Open-access A água e o fim da ambição na saúde global, c.1970-1990

Resumo

Crescimento econômico e boa saúde dependem de acesso a saneamento e água limpa. Assim, o Banco Mundial, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e outros órgãos, a partir do início da década de 1970, inauguraram um período de contínuo interesse no desenvolvimento de ambos para bilhões de pessoas desprovidas de tais necessidades. Durante a década de 1980, dois projetos monumentais e extremamente ambiciosos demonstraram o que era viável fazer. A International Drinking Water Supply and Sanitation Decade e o Blue Nile Health Project visavam à total reestruturação do modelo de desenvolvimento da água. Tratava-se, segundo a OMS, do “desenvolvimento do espírito de justiça social”.

água; saneamento; Banco Mundial; Organização Mundial da Saúde (OMS; saúde global

Abstract

Economic development and good health depended on access to clean water and sanitation. Therefore, because economic development and good health depended on access to clean water and sanitation, beginning in the early 1970s the World Bank, the World Health Organization (WHO), and others began a period of sustained interest in developing both for the billions without either. During the 1980s, two massive and wildly ambitious projects showed what was possible. The International Drinking Water Supply and Sanitation Decade and the Blue Nile Health Project aimed for nothing less than the total overhaul of the way water was developed. This was, according to the WHO, “development in the spirit of social justice.”

water; sanitation; World Bank; World Health Organization (WHO; global health

As décadas de 1970 e 1980 foram, sem dúvida, o período mais importante da história do desenvolvimento da água desde a revolução sanitária em meados do século XIX. A infraestrutura hídrica criada em diversas cidades na Europa e nos EUA nunca fora construída para grande parte do restante do mundo. Isso começou a mudar com a Segunda Revolução Sanitária, cujo ápice se deu nas décadas de 1970 e 1980. Tal revolução teve origem na saúde ambiental – campo que se expandiu no pós-guerra e recorreu aos melhores aspectos da ciência sanitária do século XIX – que considerava saneamento e água limpa fatores essenciais para o sucesso humano e econômico. A partir do início da década de 1970, importantes organizações internacionais como Banco Mundial, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Organização Mundial da Saúde inauguraram um período de contínuo interesse em água e saneamento. A Segunda Revolução Sanitária foi, em grande parte, minimizada por uma contrarrevolução na década de 1990, durante a qual as ambições das décadas de 1970 e 1980 foram influenciadas por mudanças na economia e nas equipes de funcionários de órgãos como o Banco Mundial.

Durante a década de 1980, porém, antes da contrarrevolução, dois projetos monumentais e extremamente ambiciosos demonstraram o que era viável implementar: a International Drinking Water Supply and Sanitation Decade (Década Internacional de Abastecimento de Água Potável e Saneamento, IDWSSD na sigla em inglês), de 1981 a 1990, e o Blue Nile Health Project (BNHP), que visavam nada menos do que à total reestruturação no modelo de desenvolvimento da água. O objetivo da IDWSSD era fornecer acesso a saneamento e água potável a mais de dois bilhões de pessoas. A OMS a considerava componente-chave de sua campanha em prol da saúde para todos, descrevendo-a como um “desenvolvimento no espírito de justiça social” ( WHO, 1981 , p.7). Paralelamente, os criadores da BNHP tinham esperança de incentivar a reavaliação de projetos de irrigação para que esses passassem a exercer menos efeitos adversos na saúde. O Blue Nile Health Project, segundo um consultor da OMS quando da fundação do projeto na primavera de 1980, “deve ser um dos projetos mais abrangentes e ambiciosos de sua categoria a ser experimentado em um país em desenvolvimento” (Jordan, May 1980).1 Durante décadas, muitas pessoas chegaram à conclusão de que os projetos de irrigação eram incubadoras de doenças, sobretudo em locais com tendência à ocorrência de malária e esquistossomose. À época do lançamento do BNHP, o reconhecimento desse fato se consolidou. Conforme afirmou o doutor Ahmed Ayeb El Gaddal (1979) , médico sudanês encarregado do BNHP: “A água e o seu emprego agrícola, doméstico e recreacional constituem o principal fator ambiental isolado relacionado a malária, bilharzíase, doenças gastrointestinais e outras infecções transmitidas por vetores, como a oncocercose”. De maneira análoga à liderança da IDWSSD, os responsáveis pelo BNHP sabiam que a água e o controle da água estavam no centro das questões relativas à doença e à saúde. A água é também a base do desenvolvimento econômico. Contudo, ao se permitir que doenças relacionadas à água, como a malária e a esquistossomose, infectassem o Projeto Gezira, a chance de prosperidade se tornou simplesmente impossível para a população. A meta do BNHP era mudar isso. O diretor do escritório Mediterrâneo Oriental da OMS, doutor A.H. Taba (4 Feb. 1981), escreveu que o “projeto Blue Nile Health está diretamente orientado para o desenvolvimento econômico por meio da melhoria da saúde e restauração da produtividade na população”.

Grande parte da ambição da Década da Água e do BNHP se dissipou quando a década de 1980 se encaminhava para o término. Ao final da Década da Água e com a proximidade da conclusão do BNHP, o pensamento em curta escala voltou a predominar. Muitos notaram a mudança na época. No final da década de 1980, Socrates Litsios, analista da OMS, lamentava que a reflexão sobre saúde e desenvolvimento na África à luz de uma mentalidade ambiciosa e de larga escala voltada para as reformas estruturais fora substituída por preocupações técnicas. Fazendo uma crítica cáustica a um relatório do Banco Mundial intitulado “Beyond adjustment: toward sustainable growth with equity in Africa” (Além da adequação: rumo ao crescimento sustentável com igualdade na África), Litsios afirmava que a dimensão social de temas como Aids – como ele ressaltou, deixada totalmente fora do debate –, desigualdade crescente e deterioração do meio ambiente foram ignorados. No lugar dessa discussão, o relatório se concentrou no que era ou não era mensurável. Litsios (1988) escreveu: “É como se os autores houvessem decidido que, na falta de uma maneira simples de medir esses problemas, eles poderiam negligenciá-los”. Concentrando a análise no que era mensurável, os autores do relatório perderam de vista o panorama maior. Para Litsios (1988) , essa abordagem limitada se constituiu em um “trágico relato de nossos tempos e de nossa falta de visão e esperança”.

Ele não foi o único a observar isso. As soluções técnicas destinadas a doenças específicas haviam substituído projetos interdisciplinares de larga escala como o BNHP e a IDWSSD. Em 1992, Johns Hopkins, Usaid e o Banco Mundial organizaram uma conferência para discutir o iminente “World Development Report: investing in health” (Relatório mundial de desenvolvimento: investindo em saúde). A conferência, denominada “Cost-effective interventions for child health: technical choices, strategic issues, and priorities” (Intervenções com bom custo/benefício em saúde infantil: escolhas técnicas, questões estratégicas e prioridades), tomou como ponto de partida a seguinte observação:

Na década de 1980, houve uma mudança estratégica crucial na diretriz internacional de saúde partindo de amplos desenvolvimento institucional e criação de capacidade para um esforço altamente concentrado e direcionado a salvar a vida de crianças por meio da aplicação massiva de determinadas intervenções técnicas, das quais se destacam as imunizações e a terapia de reidratação oral ( IIP/Usaid/World Bank, 1993 ).

Ainda que essa mudança tenha surtido efeitos consideráveis na mortalidade em locais onde os programas foram bem administrados e adequadamente financiados, havia muitos lugares onde mal se conheciam vacinas e terapia de reidratação oral (TRO). Os organizadores da conferência chegaram à conclusão essencial, ainda que com pouco destaque, de que “em última análise, a boa saúde das crianças requer não só reformas tecnológicas, mas também comportamentais, e mudanças sociais” ( IIP/Usaid/World Bank, 1993 ).

A poderosa influência do “Investing in health” do Banco Mundial e a consequente introdução da análise de custo/benefício e do indicador anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (Daly, na sigla em inglês) na saúde global são bastante conhecidas. A rápida mudança no final da década de 1970 e início da década de 1980 de um sistema de saúde primário para um sistema de saúde primário seletivo – mudança de uma tentativa de reforma estrutural no modo de fornecer assistência médica para um cardápio de intervenções rentável e mais limitado – é uma narrativa histórica consolidada ( Cueto, 2004 ; Packard, 2016 ). Os efeitos dessas mudanças no modo como a OMS abordou doenças como tuberculose e Aids, por exemplo, foram devastadores ( McMillen, 2015 ). Não havia mais lugar nesse novo mundo para projetos como a Década da Água e o BNHP, concebidos no final dos anos 1970 e executados nos anos 1980.

Analisarei essa mudança monumental de pensamento e prática examinando minuciosamente os arquivos da Organização Mundial da Saúde e do Banco Mundial, além de outras fontes secundárias relevantes.

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Há uma tensão entre projetos interdisciplinares de larga escala e mudanças incrementais concentradas. Na história do desenvolvimento da água e do saneamento há muitos exemplos dessa tensão. A mudança das ambições dos anos 1970 e 1980 para objetivos mais modestos nos anos 1990 pode ser explicada em grande parte, porém não totalmente, por mudanças no pensamento e nas equipes de trabalho que integravam o Banco Mundial. E poucos indivíduos estiveram tão associados às políticas da água do Banco Mundial quanto John Briscoe. Briscoe foi, entre outras atribuições, diretor de operações hídricas do Banco Mundial, peça-chave na privatização de serviços hídricos e um dos criadores do willingness to pay (disposição para pagar) em economias em desenvolvimento. Tinha, portanto, protagonismo no banco, e no desenvolvimento de maneira geral, em um período de drásticas mudanças; na verdade, ele liderou o grosso dessa mudança. Era, também, um tipo complicado. Uma das maneiras de entender Briscoe seria observar que ele foi responsável pela mentalidade que conduziu ao estreitamento das ambições em saúde global e até ao aumento da desigualdade. Em 1988, em coautoria com o economista David de Ferranti, publicou o livro Water for rural communities: helping people help themselves (Água para comunidades rurais: ajudando as pessoas a se ajudarem), que defendia a privatização e os mecanismos de recuperação de custos que fariam com que os pobres pagassem pela água (Briscoe, de Ferranti, 1988). Não restam dúvidas de que Briscoe, aliado a Ferranti e outros, contribuiu para introjetar o pensamento econômico nos problemas de saúde global.

Por outro lado, Briscoe chegava a ser cáustico em sua crítica ao capitalismo e às desigualdades por ele geradas. Dez anos antes de ele se associar a Ferranti, a Oxfam o contratou para avaliar seu trabalho sobre sistema de saúde em Bangladesh. Ele ficou encarregado de responder a uma série de perguntas: a Oxfam estava exercendo algum impacto? Em que poderiam melhorar? No entanto, antes de analisar os detalhes de seu relatório, Briscoe (1978) saiu à frente com o seguinte comentário:

Não é vã coincidência o fato de as pessoas que mal se alimentam serem as mesmas a quem é negado acesso à assistência médica adequada. Todas as causas imediatas de saúde debilitada da maioria das pessoas são manifestações de uma única causa subjacente, qual seja, um sistema internacional e nacional que explora e oprime essas pessoas. Qualquer programa de melhoria da saúde deve, portanto, ser um programa de transformação da sociedade.

Ao descobrir que a Oxfam de fato foi responsável por medidas benéficas no país, concluiu em linhas gerais, que

as organizações voluntárias estrangeiras agiram como defensoras da contínua exploração do Terceiro Mundo pelos países ricos. Tais organizações poderiam assumir um papel altamente construtivo em seus próprios países concentrando a atenção no modo como as políticas de seus próprios governos e corporações contribuem para essa exploração ( Briscoe, 1978 ).

A orientação de Briscoe no início de sua carreira era clara: como os estrangeiros, em geral, embaralhavam tudo, ele queria fornecer aos países as ferramentas necessárias para solucionar seus próprios problemas. Reconhecia que a transformação social em larga escala era essencial, defendendo, ao mesmo tempo, as mudanças tecnológicas. Sabia que uma não existiria sem a outra. E jamais defendeu a TRO “no lugar” de oferecer água limpa, por exemplo. Contudo, em um mundo altamente voltado para a mensuração, ficou cada vez mais difícil justificar as intervenções em larga escala, uma vez que a sua aferição, ao contrário de intervenções técnicas precisas, tornou-se progressivamente desafiadora. Quando esse modo de pensar começava a se consolidar, Briscoe se posicionou veementemente contra, no início da década de 1980. Observou, em 1984, que, quando programas de larga escala para água e saneamento eram comparados a intervenções específicas, como a TRO, destinadas à redução da mortalidade infantil, aqueles se mostravam insuficientes. Isto é, com base em um resultado específico e mensurável – nesse caso, menor índice de mortalidade infantil –, a TRO, comprovadamente, exercia um efeito mais significativo naquela métrica “isolada” do que os projetos de água e saneamento mais abrangentes ( Briscoe, 1984 ). Para Briscoe, essa abordagem estava equivocada. Como ressaltou: “Atividades não médicas mais sistemáticas em geral, e programas de saneamento e fornecimento de água para a comunidade em particular, são rejeitados por serem considerados onerosos” (Briscoe, 1984, p.1009). Ainda que a Década da Água e o Blue Nile Health Project tenham sido iniciados antes do arrefecimento das ambições, quando eles de fato criaram vulto aquela mentalidade que fora alvo de preocupações para Briscoe em 1984 passava a dominar.

Mais de duas décadas e meia depois, em 2011, e três anos antes de sua morte, Briscoe lamentou o distanciamento dos projetos de infraestrutura de larga escala. Pensava, por exemplo, que os Millennium Development Goals (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio) eram mal conduzidos. Ao ignorar a infraestrutura e focalizar problemas individuais – por mais importantes que obviamente sejam –, esses objetivos, ironicamente, perpetuam a pobreza (Briscoe, 2011). Esse argumento é uma versão de outro, que ele apresentou em 1978: se os países em desenvolvimento não recebessem as ferramentas de que necessitavam – no caso, infraestrutura –, mas apenas soluções técnicas isoladas para problemas específicos, jamais se livrariam da dependência dos estrangeiros. Claro que esse argumento não é exclusivo de Briscoe; a questão é que esse autor incorpora as complexidades dos problemas, as contradições do pensamento de pequena e larga escala, e as concessões que indivíduos e organizações eram obrigados a fazer. Briscoe sabia que, sem os elementos essenciais necessários para que todas as sociedades se desenvolvam e prosperem – água, transporte e comunicação, por exemplo –, os países em desenvolvimento ficariam dependentes de auxílio para sempre. Décadas antes, o economista A.O. Hirschman denominava os projetos hídricos, por exemplo – projetos essenciais ao desenvolvimento econômico –, como “capital fixo social” (Dietrich, Henderson, 1963, p.18). Talvez Briscoe nunca tenha empregado tal expressão, mas essa era a essência do que ele defendia.

A Década da Água e o BNHP surgiram em uma época – final dos anos 1970 – na qual a devoção a essas medidas estava no ápice e também começava a ser contestada (McMillen, 2020). Tanto a Década Internacional de Abastecimento de Água Potável e Saneamento quanto o Blue Nile Health Project foram projetos abrangentes de larga escala destinados ao fornecimento de infraestrutura hídrica sustentável. Eram caros, e sua implementação poderia demorar muito tempo; as recompensas talvez não fossem imediatamente visíveis. Seu objetivo não era promover reformas técnicas de curto prazo. Fossem ambos bem-sucedidos, poderiam mudar fundamentalmente a relação das pessoas com a água e o saneamento. Essas mudanças seriam o alicerce da pujança econômica e social.

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O Banco Mundial iniciou a década de 1970 reconhecendo que havia “claramente um papel mais significativo” a exercer no desenvolvimento de abastecimento de água e esgoto. O banco havia sido ativo no desenvolvimento de projetos de irrigação, porém queria ir além. A década de 1960 fora dedicada ao abastecimento de água. Em 1971, perceberam que “o investimento nesse setor parecia muito mais adequado aos objetivos de desenvolvimento do Bank Group do que indicaria o limitado envolvimento do banco até então” (World Bank, 1971a, p.9). O recém-descoberto compromisso do banco foi revelador: em 1971, gastaram mais em projetos de água e esgoto – 189 milhões de dólares – do que em todos os anos anteriores somados. Ainda assim, tratava-se de “mera gota no oceano em relação à necessidade não atendida de investimentos para suprir as mais modestas demandas” (World Bank, 1971b, p.23). Nesse mesmo ano, a OMS e o Banco Mundial firmaram um contrato formal: reuniriam os respectivos conhecimentos e trabalhariam juntos no problema da água ( Shipman, 1974 ). Em alguns anos, o banco iniciava sua “fase de experimentação” (WHO/IBRD, 19-21 Mar. 1973). Em meados da década, surgiram mais iniciativas para promover a água e o saneamento no mundo em desenvolvimento do que jamais acontecera em qualquer outra época: a Unicef instalou milhares de bombas de água em toda a zona rural da Índia, enquanto o Banco Mundial e a OMS contribuíram para a formação de conselhos locais para a água em lugares como a região urbana de Uttar Pradesh, além de começar a levar a sério os problemas de acesso à água na África. No entanto, ao final da década, muitos acreditavam que não estava sendo feito o suficiente para atender às necessidades de saneamento e água potável do mundo.

Foi então que, em 1977, a ONU convocou a primeira conferência global da água em Mar del Plata, na Argentina. Algumas das resoluções acordadas na reunião eram radicais, na medida em que continham ideias abordadas por poucos e com as quais a concordância era ainda menos comum em nível global. Por exemplo, aquela que talvez tenha sido a primeira menção a um determinado princípio, como quando os participantes deliberaram que “todos os povos, seja qual for seu estágio de desenvolvimento e as suas condições sociais e econômicas, ‘têm direito’ ao acesso à água potável em quantidades e da qualidade equivalentes às suas necessidades básicas” (UN, 1977, p.66; destaque meu). Em uma seção intitulada “Políticas da água em territórios ocupados”, os participantes assumiram uma postura firme contra os detentores do poder que limitam o acesso à água aos destituídos de poder. Dada a contundência das palavras, vale a pena citar um trecho mais representativo a fim de demonstrar as maneiras pelas quais os conferencistas imaginavam incorporar a água às relações sociais. Consta dos registros da conferência o seguinte:

  • Observando com enorme preocupação a exploração ilegal dos recursos hídricos de povos submetidos ao colonialismo, à dominação estrangeira, à discriminação racial e ao ‘ apartheid ’, em detrimento dos povos originários,

  • 1. Afirma o direito inalienável dos povos em países sob domínio colonial e estrangeiro em sua batalha pela retomada do controle efetivo de seus recursos naturais, inclusive os recursos hídricos;

  • 2. Reconhece que o desenvolvimento de recursos hídricos em territórios sujeitos ao colonialismo, à dominação estrangeira, à discriminação racial e ao ‘ apartheid ’ deve ser direcionado ao uso benéfico dos povos originários, beneficiários legítimos de seus recursos naturais, inclusive os hídricos;

  • 3. Denuncia quaisquer políticas ou ações por parte das potências colonizadoras e/ou dominantes contrárias ao disposto no parágrafo 2 da presente resolução, e particularmente na Palestina, Zimbábue, Namíbia e Azânia (UN, 1977, p.80; destaques no original).

Como resultado dessa reunião, e com base no conhecimento obtido ao longo da meia década anterior, o banco, a OMS, o Pnud e representantes de 116 Estados presentes se comprometeram a lançar, financiar e executar a Década Internacional de Abastecimento de Água Potável e Saneamento. O objetivo da Década era ambicioso: fornecer saneamento e água limpa para dois bilhões de pessoas. As necessidades hídricas do mundo em desenvolvimento nunca haviam recebido uma ofensiva tão poderosa e sistemática. Refletindo sobre a importância da Década e o que ela poderia alcançar, uma comissão de especialistas da OMS e do banco afirmou, em 1979, que esse esforço teria um impacto inigualável. Escreveram: “Poucos projetos de desenvolvimento possuem um potencial maior de beneficiar diretamente a saúde e o bem-estar social e econômico da humanidade do que os serviços de saneamento e fornecimento de água” (WHO, 25 June 1979, p.1). O doutor Peter Lowes (1984) , coordenador da OMS/Pnud para a Década da Água, foi explícito sobre as ambições do projeto. Ao se dirigir a um grupo de potenciais doadores, ele deixou claro que a Década buscava realizar em escala global aquilo que havia sido alcançado na Inglaterra 130 anos antes.

Esse tipo de pensamento ambicioso foi contestado por aqueles que argumentavam que saneamento e abastecimento de água eram caros demais e que outros tipos de intervenções mais baratas seriam mais bem sucedidas para a melhoria da saúde, ou pelo menos, na cura das pessoas quando a saúde ficasse debilitada. Justamente quando a Década estava prestes a começar, conceituados especialistas em economia e saúde elaboraram o marcante argumento de que a atenção primária à saúde, conforme vislumbrada pela OMS na Conferência de Alma-Ata, precisava ser substituída pelo que denominaram atenção primária seletiva. A atenção primária seria simplesmente dispendiosa demais, sobretudo no caso da água. Mas a terapia de reidratação oral não. Curar crianças que tivessem contraído diarreia não seria simplesmente uma maneira mais barata de lidar com o problema, em vez de fomentar onerosas obras de água e esgoto? Era, sem dúvida, mais mensurável. Esse tipo de pensamento foi um ponto de tensão no desenvolvimento da Década entre aqueles que focalizavam a prevenção e os que priorizavam a cura. Ao analisar o impacto da IDWSSD na diarreia em crianças – muitas vezes usada como marcador de bem-estar de uma comunidade, assim como um tipo de indicativo de acesso à água limpa –, o Steering Committee for Cooperative Action (Comitê de Gestão para Ação Cooperativa, em tradução livre) da Década reportou, em 1990, que as alegações de que saneamento e abastecimento de água eram caros demais e de que mensurar o seu efeito na saúde seria difícil demais estavam, na realidade, equivocadas. Como ressaltou o comitê, “o fornecimento de água e saneamento deu início à IDWSSD em um clima em que os principais fundadores a viam como uma intervenção cara, cujos impactos na saúde não poderiam ser estimados”. No entanto, foi dada sequência aos programas e, ao final da Década, ficou claro que o fornecimento de água e saneamento gerou benefícios quantificáveis e comprováveis em se tratando de redução no número de casos de diarreia em crianças (IDWSSD, 1990).

Ainda que não tenha alcançado o objetivo de acesso universal à água e ao saneamento – meta que, segundo muitos, seria inatingível –, a Década obteve um êxito considerável. Tomemos a África, por exemplo. Embora fosse ingênuo e incorreto afirmar que a Década solucionou os problemas hídricos do continente, é inegável que enormes avanços tenham sido feitos, mesmo em uma época de aumento populacional total na marca de 36% (79% urbana e 23% rural). Nas zonas urbanas, o acesso ao abastecimento de água potável, limpa e segura, normalmente por meio de instalações domésticas, aumentou de 66% a 79% – novamente, em um período de aumento populacional urbano vertiginoso (WHO, 1992a). A inclinação da Década na direção dos sistemas de abastecimento de água significava que o esgoto não recebia o mesmo nível de atenção. O saneamento era relegado a segundo plano – e não só durante a Década da Água. Quando o Banco Mundial começou a concentrar empréstimos em saneamento e abastecimento de água no início da década de 1970, este sempre teve precedência sobre aquele. O mesmo se repetiu durante a Década. Saneamento é um problema mais complicado do que fornecimento de água limpa; requer uma preocupação com o meio ambiente em muitos aspectos dispensável no caso do fornecimento de água. Além disso, os hábitos sociais ligados à defecação são muito mais complexos do que os hábitos ligados à água potável. Ademais, como ressaltaram os analistas da Década, os políticos estavam muito mais ávidos por fornecer água limpa do que latrinas aos seus eleitores ( World Bank, 1992 ; Cairncross, 1992 , p.7). Por fim, como defenderam, em 1991, Dennis Warner e Louis Laugeri, da Community Water Supply and Environmental Health Unit da OMS, refletindo sobre as conquistas da Década, grande parte do progresso que poderia ter sido alcançado foi entravado por dois fatores relacionados. Primeiro, devido à incapacidade de demonstrar quantitativamente a relação entre saúde e água limpa, perdeu-se gradativamente o foco em saúde. Segundo, como a lucratividade ficou cada vez mais central no mundo da saúde global, os planejadores começaram a se concentrar progressivamente em aspectos quantificáveis do desenvolvimento de água e saneamento, como equipamentos, por exemplo. Isso significou, segundo Warner e Laugeri (1991 , p.137), que “envidaram-se esforços consideráveis no desenvolvimento de novas bombas manuais, sistemas de descarte de excrementos e processos de tratamento de água, porém esforços (e dinheiro) relativamente parcos foram destinados à compreensão das complexas relações da saúde ou ao desenvolvimento de critérios de projetos relacionados à saúde”. O resultado foi o incentivo perverso à construção de uma parafernália, pouco importando se isso melhoraria ou não a saúde.

Embora seja evidente que a Década da Água não alcançou todos os seus objetivos, a constatação de sua ambição, sem contar suas reais conquistas, é digna de nota. A Década dedicou uma quantidade extraordinária de atenção às precárias condições de saneamento e abastecimento de água em grande parte do mundo. Além disso, pesquisas realizadas durante a Década revelaram a importância das condições locais: que um modelo não serve para todos, que a tecnologia apropriada deve ser escolhida de acordo com cada local e que a participação da comunidade é fundamental. Foram lições importantes para os engenheiros hídricos, entre outros; apenas mapear no hemisfério Sul o que havia sido sucesso no Norte não seria eficaz ( Kalbermatten, 2009 ; Christmas, de Roov, 2009). Na verdade, tentar reproduzir a “revolução sanitária” urbana do século XIX no hemisfério Sul do final do século XX era simplesmente impossível ( Gandy, 2006 ).

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O Blue Nile Health Program foi uma tentativa de refletir, simultaneamente, sobre doença, meio ambiente, desenvolvimento econômico e comportamento humano. Como muitos puderam notar, os projetos de irrigação de Gezira, na região do Sudão, haviam criado uma região econômica e ambiental totalmente nova dentro do país, em que “mosquitos e caramujos transmissores de doenças se proliferam em canais e efluentes tão abundantemente quanto crescem o algodão, o amendoim, os cereais e vegetais nos campos irrigados” (Summary…, 3 May 1978). Malária e esquistossomose eram produtos, claro, do ambiente natural, porém um ambiente promovido pela ação humana. Até a construção da barragem de Sennar, no início da década de 1920, mal se sabia o que era esquistossomose, porém os oficiais previram de imediato que isso viria a se tornar um problema. Na realidade, o Serviço Médico do Sudão alertou, em 1925, que “o fracasso na prevenção [da esquistossomose] seria desastroso e provavelmente irreversível” (Amin, Abubaker, 2017, p.87). Sucessivos analistas repetiram a mesma mensagem ( Archibald, 1933 ; Stephenson, 1947 ; Farley, 1991 , p.122-124; Bell, 1999 , cap.4). E conforme antevisto, em poucos anos, a esquistossomose estava presente em absolutamente todos os canais recém-construídos ( Humphreys, 1932 ). Em 1952, W.H. Greany (1952 , p.265), do Ministério da Saúde do Sudão, apontou que “essa área anteriormente seca foi invadida pela esquistossomose após a introdução de um sistema de irrigação”. Ficou claro para a OMS, ao final da década de 1940, que a esquistossomose havia se disseminado pela África quando se iniciou o desenvolvimento da irrigação. Um grupo de trabalho associado entre OMS e o Office International d’Hygiene Publique se reuniu no Cairo, no final de 1949, e concluiu que “a introdução ou o desenvolvimento de projetos de irrigação, bem como a mudança da irrigação por bacia para irrigação perene, ‘sempre resultou’ em um aumento considerável na incidência e intensidade de bilharzíase” ( OIHP/WHO,1949 , p.14; destaque meu). Ao final da década de 1950, era notório que os projetos de irrigação no mundo inteiro – Brasil, Venezuela, Rodésia, Egito e outras partes – eram viveiros para o desenvolvimento de esquistossomose ( Lanoix, 1958 ). E essa doença não era o único problema. A malária, que era uma enfermidade sazonal, aos poucos foi sendo constatada ao longo do ano todo. A “transmissão perene” da malária virou padrão à medida que o desenvolvimento da irrigação acelerava na década de 1970, quando se iniciaram as operações do Projeto Rahad. A explosão da doença em Gezira se deu após a Segunda Guerra Mundial, em decorrência de uma expansão massiva da irrigação. Os campos que eram deixados em pousio agora permaneciam irrigados o ano inteiro. A construção ininterrupta de canais levou água – e malária e esquistossomose – para áreas que antes permaneciam secas. E, além de o aumento na densidade populacional ter sobrecarregado o abastecimento de água, números ainda maiores de migrantes modificaram o panorama da doença ( Jobin, 2014 , p.328). O projeto atraiu um número cada vez maior de migrantes de regiões infectadas por malária ( Plan…, 1979 ). Como ressaltou um estudioso, a história do desenvolvimento agrícola foi também a história da epidemia de malária e esquistossomose em “grupos populacionais de imigrantes não imunes” (Parisi, 9-19 Mar. 1981; ver também Fenwick et al., 1982 ; Amin, Abukaker, 2017). O desenvolvimento da irrigação havia adulterado a região por completo.

O que houve no Sudão foi uma versão de um fenômeno global observado em muitos lugares que se manifestou de inumeráveis maneiras: a transformação ambiental total de uma paisagem após a introdução e rápida disseminação da agricultura com alta intensidade de capital destinada à produção de commodities . Projetos de irrigação de grande porte como o de Gezira quase sempre resultaram em um novo ambiente patológico. Outra mudança ubíqua foi a aguda erosão do solo. Um dos exemplos mais conhecidos disso é o dust bowl (tigela de poeira) que varreu as Grandes Planícies dos EUA na década de 1930, quando a pradaria deu lugar a campos arados. Embora seja inquestionável que o dust bowl da década de 1930 não poderia ter acontecido em nenhum outro local – as pré-condições ecológicas das Grandes Planícies dos EUA eram singulares –, a maioria dos especialistas defende o convincente argumento segundo o qual o que fez as Grandes Planícies desaparecerem em enormes nuvens de areia na década de 1930 foi a manipulação humana do meio ambiente na forma de agricultura com alta intensidade de capital ( Worster, 1979 ). Mas o problema não se restringia aos EUA. Na década de 1930, em todo o mundo colonial, e além dele – na verdade, em qualquer lugar onde houvesse a combinação entre agricultura intensiva e ambiente propício –, surgiram as tigelas de poeira. Em um extraordinário estudo de 1939 sobre esse problema, The rape of the earth: a world survey of soil erosion, Graham Vernon Jacks e Robert Orr Whyte escreveram que a “principal causa econômica da recente e acelerada erosão é a transferência de capital entre fronteiras regionais ou políticas, retribuída com a fertilidade do solo” com o intuito de produzir commodities para exportação (citado em Holleman, 2018 , p.51). O mesmo tipo de transformação em grande escala da paisagem também ocorreu em Gezira: como relatou A.H.S. Omer, do Institute for Tropical Medicine em Khartoum, em 1975 (p.122), com a chegada da agricultura por irrigação, o “meio ambiente foi completamente alterado”. Com efeito, sem o desenvolvimento dos projetos massivos de irrigação, aquela não teria se tornado a enferma região para a qual o BNHP buscou a cura a partir do final da década de 1970.2

Em termos historiográficos, é claro que não é novidade o traço de interferência da agricultura de forte intensidade de capital; os historiadores do meio ambiente defendem argumentos semelhantes há décadas. De fato, um dos alicerces sobre o qual se construiu o campo da história ambiental foi o questionamento acerca das consequências da produção de commodities . O que quero deixar claro é que os idealizadores do BNHP usaram esse conceito como ponto de partida: o ambiente natural da província de Gezira havia sido tão alterado, que uma região que mal tivera contato com doenças associadas à água foi transformada em um ambiente onde essas doenças se tornaram endêmicas e, por vezes, epidêmicas. O BNHP se comprometeu a mitigar os efeitos daquilo que seus planejadores reconheciam como problema criado pelo ser humano associado ao desenvolvimento econômico. Isto é, eles admitiam que com o imperativo do desenvolvimento econômico vinha a responsabilidade. O Banco Mundial – parceiro essencial à frente do financiamento do projeto por meio do Gezira Rehabilitation and Modernization Project, que era administrado simultaneamente – propôs que havia, na verdade, um componente moral ligado ao desenvolvimento da irrigação:

As intervenções conhecidas por aumentar substancialmente a disseminação de doenças graves não podem ser encaradas levianamente. Uma vez começadas tais iniciativas, os financiadores deveriam ser moralmente obrigados não só a instituir contramedidas eficazes para compensar esses perigos, mas a minimizar o aumento considerável de doenças originárias da água como as produzidas, por exemplo, pelos projetos de irrigação no Sudão (Messenger, 14 Dec. 1981).

Na realidade, o Banco Mundial, na época, parecia ter levado tão a sério as implicações na saúde advindas do desenvolvimento da irrigação que o ministro da Saúde do Sudão passou a trabalhar com a premissa de que as considerações de saúde fossem contempladas em qualquer projeto financiado pelo Banco no Sudão (Abbas, 30 Mar. 1980).

O componente moral do desenvolvimento econômico, sobretudo em se tratando de saúde, também preocupava Halfdan Mahler, diretor-geral da OMS. Mahler, paladino dos preceitos de atenção de saúde primária e do Saúde para Todos no ano 2000 – iniciativas da OMS criadas fundamentalmente para reorientar a assistência à saúde no mundo em desenvolvimento –, considerava o BNHP a materialização de tais princípios essenciais: foi um projeto que tinha como objetivo desenvolver a atenção primária à saúde e fornecê-la a todos; ele associava cuidados de saúde ao desenvolvimento econômico; e envolvia a participação da comunidade (outro pilar da Década da Água). Mahler estava profundamente comprometido com o BNHP; o projeto englobava todas as suas prioridades. Em uma reunião de doadores em Khartoum, em fevereiro de 1980, Mahler (24 Feb. 1980) afirmou: “O papel da saúde como ponte entre os elementos necessários ao desenvolvimento da Nova Ordem Econômica Internacional foi reconhecido; o objetivo da saúde para todos em um nível que permitirá às pessoas liderar vidas produtivas social e economicamente deve ser alcançado se quisermos que prevaleça a justiça social e internacional”. Não surpreende o fato de Mahler ter aderido à Nova Ordem Econômica Internacional (Noei). A Noei foi uma proposição da ONU de 1974 criada para reequilibrar a desigualdade da economia mundial, a fim de beneficiar de maneira mais adequada o Sul Global por meio de um desenvolvimento pujante e um comércio mais igualitário. Havia um belo, embora não exato, alinhamento entre a Noei e as metas de Mahler voltadas à saúde global ( Chorev, 2012 , p.6-7, cap.3). E o Blue Nile Health Project abrangia tudo: unia saúde e desenvolvimento econômico de uma maneira que não atrapalhasse o crescimento, ao mesmo tempo contemplando justiça social.

Mas Mahler não era ingênuo. Pouco mais de uma semana depois, foi muito mais contundente em outro discurso sobre o Blue Nile Health Project. Sua preocupação era que a atenção à saúde ficasse subordinada às questões econômicas – o que era pertinente. Ele ficou alarmado com a crescente desigualdade que observava à sua volta. Seu otimismo foi posto em xeque:

Seguramente, analisando as táticas dilatórias, as negociações frustrantes, se é que podemos chamá-las de negociações, que há anos circundam a introdução neste mundo de uma ordem econômica e social minimamente decente, não se pode ser muito otimista quanto à retificação desse divórcio entre o Norte e o Sul em um futuro próximo (Mahler, 24 Feb. 1980).

Preocupava-se particularmente com as formas como economistas pensavam saúde e desenvolvimento:

A maioria dos economistas é total e absolutamente cética em relação à contribuição da saúde para o desenvolvimento socioeconômico. Mesmo quando economistas famosos como Myrdal, que [me disse] ‘Meu caro Mahler, por favor: você não precisa provar a importância da saúde; é um imperativo moral’, mas lamento dizer Sr. Myrdal, que embora o senhor tenha afirmado que se trata de um imperativo moral, ainda batalhamos muito para fazer a maioria dos economistas entender que saúde não é apenas um setor de consumo, mas um setor que verdadeiramente contribui para o desenvolvimento como um todo. Temos de convencer o economista cabeça-dura de que saúde é um projeto que vale a pena (Mahler, 24 Feb. 1980).

E continuou:

O mundo é dos habitantes da espaçonave terra para que, dentro dela, cada um tenha a oportunidade de compreender seu potencial social e econômico, ou é feito para que poucos indivíduos de poucos países destruam os recursos mundiais, tanto os humanos quanto os físicos? Em minha humilde opinião, estaremos de fato testemunhando a construção da bomba-relógio mais explosiva da história se deixarmos que as coisas continuem como estão (Mahler, 24 Feb. 1980).

Para Mahler, o BNHP era um sinal de esperança. O projeto era ambicioso e benévolo; materializava seus objetivos de atenção à saúde primária; e estava, sentia ele, às vésperas de realmente decolar. Como afirmou: “Nada impede que ele prossiga exceto a letargia, o cinismo, a falta de vontade política e de imaginação social” (Mahler, 24 Feb. 1980).

A preocupação de Mahler fazia sentido: tornar um projeto como esse viável exigiria bastante poder de persuasão. Seria colocado em prática ao mesmo tempo que a Década da Água e enfrentaria o mesmo tipo de escrutínio. Na realidade, enquanto membros do banco acreditavam haver um componente moral no desenvolvimento e que a saúde precisava ser levada em consideração na hora de criar projetos que sabidamente alterariam o meio ambiente, inclusive provocando doenças, havia também quem questionasse se valeria a pena investir em saúde. Dúvidas como essa precisariam ser sanadas antes de o banco considerar financiar a frente da saúde das obras em Gezira.

O Projeto de Reabilitação e Modernização de Gezira (GRMP, na sigla em inglês) encabeçado pelo banco tinha três metas: aumento constante das exportações; maior renda para 1,5 milhão de pessoas, todas dependentes do Projeto Gezira para sobreviver; e fortalecimento da “base fiscal do país”. O GRMP tinha de descobrir como alcançar esses objetivos da maneira mais eficaz em termos de custo/benefício. Enquanto muitos concordavam que o projeto havia criado um ambiente propício a doenças, e, claro, ninguém defendia que isso fosse aceitável, os membros do banco, porém, discutiam se investir em saúde os ajudaria a cumprir suas metas ou se seria uma despesa desnecessária (Sudan…, 13 June 1982). A dúvida mais premente em se tratando de saúde era a saúde do trabalho. Como afirmou, em 1982, um analista financeiro sênior no banco: “As considerações de saúde impõem uma obrigatória limitação à disponibilidade de mão de obra para operações produtivas, e essa limitação impõe um alto custo econômico” (Shivakumar, 22 June 1982). Embora isso fosse verdade, os representantes do banco questionavam se o componente de saúde do projeto não seria simplesmente demasiado oneroso. Como disse um dos membros do banco, ao tentar resumir o projeto à sua essência: “Os únicos elementos que poderiam ser reduzidos ou eliminados com mínimo efeito no equilíbrio do projeto são os componentes de saúde e de abastecimento de água” (Jordan, 9 July 1982).

Considerando a precariedade da infraestrutura de saúde do Sudão, representantes do banco questionavam se valeria a pena investir em saúde, já que haveria possibilidade de desperdício do investimento. Emmerich M. Schebeck (11 June 1982), da Divisão de Saúde, Nutrição e População do banco (PHN, na sigla em inglês) posicionou-se da seguinte forma:

Portanto, o dilema trata da difícil escolha entre não fazer nada no que compete à saúde, ainda que o principal projeto de irrigação apresente chances reais de suscitar ou exacerbar problemas sanitários em uma área destinada ao projeto, ou incluir fundos para esse componente reconhecendo que as atividades pretendidas têm pouca chance de ser totalmente eficazes devido à deficiência organizacional e administrativa do Ministério da Saúde no Sudão.

Como poderiam decidir? Seria possível avaliar se a frente de saúde do projeto teria uma chance razoável de sucesso? Como se questionou com relação à Década da Água: saúde é algo mensurável? Para tentar responder a essas dúvidas, o banco enviou o doutor Graham Clarkson, da Divisão PHN, para investigar. Clarkson passou várias semanas avaliando as estratégias de controle no início de 1983 e concluiu que os objetivos do BNHP eram fundamentados e sua capacidade era adequada. Enviou um alerta de cuidado para a equipe financeira do banco: não fiquem obcecados demais com quantificação. “No Sudão, a falta de evidências documentadas da quantidade real de casos de morbidade e morte provocadas pela esquistossomose em Gezira torna impossível quantificar em termos precisos a extensão do problema, mas infelizmente não diminui o perigo” (Clarkson, 14 Apr. 1983). Sua exaustiva avaliação do programa e de suas possibilidades o levou à óbvia conclusão de que quantificar os benefícios do controle da esquistossomose não seria nem possível e nem necessário. Isto é, eram evidentes os danos provocados pela doença nas pessoas em Gezira, fossem trabalhadoras ou não; melhorias na saúde levariam à melhoria econômica (Schistosomiasis…, 23 June 1983). Uma vez dissipadas as preocupações do banco, eles estavam preparados para oferecer o financiamento. E valeu a pena: em 1995, quando o banco avaliou o projeto, o componente da esquistossomose foi considerado um de seus maiores êxitos. Uma das principais lições aprendidas foi que “os resultados alcançados até então confirmam que a redução na predominância da doença é consequência direta da duração do programa de controle da doença” (World Bank AEOD, 2 Mar. 1995).

****

O Projeto de Irrigação de Gezira, operacional desde a década de 1920, quando os britânicos governavam o Sudão, na década de 1970 era o maior projeto de irrigação do planeta, abrangendo mais de dois milhões de acres ( Ertsen, 2015 ). Foi também, devido ao aumento da irrigação, palco da transmissão mais intensa de Schistosoma mansoni jamais vista no mundo ( El Gaddal, 1979 ). O algodão cultivado nessas terras e nos projetos Managil e Rahad era o principal produto de exportação do Sudão e, portanto, determinante para o êxito ou fracasso econômico do país. A mão de obra do cultivo do algodão e a manutenção das obras de irrigação, sem contar todas as atividades econômicas associadas ao atendimento de uma enorme população, atraíam cerca de meio milhão de migrantes trabalhadores por ano ( Bella et al., 1980 ), elevando a população local a aproximadamente 2,5 milhões de pessoas. Os criadores do BNHP, reconhecendo que a “produtividade agrícola do Sudão, às vezes, fica refém da doença”, sabiam que seria inadequado dar atenção apenas à malária ou à diarreia ou à esquistossomose ( Orozio, 1981 ). Eles precisavam reunir esforços em uma estratégia integrada. Em um aceno preliminar a potenciais doadores, os principais apuradores do projeto explicaram por que precisavam de uma nova estratégia. A antiga maneira de execução – focalizar malária, bilharzíase e diarreia como doenças isoladas – era ineficaz. O Blue Nile Health Project seria diferente: “O objetivo geral do projeto é controlar e evitar as principais doenças associadas à água, sobretudo malária, esquistossomose e diarreia, por meio de uma abordagem ampla, e avaliar os impactos sanitários e socioeconômicos” (Summary…, June 1982). Pode parecer extraordinário agora – ou talvez não –, mas no final da década de 1970 era uma ideia inusitada que a água, nesse ambiente específico, associasse malária, diarreia e esquistossomose, e que repensar o controle hídrico poderia, por sua vez, conduzir a melhores resultados sanitários. Conforme apregoado pela OMS em um press release de 1980, “o plano multifacetado é fundamental para uma nova estratégia de controle de doenças que está sendo, pela primeira vez, colocada em prática em larga escala. Criado para enfrentar todos os problemas de saúde da região, é abrangente em vez de fragmentado em termos de escopo e representa uma mudança significativa em relação à abordagem projeto a projeto” ( Orozio, 1981 ). De fato, a preocupação da OMS era de que se o projeto não fosse abrangente e não se integrasse ao sistema de saúde primário embrionário em desenvolvimento no Sudão, ele seria simplesmente mais um “projeto vertical” (Arfaa, June 1980).

No caso do BNHP isso se traduzia, por exemplo, em tornar as fontes de água domésticas mais acessíveis para que as pessoas não se banhassem na água dos canais de irrigação ou bebessem dessa água. Concentrar-se em doenças individualmente era ineficaz, como notaram os idealizadores do BNHP; e o que poderia funcionar para o controle da esquistossomose também poderia funcionar para o controle da diarreia. Além disso, pensar de forma mais abrangente poderia promover economias; ou seja, se as mudanças no uso da água mostrassem efeitos positivos em diversas doenças ao mesmo tempo, isso, é claro, seria mais barato do que o foco comprovadamente mais oneroso de lidar com uma doença por vez. O custo do controle da malária continuava subindo à medida que novos medicamentos se faziam necessários devido à resistência aos já em uso. Em 1975, uma devastadora epidemia de malária fez dispararem os índices de incidência da doença: o mosquito local, A. arabiensis , havia se tornado resistente ao DDT. A resistência a medicamentos era, portanto, motivo de preocupação para muitos dos envolvidos no projeto Gezira (Messenger, 14 Dec. 1981; El Gaddal et al., 1985 ). Os criadores do BNHP estavam dispostos a repensar a estratégia doença isolada/intervenção isolada.

Os custos dos atuais programas de controle de propósito único são proibitivamente elevados. A estratégia atual conta, sobretudo, com o controle químico repetitivo que resultou no desenvolvimento de resistência múltipla no mosquito da malária fazendo com que inseticidas mais novos e mais caros precisassem ser usados. O controle ambiental e biológico de mosquitos e caracóis, as melhorias nos serviços básicos de saúde, as mudanças no comportamento humano e a modificação permanente no uso agrícola e doméstico da água serão desenvolvidos como alternativa ao uso em larga escala de pesticidas e medicamentos (First…, 31 July 1979).

Eles sabiam que precisavam aprender sobre mais de uma doença. Considerando que, por ano, mais de meio milhão de pessoas entrou ou saiu da região em processo migratório, precisavam compreender a relação entre doença e esse movimento em massa. O doutor Mutamid Amin, por exemplo, queria saber qual efeito, em última análise, o fornecimento de água limpa para os moradores de vilarejos formais exerceria se “invasores” e trabalhadores sazonais vivessem em assentamentos informais fora das fronteiras de controle (Minutes…, 18 Apr. 1979). Ademais, compreender a migração humana não significava apenas aprender sobre a interação entre migração e doenças transmitidas por vetores, embora isso fosse extremamente importante; significava compreender a economia da migração, os fatores de expansão e retração que estimulavam as pessoas a migrar. Precisavam entender a história do Projeto Gezira. As três doenças fundamentais já existiam antes da irrigação em larga escala ou foram resultantes da irrigação? Nos primórdios do projeto, reconheceram que precisavam não só saber por quanto tempo as doenças haviam se instalado no local e qual papel o desenvolvimento da irrigação poderia ter exercido para a chegada e disseminação das doenças; eles sabiam que precisariam estudar o passado para aprender o que havia sido sucesso ou fracasso no controle de doenças (Summary…, 3 May 1978). O projeto era um laboratório ideal para compreender os aspectos sociais da doença. Em visita em fevereiro de 1980, a doutora P. Rosenfield, do Programa Especial de Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais, dirigido conjuntamente pelo banco e pela OMS, deixou isso absolutamente evidente quando notou o interesse da Fundação Ford em estudar os aspectos sociais da irrigação e relatou a ênfase da faculdade de medicina da Universidade de Gezira em “estudos interdisciplinares”. Os alunos, na verdade, tinham obrigatoriamente que computar um crédito em saúde comunitária para obter o diploma em medicina. Ela ficou animada com as possibilidades de realizar pesquisas que extrapolassem as preocupações biomédicas: “Essa visita confirmou as impressões anteriores de que no Sudão há um enorme potencial para pesquisa social e econômica relacionada ao controle e transmissão de doenças tropicais” (Rosenfield, 22-29 Feb. 1980).

Os criadores do BNHP queriam que o projeto fosse válido para além do Sudão. Embora o programa houvesse sido criado para solucionar os problemas de Gezira, era também uma iniciativa de pesquisa. Os organizadores imaginavam que o projeto seria um modelo para outros países tropicais que enfrentassem a disseminação de doenças geradas quando os recursos hídricos fossem desenvolvidos para produção de alimentos, energia e commodities (Summary…, June 1982). Na realidade, como o Banco Mundial havia criado dezenas de projetos de irrigação na África e no Oriente Médio em anos recentes, havia uma crescente preocupação acerca de seus efeitos patológicos. Com esse propósito, o banco reservou 60 milhões de dólares para mitigar os efeitos do desenvolvimento da irrigação para a saúde ( Orozio, 1981 ). O BNHP integrou um conjunto mais amplo de esforços de pesquisa, como o Programa Especial de Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais, cujo objetivo era compreender melhor as doenças comuns manifestas em uma vasta extensão do planeta. O Programa Especial surgiu, na verdade, como resposta à “assustadora elevação da prevalência e gravidade” da malária e da esquistossomose provocadas por projetos de desenvolvimento hídrico (Baum, Boskey, 12 Nov. 1976).

No decorrer da década de 1970, portanto, ficou cada vez mais evidente que o desenvolvimento da irrigação resultou na criação de novos ambientes de enfermidades; foi ficando também cada vez mais óbvio que uma estratégia abrangente poderia ser muito mais bem sucedida do que uma fragmentada. Assim como os idealizadores da Década da Água pensavam sobre a água de uma maneira ambiciosa e universal, também o fizeram os criadores do Blue Nile Health Project. Para alcançar seus objetivos, em princípio, eles definiram uma área de estudo a fim de aprender o que funcionara e o que fracassara. Fizeram várias tentativas de maneira integrada. Formaram comitês de saúde nos vilarejos e treinaram voluntários para o diagnóstico de malária e esquistossomose; as mães aprenderam como usar os soros para reidratação oral no combate à diarreia. O GRMP do banco financiou a construção de fornecedoras de água para a comunidade e canais de drenagem mais eficientes para diminuir o volume de água parada. Conduziram programas de quimioterapia em massa de maneira centralizada para tratamento de esquistossomose. A carpa capim chinesa foi introduzida para reduzir ervas daninhas aquáticas, larvas de mosquitos e caramujos ( Jobin, 2014 , p.321-360). O Blue Nile Health Program deu certo? Em muitos aspectos, sim – e em um período impressionantemente curto. Em 1981, a análise do doutor Graham Clarkson (31 Jan. 1981) era calamitosa: “a magnitude do problema”, escreveu, “não pode ser subestimada”. Quatro anos depois, o doutor A.A. El Gaddal (1985) , gestor do projeto BNHP, reportou que a taxa de prevalência da esquistossomose havia sido reduzida de mais de 50% para menos de 10%; os índices de malária e diarreia também caíram consideravelmente. O êxito do BNHP perdurou ao longo dos dez anos de sua duração: manteve-se a esquistossomose sob controle durante toda a década de 1980, e a prevalência de malária caiu para menos de 1% comparada com a elevada taxa de mais de 30% no início da década de 1970 ( Jobin, 2014 , p.341-342).

Mas tudo acabou. O golpe que derrubou o regime em 1985 e alçou Omar Bashir à presidência levou instabilidade política ao Sudão. Muitos envolvidos no projeto foram presos; outros partiram. E o BNHP passou a contar cada vez mais com conhecimento externo. Mesmo assim, ano após ano, enquanto havia financiamento disponível, o sucesso se mantinha inabalável. Até 1990. Nesse ano, chuvas torrenciais sobrecarregaram os sistemas de drenagem e a malária assolou Gezira. Nesse período, também, conforme planejamento, o suporte financeiro estrangeiro havia se esgotado, e o governo sudanês não foi capaz de reerguer a queda de receita. Muitos dos médicos e membros do projeto que ainda permaneciam deixaram o Sudão em busca de oportunidades em outros países. Embora o BNHP tivesse proporcionado dez anos de boa saúde – malária e esquistossomose estavam amplamente sob controle –, e o banco houvesse financiado a instalação de obras sanitárias e de água limpa, muitas das conquistas foram efêmeras. Não houve tempo suficiente para desenvolver métodos biológicos de controle de caramujos; o fornecimento de biocidas sem compostos químicos era bom demais para ser rejeitado. Os mosquiteiros para controle da malária não haviam sido adotados de maneira sistêmica. Em paralelo a isso, como contavam com mudanças de infraestrutura – novas tubulações de água, privadas e assim por diante –, os benefícios obtidos pelo fornecimento de saneamento e água limpa, em tese, durariam mais ( Jobin, 2014 , p.350-357). Quando o BNHP foi encerrado, a esquistossomose já não era mais uma prioridade – para ninguém. Em meados da primeira década do século XXI, as taxas de prevalência em Gezira haviam subido para mais de 70% em homens e 60% em mulheres. Enquanto o BNHP estava em operação, as taxas ficavam abaixo de 10% (Amin, Abubaker, 2017). A malária, por sua vez, saiu de controle passando a ser, novamente, constatada como algo corriqueiro ao longo do ano todo, intensificando-se sobremaneira a intervalos regulares ( Hussien, 2019 ).

Considerações finais

Não raro escrevemos histórias de fracasso. Esta não é uma delas. O Blue Nile Health Project funcionou, e a Década da Água foi um exemplo de extraordinária cooperação e coordenação. Na África urbana, os benefícios do acesso à água potável durante a Década da Água – um aumento de 29% para 49% no número de instalações domésticas diretas – foram maiores do que os registrados nos 25 anos entre 1990 e 2015, quando o acesso à água potável, na realidade, caiu de 43% para 33%, coincidindo com o período em que os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio determinaram o acesso à água limpa e potável como um de seus pilares (WHO, 1992b; Unicef, WHO, 2015 , p.10). A Década da Água marcou o início do esforço global de fornecimento de água limpa e potável e saneamento adequado universal. O BNHP demonstrou que é possível alcançar resultados extraordinários quando há financiamento apropriado, bons recursos humanos, cooperação interdisciplinar e adesão da comunidade. Isso é ponto pacífico, claro. Contudo, a história do BNHP serviu como um exemplo realista de uma série de lições que a OMS, por exemplo, parece ainda estar aprendendo. Na primavera de 2015, quando a OMS deu uma declaração em que refletia sobre a sua resposta à pandemia de ebola, a organização aprendeu uma série de lições sobre a importância da comunidade, o fracasso do mercado e a fragilidade de sistemas de saúde precários (WHO, 16 Apr. 2015). O BNHP, é claro, não havia deixado qualquer dúvida em relação a isso décadas atrás.

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NOTAS

  • 1
    Nessa e nas demais citações de textos publicados em outros idiomas, a tradução é livre.
  • 2
    Deve-se observar que o Banco Mundial decidiu se comprometer em reabilitar o projeto Gezira como um todo após perceber que aquilo havia se transformado em uma horrível desordem (assoreamento, saúde precária, rodovias péssimas etc.). Ver: Sudan... (5 July 1979) e Gezira... (1980-1982).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Set 2020

Histórico

  • Recebido
    7 Jun 2019
  • Aceito
    27 Ago 2019
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