do sol e da lua. A associação arco-íris/serpente seria a ponte entre esses domínios, e a sua dissociação denota distinção e separação entre eles. De acordo com Sullivan (1987, p.181), "Sua função é duplamente perigosa, pois, constituindo o elo que une coisas separadas, remete ao estilhaçar deste mundo no qual vivemos, e engendra a eliminação das diferenças e a perda da identidade". A associação cobra-grande/arco-íris como imagem enraizada nos dois domínios conecta a vida humana e o domínio transcendental. A cobra-grande – que se transfigura em arco-íris e mancha celeste e transita do mundo subaquático para o mundo subterrâneo e para o domínio da terra – simboliza a relação do mundo dos mortos com o mundo histórico e terreno das relações sociais. A disjunção dessas imagens indica a idéia de perda de identidade e vivência do desterro.

Representações no domínio dos fenômenos atmosféricos estão ligadas a atividades socioeconômicas como a horticultura e a agricultura. Durante o dia, pertencem ao domínio do arco-íris como Grande Serpente, tempestade com chuva e/ou chuva de pedra, raios e trovões. À noite, o domínio é da Via Láctea, outra forma da serpente gigante, associada ao dragão por sua aparência liminar celestial, como a 'serpente que voa' e se transpõe da terra para a atmosfera, dois 'mundos intermediários'. Nesses mundos intermediários vivem os humanos, que percebem os efeitos das atuais transformações do meio ambiente, provocadas pelas mudanças climáticas globais. Sendo assim, tais representações são interessantes não apenas para a história cultural do clima, mas também para os estudos da diversidade biológica da Amazônia, região que continua, neste limiar do século XXI, na ordem do dia como fronteira de recursos.

Considerações finais

O conhecimento disponível sobre a história da teoria do arco-íris não chega a um ponto final e conclusivo, mas lança luz sobre o fenômeno, assim como a história das representações coletivas sobre ele faz que se olhe de outra maneira para a história das chamadas 'ciências exatas'. Cabe à antropologia relacionar essas abordagens umas às outras.

Conforme exposto neste trabalho, a lógica da separação das cores do arco-íris é um modelo para a leitura científica de outros códigos da natureza. Os estudos sobre as formas de classificação mítica indicam que povos ágrafos como os indígenas da Amazônia fornecem meticulosas descrições sobre a formação das cores da natureza. Partem de um imaginário iconográfico que constitui padrões figurativos do cosmo com base no domínio animal e vegetal, que permitem identificar corpos e seres com grande precisão, dentro de uma lógica classificatória que não coincide, exatamente, com a taxonomia astronômica, botânica e zoológica. Entretanto são conhecimentos valiosos para as ciências ambientais e para a compreensão científica do cosmo e da biodiversidade. Está em voga a discussão sobre a propriedade intelectual e as patentes relacionadas ao seu registro, que abrange os conhecimentos indígenas sobre uma ampla gama de disciplinas, compreendendo a genética, a zoologia, a astronomia e a geologia.

Evitamos, no decorrer deste trabalho, recair em uma hierarquia entre as disciplinas científicas, supondo, ao contrário, que o conhecimento da física e da matemática é igualmente relevante ao da antropologia ou história. Tal simetria permite uma complementaridade entre as teorias sobre o arco-íris, as quais, no entanto, estão longe de se esgotar. As explicações lógicas não têm como efeito destruir o encanto das imagens poéticas. As análises em ciências humanas contribuem para a compreensão dos fenômenos, dentro de uma complementaridade entre disciplinas.

Persistem os motivos de suspeita e curiosidade sobre o arco-íris, contínuas fontes para a imaginação antropológica, assim como as 'dúvidas prévias' que animam o espírito científico e constituem seu traço essencial, continuamente renovado.

NOTAS

Recebido para publicação em junho de 2006.

Aprovado para publicação em outubro de 2006.

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  • 1
    A história da ciência, na descrição rigorosa do processo pelo qual a verdade é elaborada em sua historicidade, é a pedra de toque "da arquitetura da casa da razão habitada por Canguillem" (Rabinow, 1996, p.82; 1999, p.125).
  • 2
    Descartes é considerado um ícone da racionalidade científica. Sua biografia, todavia, indica que ele não pertencia, propriamente, ao
    establishment. Passou muitos anos de sua vida no estrangeiro, adquirindo certo respeito pela diferença, ainda que isso não seja suficiente para encontrar uma postura 'antropológica', caracterizada como "uma disciplina em crise constituída por um sujeito em crise" (Rabinow, 1982, p.185).
  • 3
    Descartes afirmou considerar sua pesquisa sobre o arco-íris um bom exemplo de seu método, distinguido em três partes, relacionadas às três capacidades mais importantes do conhecimento (intuição, imaginação e sensibilidade, respectivamente): (1) as proposições que contêm as verdades
    a priori; (2) as suposições e hipóteses especulativas; (3) as descrições empíricas, generalizações e leis da teoria da refração e reflexão, descrita em
    La dioptrique, que Descartes aplicou ao arco-íris (Tiermersma, 1988).
  • 4
    A condenação de Galileu Galilei pela Inquisição, em 1633, por suas hipóteses e demonstrações, causou grande preocupação a Descartes, que temia que isto fosse criar problemas à circulação de suas obras, uma vez que ambos tinham como referencial o sistema copernicano. Os acontecimentos levaram Descartes a deixar de lado a filosofia da natureza e passar a formular suas indagações sob o marco da metafísica legitimadora, o que pode ser considerado uma estratégia para não cessar suas reflexões (Gaukroger, 1999, p.360).
  • 5
    Oficina promovida dentro das atividades de elaboração do CD-rom
    Magüta Aru Inü. jogo de Memória. Pensamento Magüta, Belém, Museu Goeldi, 2003. Prêmio Rodrigo de Melo Franco de Andrade (Iphan, 2003) na categoria Inventário de Acervos e Pesquisa. O CD-rom sistematiza classificações Ticuna sobre espécies zoológicas de plantas, animais vertebrados e invertebrados, associando-as a representações iconográficas e a padrões gráficos constantes nos artefatos rituais Ticuna da Coleção Nimuendaju do Museu Goeldi. Tais classificações e representações levam em consideração a relação entre as espécies e o meio ambiente, que os Ticuna conhecem meticulosamente, uma vez que vivem em contato direto com a natureza, em atividades de sobrevivência como caça, pesca e coleta. Tal como suponho, as classificações indígenas, concebidas no âmbito da historicidade das relações entre os humanos e o meio ambiente, correspondem, no plano da teoria nativa, à história, à zoologia e à astronomia no plano das teorias científicas. (Faulhaber, 2004). Nossas observações vêm ao encontro da argumentação de Dawkins, quando afirma: "Em alguns casos, o corpo de um animal é uma descrição do mundo no sentido literal de uma representação pictórica ... Todavia, assim como a arte não tem de ser literal e figurativa, pode-se dizer que os animais descrevem o seu mundo de outras maneiras: impressionista, digamos, ou simbólica" (Dawkins, 2002, p.308).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      Out 2006
    • Recebido
      Jun 2006
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