Resumo
Este artigo apresenta uma compreensão historiográfica a respeito de processos ou formas de seleção para o ingresso de estudantes no Colégio de Aplicação da UFS, no período de 1969 a 1981, e de relações com o perfil discente. A pesquisa documental selecionou e utilizou como fontes documentos da escrituração escolar, especialmente os documentos contidos nos dossiês de estudantes, coletados no acervo do Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação. Esse estabelecimento de ensino, desde sua fundação em 1959, é considerado como uma escola elitizada. Contudo, a pesquisa constatou discussões e modificações realizadas na forma de ingresso de estudantes e alterações no perfil discente do Colégio de Aplicação da UFS, o qual passou a receber também estudantes provenientes de escolas públicas e de estratos sociais com renda baixa, sobretudo a partir do ano de 1975 quando o colégio utilizou o sorteio público como forma de ingresso.
Palavras-chave:
Colégio de Aplicação; Exame de seleção; Perfil discente; Processo seletivo; Sorteio
Resumen
Este artículo presenta una comprensión historiográfica sobre los procesos o formas de selección para el ingreso de estudiantes en el Colegio de Aplicación de la UFS, en el período de 1969 a 1981, y sus relaciones con el perfil de los estudiantes. La investigación documental seleccionó y utilizó como fuentes documentos de los registros escolares, especialmente los documentos contenidos en los expedientes de los alumnos, recogidos en la colección del Centro de Investigación, Documentación y Memoria del Colegio de Aplicación. Este centro educativo, desde su fundación en 1959, se considera una escuela elitista. Sin embargo, la investigación verificó discusiones y modificaciones realizadas en la forma de ingreso de los alumnos y cambios en el perfil de los estudiantes del Colegio de Aplicación de la UFS, que también empezó a recibir alumnos de escuelas públicas y de estratos sociales con bajos ingresos salariales, especialmente a partir de 1975, cuando la escuela utilizó el sorteo público como forma de ingreso.
Palabras clave:
Colegio de Aplicación; Examen de selección; Perfil del estudiante; Proceso selectivo; Sorteo
Abstract
This article presents a historiographical understanding of the processes or means of selection for student admission to the Laboratory School at the Federal University of Sergipe from 1969 to 1981, in addition to their relations with the student profile. This documentary research selected and used documents from the school records as sources, especially the ones in student dossiers. They were all collected in the archive of the Research, Documentation and Memory Center of the Laboratory School. Such an educational establishment, since its foundation in 1959, is considered an elite school. However, the results indicate discussions and modifications in the means of student admission, as well as changes in the student profile of this school, which also began to receive students from public schools and low-income social strata, especially from 1975 onwards, when the school used public draws as a means of admission.
Keywords:
Laboratory School; Selection exam; Student profile; Selection process; Public draw
Résumé
Cet article présente une perception historiographique sur les processus ou les modalités de sélection pour admission des étudiants au Colégio de Aplicação de l’Université fédérale de Sergipe dans la période de 1969 à 1981, et les relations avec le profil étudiant. La recherche documentaire a sélectionné et a utilisé comme sources des documents des registres scolaires, en particulier celui contenus dans les dossiers des élèves, trouvés dans la collection du Centre de recherche, de documentation et de mémoire do Colégio de Aplicação. Le Colégio de Aplicação, depuis sa fondation en 1959, est-il considéré comme une école d'élite. Cependant, la recherche a observé des discussions et des changements concernant au processus d’entrée et une modification du profil des étudiants de cet établissement, qui a également commencé à recevoir des étudiants des écoles publiques et des classes sociales les plus pauvres, notamment à partir de l'année 1975 quand elle a utilisé le tirage au sort comme critère d'évaluation.
Mots-clés:
Colégio de Aplicação; Examen de sélection; Profil de l'étudiant; Processus de sélection; Tirage au sort
Ao tratar da dimensão diacrônica da questão na pesquisa historiográfica, o historiador francês Antonie Prost (2019PROST, Antoine. Doze lições sobre história. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. ) afirma que a questão deve ser “[...] formulada do presente em relação ao passado, incidindo sobre as origens, evolução e itinerários no tempo, identificados através de datas” (p. 96). Considerando esta assertiva, o presente artigo aborda uma questão que contemporaneamente tem suscitado o debate e por isso instiga o interesse em compreender possíveis registros indicativos de suas permanências e transformações no tempo pretérito. A questão versa sobre a forma de ingresso de estudantes e relações com o perfil discente no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe.1 1 As discussões e resultados apresentados neste artigo integra o projeto intitulado: Identidade e responsabilidade histórica. Organização e preservação de documentos noCentro de Pesquisa Documentação e Memória do Colégio de Aplicação - UFS (Cemdap) - Chamada Universal CNPq/MCTI/FNDCT Nº 18/2021.
A questão da forma de ingresso de estudantes povoou de forma sensível e recorrente, em diferentes momentos da história do Colégio de Aplicação da UFS, as discussões pedagógicas internas, e mesmo ressoou em outros espaços da Universidade e na comunidade externa, nas famílias que almejavam uma vaga nesse colégio para os seus filhos (CEMDAP. Relatório..., 1976CEMDAP (1976). Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Requerimento para concorrer à Seleção através de sorteio, 1976. ; PINA, 2002PINA, Maria Lígia Madureira. Revivendo o Colégio de Aplicação. Revista da Academia Literária de Vida. Aracaju, Editora Rocha&Pina, 2022.; SANTOS, 1994SANTOS, Maria de Fátima Evangelista de Amorim. Características dos estudantes selecionados no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe. 1994. 48 f. Relatório de Pesquisa (Curso de Especialização em Educação) - Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 1994., BISPO, 2018BISPO, Marlucy Mary Gama (2018). O Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe: entre excelência e referência. 2018.169 f. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão.). Nesse sentido, a Comissão de Trabalho, composta por professores da Faculdade de Educação (FACED/UFS) e do Colégio de Aplicação, organizada em 1976, com o objetivo de efetuar um estudo sobre o Colégio, entre outros pontos, expôs a questão da forma de ingresso como crítica e apontou a existência de “[...] pressão de dentro e fora do Colégio de Aplicação para que o mesmo continuasse nos moldes anteriores, de ‘elites intelectuais’ e talvez ‘econômicas’” (CEMDAP, 1976bCEMDAP (1976). Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Relatório de Posicionamento do Colégio de Aplicação em relação às suas funções na Faculdade de Educação, 1976. (Pacotilha 29)., p. 6). Já em 1994, em estudo monográfico produzido pela professora do Colégio, Maria de Fátima Evangelista de Amorim Santos, no âmbito do Curso de Especialização em Metodologia do Ensino e da Pesquisa no Ensino Fundamental (UFS), intitulada Características dos estudantes selecionados no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe2 2 Trabalho monográfico impresso. Não publicado. Cópia doada ao Cemdap, juntamente com outros documentos, pela professora Silaine Gomes Borges, por ocasião de sua aposentadoria no fim do ano de 2021. , essa autora evidenciou a permanência da questão, ressaltando a preocupação com resultados que o processo seletivo por meio da realização de provas vinha provocando no perfil discente do Colégio:
O Colégio de Aplicação/UFS necessitando selecionar sua clientela, já a partir do 1º grau, em decorrência da procura ser maior do que a oferta, o exame de seleção aplicado nessa escola, já tem praticamente um beneficiário definido: o aluno das classes privilegiadas, seja por sua condição econômica ou social, seja por ser egresso de uma escola, em geral particular, que lhe tenha proporcionado uma escolaridade mais elevada do que a oferecida pela escola pública (SANTOS, 1994SANTOS, Maria de Fátima Evangelista de Amorim. Características dos estudantes selecionados no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe. 1994. 48 f. Relatório de Pesquisa (Curso de Especialização em Educação) - Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 1994., p. 3). Grifo nosso.
Mais contemporaneamente, depois de quase três décadas utilizando o processo de seleção por meio de provas de conhecimento classificatório, o Colégio de Aplicação da UFS reformou o seu regimento no ano de 2008 e aprovou o sorteio público de vagas como forma de ingresso de estudantes para qualquer série, com a aprovação final do Conselho Universitário3 3 Órgão máximo de natureza normativa, consultiva e deliberativa da Universidade Federal de Sergipe em matéria administrativa e de política universitária. (UFS/Consu, 2008UFS/CONEPE . (2008). Conselho de Ensino e Pesquisa. Resolução nº 80/2008/Conepe. Institui o programa de ações afirmativas para garantia de acesso de grupos menos favorecidos à Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão/SE, 13 de outubro de 2008.). Essa mudança ocorreu no contexto de debates a respeito de Políticas Afirmativas que vinham sendo discutidas por setores dessa Universidade para o ingresso de estudantes nos cursos de graduação4 4 Essas discussões resultaram na aprovação do programa de ações afirmativas para garantia de acesso de grupos menos favorecidos à Universidade Federal de Sergipe. UFS/Conepe, 2008. (BISPO, 2018BISPO, Marlucy Mary Gama (2018). O Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe: entre excelência e referência. 2018.169 f. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão.). A partir de 2010, iniciou-se o ingresso no Colégio de estudantes por meio de sorteio público de vagas, situação que provocou alterações na cultura escolar e exigia mudanças e/ou adaptações nos processos pedagógicos a fim de atender, de forma eficiente e adequada, às necessidades dessa nova clientela que recorria à escola.
As discussões internas a respeito do tema - motivadas, sobretudo, por um público estudantil que adentrava a escola com níveis desiguais de adiantamento intelectual ou mesmo com certas carências de letramento básico - tornaram-se tensas a ponto de uma divisão entre aqueles que defendiam a continuação do sorteio, pelo fato de este garantir um acesso mais democrático, e os que queriam o retorno dos exames de seleção; neste último caso defendido como uma garantiria do retorno do nivelamento intelectual dos estudantes. Nos debates, essa última posição se tornou dominante entre professores e direção do Colégio, o que resultou na aprovação, em 2017, pelo Conselho Geral do Colégio, da proposta de retorno à seleção para o ingresso de estudantes por meio de aplicação de provas de conhecimento. Entretanto, quando da deliberação final no Conselho Universitário (Consu), a proposta de alteração foi indeferida, tendo sido acolhido o voto pela permanência do sorteio apresentado pela Conselheira Iara Maria Campelo Lima, na época vice-reitora da UFS. Assim, o Conselho Superior da UFS manteve5 5 Texto da resolução que indeferiu alteração na forma de ingresso no Colégio de Aplicação da UFS: “Art. 1º Indeferir a proposta apresentada pelo CODAP no sentido de promover nivelamento dos candidatos para ingresso no 6º ano do Ensino Fundamental, e só após resultado proceder a sorteio público. Parágrafo único. Fica mantido o sorteio público como acesso de estudantes ao CODAP. Art. 2º Devolver o processo ao CODAP para avaliação das sugestões apresentadas no Voto de Vistas”. UFS/Consu, 2017. sem alterações o sorteio público de vagas (UFS/Consu, 2017TELES, Therezinha Carvalho. 2017. Banco de histórias do Colégio de Aplicação da UFS: identidade e pertencimento nas memórias de estudantes e professores. Entrevistador: Joaquim Tavares da Conceição. São Cristóvão/SE, 07/12/2017.), continuando até os dias atuais como o processo para o ingresso de estudantes no Colégio de Aplicação da UFS.
O registro desse desenrolar do tema nos tempos recentes interessa para, a partir daí, procurar averiguar possíveis raízes históricas da questão. Ou seja, será que a questão da forma de ingresso de estudantes chegou a ser pensada e/ou enfrentada em períodos anteriores da história do Colégio de Aplicação da UFS? Tendo ocorrido essa preocupação, como se processou esse debate e/ou quais foram as escolhas realizadas e suas motivações?
A questão da forma de ingresso retoma ou está relacionada com outro ponto importante na história de colégios de aplicação, ou seja, o perfil estudantil institucionalmente almejado por esses estabelecimentos escolares. De fato, como ressaltado por Bispo (2018BISPO, Marlucy Mary Gama (2018). O Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe: entre excelência e referência. 2018.169 f. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão.), “[...] quando uma instituição de ensino delibera sobre a forma de ingresso discente, concomitantemente está optando pelo perfil de aluno que pretende formar” (BISPO, 2018BISPO, Marlucy Mary Gama (2018). O Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe: entre excelência e referência. 2018.169 f. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão., p. 61). Pesquisas apontam que esses colégios historicamente têm no meio educacional a “classificação escolar”6
6
A classificação escolar ―[...] institui uma diferença social de estatuto, uma relação de ordem definitiva: os eleitos são marcados, por toda a vida, por sua pertinência (antigo aluno de ...); eles são membros de uma ordem, no sentido medieval do termo, e de uma ordem nobiliárquica, conjunto nitidamente delimitado (pertence-se ou não a ela) de pessoas separadas dos comuns mortais por uma diferença de essência e, assim, legitimados para dominar. Bourdieu, 2010, p. 38.
(BOURDIEU, 2010BOURDIEU, Pierre. Razões práticas. Sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 2010.) de estabelecimentos de “excelência”, com um perfil estudantil intelectual ou mesmo econômico elitizado; e dentre alguns aspectos que legitimam esse referencial está a seletiva forma de ingresso que, no caso específico do Colégio de Aplicação da UFS, marcou a história da instituição; e esta seletividade passou por algumas alterações ao longo dos anos (ALMEIDA, 2021bALMEIDA, Sayonara do Espirito Santo. Cartografia estudantil no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe (1969-1981). 2021. 202 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2021b. Disponível em: https://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/14876
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; BISPO, 2018BISPO, Marlucy Mary Gama (2018). O Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe: entre excelência e referência. 2018.169 f. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão.; SANTOS, 2019SANTOS, Joelza de Oliveira. Memórias de estudantes egressos do Ginásio de Aplicação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe (1960-1968). 2019. 105 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, 2019. http://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/12676
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, MELO, CONCEIÇÃO, 2021MELO, Rafaela Cravo de, CONCEIÇÃO, Joaquim Tavares da. O perfil estudantil do Ginásio de Aplicação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe (1959-1968). Uma investigação de fontes seriais do arquivo escolar. Boletim Historiar, vol. 08, n. 04. Out./Dez. 2021, p. 69-92. http://seer.ufs.br/index.php/historiar
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). É o que se procura discutir recorte temporal do objeto e nos limites deste artigo.
Portanto, este artigo lança luzes sobre a questão de ingresso de estudantes de colégios de aplicação, procurando contribuir para as discussões locais e nacionais a respeito da constituição ou significados de conformações históricas do modelo escolar denominado colégio de aplicação, especialmente na estrutura de universidades federais. Para isso, apresenta uma compreensão historiográfica acerca de processos ou formas de seleção para o ingresso de estudantes no Colégio de Aplicação da UFS, no período de 1969 - primeiro ingresso de estudantes na fase de colégio de aplicação universitário - até o ano 1981, quando da transferência do espaço de funcionamento do colégio para o Campus Universitário, inaugurado nesse mesmo ano, e a aprovação de um novo regimento escolar que implementou uma fase de novas mudanças.
A pesquisa documental selecionou e utilizou como fontes documentos da escrituração escolar, especialmente contidos nos dossiês de estudantes (CEMDAP. Dossiês de..., 1969-1981CEMDAP. (1974-1981) Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Editais de seleção para Colégio de Aplicação da UFS (1974-1981), 1974. (Pacotilha 141).), tratados como fonte serial, considerada a homogeneidade, o que possibilitou “[...] quantificar ou de serializar as informações ali perceptíveis no intuito de identificar regularidades, variações, mudanças tendenciais e discrepância reveladoras (BARROS, 2012BARROS, José Costa D’Assunção. A História Serial e História Quantitativa no Movimento dos Annales. História Revista. Goiânia. V.17. N. 1. Jan/jun, 2012, p. 203-222. , p. 206), além da utilização de fontes orais, coletadas no Banco de Histórias do Colégio de Aplicação da UFS. Identidade e pertencimento nas memórias de estudantes e professores (CONCEIÇÃO, 2022CONCEIÇÃO, Joaquim Tavares da. A preservação do acervo documental do Colégio de Aplicação da UFS e a produção de pesquisas em História da Educação. In: FERRONATO, Cristiano; CONCEIÇÃO, Joaquim Tavares da. (Orgs.). Compreensões Historiográficas da Educação Brasileira. Aracaju, SE: Criação Editora, 2022. Disponível em: https://editoracriacao.com.br/compreensoes-historiograficas-da-educacao-brasileira/
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). O levantamento e coleta de fontes ocorreram no acervo do Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS (Cemdap)7
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Localizado na Ala B do prédio do Colégio de Aplicação da UFS. Teve sua criação aprovada pelo Conselho do Colégio de Aplicação em 2016, e tem como objetivo geral “Captação, organização, preservação, disponibilização e difusão do patrimônio histórico educativo do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe”. Conceição, 2021, 2022.
, aspecto que reforça a importância de intervenções preservacionistas em acervos de colégios de aplicação ou mesmo nas Faculdades de Educação, às quais muitos colégios estiveram vinculados, para a produção de compreensões historiográficas (ALMEIDA, 2021aALMEIDA, Dóris Bittencourt. Percursos de um Arq-Vivo: entre arquivos e experiências na pesquisa em história da educação. Porto Alegre: Editora Letra1, 2021a. , CONCEIÇÃO, 2022CONCEIÇÃO, Joaquim Tavares da. A preservação do acervo documental do Colégio de Aplicação da UFS e a produção de pesquisas em História da Educação. In: FERRONATO, Cristiano; CONCEIÇÃO, Joaquim Tavares da. (Orgs.). Compreensões Historiográficas da Educação Brasileira. Aracaju, SE: Criação Editora, 2022. Disponível em: https://editoracriacao.com.br/compreensoes-historiograficas-da-educacao-brasileira/
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).
A pesquisa dialogou com outros estudos a respeito de colégios de aplicação, notadamente aqueles produzidos no âmbito da História da Educação (BARROS, 1975BARROS, Zilma Gomes Parente (1975). Redefinição Conceitual dos Colégios de Aplicação. 156 fl. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1975.; LANDO, 2012LANDO, Janice Cassia. (2012). Práticas, Inovações, Experimentações e Competências Pedagógicas das Professoras de Matemática no Colégio de Aplicação da Universidade da Bahia (1949-1976). Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Feira de Santana.; LIMA, 2016LIMA, Valeska Alessandra (2016). Colégio de Aplicação da UFRGS: práticas educativas adormecidas entre o Arquivo e a Memória Oral (1954-1981). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; LUCIANO JUNIOR, 20120LUCIANO JUNIOR, Ademir Soares (2010). Cultura Escolar e Perfil Discente no Colégio de Aplicação da UFSC (1966-1973). 125 fl. 2010. Dissertação de Mestrado. Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis.; SANTOS, 2019SANTOS, Joelza de Oliveira. Memórias de estudantes egressos do Ginásio de Aplicação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe (1960-1968). 2019. 105 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, 2019. http://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/12676
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; CONCEIÇÃO, MELO, 2021MELO, Rafaela Cravo de, CONCEIÇÃO, Joaquim Tavares da. O perfil estudantil do Ginásio de Aplicação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe (1959-1968). Uma investigação de fontes seriais do arquivo escolar. Boletim Historiar, vol. 08, n. 04. Out./Dez. 2021, p. 69-92. http://seer.ufs.br/index.php/historiar
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Relação de trabalhos levantados a respeito de aspectos da história de colégios de aplicação, consultar: Santos, 2019; Almeida, 2021.
. Parte das discussões e resultados estão organizados e apresentados nos tópicos a seguir.
De Ginásio de Aplicação da FCFS a Colégio de Aplicação da UFS
O que hoje corresponde ao Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe tem sua história vinculada à criação do Ginásio de Aplicação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe (FCFS), fundado em 30 de junho de 1959, localizado na capital Aracaju, e funcionando no prédio da FCFS, cujas atividades letivas foram iniciadas em 1960, com a matrícula da primeira turma no primeiro ano do curso ginasial do ensino secundário. No Ginásio de Aplicação, nos anos de 1959 a 1968 - regido pela Lei Orgânica do Ensino Secundário (BRASIL, 1942BRASIL. Decreto-Lei nº 4.244, de 09 de abril de 1942. Lei orgânica do ensino secundário. Disponível em: http:// https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-4244-9-abril-1942-414155-publicacaooriginal-1-pe.html >. Acesso em: 2/2/2020.
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) e a partir de 1961 pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961 (BRASIL, 1961BRASIL. Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: http://https://http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4024.htm >. Acesso em: 30/8/2020.
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) -, a forma de ingresso de estudantes ocorria por meio dos “exames de admissão” que conferiam aos selecionados uma verdadeira “distinção social” (BOURDIEU, 2009BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. (Introdução, organização e seleção Sergio Miceli). Editora Perspectiva, 2009.).
Já ano de 1968, agora na condição de colégio, uma vez que passou a oferecer o segundo ciclo do ensino secundário a partir de 1965, essa instituição de ensino foi, juntamente com a Faculdade Católica de Filosofia, incorporada à Universidade Federal de Sergipe, fundada nesse mesmo ano de 1968. Iniciava-se uma nova fase na história do Colégio, agora com a denominação de Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe, vinculado à Faculdade de Educação da UFS. É justamente a partir da incorporação do Colégio à Universidade que se avolumam as discussões em torno da forma de ingresso nesse estabelecimento escolar e, por conseguinte, do perfil dos escolares.
O Colégio de Aplicação na estrutura da Universidade. Enfrentando desafios para continuar existindo
Com a federalização (1968) - incorporação do antigo Colégio de Aplicação da Faculdade Católica de Filosofia à Universidade Federal de Sergipe - o Colégio de Aplicação da UFS atravessou algumas mudanças de natureza jurídica, deixando de ser uma instituição de ensino particular para tornar-se pública, com o seu corpo docente vinculado administrativa e pedagogicamente à Faculdade de Educação da UFS, além de o cargo de diretor dessa escola ser escolhido entre os professores da mencionada Faculdade (UFS/CONSU, 1975UFS /CONSU/ . (1975). Universidade Federal de Sergipe. Conselho Universitário. Resolução nº 15/75/CONSU, Regimento do Colégio de Aplicação, 23 de setembro de 1975. (Acervo do Cemdap).). Posteriormente, o Regimento Geral da UFS modificou o lugar do Colégio na estrutura da universidade, transformando-o em órgão suplementar vinculado diretamente à Reitoria (UFS/CONSU, 1979UFS/CONSU . (1979). Universidade Federal de Sergipe. Conselho Universitário. Resolução nº 01/79/CONSU, Regimento Geral da Universidade Federal de Sergipe, 15 de janeiro de 1979. ). Com essa mudança, o Colégio passou a ter autonomia em relação à Faculdade de Educação. No ano de 1981, um novo regimento internoCEMDAP. (1960). Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Regimento interno do Ginásio de Aplicação da Faculdade Católica de Sergipe, 1960. (Pacotilha 25). foi aprovado e passou a indicar essa nova condição da escola no organograma da UFS (UFS/CONSU, 1981UFS/CONSU . (1981). Universidade Federal de Sergipe. Conselho Universitário. Resolução nº 01/81/CONSU, Regimento do Colégio de Aplicação, 27 de janeiro de 1981.).
Com a incorporação à UFS, o Colégio de Aplicação continuou funcionando no antigo prédio da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, localizado no bairro São José, região da capital Aracaju que concentrava, nas décadas de 60 e 70 do século XX, estratos socias com renda média ou alta (ALMEIDA, 2021bALMEIDA, Sayonara do Espirito Santo. Cartografia estudantil no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe (1969-1981). 2021. 202 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2021b. Disponível em: https://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/14876
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; MELO, CONCEIÇÃO, 2021MELO, Rafaela Cravo de, CONCEIÇÃO, Joaquim Tavares da. O perfil estudantil do Ginásio de Aplicação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe (1959-1968). Uma investigação de fontes seriais do arquivo escolar. Boletim Historiar, vol. 08, n. 04. Out./Dez. 2021, p. 69-92. http://seer.ufs.br/index.php/historiar
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; SERGIPE, 1979 Sergipe. Atlas de Sergipe. Aracaju: Secretaria do Planejamento do Estado de Sergipe / Universidade Federal de Sergipe, 1979.). Somente em 1981, com a inauguração da Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos, o Colégio de Aplicação passou a ocupar o pavimento superior do prédio da Didática III desse campus, localizado no município de São Cristóvão, limítrofe à capital, Aracaju.
A partir da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, que instituiu na organização da educação nacional os ensinos de 1º e 2º graus (BRASIL, 1971BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5692.htm > Acesso em 4/12/2020.
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), os exames de admissão foram extintos. Com essa mudança, somada às discussões já existentes sobre o perfil discente do Colégio, diante de sua posição na estrutura universitária (CEMDAP. Relatório..., 1976CEMDAP (1976). Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Requerimento para concorrer à Seleção através de sorteio, 1976. ; PINA, 2002PINA, Maria Lígia Madureira. Revivendo o Colégio de Aplicação. Revista da Academia Literária de Vida. Aracaju, Editora Rocha&Pina, 2022.), de 1972 a 1980 a forma de ingresso no Colégio de Aplicação da UFS passou por discussões e alterações. Coube à instituição pensar outras formas para selecionar estudantes que pretendiam a matrícula nas vagas oferecidas para o ingresso no Colégio que, como regra, no período em estudo, ocorria a partir da 5ª série do 1º grau até a 3ª série do 2º grau, não abrangendo, pois, as quatro primeiras séries do antigo 1º grau, como ocorria em alguns outros colégios de aplicação vinculados a universidades federais.
No decorrer da década de 1970, a forma de ingresso de estudantes e, por conseguinte, do perfil de alunado almejado ocorreu no bojo de um desafio ainda maior, ou seja, tratava-se da luta para continuar existindo na estrutura da Universidade e mesmo se afirmar como espaço de observação, experimentação, demonstrações pedagógicas e estágios curriculares nesse enquadramento universitário (CEMDAP. Relatório..., 1976CEMDAP (1976). Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Relatório de Posicionamento do Colégio de Aplicação em relação às suas funções na Faculdade de Educação, 1976. (Pacotilha 29).; FREIRE, 2018FREIRE, Iara Mendes. 2018. Banco de histórias do Colégio de Aplicação da UFS: identidade e pertencimento nas memórias de estudantes e professores. Entrevistador: Joaquim Tavares da Conceição. São Cristóvão/SE, 12/07/2018.; PINA, 2002PINA, Maria Lígia Madureira. Revivendo o Colégio de Aplicação. Revista da Academia Literária de Vida. Aracaju, Editora Rocha&Pina, 2022.; TELES, 2017TELES, Therezinha Carvalho. 2017. Banco de histórias do Colégio de Aplicação da UFS: identidade e pertencimento nas memórias de estudantes e professores. Entrevistador: Joaquim Tavares da Conceição. São Cristóvão/SE, 07/12/2017.). Paralelamente, havia a demanda de implantação das modificações determinadas pela Lei de Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus (BRASIL, 1971BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5692.htm > Acesso em 4/12/2020.
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).
Embora o Colégio de Aplicação da UFS tenha se reestruturado com sua incorporação à Universidade, as mudanças trazidas pelo “ensino de 1º e 2º graus” exigiram dessa escola o enfrentamento de três problemas que mereciam ações administrativas e/ou pedagógicas objetivas. O primeiro estava relacionado à oferta de apenas uma turma, por série, o que prejudicava qualquer tratamento científico das experimentações pedagógicas, por falta de grupos de controle. O segundo se referia à oferta parcial do ensino de 1º grau. Isto é, o colégio oferecia apenas turmas de 5ª a 8ª séries e, para os professores do Colégio de Aplicação da UFS, isso acarretava a existência de turmas heterogêneas devido ao fenômeno do “descontínuo curricular vertical”, ou seja, os alunos que se matriculavam na 5ª série do Colégio de Aplicação da UFS, por serem provenientes de diversos outros colégios, diferiam em conhecimentos, hábitos, habilidades e atitudes, porque receberam tratamentos educativos diferenciados. E o terceiro entrave estava relacionado à oferta de ensino acadêmico de 2º grau, que contrariava as diretrizes nacionais para os ensinos de 1º e 2º graus estabelecidos pela referida lei de 1971, segundo a qual o colégio deveria oferecer o ensino profissionalizante por meio de uma habilitação profissional fixada pelo Conselho Federal de Educação (BRASIL, 1971BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5692.htm > Acesso em 4/12/2020.
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, Art. 4º, § 3º; CEMDAP. Relatório..., 1976CEMDAP (1976). Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Requerimento para concorrer à Seleção através de sorteio, 1976. ).
A solução para esses problemas encontrava limitações no próprio espaço físico de que a instituição dispunha, porque até 1980 o Colégio de Aplicação da UFS funcionava no antigo prédio da Faculdade de Educação, concorrendo com a Faculdade pelos usos dos espaços do prédio. Além disso, não dispunha de recursos financeiros para contratação de novos professores e aquisição de equipamentos para o desenvolvimento dos componentes curriculares da parte de formação especial do ensino de 2º grau. As dificuldades se avolumavam. A questão da forma de ingresso - nossa questão para este artigo -, que estava mais diretamente ligada à organização pedagógica, o Colégio buscaria enfrentar.
A seletividade dos exames de admissão e a produção de um perfil discente economicamente elitizado
Em 1968, ano em que passou a integrar a UFS, o Colégio de Aplicação continuou adotando os resultados nos exames de admissão também como forma de seleção das vagas ofertadas, permanecendo dessa forma até o ano de 1971, quando esses exames foram extintos em todo o Brasil. O exame de admissão visava ao ingresso no 1º ano do ciclo ginasial, posteriormente renomeado como 5ª série do 1º grau, e consistia em provas escritas de Português e Matemática (aritmética, cálculo elementar), além de provas orais dessas mesmas disciplinas. Também eram exigidos conhecimentos de História do Brasil, Geografia e Ciências Naturais, com regulamentação estabelecida pelo Departamento Nacional de Ensino (DNE). Em geral, eram considerados exames de certa complexidade e seletivos que também contribuíam para a exclusão ou barreiras de acesso das camadas populares ao ensino secundário (DALLABRIDA, SOUZA, 2014DALLABRIDA, Norberto; SOUZA, Rosa Fátima de. O todo poderoso império do meio: transformações do ensino secundário entre a Reforma Francisco Campos e a primeira LDBEN (Apresentação). In: DALLABRIDA, Norberto; SOUZA, Rosa Fátima de (Orgs.). Entre o giná-sio de elite e o colégio popular: estudos sobre o ensino secundário no Brasil (1931-1961). Uberlândia: EDUFU, 2014. p. 11-30.; NUNES, 2014NUNES, Maria Thetis. Ensino Secundário e Sociedade Brasileira. 2 ed. São Cristóvão/SE: Editora UFS, 1999.).
Ao estudar o ensino secundário brasileiro, Clarice Nunes (2000NUNES, Clarice. O "velho" e "bom" ensino secundário: momentos decisivos. Revista Brasileira de Educação [online]. 2000, n. 14 [Acessado 22 Julho 2022] , pp. 35-60. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-24782000000200004 >. Epub 20 Dez 2012. ISSN 1809-449X. https://doi.org/10.1590/S1413-24782000000200004.
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) afirma que obter “[...] a aprovação nas provas tinha uma importância equivalente à aprovação nos exames vestibulares ao ensino superior. Era uma espécie de senha para a ascensão social” (NUNES, 2000NUNES, Clarice. O "velho" e "bom" ensino secundário: momentos decisivos. Revista Brasileira de Educação [online]. 2000, n. 14 [Acessado 22 Julho 2022] , pp. 35-60. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-24782000000200004 >. Epub 20 Dez 2012. ISSN 1809-449X. https://doi.org/10.1590/S1413-24782000000200004.
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, p. 45). Esse grau de dificuldade dos exames de admissão também é muito recorrente nos relatos memorialísticos de estudantes do Colégio de Aplicação da UFS que vivenciaram a prestação dos exames de admissão (CARDOSO, 2018CARDOSO FILHO, Rubens Ribeiro. (2018) Banco de Histórias do Colégio de Aplicação da UFS. Identidade e pertencimento nas memórias de estudantes e professores. Entrevistador: Joaquim Tavares da Conceição. São Cristóvão/SE, 31/07/2018.; ESPINHEIRO, 2018ESPINHEIRO, Ana Maria Nunes. (2018) Banco de Histórias do Colégio de Aplicação da UFS. Identidade e pertencimento nas memórias de estudantes e professores. Entrevistadora: Aristela Arestides Lima. São Cristóvão/SE, 22/08/2018.; GARCEZ, 2018GARCEZ, Rosa Maria Viana de Bragança. (2018) Banco de Histórias do Colégio de Aplicação da UFS. Identidade e pertencimento nas memórias de estudantes e professores. Entrevistadora: Aristela Arestides Lima. São Cristóvão/SE, 22/08/2018.). Relatos orais e a escrituração escolar desses processos encontram-se, em parte, preservados no Cemdap, com informações importantes desse “rito de passagem” de estudantes provindos do ensino primário para a primeira série do curso ginasial.
No Colégio de Aplicação da UFS, as notas e médias das respectivas disciplinas escolares de todos os candidatos que se submetiam aos “exames de admissão” eram escrituradas em formulários padronizados, para cada ano em que eram realizados, denominados Ata geral dos exames de admissão (CEMDAP. Ata geral..., 1969CEMDAP (1969-1981). Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Dossiês de Estudantes (1969-1981).). Quando se observa o registro dos exames de admissão de 1969 (figura 1), veem-se para a disciplina Português os registros das notas resultantes das provas nas modalidades escrita e oral, e para as demais disciplinas a nota da prova escrita. Percebe-se também no documento que, apesar da mudança na denominação e vinculação do Colégio, os antigos formulários impressos da época do Ginásio de Aplicação continuaram a ser utilizados nos registros da escrituração escolar.
Ata geral de Exame de Admissão do Ginásio da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe (1969)
A seletividade dos estudantes por meio da realização dos exames de admissão contribuiu para o predominante ingresso de estudantes no Colégio de Aplicação da UFS provenientes de família de renda média ou alta, os quais, muitas vezes, haviam passado por bons cursos preparatórios. Esta situação foi também verificada em outros colégios de aplicação (LANDO, 2012LANDO, Janice Cassia. (2012). Práticas, Inovações, Experimentações e Competências Pedagógicas das Professoras de Matemática no Colégio de Aplicação da Universidade da Bahia (1949-1976). Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Feira de Santana.; LUCIANO JÚNIOR, 2010LUCIANO JUNIOR, Ademir Soares (2010). Cultura Escolar e Perfil Discente no Colégio de Aplicação da UFSC (1966-1973). 125 fl. 2010. Dissertação de Mestrado. Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis.; LIMA, 2016LIMA, Valeska Alessandra (2016). Colégio de Aplicação da UFRGS: práticas educativas adormecidas entre o Arquivo e a Memória Oral (1954-1981). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.), o que faz pensar que o exame de admissão representou, também no contexto dos colégios de aplicação, um obstáculo para o acesso de muitas famílias interessadas na matrícula dos seus filhos nesses estabelecimentos universitários.
Dos “exames de admissão” aos “exames de seleção”
Com o fim da obrigatoriedade dos exames de admissão (BRASIL, 1971BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5692.htm > Acesso em 4/12/2020.
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), no caso do Colégio de Aplicação da UFS - que ofertava um número específico de vagas - , foi necessário instituir uma nova forma de seleção para o ingresso de estudantes. A partir de 1971 identificaram-se marcas na escrituração escolar, realizadas pela secretaria do Colégio, a fim de adaptar e continuar utilizando os formulários padronizados denominados Certificado de aprovação em Exames de Admissão à 1ª série ginasial, dos extintos exames de admissão, para a escrituração da nova modalidade seletiva intitulada exame de seleção (Figura 1). De início, os exames de seleção passaram a ser realizados nos mesmos moldes do formato dos exames de admissão, mas sem a realização de provas orais. A continuação da seleção por meio de provas resultou na permanência de um perfil discente economicamente elitizado, mantendo a marca do período de 1960 a 1968, fase em que o colégio em tela pertencia à Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe (MELO, CONCEIÇÃO, 2021MELO, Rafaela Cravo de, CONCEIÇÃO, Joaquim Tavares da. O perfil estudantil do Ginásio de Aplicação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe (1959-1968). Uma investigação de fontes seriais do arquivo escolar. Boletim Historiar, vol. 08, n. 04. Out./Dez. 2021, p. 69-92. http://seer.ufs.br/index.php/historiar
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).
As adaptações em formulários padronizados da escrituração escolar (Figura 2) revelam também a finalidade de adequação à legislação educacional vigente. Além de substituir, manuscritamente, o termo admissão por seleção no formulário, outras modificações nesse mesmo sentido também foram realizadas, a exemplo do tracejado das disciplinas de História e Geografia, as quais foram substituídas pela disciplina de Estudos Sociais (Figura 2), obrigatória para as escolas de 1º e 2º graus somente a partir da lei de 1971 (BRASIL, 1971BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5692.htm > Acesso em 4/12/2020.
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).
Em outros colégios de aplicação de universidades brasileiras, a seleção, após 1971, também manteve a aplicação de provas. Foi o caso do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde a realização das provas permaneceu inalterada; porém, em vez de cinco provas separadas, os alunos respondiam a uma prova global de conhecimentos linguísticos e matemáticos, a qual continha questões de Ciências, Geografia, História e Raciocínio Lógico, entrelaçadas às de Língua Portuguesa e Matemática, até 1974 (LIMA, 2016LIMA, Valeska Alessandra (2016). Colégio de Aplicação da UFRGS: práticas educativas adormecidas entre o Arquivo e a Memória Oral (1954-1981). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.).
Com a federalização, o Colégio continuou utilizando o regimento de 1961 (Cemdap. Regimento..., 1961) da época do Ginásio de Aplicação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, que não tratava da forma de seleção para o ingresso de estudante. Assim, foi necessário coletar informações na escrituração escolar, especialmente em dossiês de estudantes, para compreender mudanças ocorridas na forma de ingresso no Colégio de Aplicação da UFS, a partir de 1971, com a extinção dos exames de admissão e a inserção do Colégio na estrutura universitária. Em meio às folhas avulsas de alguns dossiês de estudantes foi localizado um documento denominado Normas para o exame de seleção, referente ao ano de 1972 (CEMDAP. Normas para..., 1971aCEMDAP. (1971). Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Normas para o exame de seleção, 1971a. (Pacotilha 140).). Essa fonte possibilitou inferir que, a partir daquele ano, os “exames de seleção” para o Colégio de Aplicação da UFS receberam uma normatização. Conforme as informações coletadas na fonte citada, os exames de seleção tinham por objetivo verificar se o candidato possuía um nível de aproveitamento da educação primária suficiente para ingressar na 1ª série do 1º grau. Para tanto, seriam realizadas provas escritas abrangendo conteúdos das disciplinas Português, Matemática e Estudos Sociais. Deveriam ser classificados trinta candidatos que obtivessem a maior soma de pontos, sem direito à revisão de provas (CEMDAP. Normas para..., 1971aCEMDAP. (1971). Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Normas para o exame de seleção, 1971a. (Pacotilha 140).). A partir de 1972, o exame de seleção foi realizado por meio de provas escritas apenas de Português, Matemática e Estudos Sociais (Figura 3).
Ata Geral de Exames de Seleção do Colégio de Aplicação da Faculdade de Educação da UFS (1972)
Como se pode ver nessa ata do exame de admissão de 1972 (Figura 3), a disciplina Geografia foi substituída, em letras datilografadas, por Estudos Sociais, e o campo disponível para as notas da disciplina de História deixou de ser preenchido. Participaram da banca seis professores do próprio Colégio de Aplicação da UFS: José Araújo Filho (Português), Terezinha Belém C. Teles (Português e Francês), Nicodemos Falcão (Matemática), Leão Magno Brasil (Matemática), Maria de Lourdes Amaral Maciel (História) e Maria do Carmo Machado (Geografia). Comparando-se as duas atas (figuras 2 e 3), percebe-se que o formato do exame de seleção de 1972 era mais sucinto que o de 1969, especialmente com o fim das provas orais. Deste modo, nos anos de 1971 a 1973, o Colégio de Aplicação da UFS continuou selecionando seu alunado por meio de provas de conhecimento das três áreas vistas na ata de 1972 (Figura 3). Inclusive, foram reaproveitadas as folhas de certificados dos exames de admissão, ou seja, os formulários padronizados impressos em gráfica.
As inscrições para o exame de seleção ocorriam no mês de novembro, e as provas eram aplicadas em dezembro ou janeiro. Era necessário que os(as) candidatos(as) apresentassem documento que comprovasse a idade mínima de 11 anos completos ou a completar até 31 de dezembro do ano seguinte, além de atestado de saúde, atestado de vacina, certificado de conclusão do curso primário completo, três fotografias 3x4 e o recibo da taxa de inscrição (CEMDAP. Lista de..., 1971bCEMDAP. (1971 ) Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Listas de matrículas de estudantes aprovados na seleção do Colégio de Aplicação, 1971 (Pacotilha 140).).
Seleção por sorteio de vagas para a série de entrada e permanência da seleção por provas para as demais séries
No conjunto de discussões a respeito do enquadramento e funções do Colégio de Aplicação no contexto universitário, foi aprovado no ano de 1975 um novo regimento interno em substituição ao vetusto regimento da fase de Ginásio de Aplicação. Entretanto, a questão da forma de seleção dos novos estudantes ingressantes, também neste regimento, não foi enfrentada. Levando-se em conta que essa era uma questão sensível para a época em estudo (PINA, 2002PINA, Maria Lígia Madureira. Revivendo o Colégio de Aplicação. Revista da Academia Literária de Vida. Aracaju, Editora Rocha&Pina, 2022.), é possível que, como hipótese, a falta de consenso a respeito do tema tenha deixado a questão fora do regimento para uma regulamentação em outro documento e com maior flexibilização ou possibilidades de futuras mudanças. Portanto, diante da ausência de normatização no regimento da questão do ingresso de estudantes, ou mesmo de um documento com esclarecimento direto da questão, foi necessário investigar e coletar informações registradas no conjunto da documentação de escrituração escolar acerca da forma ou formas de ingresso adotadas no recorte temporal pesquisado.
Nos documentos referentes aos anos de 1974 a 1976, verificaram-se duas designações relacionadas à forma de ingresso na instituição. Ora constava o termo exame de seleção, ora sorteio público e, por vezes, não havia nada registrado. Dada essa indefinição, foi necessário consultar e realizar o cruzamento de fontes que indicassem qual era, de fato, a modalidade de seleção nesse período. Documentos relativos à secretaria do Colégio de Aplicação da UFS (CEMDAP. Relação de..., 1974CEMDAP. (1974). Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Relação de ingresso de estudantes para 5ª série do Colégio de Aplicação (1974-1976), 1974. (Pacotilha 140).) possibilitaram a confirmação de que, a partir de 1974, o sistema para preenchimento das vagas na série inicial passou a ser via sorteio entre estudantes provenientes das escolas públicas e particulares de 1º grau da capital e de outros municípios sergipanos. O sorteio também foi uma solução encontrada para a seleção de ingresso de estudantes em outros colégios de aplicação, como o Colégio de Aplicação da UFSC, que adotou a seleção por sorteio a partir de 1975 (CAMPOS, 2011CAMPOS, Mariza Konradt de. (2008). O Colégio de Aplicação da UFSC e a política de inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais: entre o formal e o pedagógico. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/92006
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).
Ainda assim, faltava entender por que em alguns dossiês do período de 1974 a 1976 continuava a escrituração do termo exame de seleção. A partir do cruzamento de informações coletadas em diversas fontes, percebeu-se que o registro do termo exame de seleção referia-se ao ingresso em séries diferentes da 5ª série do 1º grau. Constatou-se, portanto, que a partir de 1974 houve duas formas de ingresso de estudantes, dependendo da série para a qual o(a) estudante pretendia a vaga: seleção por sorteio para aqueles que ingressavam na 5ª série do 1º grau - série de entrada no Colégio de Aplicação da UFS - e seleção por provas de conhecimento para as demais séries do 1º e 2º graus (no caso de haver vagas remanescentes, em geral vagas decorrentes de reprovação de estudantes). No caso do exame de seleção para as vagas remanescentes que pudessem surgir no fim de cada ano letivo, editais eram expedidos com orientações aos candidatos (CEMDAP. Editais de..., 1974-1981CEMDAP (1981). Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Portaria nº. 01/80 de 11 de novembro de 1980. Designa comissão para coordenação e elaboração das provas de seleção à 5ª série do 1º grau de 1981. 1981.). Esses editais, além de registrarem a quantidade de vagas disponíveis, também informavam que o estudante se submeteria a um teste de conhecimento nas disciplinas Português, Matemática, História, Geografia e Ciências, com nível correspondente à série em que se pretendia pleitear a matrícula.
Permanecia uma questão, a saber, qual era a forma do sorteio para o ingresso de estudantes na 5ª série, do 1º grau, a série inicial de ingresso ofertada no Colégio de Aplicação da UFS? Os levantamentos na documentação resultaram na localização de requerimentos solicitando a inscrição para “concorrer à Seleção através de sorteio” (CEMDAP. Requerimento..., 1976CEMDAP (1976). Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Relatório de Posicionamento do Colégio de Aplicação em relação às suas funções na Faculdade de Educação, 1976. (Pacotilha 29).) endereçados ao Colégio pelos responsáveis dos estudantes, como pode ser verificado na figura 4 apresentada a seguir.
Requerimento para participar da seleção por sorteio para o ingresso na 5ª série do 1º grau do Colégio de Aplicação da UFS (1976)
Na figura 4 anteriormente apresentada observa-se o registro manuscrito no rodapé da folha de um desses requerimentos para participar da seleção de vagas por meio de sorteio (Figura 4), que apresenta a escrituração: “Sistema de sorteio entre os primeiros e segundos lugares. Aracaju, 16/12/77”, “Particular” (CEMDAP. Requerimento..., 1976CEMDAP (1976). Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Relatório de Posicionamento do Colégio de Aplicação em relação às suas funções na Faculdade de Educação, 1976. (Pacotilha 29).). Com o conjunto de outras informações coletadas foi possível compreender o significado desses registros. Ou seja, o sistema de ingresso de estudantes para a 5ª série do Colégio ocorria por meio de sorteio dos candidatos inscritos provenientes de escolas públicas e particulares, e para isso era exigida dos candidatos inscritos a comprovação e que eles tivessem sido classificados em 1º ou 2º lugares na 4ª série da escola de onde eram provenientes. Realizadas as inscrições e preenchidos os requisitos, o Colégio realizava o sorteio entre todos os inscritos.
Sendo assim, não se tratava de um sorteio universal de vagas; era preciso que o estudante tivesse concluído a 4ª série com a primeira ou segunda maior média da escola pública ou particular onde concluiu essa série. Encontrou-se, dessa forma, uma solução parcial para o criticado perfil econômico elitizado dos estudantes - em geral provenientes de escolas particulares e de estratos socias com renda média ou alta. De todo modo, a opção do sorteio, mesmo nesses termos, indicava a movimentação em prol de um acesso mais democrático à série inicial de ingresso do Colégio, sobretudo o fim dos exames de seleção por meio de provas. Apesar disso, o critério meritocrático perdurava, uma vez que a inscrição no sorteio era apenas para os estudantes com as maiores médias. De fato, foi uma opção de meio termo, uma vez que o sorteio apontava o desejo de democratizar o acesso, enquanto que a exigência das maiores médias era um indicativo da continuação da preocupação com a questão do “nivelamento” intelectual dos estudantes ou o anseio pelos “melhores”, como enfatizado em relatos memorialísticos de estudantes da época, dos quais a fala do ex-aluno Paulo de Souza Rabelo, proveniente de escola pública e ingressante na 5ª série em 1978, é elucidativa: [...] o sorteio não era aberto, era entre os melhores alunos da escola pública, então eles pegavam dois alunos da escola pública e esses dois iam para o sorteio [...] (RABELO, 2018RABELO, Paulo de Souza. 2018. Banco de histórias do Colégio de Aplicação da UFS: identidade e pertencimento nas memórias de estudantes e professores. Entrevistadores: José Genivaldo Martires e Laisa Dias Santos. São Cristóvão/SE, 26/09/2018.).
O edital para seleção de 1978 consolidou o sorteio público entre os estudantes inscritos concluintes da 4ª série do ensino de 1º grau, em 1º e 2º lugares nos diversos estabelecimentos de ensino das redes pública e particular e também trouxe outras alterações. Nesse documento verifica-se que 40% das vagas eram destinadas a escolas conveniadas da rede pública de ensino do Estado; ou seja, das 30 vagas ofertadas, 12 estavam destinadas a escolas públicas e 18 às demais instituições (CEMDAP. Editais de..., 1974-1981CEMDAP (1969-1981). Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Dossiês de Estudantes (1969-1981).). Essa decisão estava pautada no convênio entre a UFS e a Secretaria de Educação e Cultura do Estado (SEC), assinado em 1977, segundo o qual seriam reservadas, para a seleção de 1978, 40% das vagas para os colégios da rede pública estadual de ensino, conforme a seleção realizada pelo Colégio de Aplicação da UFS para as quintas séries do 1º grau. Na desistência dos estudantes que obtiveram 1º e 2º lugares, poderiam se inscrever (por ordem) os de 3º e 4º lugares dos respectivos estabelecimentos de ensino (CEMDAP. Editais de..., 1974-1981CEMDAP (1969-1981). Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Dossiês de Estudantes (1969-1981).). Observa-se nesse convênio, que resultou na reserva de vagas para estudantes provenientes da escola pública, outro movimento de abertura do Colégio para alcançar segmentos sociais excluídos e mesmo efetivar um maior diálogo com a rede pública de ensino estadual. Afinal, era essa rede que absorvia os professores formados na UFS, alguns dos quais haviam realizado seus estágios no Colégio de Aplicação.
A introdução e transcurso da seleção mediante a utilização de sorteio entre os candidatos inscritos sofreram críticas, insatisfações e tornaram-se uma questão central no Colégio. As críticas contrárias eram no sentido de que o sorteio acarretou uma “heterogeneidade intelectual”, situação que dificultava os resultados gerais da escola (CEMDAP, 1976bCEMDAP (1976). Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Relatório de Posicionamento do Colégio de Aplicação em relação às suas funções na Faculdade de Educação, 1976. (Pacotilha 29).; ALMEIDA, 2021bALMEIDA, Sayonara do Espirito Santo. Cartografia estudantil no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe (1969-1981). 2021. 202 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2021b. Disponível em: https://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/14876
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). As críticas à realização do sorteio para o ingresso dos estudantes parecem ter surtido efeito. A partir do ano de 1981, a forma de ingresso sofreu mais uma alteração, voltando a ser por meio de provas de conhecimento, em nível da 4ª série, as quais abrangessem as áreas de ensino: Comunicação, Estudos Sociais, Ciências e Matemática, conforme ficou determinado pela Portaria do Colégio de Aplicação da UFS, nº 04, de 29 de outubro de 1980, a qual também reordenou a distribuição das vagas desse colégio. Aos candidatos provenientes da Rede Estadual de Ensino, previstas no convênio celebrado entre a Universidade Federal de Sergipe e a Secretaria de Estado da Educação e Cultura, eram destinadas 40% das vagas. Já para os dependentes dos servidores da UFS ficavam 50% dessas e 10% eram destinadas aos candidatos da Rede Particular de Ensino, todos selecionados a partir de exames de seleção por meio de provas escritas (CEMDAP. Portaria..., 1980CEMDAP (1981). Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS. Portaria nº. 01/80 de 11 de novembro de 1980. Designa comissão para coordenação e elaboração das provas de seleção à 5ª série do 1º grau de 1981. 1981.).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Respondendo à questão inicialmente formulada no início deste artigo, é possível apresentar um compilado das formas de ingresso de estudantes adotadas pelo Colégio de Aplicação da UFS no período de 1969 a 1981. De 1969 até 1971, a única forma de ingresso utilizada era o próprio resultado do exame de admissão. Também podia ocorrer a matrícula direta de filho de militar ou funcionário público transferido a serviço para o Estado de Sergipe. A partir de 1972 a 1973, o ingresso ocorria por meio do exame de seleção com provas de conhecimento nos moldes do extinto exame de admissão. De 1974 a 1980, a seleção (respeitando as singularidades do processo) ocorreu por meio de sorteio para a 5ª série do 1º grau e por provas de conhecimento para as demais séries, nesse último caso, apenas quando da existência de vagas remanescentes. E em 1981 os exames de conhecimento para o ingresso na 5ª série do 1º grau voltam a ser utilizados.
No período de 1969 a 1971, o Colégio de Aplicação utilizava os exames de admissão como forma de ingresso, e a alta seletividade proporcionada por esses exames determinou um perfil discente oriundo de famílias economicamente elitizadas, cujos estudantes eram provenientes de instituições particulares vistas como conceituadas no cenário educacional sergipano. Nessa fase, a educação oferecida no Colégio de Aplicação constituía-se quase como privilégio de famílias ricas ou médias, que apresentavam maiores capitais econômico e cultural (BOURDIEU, 1998BOURDIEU, Pierre. Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, Maria Alice e CATANI, Afrânio. (Orgs.). Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998., 2014BOURDIEU, Pierre. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Trad. Ione Ribeiro Valle e Nilton Valle. Florianópolis: UFSC, 2014.) e, portanto, seus filhos tinham também maiores condições para concorrer nos exames seletivos. Para esses segmentos, a procura pelo Colégio pode ser compreendida como uma “estratégia educativa” de reprodução marcada por “[...] uma tendência a perpetuar seu ser social, com todos os seus poderes e privilégios” (BOURDIEU, 2010BOURDIEU, Pierre. Razões práticas. Sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 2010., p. 36).
A supressão dos exames de admissão representou um período de desafios no que tange a criar uma forma de ingresso que estivesse em consonância com a finalidade do Colégio de Aplicação na estrutura universitária. Assim, no período de 1971 a 1973, após a supressão dos exames de admissão, o Colégio de Aplicação da UFS continuou a selecionar seus alunos por meio de provas de conhecimento nos moldes do exame de admissão até 1973, o que colaborou para a continuidade do ingresso de estudantes oriundos de escolas consideradas elitizadas. Ou seja, não houve alterações significativas no perfil discente.
Já no ano de 1974, o Colégio de Aplicação da UFS adotou como forma de ingresso a seleção por sorteio de vagas entre estudantes provenientes de escolas públicas e privadas, classificados em 1º e 2º lugares na 4ª série do 1º grau, o que favoreceu a entrada, ainda que tímida, de estudantes de escolas públicas. Mas foi a partir de 1975 que houve uma expressiva remodelação tanto no tocante ao perfil discente e sua carreira estudantil, quanto no que tange à organização pedagógica da instituição. A modificação na forma de ingresso e o convênio firmado entre a UFS e a Secretaria de Educação e Cultura do Estado, em 1977, o qual destinou 40% das vagas para os estudantes da rede estadual de ensino, atraíram discentes cuja renda média familiar era considerada baixa.
Deste modo, o amplo estudo da cartografia do perfil estudantil no período de 1969 a 1981, realizado a partir de fontes seriais coletadas nos dossiês de estudantes, indicou mudanças resultante da adoção do sorteio, como a heterogeneidade dos discentes e um relativo aumento do acesso de estudantes provenientes de escolas públicas e de segmentos economicamente baixos e médios-baixos da população, embora tenha persistido a competitividade por conta do critério das maiores médias para estar apto ao sorteio (ALMEIDA, 2021bALMEIDA, Sayonara do Espirito Santo. Cartografia estudantil no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe (1969-1981). 2021. 202 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2021b. Disponível em: https://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/14876
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). Contudo, comparando com o estudo do perfil discente no período de 1960 a 1968 (MELO, CONCEIÇÃO, 2021MELO, Rafaela Cravo de, CONCEIÇÃO, Joaquim Tavares da. O perfil estudantil do Ginásio de Aplicação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe (1959-1968). Uma investigação de fontes seriais do arquivo escolar. Boletim Historiar, vol. 08, n. 04. Out./Dez. 2021, p. 69-92. http://seer.ufs.br/index.php/historiar
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), fase em que o Colégio era um estabelecimento privado vinculado à Faculdade Católica de Filosofia, essas mudanças foram significativas, especialmente pelo ingresso de estudantes provenientes de escolas públicas e de também de famílias de renda baixa.
Por fim, o estudo, ao tempo em que ilumina aspectos da história do Colégio de Aplicação da UFS, contribuindo para fundamentar o debate a respeito de processos democráticos de ingresso discente pensados ou efetivados na história mais recente desse colégio, igualmente suscita ou aponta para a necessidade de estudos historiográficos em escala nacional acerca das mudanças e permanências das formas de ingresso e perfil discente, configurações e funções atribuídas e/ou exercidas por essas escolas na estrutura universitária, como também questões relacionadas com conceitos de “referência” ou “excelência” muitas vezes atribuídos ou requeridos aos colégios de aplicação de universidades.
FONTES
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» http://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/12676
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1
As discussões e resultados apresentados neste artigo integra o projeto intitulado: Identidade e responsabilidade histórica. Organização e preservação de documentos noCentro de Pesquisa Documentação e Memória do Colégio de Aplicação - UFS (Cemdap) - Chamada Universal CNPq/MCTI/FNDCT Nº 18/2021.
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2
Trabalho monográfico impresso. Não publicado. Cópia doada ao Cemdap, juntamente com outros documentos, pela professora Silaine Gomes Borges, por ocasião de sua aposentadoria no fim do ano de 2021.
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3
Órgão máximo de natureza normativa, consultiva e deliberativa da Universidade Federal de Sergipe em matéria administrativa e de política universitária.
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4
Essas discussões resultaram na aprovação do programa de ações afirmativas para garantia de acesso de grupos menos favorecidos à Universidade Federal de Sergipe. UFS/Conepe, 2008UFS /CONEPE . (2008). Universidade Federal de Sergipe. Conselho de Ensino e Pesquisa. Resolução nº 31/2008/Conepe. Regimento do Colégio de Aplicação, 8 de outubro de 2008. (Acervo do Cemdap)..
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5
Texto da resolução que indeferiu alteração na forma de ingresso no Colégio de Aplicação da UFS: “Art. 1º Indeferir a proposta apresentada pelo CODAP no sentido de promover nivelamento dos candidatos para ingresso no 6º ano do Ensino Fundamental, e só após resultado proceder a sorteio público. Parágrafo único. Fica mantido o sorteio público como acesso de estudantes ao CODAP. Art. 2º Devolver o processo ao CODAP para avaliação das sugestões apresentadas no Voto de Vistas”. UFS/Consu, 2017.
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6
A classificação escolar ―[...] institui uma diferença social de estatuto, uma relação de ordem definitiva: os eleitos são marcados, por toda a vida, por sua pertinência (antigo aluno de ...); eles são membros de uma ordem, no sentido medieval do termo, e de uma ordem nobiliárquica, conjunto nitidamente delimitado (pertence-se ou não a ela) de pessoas separadas dos comuns mortais por uma diferença de essência e, assim, legitimados para dominar. Bourdieu, 2010BOURDIEU, Pierre. Razões práticas. Sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 2010., p. 38.
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7
Localizado na Ala B do prédio do Colégio de Aplicação da UFS. Teve sua criação aprovada pelo Conselho do Colégio de Aplicação em 2016, e tem como objetivo geral “Captação, organização, preservação, disponibilização e difusão do patrimônio histórico educativo do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe”. Conceição, 2021CONCEIÇÃO, Joaquim Tavares da. O Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da UFS e a produção de documentação audiovisual. In: X Seminário Nacional do Centro de Memória-Unicamp - Independência ou Morte? Memórias do Brasil (1822-2022), 12., 2021b, Campinas (SP). Anais eletrônicos [...]. Campinas, SP: Centro de Memória-Unicamp (CMU), 2021B. p. 1 - 14. Disponível em: Disponível em: https://www.xseminarionacionalcmu.com.br/resources/anais/25/encm2021/1639513279_ARQUIVO_2845352c8363144cb7ae0c033bdd01b9.pdf . Acesso em: 01.02.2022.
https://www.xseminarionacionalcmu.com.br... , 2022. -
8
Relação de trabalhos levantados a respeito de aspectos da história de colégios de aplicação, consultar: Santos, 2019SANTOS, Joelza de Oliveira. Memórias de estudantes egressos do Ginásio de Aplicação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe (1960-1968). 2019. 105 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, 2019. http://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/12676
http://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/1267... ; Almeida, 2021ALMEIDA, Dóris Bittencourt. Percursos de um Arq-Vivo: entre arquivos e experiências na pesquisa em história da educação. Porto Alegre: Editora Letra1, 2021a. .
Editado por
Editora responsável:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Jul 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
29 Jul 2022 -
Aceito
24 Jan 2023