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Novos fatos e alguns pontos de vista sobre a terceira idade

New facts and some viewpoints on old age

DEBATE

Novos fatos e alguns pontos de vista sobre a terceira idade

New facts and some viewpoints on old age

Há alguns anos não existia, no Brasil, qualquer debate sobre temas da terceira idade. Tínhamos a idéia errônea de que o Brasil era um país de jovens e que assim seria para sempre, apesar de os censos demográficos demostrarem claramente uma tendência do aumento da população de idosos, especialmente a partir da década de 1970. Somos um país que possui, em valores absolutos, uma importante população jovem, mas a faixa etária que mais cresce é a dos idosos. Hoje esta população é de 11 milhões e em 2025 — em uma projeção conservadora — o Brasil terá 32 milhões de idosos, o que o situará como sexto país do mundo em contingente de idosos. Talvez este seja um de nossos maiores desafios: dois grupos economicamente não produtivos e que demandam muitos recursos, em um país pobre e sem tradição de investimento nas áreas médica e social.

Tal crescimento da população idosa leva necessariamente a um debate mais aprofundado. O grupo etário daqueles com mais de sessenta anos não é homogêneo. Claro que nenhum grupo é uniforme; mas o que poucos sabem, ou reconhecem, é que estes fatores têm significado ainda maior entre os idosos. A mulher idosa, por exemplo, situa-se em posição econômica inferior, por seus rendimentos médios serem insuficientes e por depender da renda do marido. A aposentadoria oficial, principal fonte de sobrevivência das pessoas idosas, não é bastante para atender às necessidades básicas; muitos idosos — possivelmente a maioria, dadas as graves distorções na distribuição de renda em nosso país — vivem em extrema pobreza. A exigüidade dos ganhos é um problema particularmente sério para as mulheres idosas com saúde precária e que vivem sós, situação também mais grave nos estratos sócio-econômicos menos aquinhoados. Uma vez que as mulheres predominam entre os muito idosos e os que têm pouca saúde, diz-se, com freqüência, que os problemas de pobreza, na velhice, são e continuarão sendo, em grande parte, um problema das mulheres.

Embora as pessoas mais velhas possam ter a expectativa de desfrutar, ainda por vários anos, uma vida saudável e ativa, é amplamente reconhecido que os idosos são usuários mais freqüentes dos serviços de saúde do que os demais grupos etários. Entretanto, a generalização é enganosa. Os idosos não constituem uma massa homogênea no que diz respeito ao uso dos serviços de saúde. Uma parcela substancial da utilização deve-se a uma demanda extensiva gerada por um subgrupo relativamente pequeno; apesar de uma importante parcela deste grupo etário gozar de boa saúde, entre os que utilizam serviços de saúde — em relação aos demais grupos etários — uma proporção maior retorna para outra ou mais consultas; as mulheres usam os serviços de saúde com mais freqüência do que os homens. Trata-se de uma importante característica nos idosos que deve ser levada em consideração, quando da organização dos serviços de saúde. Acresça-se a isto que os problemas de saúde de idosos, além de serem de longa duração, requerem pessoal qualificado, equipe multidisciplinar, equipamentos e exames complementares de alto custo; ou seja, exigem o máximo da parafernália do complexo médico-industrial na área da saúde.

O fato é que a expectativa de vida amplia-se com rapidez e não é incomum nos dias atuais encontrar pessoas com vinte anos ou mais de sobrevida na categoria dos idosos, especialmente nos segmentos sociais de maior poder aquisitivo.

O que fazer para manter este contingente de idosos, que aumenta a cada dia em nossa sociedade, de forma autônoma e independente, propiciando atendimento e serviço de qualidade? Tais questões estão presentes na agenda dos profissionais da saúde coletiva que lidam com o envelhecimento populacional. Inovações como a Universidade Aberta da Terceira Idade (Unati) vêm sendo testadas. No entanto, o que predomina é a carência de cuidados e serviços qualificados.

Com o objetivo de captar as preocupações de alguns dos especialistas da área, foram convidados para este debate quatro professores e profissionais da saúde coletiva e da gerontologia. Renato Maia é um dos mais renomados geriatras brasileiros e na década de 1980 foi coordenador nacional do Programa da Terceira Idade do Ministério da Saúde. Atualmente trabalha na Universidade de Brasília (UnB). Benigno Sobral é militante do movimento social, com destacada atuação na luta antinosocomial dos trabalhadores da área de saúde mental. Nos últimos anos, abraçou a causa da terceira idade e hoje trabalha na Unati, onde coordena os seminários avançados em gerontologia. É também diretor da Sociedade Brasileira de Gerontologia e Geriatria (SBGG), seção Rio de Janeiro. Mário Sayeg tem importante atuação na Fundação Oswaldo Cruz nas questões relativas à terceira idade. Médico e professor titular da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), coordena cursos de formação em geriatria e gerontologia. Pertence, também, à direção da SBGG, seção Rio de Janeiro. Madel Luz é professora adjunta do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IMS/UERJ). Apesar de não estar envolvida diretamente com pesquisas ou cursos sobre terceira idade, acompanhou, no IMS/UERJ, a estruturação e fundamentação teórica do Projeto Unati.

Renato Veras

Diretor da Unati

1. Há bem pouco tempo, falava-se do Brasil como um país de jovens. Hoje os dados do censo demográfico indicam um significativo crescimento do grupo etário de mais de sessenta anos, o que fez surgir o interesse pelos idosos. Questão ainda pouco abordada é o fato de, além de termos uma significativa população de jovens— totalmente carente de serviços, sem escolas e com muitos dos problemas médico-sanitários ainda não resolvidos —, a demanda por serviços qualificados para os idosos também ser muito grande. Como você vê e projeta tal disputa de recursos entre estes dois segmentos etários não produtivos em termos econômicos, carentes de cuidados e totalmente desassistidos pelo Estado?

Benigno Sobral

A elaboração de programas de ação que garantam o bem-estar dos idosos, sem esquecer ou desmerecer a população de jovens, implica a criação de instâncias de atenção que contemplem, de forma integrada, o maior número possível de usuários desses serviços. Ora, a conjugação de esforços, tanto de recursos humanos quanto econômicos, merece uma reflexão que leve ao fomento de táticas, objetivando uma estratégia de cobertura para esses universos populacionais.

Já se vêm desenhando projetos de pesquisas e serviços que tentam dar conta das relações intergeracionais tidas como vitais na construção das gerações. Por exemplo, na Jamaica, bem como na ilha de São Vicente, aproveitando-se de um hábito cultural pré-existente, foram desenvolvidos trabalhos institucionais que tiveram como resultado que só em 1982 mais de 125 mil crianças menores de 15 anos foram criadas pelas avós; isto é especialmente relevante no caso do primeiro filho que, ao nascer, fica sob os cuidados da avó materna durante períodos significativos (sempre através da descendência feminina). E assim, gerações de avós proporcionam cuidados aos seus netos, muitas vezes submetendo-se a estresse ambiental e econômico em vista dos outros encargos. Para tanto, o governo da Jamaica criou vários Golden Age Club em colaboração com o National Council on Ageing e a Universidade das Índias Ocidentais, ministrando cursos para idosos de sessenta a 95 anos de idade em centros de desenvolvimento infantil e que participam em atividades de investigação e treinamento. São proporcionadas aos sócios dos clubes oportunidades de contribuir para o cuidado de crianças carentes, capacitando os idosos e elaborando um manual sobre procedimentos.

Nestes espaços acontece um grande número de atividades, onde as diversas gerações transitam no acompanhamento do desenvolvimento infantil: remédios caseiros, enfermidades típicas de crianças e idosos até o trabalho em oficinas de criação. Estas atividades permitem o rastreamento de potencialidades de jovens e idosos, além do reconhecimento da periodização do ciclo de vida pelas gerações.

Assim, guardando as características locais, podemos espelhar-nos em projetos e experiências assemelhadas.

Madel Luz

A disputa de recursos só será significativa na medida em que as políticas sociais continuarem a ser como nos últimos cinqüenta anos, caudatárias das políticas de desenvolvimento econômico. A questão idoso x jovem coloca-se apenas quando o desenvolvimento social é considerado um peso e não um modo de transformação do sistema atual de acumulação de capital e de relações sociais. Uma nova política de emprego para jovens na produção de bens e serviços e de aproveitamento de idosos em funções em que a força física seja secundária face à experiência (na área sócio-cultural, por exemplo) seria uma forma de aproveitamento produtivo do capital humano já acumulado nos idosos. Coerentemente, novas políticas de educação e cultura, centradas na autonomia industrial e grupal e na socialização e animação pedagógica e cultural, teriam que ser implementadas — com o aproveitamento da experiência das organizações não-governamentais (ONGs) e dos movimentos sociais —, superando-se a estagnação e a degradação atual nesses campos, e a exclusão econômico-social desses dois segmentos estratégicos para a vida social: os jovens e os idosos.

Mário Sayeg

A competição por recursos é salutar, sempre que colocada em bases éticas e racionais. Tradicionalmente envolve setores sociais e econômicos, setores sociais entre si — embora se reconheçam as relações de reforço incremental indireto que a alocação de recursos num setor produz nos demais.

Dentro do setor de saúde há lógicas relativas ao público e ao privado, ao individual e ao coletivo, ao preventivo, ao curativo e ao reabilitador, ao custeio e ao investimento em serviços, aos organismos dos níveis central ou periférico e sistemas locais. Além disso, há prioridades para grupos etários; crianças, adolescentes, trabalhadores, idosos, ou para entidades mórbidas, tais como doenças endêmicas, transmissíveis agudas e crônicas, crônicas não-transmissíveis e seus fatores de risco. Neste caldeirão disputam recursos as atividades-meio e as atividades-fim, não se podendo deixar de mencionar a disputa entre pesquisa e capacitação de recursos humanos.

Prevê-se um acelerado crescimento da população de sessenta anos, e de todos os grupos etários acima desta idade, particularmente o de oitenta e mais anos. Por sua vez, a despeito da acelerada queda da fecundidade, o contingente populacional de zero a 19 anos continuará a crescer, dada a queda da mortalidade infantil. Esta reposição populacional é saudável se a sociedade propiciar-lhe condições de crescimento e desenvolvimento normais, de educação e preparação para a vida adulta.

Em termos de planejamento econômico, os programas per se de atenção à criança, ao adolescente, à mulher e ao trabalhador repercutem na capacidade laborativa do adulto e, sem dúvida, no nível de saúde do idoso, observadas as características da época e do ambiente onde o ser humano vive e convive, em completa ecodependência. Em termos qualitativos, a alocação de recursos para grupos etários deve atender aos cânones éticos, respeitando o valor da vida humana, seja ela alongada ou mais curta, assim como as decisões do ser humano em sua plena autonomia, quanto aos cuidados (extraordinários) de elevado custo e tecnologia complexa, na fase final da vida.

Além destas considerações, devem ser previstos recursos para a terceira idade em apoio às linhas de pesquisa no campo do envelhecimento fisiológico e patológico, assim como às pesquisas operacionais. Por sua extrema importância, devem ser fomentados cursos de formação e capacitação para os diversos níveis. A organização de serviços entre a rede pública e privada, de serviços comunitários e de divulgação pela mídia não pode ser negligenciada nos programas de atenção ao idoso. A mídia exerce importante papel na promoção da saúde, principalmente na divulgação de conhecimentos necessários para o autocuidado, para os cuidados familiares e aqueles da sociedade. Seria a instrumentalização do idoso, da família e da comunidade para a promoção da saúde e prevenção de doenças e incapacidades.

Renato Maia

Creio que a afirmativa "totalmente desassistidos" é por demais rigorosa para definir a presente atenção do Estado. Prefiro identificar a atual situação da população jovem e dos idosos como "insuficientemente assistidos".

Não existe antagonismo entre estas duas frações da população, que têm em comum a característica de serem 'vulneráveis'. É este o princípio que deve nortear a formulação de políticas e a conseqüente distribuição de recursos. Países com economia e potencial inferior ao do Brasil, como é o caso de Costa Rica e Cuba, conseguem atender as necessidades destes dois segmentos populacionais de maneira mais justa e eficiente que o nosso. Esta questão supera o argumento puramente econômico, posto que constitui direito de cidadania. Reconhecendo ser vultoso o recurso demandado, há que se exigir um planejamento rigoroso, imune a demandas puramente emocionais e políticas paternalistas e pretensamente humanitárias.

2. É sabido que a expectativa de vida está aumentando em todo o mundo e que nos países centrais já se está chegando a um patamar próximo ao máximo, que se estima em torno de 78 a 82 anos. No Brasil, as projeções da expectativa de vida ao nascer ainda estimam algumas décadas de crescimento; o diferencial entre gênero, nível sócio-econômico e escolaridade é extremamente significativo. Isto quer dizer que uma parcela da população das grandes cidades brasileiras tem expectativa de vida igual a qualquer cidadão dos países ricos. É sabido que a parcela produtiva está praticamente estabilizada e, portanto, o montante de recursos para manter os idosos não vai aumentar.

Uma crise que se projeta para a área da terceira idade é a da aposentadoria. Uma das saídas do atual governo foi retirar o dinheiro da saúde para reforçar o caixa da Previdência — mesmo assim, para pagar uma aposentadoria de setenta reais, pois, segundo o governo, mais que isso é impossível. Gostaria que você refletisse sobre este ponto. Que medidas aconselharia ao governo neste campo previdenciário?

Benigno Sobral

A questão da aposentadoria já há algum tempo é motivo de grandes discussões, recheadas de Verdades' e 'mentiras'. Trabalhadores, Estado, empresários e estudiosos elegem ou defendem posições que vão do neoliberalismo ao corporativismo. Todo ponto de vista tem um ponto e uma vista; ao mudarmos o ponto, mudamos a vista. Tal cosmovisão nos permite vislumbrar nuanças nas cores do debate.

Desde a criação das caixas de aposentadorias e pensões, em 1928, pela Lei Eloy Chaves, temos tido, no campo da seguridade social, uma política de equívocos, constituindo-se o Estado como o beneficiário dos dividendos das contribuições dos trabalhadores (força de trabalho) em contraste com as obrigações, pouco em dia, dos detentores dos processos de produção.

A questão que se coloca aqui tem como pano de fundo a criação de formas institucionais para a saída do mercado de trabalho e a simultânea desinstitucionalização dos principais momentos da trajetória de vida — escolarização, mundo do trabalho e velhice. O ritual de passagem desses períodos exige plasticidade para dar conta da sua heterogeneidade, o que implica a criação de postos de trabalho diversificados e associados a uma rede de equipamentos coletivos que dêem conta das especificidades desses produtores e reprodutores da vida social. É nuclear atentar-se para os aspectos relacionais da reestruturação da seguridade social na dimensão da reorganização social do ciclo vital, visto que a passagem definitiva para a 'inatividade' é crucial no destino existencial desse sujeito.

A divisão sexual do trabalho é flagrante, historicamente construída, ordenando os processos de trabalho em uma hierarquia de gêneros, da tríplice carga a que se submete um universo significativo de mulheres.

Na atualidade, presenciamos uma descronologização da tradicional aposentadoria, pois, desengajamento do processo produtivo, velhice e aposentadoria já não são concomitantes.

Urge redimensionar o instinto de proteção social interferindo nos processos de perda de autonomia e independência, pois dessa forma teremos outras fronteiras para demarcar atividade e inatividade, e não somente um mero calendário de aposentadoria, em observação, muitas vezes, pelo contrato intergeracional de entrada e saída no mercado de trabalho.

Cumpre instituir novos espaços e postos de trabalho, a exemplo da Associação Americana de Aposentados, com o Senior Environmental Employment, em convênio com a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, e o Senior Community Services Employment Program, com o Departamento do Trabalho americano.

Madel Luz

Qualquer medida sugerida que não considerasse a atual questão da crise fiscal e da transformação da estrutura de empregos do sistema capitalista seria uma panacéia. Pode-se sugerir, por exemplo, que se invista muito mais em prevenção do que já se fez na história das políticas de saúde.

Haveria, com isto, uma inversão nas opções em termos de sistemas de saúde (isto é, de atenção médica). Invertendo-se a proporção atual, através de políticas realmente descentralizadas e hierarquizadas, haveria considerável redução de custos na área de atendimento médico e reencaminhamento dos recursos saúde-previdência como um todo (como no início da história) para a Previdência. Mas isto ainda seria uma panacéia. O sistema previdenciário capitalista é fundamentalmente ligado ao sistema de empregos. Este sistema, na atualidade excludente de força de trabalho, precário e instável, não se coaduna com um sistema previdenciário (ou de saúde) estável. Um sistema de seguros de previdência estável, em grande parte privado, e ao mesmo tempo socializado, teve que ser estruturado, para contornar os atuais impasses.

Mário Sayeg

'As memórias da crise dos últimos 12 anos', se assim se poderia chamar, registram crescente aumento do desemprego. Este acentuou-se pela 'informatização' das instâncias administrativas intermediárias, à qual se associou a robotização e o controle eletrônico das linhas de produção. No período, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu e as 'grandes' empresas emergiram capitalizadas, particularmente as do setor financeiro. A substituição do trabalhador pela máquina contribuiu para que a expansão do sistema produtivo não aumentasse o número de postos de trabalho e muito menos de empregados.

O sistema previdenciário, introduzido no Brasil com base nos modelos de outros países e na Lei Eloy Chaves de 1923, seria financiado por contribuições de empregados, patrões e do próprio governo. Com a crise, houve um aviltamento salarial que, como valor de referência, reduziu o recolhimento dos encargos sociais. A Previdência dilapidou suas reservas, aplicando-as em investimentos de competência do governo, em imóveis alugados por quantias insignificantes, perdoando dívidas ou perdendo criminosamente vultosas questões judiciais. É importante registrar, ainda, que a economia brasileira assemelha-se a um iceberg, conhecendo-se apenas uma ponta. Sabe-se da existência de uma forte economia informal, da ordem de 40% do PIB. Por sua vez, os dispêndios da previdência social cresceram, e muito, em decorrência da extensão, aos trabalhadores rurais, de benefícios no valor de um salário mínimo e, principalmente, pelo aumento da expectativa de vida ao nascer, hoje em 67 anos — assim como a sobrevida média aos sessenta anos, que acrescenta mais 18 a vinte anos àqueles que alcançam esta idade.

É verdade que os cálculos atuariais feitos nas décadas de 1940 e 1950 foram subestimados devido a tal alongamento da vida dos brasileiros e que a arrecadação atual tornou-se insuficiente. A solução que vem sendo adotada é a redução progressiva dos tetos de contribuição e dos pisos das aposentadorias e pensões. Por outro lado, é notório que o valor agregado por trabalhador aumentou significativamente, graças à mecanização. Portanto, a contribuição de patrões e empregados não pode mais suportar as despesas da Previdência, sugerindo-se um sistema misto que proteja a receita através de uma taxa aplicada sobre o faturamento da empresa. Esta fonte compensaria a informatização e robotização das empresas.

Renato Maia

Os países que contam com bons sistemas previdenciários caracterizam-se por não terem este tema em suas constituições, muito menos descritos de forma tão minuciosa. Assim, creio que uma boa medida seria eliminar do texto constitucional detalhes e parâmetros para a aposentadoria, nos quais este direito está vinculado à idade e não ao tempo de serviço. A flexibilidade dos limites para sua concessão constitui uma necessidade para que um limite que possa vir a ser proposto — por exemplo, sessenta anos — tenha condições de ser ampliado no futuro, quando a expectativa de vida 'residual' crescer até alcançar aquela que se observa no hemisfério Norte. Os recursos da política de aposentadoria devem atender suficientemente a fração da população com maior grau de vulnerabilidade. Creio ser este um argumento contra a dispersão de recursos, conseqüentemente insuficientes, entre uma camada maior da população, que no presente inclui pessoas de quarenta anos ou mais.

Ao propor um acentuado grau de flexibilidade nas políticas previdenciárias, torna-se imperativo garantir uma fiel execução de suas funções, exigindo-se uma administração eficiente contando com a efetiva participação de representantes dos trabalhadores. O aumento da arrecadação e a diminuição das fraudes no sistema previdenciário dependem não apenas de um melhor gerenciamento, mas também de uma profunda e radical reforma da legislação e do poder judiciário.

3. Em 1950, a população brasileira era de cinqüenta milhões de habitantes. Para 2025, projetam-se 250 milhões— número cinco vezes maior, em um período de 75 anos. Entre os idosos, no mesmo período iremos passar de 2,1 milhões para 32 milhões— número 15 vezes maior. Estes dados são ainda mais expressivos quando se compara com o crescimento de idosos em outros países. No mesmo período, Estados Unidos, Japão e China terão suas taxas de idosos ampliando-se apenas 3,5, 5 e 6,5 vezes. Isto mostra que o crescimento do número de idosos no país será muito rápido e que, portanto, grandes linhas de políticas sociais previdenciárías e de saúde precisam ser urgentemente estabelecidas.

Por favor, aponte um conjunto de medidas que devam ser implementadas até o ano 2000 para amenizar esta difícil situação que nos espera.

Benigno Sobral

É flagrante que em nossa sociedade determinados setores da população — tidos como 'incapacitados', não produtores de mais-valia — sejam marginalizados da vida social, pois o lugar que o sujeito ocupa no sistema de produção espelha o lugar que detém no seu ambiente cultural. Prover serviços e equipamentos sociais aos idosos implica criar uma teia de relações que vão de serviços a domicílio até intervenções diretas nos espaços públicos dos mais variados matizes. Nos países em processo de desenvolvimento, é necessário partir de alguns pressupostos que indiquem intervenções mais adequadas aos idosos, com tecnologias de fácil acesso, descentralizadas e condizentes com formações sociais específicas.

O fundamental é a participação real dos idosos em todas as fases de construção desses equipamentos, não esquecendo que sua sofisticação está mais na diversidade e plasticidade do que no aparato tecnológico da dita modernidade. Não é fácil se dar conta de que a 'carpintaria do cotidiano' da pessoa idosa envolve um jogo de relações com vários atores sociais, tendo como resultante um produto que se estabelece na costura dos seus procedimentos e ações, criando uma multidimensionalidade de práticas e saberes que, no caso dos idosos, é, na maioria das vezes, descaracterizada.

Precisamos juntar os cacos — numa verdadeira arqueologia — dessas microintervenções cotidianas, pois delas emerge o substrato para um assentamento do projeto existencial das pessoas idosas. O simples ato cotidiano de vestir-se, ou mesmo a ingestão do alimento, requerem um conjunto de movimentos autônomos e interdependentes, sem os quais fenece a dignidade humana.

As experiências internacionais demonstram que são preferíveis mais serviços domiciliares que podem, de certa forma, aliviar a grande carga que suportam os parentes, reduzindo a necessidade de institucionalização.

A criação de códigos de remuneração para profissionais e auxiliares gerais, supervisionados pelo Estado, sociedade civil e comunidade, pagos pela seguridade social, a exemplo de outros países, proporcionaria serviços de transporte e de acompanhantes, refeições a domicílio, serviços domésticos, planos de visitas e de cuidados a pessoas sós e institucionalizadas. Os espaços de intervenção, estrategicamente selecionados, iriam de ruas e quarteirões até bairros, criando uma malha social de apoio à pessoa idosa.

Madel Luz

Em termos de saúde:

a. Apesar de em geral se considerar tarde demais para isso, incrementar os programas preventivos para todas as enfermidades que costumam atingir a população idosa em nosso país (cardiovasculares, renais, reumáticas etc.), criando-se grupos de pacientes que possam discutir e trocar experiências, supervisionados por médicos e terapeutas em geral, com atividades de saúde como prioridade desses grupos.

b. Integrar os idosos em programas de atenção cultural e social que os arranquem do isolamento social e da depressão com a perda de status e de prestígio social, independentemente de renda. Treiná-los para assumir um papel de animação social e cultural na sociedade, face aos seus pares e às gerações mais jovens. "Os velhos são o futuro" — é fundamental que eles percebam isto e que assumam esse papel.

Em termos da Previdência:

a. Garantir os direitos já assegurados na Constituição contra eventuais ondas neoliberais. Não permitir que um só direito seja arrancado dos aposentados. No Brasil, o aposentado em geral (não as exceções) é um vencedor. Ele conseguiu sobreviver, trabalhando, a um regime social e econômico profundamente desigual e injusto do ponto de vista social. Penalizá-lo por esta vitória seria um último gesto de escárnio do sistema que o oprimiu durante sua vida produtiva.

b. Manter, no país, a aposentadoria por tempo de serviço, respeitado um período de trabalho socialmente razoável (25 a trinta anos), conjugado ao critério de idade (sessenta anos). Prover recursos através do Estado, para assegurar a aposentadoria integral, baseada no salário mínimo como critério.

Mário Sayeg

A solução dos vários problemas que atingem o idoso requer medidas multissetoriais, todas de grande interdependência. Podem ser indicadas, entre outras:

a. No campo social, estímulo ao convívio e à solidariedade intergeracional na família e na comunidade. Estímulo às ONGs, aos centros de convivência e de ação comunitária, ao voluntariado, à alimentação a domicílio para idosos incapacitados, aos lares substitutos, aos centros diurnos e tantos outros instrumentos sociais.

b. No campo econômico, oportunidade para o trabalho em tempo parcial ou integral, de acordo com capacidades e aptidões do idoso. É importante a manutenção da renda, por ter sido constatado que o(a) idoso(a), em muitos casos, é o chefe da família ou principal contribuinte na renda familiar. Poder-se-ia pleitear a isenção de impostos e a redução de taxas e tarifas.

c. No campo da saúde, uma série importante de medidas pode ser adotada a partir do reconhecimento das diferenças sócio-culturais, quanto à percepção da qualidade de vida. As necessidades técnicas se apoiam nos conhecimentos atuais sobre o envelhecimento fisiológico e patológico, os agravos à saúde e seus fatores de risco, os instrumentos de intervenção disponíveis e a organização de serviços que ofereçam condições para a atenção integral à saúde do idoso, com ênfase na equipe interdisciplinar.

d. No campo da habitação e urbanismo, adaptações que promovam as AVDs (atividades da vida diária) e as AIVDs (atividades instrumentais da vida diária) no domicílio, no transporte, nas ruas e parques públicos.

e. No campo da educação, estímulo às universidades da terceira idade.

Renato Maia

Os dados demográficos que constituem o corpo desta questão não são conhecidos pela maioria dos legisladores e planejadores brasileiros. Não faltarão autoridades e tecnocratas com disposição para discutir, por exemplo, medidas de contenção do crescimento populacional, apesar das projeções demográficas demonstrarem que a população brasileira caminha, a despeito de qualquer intervenção planejada pelo Estado, para uma estabilização ao redor de 250 milhões de habitantes (a projeção de 230 milhões é viável). A discussão do novo perfil demográfico brasileiro e de suas implicações futuras constitui uma etapa fundamental para o estabelecimento das medidas. Creio ser necessária a realização de um grande fórum nacional para que a questão do envelhecimento possa ser colocada em destaque e assim desencadear a discussão deste tema pelos diversos setores da sociedade. O modelo adotado pela ONU, com a realização da Assembléia Mundial do Envelhecimento em Viena, constitui uma das alternativas para esta proposta. Acredito, contudo, que deva partir da sociedade um movimento que obrigue o governo a cumprir a Lei 8.842, de 4 de janeiro de 1995, que estabelece a Política Nacional do Idoso. Imperfeita ou não, trata-se de um instrumento elaborado a partir de amplas discussões no Congresso Nacional. Antes de sucumbir à tentação da originalidade, propondo novas (nem tanto) medidas, urge que se exija a implementação do que já foi proposto e aprovado. O imobilismo dará razão ao demógrafo J. A. Carvalho, quando afirma "não se requerer um ficcionista para imaginar um cenário, talvez nunca antes vivido pela humanidade, a ser compartilhado por boa parte da população brasileira em um futuro não muito remoto: uma combinação de meninos de rua, apesar do declínio da fecundidade, e velhos de rua, devido ao declínio da fecundidade".

4. As doenças crônicas não-transmissíveis são uma característica entre as patologias que acometem os idosos. Outra característica são as múltiplas patologias: é muito comum encontrar um paciente idoso com várías queixas simultâneas. Trata-se de uma característica importante nos idosos que deve ser levada em consideração quando da organização dos serviços de saúde. Acresce-se a isto o fato de que os problemas de saúde de idosos, além de serem de longa duração, requerem pessoal qualificado, equipe multidisciplinar, equipamentos e exames complementares de alto custo. Apesar de uma importante parcela deste grupo etárío gozar de boa saúde, entre aqueles que utilizam serviços de saúde, a imensa maioria retorna para outra ou mais consultas, em maior número do que nas demais faixas etárias. Pelas características do tratamento médico oferecido ao idoso, o atual modelo exclui qualquer proposta de parceria com o setor privado, pois este não tem o menor interesse em atuar em área onde a possibilidade de lucro inexiste. Alguma saída precisa ser buscada.

Quais seriam as propostas de cuidado para os idosos mais plausíveis e eficientes, dentro deste quadro tão complexo?

Benigno Sobral

O envelhecimento da população é um desafio às pessoas e instituições envolvidas com a questão do atendimento.

A atenção primária à saúde foi eleita como a estratégia principal, pois atende aos pressupostos de justiça social e constrói táticas que exigem a participação efetiva dos vários segmentos sociais. Situação econômica, características de moradia, barreiras geográficas, estrutura e funcionamento da família, tipos mais freqüentes de ocupação e participação são indicadores indispensáveis a uma avaliação e criação de tecnologias de intervenção.

O sistema de atenção e cuidados exige uma leitura não-ortodoxa dos dispositivos, que vão do corrimão, tapete antiderrapante, disposição dos móveis e objetos no interior da casa e barreiras arquitetônicas em geral até as chamadas instâncias intermediárias ou alternativas, tais como lar abrigado, centros de convivência, centros diurnos e centros noturnos. São lugares destinados a promover cuidados gerais, compensando certas limitações do processo de envelhecimento, na busca da reabilitação e da readaptação, objetivando o máximo de independência e autodeterminação aos idosos e a sua permanência na comunidade por mais tempo.

Este rastreamento dos dispositivos que dêem conta do cotidiano do idoso baseia-se no diagnóstico médico, diagnóstico sócio-econômico e na avaliação do seu meio ambiente imediato. Para isso, faz-se necessário um levantamento epidemiológico, associado aos exames clínicos de rotina, que vão das capacidades mentais, sensoriais, corporais, locomotoras às sociais; o que demanda desde a orientação no tempo e no espaço até as dificuldades de vestir-se, calçar-se, alimentar-se, fazer compras ou viajar. Assim, a pessoa idosa é igualmente importante como fonte de subsídios, construindo indicadores para medir perdas de autonomia e independência.

Madel Luz

Acredito na inversão de modelos (através de políticas realmente descentralizadas e hierarquizadas), conforme descrito na minha resposta à segunda pergunta.

Mário Sayeg

Na conjuntura apontada, que é a vigente no país, em qualquer circunstância, os cuidados partiriam da promoção da saúde, prevenção das doenças e das incapacidades e reabilitação funcional. Outras medidas práticas e de baixo custo são as que visam promover o autocuidado, o auto-exame e a vigilância dos fatores de risco. Para a programação é importante a participação e o controle social por parte dos idosos. A vigilância sanitária de estabelecimentos públicos e privados deve ser estimulada para que se observem as normas de funcionamento baixadas pelo Ministério da Saúde. Outra medida importante é garantir financiamento para a implementação dos programas que vierem a ser aprovados.

Renato Maia

A magnitude do problema da assistência à saúde dos idosos não comporta soluções apenas formais. Torna-se imperioso desviar o eixo assistencial, até então voltado para o hospital, em direção à atenção primária, ao domicílio. Fica assim ressaltada a necessidade de treinamento de médicos, enfermeiros, assistentes sociais e reabilitadores para a assistência ao velho doente. Mais importante do que chamar a atenção para eventuais diferenças na prevalência de agravos e morbidade, propõe-se que a intervenção seja pautada em conceitos mais eficientes e dinâmicos, como a manutenção da autonomia. Neste campo incluem-se as mais amplas ações de promoção da saúde e de prevenção de agravos típicos dos velhos, em particular iatrogenia, osteoporose e acidentes, transtornos psíquicos (depressão e demência) e cardiovasculares. A assistência domiciliar deve ser considerada dentro do planejamento do Sistema Único de Saúde (SUS). O mesmo se aplica aos cuidadores informais, os quais devem receber treinamento básico e serem remunerados pelo SUS, cabendo ao hospital as tarefas impossíveis de realizar no domicílio. Não obstante, a opção pela atenção primária, o sistema de saúde deve estar preparado para atender a demanda por institucionalização temporária ou mesmo permanente de até 20% dos idosos com oitenta anos ou mais, os quais têm necessidades que superam a capacidade de atenção na comunidade, particularmente no que se refere aos quadros demenciais avançados. O Estado deve estar preparado para prover cirurgia para a correção de cataratas, prótese e órtese ortopédicas.

5. O tema do idoso está presente na grande imprensa e vem atraindo muita atenção da sociedade atual. Políticos foram eleitos com plataformas baseadas na terceira idade. Propagandas são feitas para o grupo etário dos idosos e até o turismo específico para velhos já existe entre nós, à semelhança dos Estados Unidos. O projeto Unati é um exemplo da enorme receptividade por parte dos órgãos da imprensa.

Gostaria de saber sua opinião sobre a construção da categoria 'terceira idade'. Existe de fato o idoso como um segmento diferenciado?

Benigno Sobral

As discussões em torno da categoria terceira idade heurísticamente atravessam e problematizam a aposentadoria nos seus diversos níveis: aposentadoria-retração, aposentadoria-terceira idade, aposentadoria-lazer, aposentadoria-família, aposentadoria-reivindicação e aposentadoria-participação.

O conceito de idoso, classicamente, é muito fechado no sentido da sua plasticidade antropológica, do seu devir; já a expressão terceira idade resgata um pouco esse ser idoso do enquistamento a que tem sido submetido durante gerações. Alguns estudiosos da gerontologia indicam que a idéia da categoria terceira idade sublinha mais a negação do envelhecimento do que um continuum que vai da idade adulta à velhice propriamente dita.

Do nosso ponto de vista, a categorização terceira idade não implica a exclusão, mas a singularização desse sujeito idoso diante das políticas. É necessário perceber o perigo da objetivação, da perda de singularidade que as categorias genéricas significam. Da mesma forma, é preciso não deixar de perceber que o fundamental é a construção de algumas táticas de natureza operacional para o seu enfrentamento.

A categoria terceira idade não discrimina nem aprisiona a pessoa idosa, mas, ao contrário, permite uma leitura das suas potencialidades. Ela ganha outras dimensões enquanto problema social, redefinindo a velhice e o processo de envelhecimento. É uma invenção oriunda das relações capital-trabalho; agencia novos atores, práticas e territórios existenciais; dinamiza conteúdos, formaliza e cria condições de possibilidade, resgata representações antes desprezadas e desqualificadas; enfim é problema social e sujeito/objeto de um processo de conhecimento: a gerontologia.

A categoria terceira idade restaura a multidimensionalidade do processo de envelhecimento em que a periodização da vida remete a muitas idades: cronológica, biológica, mental, funcional, social, econômica. Assim, as categorias de idade, enquanto construção social, dependem das formações sociais e econômicas específicas e da hegemonia dos grupos sociais envolvidos nas trajetórias de vida.

Madel Luz

Existe socialmente, demograficamente, psicofisicamente. O problema é precisar bem a categoria, seus limites (etários, sociais etc.) e evitar que se torne estigma, como a categoria de Velho'.

Mário Sayeg

A terceira idade corresponde a uma fase da vida pós-adulta e na qual ocorrem mudanças sociais, culturais, econômicas e de saúde, quais sejam, a aposentadoria e o declínio das funções biológicas e psicossociológicas. Estas se relacionam, entre outras com: isolamento e sedentarismo; instabilidade postural, quedas; insuficiência vascular; acidente vascular encefálico (AVE) e infarto agudo do miocárdio (IAM); incontinência e descontrole esfincteriano; distúrbios nutricionais, sensoriais e hormonais; declínio das funções cognitivas.

As alterações e os distúrbios que prevalecem na terceira idade criaram demandas específicas de atendimento por profissionais capacitados em geriatria e gerontologia, vocacionados para o trato com o idoso, abordando seus problemas holisticamente, vendo-os per se e em suas famílias.

Sejam idosos de envelhecimento bem-sucedido ou aqueles fragilizados ou de envelhecimento catastrófico, este profissional não prescinde de equipe multidisciplinar e interdisciplinar. Anamnese e exame clínico corretos evitam, muitas vezes, exames complementares e tratamentos dispendiosos e desnecessários. É importante enfatizar a preservação do binômio profissional-paciente, evitando-se o uso e abuso de tecnologia sofisticada de alto custo, a não ser quando houver indicação precisa.

Renato Maia

A chamada terceira idade reúne pessoas que têm tantos pontos em comum entre si como outros tantos distintos. Pode parecer inadequado agrupar, numa mesma categoria, um homem de sessenta anos recém-aposentado e uma mulher de 84 anos demente e acamada. Creio ser melhor considerar que os idosos constituem um segmento com necessidades progressivamente diferenciadas pelo tempo. Quanto maior a diferenciação, maior a complexidade. A oferta de soluções em cada um dos níveis se enquadra no princípio de promoção da saúde e do bem-estar.

O QUE É A UNATI?

O crescimento do contingente de idosos aponta para a necessidade de modelos alternativos de atenção, que fujam das tradicionais práticas asilares. Uma das estratégias para reduzir os problemas de solidão dos idosos, melhorar seu contato social e desenvolver novas capacidades em idade mais avançada é a implantação dos chamados centros de convivência. Sem o caráter de serviço médico ou, pelo menos, não sendo este o seu eixo principal, os centros de convivência podem agrupar idosos em atividades culturais, de lazer ou mesmo esportivas, sob a supervisão de profissionais qualificados.

Uma versão ambiciosa de um projeto de centro de convivência no interior da universidade tdeve incluir serviços de atenção integral à saúde e outros ligados à perspectiva acadêmica e científica da mesma. Seu principal objetivo é desenvolver iniciativas culturais e intelectuais, incentivando o estudante mais idoso a participar no ensino e no aprendizado. O currículo deve ser bastante amplo e incluir tanto habilidades práticas e atividades de lazer, como projetos acadêmicos e de pesquisa. A concepção de uma microuniversidade temática, ou seja, a conjugação de atividades em três áreas de atuação da universidade — ensino, pesquisa e extensão — voltadas para o idoso, possibilita a criação de alternativas inovadoras com interações sinérgicas entre produção de conhecimento, formação e aperfeiçoamento de recursos humanos e prestação de serviços. Os participantes das atividades numa Unati — usuários e profissionais — são também artífices de um grande experimento, onde continuamente buscam-se novas alternativas para as demandas da população idosa. Devido a seu vínculo com as universidades, estes programas trazem pessoas idosas para o campus, onde obviamente entram em contato diário com milhares de pessoas mais jovens. Isto significa uma tentativa particularmente importante de reduzir a discrepância de valores e idéias que causa tensão entre as diferentes gerações. A busca da integração entre gerações é, adicionalmente, uma estratégia que pode contribuir para reverter, a médio e longo prazo, o processo social de desvalorização do idoso na nossa cultura.

No final da década de 1980, o professor Américo Piquet Carneiro, com sua característica capacidade de antevisão, começou a agrupar, no Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), um grupo pioneiro de profissionais interessados nas questões da terceira idade, cujo trabalho desembocou na constituição, no referido hospital, de um núcleo multidisciplinar de atendimento aos idosos. O Núcleo de Atendimento aos Idosos (Nai) foi o embrião do que viria mais tarde a ser a Unati/UERJ.

Atualmente sua estrutura divide-se em três áreas — ensino, extensão e pesquisa —, abrangendo o conjunto das atividades previstas no projeto. A área de ensino vem realizando cursos livres — cerca de sessenta são oferecidos a cada semestre — em diversos campos para sua clientela, além de programas específicos dirigidos à qualificação de pessoal voltado ao atendimento à terceira idade. A área de extensão, além do atendimento multidisciplinar, no Hupe e no campus, ainda conta com o apoio de outras unidades da UERJ para o atendimento jurídico, nutricional e do serviço social. Para resguardar os direitos dos participantes foi criada uma comissão de ética na pesquisa, com representação dos usuários, com atribuição de avaliar riscos de infrações éticas nos projetos encaminhados à Unati.

Ao longo de um ano de funcionamento como núcleo, temos cadastradas cerca de duas mil pessoas que procuraram os cursos da Unati, bem como cerca de oitocentas outras que buscaram atendimento no Nai, números que atestam o sucesso da proposta entre a população-alvo. Em fins de 1994, iniciou-se ainda o atendimento multidisciplinar à saúde na área do campus, destinado aos participantes das demais atividades da Unati.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jul 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 1995
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