FONTES
Assistência aos epilépticos: colônias para eles
Dr. Juliano Moreira
Diretor do Hospício Nacional de Alienados
O grau de cultura moral de um povo deverá ser aquilatado pela solicitude com que soubesse atenuar dores a aflições aos que baqueiam na concorrência social e ainda mais pelo afã com que as procurasse evitar.
Penaliza ver que, entre nós, nem sempre é meneada no melhor sentido a filantropia dos que por força da atual organização das sociedades entesouram riquezas que a utopia desejara coletivas.
Por outro lado poucos de nossos estadistas se atrevem a ser úteis ao progredir do grupo social.
Mas se de longe em longe surge um homem de Estado bem intencionado, capaz de impulsos eficazes, abalancemo-nos a lembrar reformas. Parece certo que os poderes públicos depois de terem melhorado o Hospício Nacional de Alienados vão assegurar a eficácia deste melhoramento, reformando por completo as colônias ora existentes na ilha do Governador. Pela urgência da medida já insisti junto ao Governo. Apenas de uma parte restrita da assistência aos frenopatas vou ocupar-me agora, ainda que esteja muito convicto de que também aos idiotas, imbecis e alcoólatras pobres é necessário dispensar ensino, proteção e tratamento.
Quem quer que tenha notado a frequência da epilepsia no Brasil e observado nas ruas desta Capital crises do mal convulsivo; quem como eu tiver visto em plena via publica impulsões epilépticas violentas, acredito refletirá um pouco sobre a urgência da criação de um asilo-colônia para comiciais pobres.
Não vem ao caso discutir se é uma ou se é múltipla a epilepsia: basta lembrar que os epilépticos fornecem um vasto contingente à legião de criminosos de todas as classes.
Tenho tido várias ocasiões de entristecer-me vendo doentes tais irem, por força do mal que os aflige, de degradação em degradação até às vezes à contingência de recidivantes das cadeias onde ao menos têm alimento.
Entre esses sempre me lembro de um bom alfaiate, poeta repentista, epiléptico procursivo, cuja vida tive ocasião de acompanhar durante anos. Em certa época de sua existência amiudaram-se os ataques. Deixava o trabalho em meio, em plena oficina e ora erguendo-se, tesoura em punho, ia pisando e ferindo os outros, machucando-se a si próprio, até cair em convulsões atestantes da natureza de seu mal; ora simples ambulatório, vagueava a grandes distâncias até que de súbito, caindo em si, sentia-se embaraçado em explicar porque fora ter tão longe.
Receando os prejuízos ou acidentes, despedira-o o proprietário de cuja casa era ele chefe de oficina. Pesaroso, procurou tratar-se, mas a vida começou a tornar-se-lhe dificil; recolheu-se ao hospital, serviço do professor Fontes, de quem era eu então Assistente. Lá tive várias ocasiões de observar crises análogas às que ocasionaram o ter sido despedido da casa em que estivera tão bem colocado. De uma feita, erguendo-se do seu leito avançou direito ao de um velho parkinsoniano e subindo-lhe sobre o ventre levou a um tempo as duas mãos à garganta do pobre sexagenário, que teria sucumbido se rapidamente não acudissem enfermeiro e enfermos. Aos encontrões destes despertou o epiléptico como de um sonho. Do ocorrido resultou que a irmã de caridade tanto o atenazou com suas impensadas recriminações que o doente insistiu por sua alta. Depois de várias tentativas para achar colocação, resolveu trabalhar na própria casa em que habitava em companhia de alguns parentes. Novas crises ocorreram e uma delas com impulsão homicida.
Então levaram-no preso e após uma quinzena de martírio na chamada Casa de Correção, foi levado para o Asilo de São João de Deus. Ali, por força do seu mal, foi-lhe o viver sempre intolerável, levando-o à tentativa de suicídio a tempo frustrada. Deram-lhe alta e depois o vi várias vezes maltrapilho, descalço, ora ébrio, provocando conflitos, ora escoltado por policiais levado a passar uma temporada na tal Casa de Correção.
Eis aí uma série de infortúnios, que bem poderiam ter sido evitados se já tivessem os poderes públicos cogitado dos meios de hospitalizar doentes desta natureza.
Não fora o receio de alongar demasiado estas linhas e citaria vários outros casos que tornam evidente a urgência de medidas no sentido de tornar inofensivos indivíduos perigosos.
Em 1881 dizia Lunier: "É preciso refletir que dos 28.000 epilépticos não hospitalizados, a maior parte é suscetível de melhora, que muitos deles são incapazes de prover as suas próprias necessidades e que quase todos podem enfim em um dado momento tornar-se perigosos para a segurança pública".
Estas palavras tão verdadeiras parecem, salvo aquele algarismo, escritas para nós e demonstram a oportunidade e importância da questão de hospitalizar epilépticos.
Lá em França é necessário que a caridade médica, para favorecer o epiléptico não alienado, use de subterfúgio, "ponha-lhe sempre sobre as espáduas a capa do delírio", segundo a excelente expressão de Legrand du Saulle. Por isso é que Lasegue disse: "É preciso convir em que é cruel infringir a um homem o seguinte programa: Nada tendes a pretender aqui, se fosses louco seria outra coisa... Há muito assisto a esta luta do epiléptico contra a miséria e da sociedade contra o epiléptico; tenho gasto o melhor do meu querer e ainda estou por encontrar um homem da administração pública que preste ouvidos a minhas reclamações".
Nos diferentes projetos que têm sido propostos para modificar a lei de 30 de Junho de 1838, o princípio da assistência aos comiciais tem sido admitido (o projeto Roussel, 1884, o projeto de 1887, e o adotado pelo Conselho Superior).
Sob a influência de Bourneville no relatório Reinach, em vez da simples faculdade de socorrer o epiléptico não alienado, está prescrita a obrigação de fazê-lo. E no relatório de 1898, Dubief diz: "Os asilos públicos devem ter, à falta e à espera de asilos especiais, anexos ou divisões para epilépticos, alcoólatras, idiotas e cretinos". Estes pacientes continuarão a ser admitidos nos asilos, aguardando a abertura de asilos especiais.
Nos considerandos que precedem ao texto dos projetos, Dubief frisa bem o seguinte ponto: "Nós tivemos em mira estender o dever de assistência e proteção especial aos epilépticos não alienados, estes párias repelidos da escola, da oficina, da usina, etc.".
Entre nós, em geral, somente se efetua qualquer reforma quando vemos que por toda parte já vai adiantada a execução da mesma. Não se admitem originalidades: é sempre preciso que se alegue o que vai pelos países adiantados; progredimos sempre por mimetismo. Por isso é que aí vai minuciosamente o que se tem feito algures pelos epilépticos. Tem ao menos a boa causa pela qual agora pugno uma boa porção de exemplos em que se apoiar.
Já de há muitos anos andam os psiquiatras em seus congressos cuidando de melhorar a sorte dos epilépticos. Na Sociedade Médico-psicológica, no Congresso dos Alienistas e no de Assistência, reunidos em Lyon, no dos alienistas alemães, na Associação Americana de Neurologia, etc., numerosos debates têm sido efetuados sobre as condições de assistência devida aos comiciais.
Desde o fim do século XVII porém, que a princesa Paulina Christina von Lippe, que tivera o mérito de fundar um dos primeiros manicômios alemães, com extraordinária intuição de um grande dever social, nutrira a ideia de fundar uma colônia agrícola para epilépticos, não chegando a efetuá-la por falta de auxílio por parte dos poderes públicos.
É real que na Alemanha (Julius Hospital de Wurzburg, o nosocômio de Frankental) desde o século XVIII foram separados os epilépticos dos outros enfermos e alojados em locais apensos; mas foram e ficaram tentativas isoladas sem as vantagens da vida livre em colônia.
Foi somente em 1867 que o Pastor Friederich de Bodelschwingh fundou a primeira colônia agrícola para epilépticos em Bielefeld, na Westphalia. Quatro rapazes apenas existiam na pequena herdade de Bethen a 15 de Novembro de 1867, quando foi instalada a nova colônia. Fora o Conselho provincial de Westphalia que em 1865, a uma comissão de homens devotados à causa pública, encarregara de se ocupar com a sorte dos epilépticos. Daí proveio a benemérita instituição a que me vou referindo. Hoje o sanitário do bom Pastor Bodelschwingh é uma das colônias agrícolas mais povoadas e a ninguém é dado estudar a história de institutos desta natureza sem dar uma vista de olhos sobre aquele verdadeiro ponto de partida da melhora real da sorte dos epilépticos nos países verdadeiramente civilizados.
Ainda que muito convicto de que instituições tais só podem ser confessionais quando muito entre os povos em que a educação cívica corre paralela com a religiosa, ainda que desaprove as leis gerais adotadas em Bielefeld no que diz respeito ao modo de encarar os epilépticos, não me posso furtar ao dever de curvar-me ante o velho Pastor que soube, fundando e mantendo aquela colônia modelo, dar o maior impulso ao movimento de assistência em favor desses infortunados.
A colônia de Bielefeld hoje abriga 3.000 epilépticos, é uma verdadeira cidade com seus arredores, estendendo-se sobre 320 acres de terra, com florestas e prados magníficos, elegantes casas de habitação, oficinas, jardins, etc. Além das escolas primárias, há ali uma biblioteca, tipografia, orquestra, museu - rico de objetos antigos, de coleções históricas, etnográficas, vegetais, animais e minerais.
Há também enfermarias para os casos graves.
Em todas as casas, circundadas de jardins, há muito asseio e conforto.
Em todas as lojas e em todas as escolas permanece sempre um leito ou um colchão para os pacientes que subitamente têm ataques. Há ali excelentes guardas que frequentaram uma escola preparatória lá existente na qual também vão aprender a arte do enfermeiro, senhoras até pertencentes à melhor sociedade, desejosas de dedicarem-se à assistência dos alienados.
Regime muito vegetal, dieta láctea, café e chá sempre misturados ao leite; abstenção completa do álcool, permissão muito restrita de fumar: eis como ali se vive.
O corpo sanitário compõe-se de três médicos, dos quais um habita dentro da colônia.
Os resultados da vida colonial em Bielefeld são que ela cura um sexto dos epilépticos hospitalizados, melhora 40% e impede que os outros pacientes não melhorados enlouqueçam ou caiam em demência.
Não fora o receio de alongar demasiado estas notas e ainda diria algo sobre a colônia de Bielefeld, tão instrutivo é tudo que ali tem ocorrido.
Passados alguns anos após a fundação do Pastor Boldeschwingh, começaram a desaparecer os receios dos que temiam que a vida de um epiléptico no meio de outros pacientes do mesmo mal pudesse piorar-lhe o caráter, torná-lo mais triste, mais irritável. Bem ao contrário disso tem sido observado. Daí o ter-se difundido a ideia da fundação de outras instituições análogas. Assim surgiram as colônias de Rotenburg, no Hannover, de Maria Hilf, perto de Münster, a de Olpe, na Westphalia, a de Alexander Kloster, em Aachen, a de Rath, perto de Düsseldorf para a província de Rhenana, a de Neustadt-Thale, na Saxônia, a de Tabor, perto de Stettin, na Pomerânia, a de Kartshof, perto de Rostenburg, na Prússia Ocidental, todas fundadas por associações religiosas.
Lamentável é que somente com o auxílio da caridade religiosa tenham os poderes públicos chegado a tão imprescindíveis resultados.
Assim procedendo não têm feito mais do que incrementar a influência clerical sempre disposta a olhar o tratamento dos epilépticos por prisma diverso do que utiliza a ciência.
Em 1891 pediram os psiquiatras alemães no Congresso de Weimar que os poderes públicos procurassem hospitalizar os epilépticos dando a direção dos estabelecimentos a especialistas competentes. A Saxônia e a municipalidade de Berlim em resposta ao apelo do referido Congresso fundaram dois asilos para epilépticos, que foram confiados a Wildermuth e a Hebold.
A colônia de Wuhlgarten, perto de Biesdorf, a 8 Km de Berlim, poderá conter até 1.100 epilépticos e foi feita um tanto sob o tipo de Bielefeld; tem sobre esta as vantagens de sua direção leiga e científica.
Ao longo de uma avenida de 1.200 metros de extensão marginada de cerejeiras, foram construídos pavilhões diferentes uns dos outros, podendo alojar de 15 a 20 pacientes cada um.
Logo à entrada da colônia, à esquerda, está a escola para os jovens epilépticos.
A epilepsia foi dividida quanto possível em suas diversas formas clínicas segundo a gravidade e a duração do mal. A parte hospitalar destinada ao tratamento dos agitados e dos intercorrentes foi construída com especiais precauções higiênicas, tendo em vista os novos princípios de técnica manicomial. Além dos 6.300 metros quadrados para cultura, dispõe o Dr. Hebold, para ocupar os seus pacientes, de oficinas de marcenaria, sapataria, etc., de acordo com as aptidões e preferência deles.
A igual distância de Berlim e Hannover há o asilo-colônia de Uchtspringe arranjado a princípio para alojar 600 idiotas e epilépticos, tendo, porém, terreno para construir onde dar assistência a 1.000 doentes. 3.153.000 marcos foram de começo votados para instalação daquele estabelecimento. Construído sob as vistas do notável alienista alemão Dr. Alt, foi entregue a sua direção. É um epilepticômio incontestavelmente modelo, por isso que é não só um hospital de tratamento como ainda um centro de estudo, em razão de seus laboratórios muito bem aparelhados para o trabalho científico.
Lamento não poder, neste momento, descrevê-lo por miúdo.
O Reino da Saxônia, além do asilo-colônia de Hochweitzschen dirigido pelo Dr. Wildermuth, tem um pequeno asilo para meninos epilépticos sob a direção do Dr. Zängel. O primeiro, desde 1889 exclusivamente consagrado aos comiciais, compõe-se de um estabelecimento central e de uma colônia com 12 pavilhões isolados e disseminados sobre 40 hectares de excelente terreno de cultura. A população é ali de cerca de 700 doentes, dos quais 70 menores.
A província de Brandeburgo tem em Potsdam um estabelecimento destinado a receber 280 epilépticos. A princípio fundado e mantido por uma associação religiosa, tornou-se em 1893 propriedade da província. Tem um diretor médico e dois médicos assistentes.
Em Kork, Baden-Baden, o estado fundou um instituto para educação de meninos epilépticos recusados nas escolas públicas. Além disso os comiciais têm na Alemanha assistência em estabelecimentos especiais em Langenhagen, no Hannover, em Idstein e Kiedrich, em Hesser-Nassau, em Kraschnitz, Leschnitz, Schreiberhau, na Silésia, e em Friederichshaven e Liebenau, em Wurtemberg.
Na Europa é incontestavelmente a Alemanha o país que tem melhor cumprido o dever de assistência a seus epilépticos pobres.
A Suíça, além de uma boa colônia fundada por uma associação religiosa, possui cinco asilos públicos para epilépticos; o Instituto Role, no cantão de Vaud, o de Betesda com 80 leitos, perto de Berna, o de Genebra, o de Appenzell (Rh. Ext.) o de Rüli, em Riesbach perto de Zurich, que inaugurado a 31 de Agosto de 1886, é mantido pela caridade publica e, além dos indigentes, recebe uma pequena fração de pensionistas.
Na Inglaterra tem sido incrementado pelos poderes públicos o movimento em prol dos epilépticos. Além do National Hospital for the Paralysed and Epileptic e do Hospital for Epilepsy and Paralysis que recebem comiciais julgados suscetíveis de cura, colônias têm sido fundadas para acolhê-los indistintamente. Por generosa iniciativa de H. Cox foi inaugurada em 1880 em Maghull, perto de Liverpool, a primeira colônia agrícola inglesa para epilépticos. Graças a uma generosa doação de Sir Alfred L. Jones, esta colônia pôde alargar um pouco o número de suas admissões. O serviço é feito por enfermeiras que dirigem cerca de 140 doentes. Ali foram admitidos alguns enfermeiros homens somente para coadjuvá-las em caso de perigo e isto mesmo foi feito para satisfazer a opinião pública.
Em 1892 a condessa de Meath abriu em Westbrooch, perto de Godalming, a Lady Meath's home for epileptic women and children, em homenagem a seu pai, o Duque de Landerdale. Lá vivem cerca de 50 doentes. A Girls Friendly Society paga anualmente uma certa soma para ter o direito de mandar à instituição supra algumas raparigas.
Em razão dos excelentes resultados colhidos nos dois referidos asilos, Miss Nina Paget teve a ideia generosa de constituir uma sociedade nacional de proteção aos epilépticos. Foi perante Charity Christianization Society que ela advogou a sublime ideia.
Em 1893, por força desta propaganda, fundou-se em Londres a National Society for Employment of Epileptic a esforço de Lady Taunton e Miss Burden Sanderson e da qual fazem parte Ferrier, Fletcher-Beach, Chricton Brown, Wood e outros neurologistas ingleses. Esta associação propõe-se a encaminhar os epilépticos para os campos, dar-lhes ocupação regular, encorajando-os a uma vida também regular longe dos abusos alcoólicos e sexuais, nutri-los com boa dieta vegetal.
Em 1894, graças a munificência de Edward Passmore, a referida associação abriu sua primeira colônia em Chalfont St. Peter Buckinghamshire. Tem ela 135 acres de terreno. Começou, segundo no-lo informou o Dr. William Aldren Turner, seu médico, alojando apenas nove pacientes que, em 1898, atingiram o número de 55. Em 1900 lá estavam 66 e hoje pode abrigar 200, entre homens, mulheres e crianças.
As construções foram feitas pelo tipo adotado na Alemanha.
Em Lingfield, Surrey, há um pequeno asilo para crianças epilépticas pobres.
Sob inspiração do conselho dos asilos de Manchester e Chorlton e graças aos esforços do Dr. Q.M. Rhodes acha-se em construção em Rivington no Lancashire uma colônia sobre 250 acres de terreno cultivável e podendo abrigar 250 pacientes. Serão instalados laboratórios científicos.
O Dr. Rhodes obteve ainda a fundação de uma outra colônia para 200 a 300 doentes em Chalford, sobre um terreno de 400 acres.
O London comity council decidiu construir em Horton, perto de Epson, uma colônia de trabalho para 300 epilépticos.
No começo de 1902 os Drs. Rhodes e Marshall apresentaram seu relatório sobre a visita que fizeram às colônias e hospitais para epilépticos nos Estados Unidos. Eles lá foram enviados pela comissão encarregada de construir a colônia de Warford, Chesshire.
Em janeiro do mesmo ano, Manchester e Chorlton deliberaram fundar nova colônia em Langho, com proporções para muitas centenas de pacientes, sobre um terreno de 165 acres.
O Genster Board of Guardians deliberou também fundar um sanatório para os epilépticos da região.
Junto à Inglaterra falarei logo dos Estados Unidos. Foi o Dr. Frederic Peterson quem após uma visita à colônia de Bielefeld teve a ideia de fundar nos EUA um instituto do mesmo gênero. De sua propaganda resultou o decreto do Estado de Nova York votando a assistência legal aos epilépticos pobres e 140.000 dólares para a aquisição de 1872 acres de terreno para a fundação da colônia de Craig. Este estabelecimento situado no vale de Genesse, vizinho à cidade de Mont Moris, foi denominado Craig Colony, em homenagem ao falecido Oscar Craig, de Rochester, ex-presidente do Conselho Superior da Assistência Pública. Situado em terreno extremamente fértil, compreendendo campos, bosques, prados, etc., a Craig Colony a não tem absolutamente aspecto de asilo: parece uma pequena cidade de província.
Os doentes ao lá chegarem são ocupados em algum mister de acordo com suas inclinações. A agricultura ocupa 75% dos pacientes, produzindo o melhor das rendas para a colônia. Há alfaiates, sapateiros, marceneiros, enfim, todas as profissões úteis. Em 1900 foram votados mais 100.000 dólares para construção de 17 novas vilas.
O oitavo relatório anual da colônia de Craig diz que em 1 de Outubro de 1900 lá existiam 612 pacientes: 329 homens e 283 mulheres, e a 30 de Setembro de 1901, 743 epilépticos: 440 homens e 303 mulheres.
Em janeiro do ano corrente a colônia tinha capacidade para 2000 doentes.
Fundada para "secure the human curative, scientific and economical care and treatment of epileptics", tem instituído prêmios internacionais de 200 dólares para a melhor contribuição original à patologia e tratamento da epilepsia. Há ali laboratórios e técnicos à frente deles. De lá surgiu a ideia da Associação Americana para o Estudo da Epilepsia, cujo 1º congresso se efetuou em Washington em Maio de 1901. Os epilépticos dementes são transferidos; os que têm crises delirantes temporárias são recolhidos ao hospital anexo à colônia e intitulado em honra ao seu fundador "Peterson Hospital".
Receando alongar demasiado estas notas, deixo de insistir aqui nos grandes resultados obtidos em Craig por Peterson e Spratling, e mesmo bem desejara fazê-lo, porque a multiplicação das colônias para epilépticos no território norte-americano é consequência da divulgação e tais resultados.
O Estado do Ohio foi realmente o primeiro dos EUA que deliberou dar assistência aos epilépticos instituindo em Gallipolis o Asylum for epileptics and epileptic insane e que pode abrigar mais de 900 doentes. Além de Nova York e do Ohio, os Estados da Califórnia, de Massachussets, da Pensilvânia, de Winscosin, do Michigan, do Illinois, de Nova Jersey, de Maryland, da Virgínia, do Minnessota, do Missouri, de Connecticut, do Kentucky têm feito o possível por melhorar a sorte dos epilépticos.
O Estado da Pensilvânia tem hospital e colônia em Philadelphia e Oakbourne. O Poder Legislativo de Kentucky em 1902 votou 75 mil dólares a fim de ser anexada uma colônia de comiciais ao asilo de Lakeland.
Em França a propaganda escrita e falada tem sido muito mais reiterada que nos países anglo-saxões. Ali homens como Lasegue, Legrand de Saulle, Marandon de Montyel, Bourneville e outros têm procurado convencer aos homens públicos, e à munificência particular de que os epilépticos devem assistência ao Estado e à sociedade. Apesar disto, tem sido muito menos eficaz a propaganda, não obstante iniciada muito antes que nos Estados Unidos e na Inglaterra; e até hoje em França não há um estabelecimento comparável mesmo de longe à Craig Colony. Todavia referirei o pouco que ali se tem efetuado. Madame Dougni legou 16.000 francos para a instituição de um serviço especial de assistência aos epilépticos do departamento de Allier. Construiu-se um anexo ao asilo, no qual são recebidos os comiciais. Os departamentos de Bouche-du-Rhone, Rhone, Loire-et-Cher fizeram o mesmo que o de Allier.
Ao asilo de Blois anexou-se o hospício Dessaigne, ao de Moulins o de Haut-Barrieux, ambos destinados aos epilépticos.
A iniciativa particular e religiosa fundou os estabelecimentos de Teppe (Drome), de Devère (Cantal) e em La Force (Dordogne).
No primeiro há comiciais pensionistas e indigentes.
No segundo o óbolo público e o trabalho agrícola mantêm 300 incuráveis, em sua maioria epilépticos. Em La Force apenas são admitidos os protestantes. Lá existem oito asilos fundados pelo Revmo. John Bost, dos quais dois são destinados a epilépticos. Situados em pleno campo, hospitalizam apenas 200 comiciais que são tratados pelos polibrometos e hidroterapia e ocupados em trabalhos hortícolas e agrícolas, ou na manipulação de sacos de papel.
Nos departamentos de França, mesmo o do Sena, os epilépticos delirantes são em geral tratados, como aliás em toda parte, em seções a eles reservadas, mas como por vezes são em número insufi-ciente para preencher todos os leitos da seção, misturam-nos com agitados e imundos.
Contra isto, desde Morel que se protesta em França. Só pelos meninos epilépticos têm em realidade feito algo os poderes públicos na pátria de Esquirol, Pinel, Morel e tantos outros alienistas notáveis. Graças à benemérita insistência de Bourneville, aqueles pequenos infelizes têm hoje a instrução e assistência do Hospício Bicêtre, ainda que ao lado de idiotas e imbecis.
Mais felizes todavia que os adultos. É verdade que o Conselho Geral do Sena por iniciativa do Dr. P. Brousse estuda os meios práticos de realizar o projeto de uma colônia agrícola para epilépticos e imbecis do departamento.
É real que este mesmo departamento deliberou destinar a segunda metade do V asilo do Sena aos alienados alcoólatras, aos epilépticos e histéricos. Mas o número restrito de lugares (200 no máximo) não resolve o problema e continua a deixar a França susceptível à crítica pela falta de assistência à grande maioria de seus epilépticos.
A Bélgica, que aliás só cuida dos epilépticos alienados ou dos inaptos para o trabalho, tem em Hoogstraeten um quarteirão especial para eles e em St. Troud educa meninos epilépticos. Demais, em Gheel havia em 1890 mais de 3.000 epilépticos tranquilos, vivendo sob o regime familiar ali adotado.
A Holanda, além do Instituto de Haarlen, construído a esforços da "Sociedade Cristã para o tratamento de epilépticos", possui um outro estabelecimento em Rotterdam, fundado pela Associação de Santo Antonio o qual recolhe meninos idiotas e epilépticos com menos de 10 anos.
Na Dinamarca, além da colônia de Terslöse em Sorö, dirigida pelo Dr. Sell e que em 1899 tinha 41 doentes, o Dr. Hallager que muito tem pugnado pela criação de colônias agrícolas, com óbolos particulares chegou a fundar dois sanatórios para epilépticos, hoje por ele superintendidos.
A Rússia, malgrado pertencer na opinião de Paulo Jacobi (Novy administratsvnoi psychiatril) à categoria dos povos em que é má a situação moral dos alienados, desde 1854 tem em Riga, fundado pelo Dr. Platz, um Instituto médico-pedagógico para epilépticos, imbecis e idiotas; desde 1882 o estabelecimento dirigido em S. Petersburgo pelo Dr. Malarewshi, e desde 1885 o asilo de Oudielnaia. Além disso, Moscou resolveu fundar um grande instituto médico-pedagógico para epilépticos e idiotas nas terras de Lanatchiko, perto do asilo de Alexeieff.
No hospital Troitzky, para doentes crônicos, há uma seção para epilépticos. Em outros asilos há divisões para eles; mas isto não podia contentar aos psiquiatras daquele país, e por isto, em 1900, na Sociedade de neuropatologia e psiquiatria de Moscou, a assistência dos epilépticos foi motivo de discussão, tratando largamente do assunto o professor Nikitine. Provindo de um centro científico de tal ordem, a propaganda em favor dos epilépticos resultará por força muito eficaz.
A Espanha tem em Carabanchel Alto, perto de Madri, um asilo especial para comiciais. Na Itália, o professor Tamburini vai adicionar ao seu explêndido Instituto psiquiátrico di Reggio-Emilia uma colônia especial para epilépticos.
De tão vasta documentação, aliás incompleta unicamente para não alongar demasiado o presente artigo, creio resultar que não é extratemporânea a ideia de irem os poderes públicos em auxílio dos infelizes comiciais. No benéfico exemplo dos outros povos tenhamos estímulos para cuidar de tão urgente reforma. Infelizmente é impossível fazer uma estatística de nossos epilépticos. Mas da frequência com que eles são observados nas clínicas, nas oficinas, nas fileiras de nossos exércitos, a bordo de nossos navios, nas prisões, nos manicômios e nas ruas de nossas capitais, podemos inferir que o seu número crescerá de dia em dia, por isso é que é enorme a progressão de tal enfermidade nas sociedades que vão crescendo sem cuidar dos meios de melhorar o grupo humano.
De grande conveniência teria sido que, por ocasião de ser feita a lei geral de assistência aos alienados, se tivesse cogitado de anexar-lhe outra, obrigando os Estados à assistência também dos epilépticos - outros que não os alienados. É claro, repito, que os comiciais em boas condições de fortuna desnecessitam as mais das vezes de que o Estado ou a beneficência particular os amparem.
Atravessam por vezes a existência sem que tenham tido na rua ou na convivência pública uma só de suas crises. Os outros, os pobres, precisam de assistência, a fim de que não vão cair no alcoolismo e no crime. Um exame acurado na vasta população de nossas casas de Detenção evidencia quão frequentes são ali os epilépticos. Muito preferível é evitar delitos oferecendo a tempo a tal gente certo conforto ao lado do trabalho remunerador. Tutelados oportunamente, são culpados a menos, com que não fará o Estado despesas improdutivas. E bom é atendermos a que, ao lado dos nossos epilépticos, isto é, dos que foram produzidos pela tara degenerativa de progenitores vindos nestas levas de maus imigrantes, lia das terras de que provinham, temos também os epilépticos estrangeiros desalentados da pátria, e que aqui vêm esperançados de melhor sorte, para dentro em pouco caírem desacoroçoados no álcool, no crime, não perdendo para infortúnio de nosso futuro, oportunidade de gerar maus filhos.
E se a criminalidade do epiléptico é bem uma revelação sintomática da epilepsia, o dever de ampla assistência comicial impõe-se à sociedade como uma medida profilática altamente eficaz e por isso mesmo digna de ser efetuada com a energia que ela costuma despender com a própria conservação e para debelar os perigos sociais.
Se o Estado isolado não suporta, enquanto não removidas as condições precárias do erário público, as despesas com a criação e manutenção de colônias agrícolas para epilépticos, que apele para a caridade particular, a qual por certo não se recusará a dar seu óbolo para um fim tão altruísta.
Enquanto isto não ocorre incumbe aos poderes públicos efetuar uma reforma que será aqui como tem sido em todos os países do mundo civilizado, a preliminar da fundação do epilepticômio. Devem criar anexos aos hospícios, seções onde possam ser admitidos todos os comiciais, não só os considerados alienados mas também os que não tendo ainda cometido nenhum ato delituoso se quiserem submeter a um tratamento racional.
Desde Morel que os psiquiatras clamam contra a inconveniência da promiscuidade dos epilépticos, mesmo os delirantes, com os outros alienados. Irritáveis, violentos, querelantes, aqueles quase nunca chegam a viver de acordo com estes. De um lado, suas crises convulsivas inspiram aos outros aversão e mesmo terror provindo do medo de contágio tão enraizado no espírito público.
De outro lado, os epilépticos, pressentindo a repulsão que inspiram, tornam-se irritáveis, provocantes, dando maior trabalho para enfermeiros e guardas. Demais, não é raro observar a simulação pelo epiléptico de psicoses de outros doentes. Entretanto, é de observação muito reiterada que os comiciais se auxiliam mutuamente de modo muito significativo. Todos os médicos de colônias e asilos a eles destinados depois do Pastor Bodelschwingh têm observado o fato. E daí proveio o tentarem em quase todos os hospícios o isolamento em seções separadas.
Não basta, porém, separá-los dos outros alienados, é preciso grupá-los de acordo com o caráter de suas perturbações psíquicas.
É indispensável dar seção à dos epilépticos um ou mais médicos que a eles se consagrem, pois no dizer do sábio alienista Marandon de Montyel, "a luta contra a epilepsia é difícil e quem não se lhe consagre, de todo não poderá sair vencedor". Oxalá que a instituição provisória dos anexos para epilépticos nos asilos não produza o adiamento indefinido da fundação de colônias que, em realidade, são a solução mais altruísta para dar ao problema da assistência dos comiciais.
Da capital do país deve partir o exemplo assim orientado: 1° construir em terrenos no Hospício Nacional um ou mais pavilhões ligeiros onde sejam alojados os epilépticos que forem ter ao mesmo Hospício. Felizmente obtive dos poderes públicos a realização deste 1º desideratum. 2º Quando for possível, fundar uma colônia agrícola, atendendo aos seguintes requisitos: a) Terreno vasto próprio para agricultura e horticultura, situado nas proximidades da cidade, não somente para torná-lo facilmente acessível, como ainda para facilidade dos estudos e consultas. b) Ser composto de pavilhões separados em duas divisões muito distintas, para homens e mulheres, construído diferentemente segundo o fim a que se destinarem, quase ao rés do chão, etc. Os leitos devem ser baixos etc. c) Deve haver pavilhões para os tranquilos, para os agitados, para os dementes, para os imundos e para as crianças. d) Haverá um hospital para as moléstias intercorrentes e para os feridos. e) Instituto para educação dos pequenos epilépticos. f) Oficinas para adultos. g) Laboratório especial para investigações, tendo à sua frente um técnico de real competência.
Ocioso seria insistir em que o trabalho ao ar livre é o exercício físico mais adequado à higiene do epiléptico. Demais, esse trabalho, quando bem organizado, é um elemento moralizador capaz de assegurar a disciplina ainda sem auxílio dos meios utilizados nos estabelecimentos religiosos como o de Bielefeld. Como muito bem diz Marandon, é indispensável dar ao epiléptico, para mantê-lo resignado, a ilusão de liberdade.
O trabalho no campo mantém essa ilusão que se completará com passeios aos domingos nos arredores da colônia, sobretudo com os parentes.
Os pacientes que não puderem trabalhar no campo terão ocupação nas diversas oficinas, de acordo com as suas predileções e tanto quanto permita a feição clínica de suas crises.
Resolvido no Rio de Janeiro o problema, não o estará no resto do país, onde também aumenta dia a dia a epilepsia.
S. Paulo, por certo, ao terminar a tarefa da construção de seu asilo colônia de Juquery, cuidará de completar seu serviço de assistência, fundando uma colônia de epilépticos, assim como institutos pedagógicos para crianças idiotas, imbecis e epilépticas. Os outros estados virão mais ou menos lentamente na razão direta da noção do verdadeiro progresso que possuam seus homens públicos.
Os estados vizinhos poderiam fazer, meeiros nas despesas, colônias em localidades limítrofes se a isso se não opuser a pouca acessibilidade dos pontos dignos de escolha.
À ponderação do ilustre Sr. Presidente da República e do ilustrado professor de direito, que é seu Ministro de Negócios Interiores, entrego a ideia que acima esbocei.
Executá-la será só por si um grande título de benemerência para o homem público que a ela dedicar as energias de sua vontade.
Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins, Rio de Janeiro, n.2, 1905, p.167-182
N.E. - Sobre este artigo, ver "Alcoolismo e medicina psquiátrica no Brasil do início do século XX", de Fernando Sergio Dumas dos Santos e Ana Carolina Verani, neste número de História, Ciências, Saúde - Manguinhos.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
01 Fev 2011 -
Data do Fascículo
Dez 2010