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Do divã para o arquivo - Psicanálise aplicada à História: o caso de Peter Gay

From the couch to the archive - Psychoanalysis applied to History: the case of Peter Gay

Resumo

Avalia-se como o historiador teuto-americano Peter Gay (1923-2015) se apropriou da Psicanálise na História. Com esse intuito, sonda-se como os objetos (no caso, o inconsciente), as teorias (especificamente a do complexo de Édipo), os métodos (a regressão, a associação livre e a análise de sonhos, de lapsos e de chistes) e as formas narrativas (“histórias de casos”) empregadas por Freud na clínica e na crítica da cultura foram ressignificadas na prática historiográfica de Gay, principalmente em suas obras publicadas a partir dos anos de 1980, período em que se consolida o seu projeto intelectual. Conclui-se que o aporte psicanalítico possibilitou ao historiador, além de revisar o papel desempenhado pela burguesia nos últimos três séculos, ampliar o horizonte temático, teórico, metodológico e estético da disciplina.

Palavras-chave:
Teoria da História; Metodologia da História; Historiografia

Abstract

It is evaluated how the German-American historian Peter Gay (1923-2015) appropriated Psychoanalysis in History. To this end, we probe how objects (in this case, the unconscious), theories (specifically, the Oedipus complex), methods (regression, free association and the analysis of dreams, lapses and jokes) and the narrative forms (“case histories”) employed by Freud in the clinic and in the criticism of culture were re-signified in Gay’s historiographical practice, mainly in his works published from the 1980s onwards, period in which his intellectual project is consolidated. It is concluded that the psychoanalytic contribution made it possible for the historian, in addition to reviewing the role played by the bourgeoisie in the last three centuries, to expand the thematic, theoretical, methodological and aesthetic horizon of the discipline.

Keywords:
Theory of History; History methodology; Historiography

Introdução

Freudiano ortodoxo, Peter Gay (1923-2015), seguindo os passos da maturidade do seu mestre, procurou aplicar os métodos da Psicanálise à História. Procedimentos formulados e engendrados na clínica, com intuito terapêutico, isto é, para tratar dos vivos, foram adaptados para os arquivos e os gabinetes dos historiadores, com o intuito de ressuscitar os mortos. Ele ajudou a forjar, assim, novos objetos (o inconsciente, individual e social), teorias (em particular a do complexo de Édipo), métodos (o sintoma, a regressão, a associação livre, a análise de sonhos, de lapsos e de chistes) e formas narrativas (“histórias de casos”) para a História.

Neste trabalho, primeiramente apresenta-se o panorama da historiografia de Peter Gay. Em seguida, discorre-se sobre as apropriações temáticas, teóricas, metodológicas e estéticas da Psicanálise efetuadas pelo historiador, especialmente a partir da década de 1980, momento em que se solidifica o seu projeto intelectual e suas obras são publicadas sistematicamente no Brasil.

A historiografia de Peter Gay

Nascido em Berlim, em 1923, Peter Gay aportou com os pais - que eram judeus - na Flórida em 1941, após escala de um ano e meio em Havana, escapando da ascensão nazista. Dali, rumaram para Denver, no Colorado, onde Gay terminou a high school com dificuldades (materiais), e cursou, com bolsa integral, a universidade local, com ênfase na Filosofia. Em seguida, ele fez os estudos de pós-graduação na School of Public Law and Government, da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, onde adquiriu os títulos de mestre em História (1947) e doutor em Ciência Política (1951), especializando-se na política europeia, particularmente, na social-democracia (Gay, 1952GAY, Peter. The dilemma of democratic socialism: Eduard Bernstein’s challenge to Marx. New York: Columbia University Press, 1952.), sendo contratado, posteriormente, como instrutor (Williamson, 2016WILLIAMSON, George S. Peter Gay (1923-2015). Central European History, Knoxville, v. 49, n. 1, p. 4-18., 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/central-european-history/article/peter-gay-19232015/7B3BA352206C013D808F1A7DCBE05CA4 . Acesso em: 17 set. 2022.
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, p. 4-6).

Transferindo-se, no início da década seguinte, do departamento de Ciência Política para o de História (para ser efetivado como professor), ele continuou se dedicando à história política da Europa, moderna e contemporânea, mas também se voltou para sua história cultural e intelectual (Gay, 1978GAY, Peter. A cultura de Weimar. Tradução de Laura Lúcia da Costa Braga. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978 [1968].), com foco no Iluminismo (Gay, 1964GAY, Peter. The party of humanity: essays in the french Enlightenment. New York: Alfred Knopf, 1964.; 1966aGAY, Peter. Age of Enlightenment. Virgínia: Time Life Book, 1966a., 1966cGAY, Peter. The Enlightenment: an interpretation. 1. The rise of modern paganism. New York: Norton, 1966c. , 1969bGAY, Peter. The Enlightenment: an interpretation. 2. The science of humanity. New York: Norton , 1969b., 1970GAY, Peter. The bridge of criticism: dialogues on the Enlightenment. New York: Harper & Row, 1970.), incluindo suas relações com o humanismo e as reações historiográficas puritanas por ele suscitadas em território norte-americano (1966bGAY, Peter. A loss of mastery: puritan historians in colonial America. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1966b.). Sua abordagem das Luzes, apesar de calcada na “história intelectual”, não na “história psicanalítica”, já se mostrava em débito para com os freudianos, reconhecendo “os componentes não racionais na construção de sistemas intelectuais” e concordando com um deles que “o Iluminismo é a grande rebelião do ego contra a autoridade irracional” (Gay, 1966cGAY, Peter. The Enlightenment: an interpretation. 1. The rise of modern paganism. New York: Norton, 1966c. , p. 451). De qualquer modo, antes de ser reconhecido como prócer da Psico-história, Gay já havia se consagrado entre os pares com suas obras sobre a Ilustração (Williamson, 2016WILLIAMSON, George S. Peter Gay (1923-2015). Central European History, Knoxville, v. 49, n. 1, p. 4-18., 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/central-european-history/article/peter-gay-19232015/7B3BA352206C013D808F1A7DCBE05CA4 . Acesso em: 17 set. 2022.
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, p. 7-10).

No final dos anos 1960, Peter Gay se mudou para a Universidade de Yale, em Connecticut, onde assumiu a função de professor de História intelectual e comparada da Europa. Gay se voltou para a historiografia (1990bGAY, Peter. O estilo na história: Gibbon, Ranke, Macaulay, Burckhardt. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 1990b [1974].) e a história da arte modernista (1976GAY, Peter. Art and act: on causes in History - Manet, Gropius, Mondrian. New York: Harper and Row, 1976.), com atenção ao estilo, apoiando-se cada vez mais em pressupostos freudianos. Ele retomou, logo depois, a história cultural alemã pré-nazista, agora sob o ângulo dos modernistas judeus, incluindo Freud (Gay, 1978GAY, Peter. A cultura de Weimar. Tradução de Laura Lúcia da Costa Braga. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978 [1968].). No novo lar, ele iniciou a formação psicanalítica no Western New England Institute for Psychoanalysis (Williamson, 2016WILLIAMSON, George S. Peter Gay (1923-2015). Central European History, Knoxville, v. 49, n. 1, p. 4-18., 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/central-european-history/article/peter-gay-19232015/7B3BA352206C013D808F1A7DCBE05CA4 . Acesso em: 17 set. 2022.
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, p. 11).

Na década de 1980, Gay se concentrou na história da Psicanálise, biografando o seu fundador (Gay, 2012GAY, Peter. Freud: uma vida para o nosso tempo. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2012 [1988].), argumentando relativamente ao seu ateísmo (Gay, 1992bGAY, Peter. Um judeu sem Deus: Freud, ateísmo e a construção da psicanálise. Tradução de Davi Bogomoletz. Rio de Janeiro: Imago, 1992b [1987].) e defendendo sua utilização pelos historiadores (Gay, 1989GAY, Peter. Freud para historiadores. Tradução de Osmyr Faria Gabbi Junior. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1989 [1885].). Também iniciou pentalogia a respeito da burguesia vitoriana, arrimada nos “elementos básicos da experiência humana - amor, agressão e conflito” (Gay, 1988 [1984]GAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 1. A educação dos sentidos. Tradução de Per Salter. São Paulo: Companhia das Letras , 1988 [1984]., p. 14-15) - delineados por Freud, cuja publicação foi finalizada no final da década seguinte (Gay, 1988GAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 1. A educação dos sentidos. Tradução de Per Salter. São Paulo: Companhia das Letras , 1988 [1984].; 1990aGAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 2. A paixão terna. Tradução de Sérgio Flaksman. São Paulo: Companhia das Letras , 1990a [1986].; 1995GAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 3. O cultivo do ódio. Tradução de Sérgio Goes de Paula e Viviane de Lamare Noronha. São Paulo: Companhia das Letras , 1995 [1993].; 1999aGAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 4. O coração desvelado. Tradução de Sérgio Bath. São Paulo: Companhia das Letras , 1999a [1995].; 2001GAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 5. Guerras do Prazer. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras , 2001 [1998].; Williamson, 2016WILLIAMSON, George S. Peter Gay (1923-2015). Central European History, Knoxville, v. 49, n. 1, p. 4-18., 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/central-european-history/article/peter-gay-19232015/7B3BA352206C013D808F1A7DCBE05CA4 . Acesso em: 17 set. 2022.
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, p. 12-14).

No final da década de 1990, ele ainda publicou uma autobiografia focada em sua infância berlinense (Gay 1998GAY, Peter. My german question: growing up in nazi Berlin. New Haven: Yale University Press, 1998.), e uma biografia de Mozart (Gay, 1999bGAY, Peter. Mozart. Tradução de José Antonio Arantes. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999b.). Aposentado, compulsoriamente (completara 70 anos), em 1993 (Fellman, 2015FELLMAN, Bruce. Peter Gay, 1923-2015: a giant of European cultural history who cared about people. Yale Alumni Magazine, New Haven, vol. LXXVIII, nº 6, jul/aug, 2015. Disponível em: Disponível em: https://yalealumnimagazine.org/articles/4129-peter-gay-19232015 . Acesso em: 17 set. 2022.
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), ele passou a dirigir o Center for Scholars and Writers, da Biblioteca Pública de Nova Iorque, função que ocupou até 2003 (Williamson, 2016WILLIAMSON, George S. Peter Gay (1923-2015). Central European History, Knoxville, v. 49, n. 1, p. 4-18., 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/central-european-history/article/peter-gay-19232015/7B3BA352206C013D808F1A7DCBE05CA4 . Acesso em: 17 set. 2022.
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, p. 16).

No início do novo milênio, Gay publicou uma “síntese” de sua pentalogia concernente à burguesia vitoriana, com o diário do escritor Arthur Schnitzler servindo de mote (Gay, 2002GAY, Peter. O século de Schnitzler: a formação da cultura da classe média. 1815-1914. Tradução de S. Duarte. São Paulo: Companhia das Letras , 2002., p. 14). Outrossim, deu a lume uma investigação acerca dos laços entre a história e a ficção, com base na obra de três romancistas realistas vitorianos (Gay, 2010GAY, Peter. Represálias selvagens: realidade e ficção na literatura de Charles Dickens, Gustave Flaubert e Thomas Mann. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras , 2010 [2002].). Seguiram-se duas obras de história da arte, uma sobre o modernismo (GAY, 2009GAY, Peter. Modernismo, o fascínio da heresia: de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2009 [2007].), outra sobre o romantismo, publicada meses antes da morte do autor (Gay, 2015GAY, Peter. Why the romantics matter. New Haven: Yale University Press , 2015.).

Um novo objeto para a História: o inconsciente

Com relação aos objetos da Psicanálise, na obra de Peter Gay destacou-se a “experiência” da burguesia europeia e estadunidense, isto é, a forma como ela regulou as suas pulsões, sexuais e agressivas, de meados do século XVIII às primeiras décadas do século XX. Do Iluminismo ao Modernismo, Gay identificou o domínio, frágil, mas crescente, da razão (ego) sobre os impulsos (id) inconscientes, sublimados por meio da “cultura” (superego), com seus canais institucionalizados para dar vazão aos desejos, em áreas como a ciência (Medicina, Direito, Sociologia, Economia, Psicanálise, História etc.), a arte (romances, pinturas, músicas etc.) e a política (William Gladstone, Eduard Bernstein etc.).

Ele recobrou, aqui, o itinerário de Freud, para quem os intelectuais (Goethe), os artistas (Leonardo da Vinci, Shakespeare, Arthur Schnitzler, Wilhelm Jensen) e os políticos (Woodrow Wilson, Moisés) emblemavam as conquistas e os dilemas da “civilização”, numa chave, contudo, mais pessimista que a sua (Freud, 2010cFREUD, Sigmund. O prêmio Goethe (1930). In: FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização, Novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos (1930-1936). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras , 2010c. p. 355-364. (Obras completas, volume 18).; 2013FREUD, Sigmund. Uma recordação de infância de Leonardo da Vinci (1910). In: FREUD, Sigmund. Observações sobre um caso de neurose obsessiva (“O homem dos ratos”), Uma recordação de infância de Leonardo da Vinci e outros textos (1909-1910). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras , 2013. p. 113-9. (Obras completas, volume 9).; 2019FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos (1900). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. (Obras completas, volume 4).; 2010aFREUD, Sigmund. O inquietante (1919). In: FREUD, Sigmund. História de uma neurose infantil (“O homem dos lobos”), Além do princípio do prazer e outros textos (1917-1920). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras , 2010a. p. 328-376. (Obras completas, volume 14). ; 2015FREUD, Sigmund. O delírio e os sonhos na Gradiva de W. Jensen (1907). In: FREUD, Sigmund. O delírio e os sonhos na Gradiva, Análise da fobia de um garoto de cinco ano e outros textos (1906-1909). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras , 2015. p. 13-122. (Obras completas, volume 8).; 2017FREUD, Sigmund. Manuscrito inédito de 1931. Tradução de Elsa Vera Kunze Post Susemihl. São Paulo: Blucher, 2017.; 2018FREUD, Sigmund. Moisés e o monoteísmo (1939). In: FREUD, Sigmund. Moisés e o monoteísmo, Compêndio de psicanálise e outros textos (1937-1939). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras , 2018. p. 13-188. (Obras completas, volume 19).).

Uma nova teoria para a História: o complexo de Édipo

No que toca às teorias psicanalíticas, Gay, fiel à Freud, apoiou-se enfaticamente no complexo de Édipo. Era a partir da criança, em suas relações ambíguas de atração e rivalidade, amor e ódio, com os pais, que se explicava o adulto, cujas atitudes conformariam tentativas, umas mais bem-sucedidas que outras, de solucioná-lo a partir dos modelos de ação - sociais, culturais e históricos - disponíveis (Gay, 2002GAY, Peter. O século de Schnitzler: a formação da cultura da classe média. 1815-1914. Tradução de S. Duarte. São Paulo: Companhia das Letras , 2002., p. 59-61). Tanto em sua vida privada, com seus parceiros amorosos e filhos, quanto na pública, em seus respectivos campos de atuação, os burgueses de Gay atualizavam o triângulo familiar original ou o “romance/complexo familiar” de sua infância, por meio de mecanismos psicológicos vários: “conflito”, “fantasia”, “defesa”, “negação”, “repressão”, “repetição”, “controle”, “encobrimento”, “sublimação”, “ansiedade”, “realização”, “satisfação”, “adiamento”, “frustração”, “excitação”, “deformação”, “dissimulação” etc.

Novas metodologias para a História: o sintoma, a regressão, a livre associação, a análise de sonhos, dos chistes e dos lapsos

Acerca dos métodos psicanalíticos, Gay aclimatou, para fins historiográficos, seis deles, dentre outros: o (diagnóstico do) sintoma, a regressão/história familiar, a livre associação, a análise de sonhos, a análise de chistes e a análise de lapsos. Estimulados, inicialmente, com a hipnose, depois, com a fala espontânea de pacientes histéricos e neuróticos, em consultório, eles foram transplantados para o arquivo, servindo para a constituição e análise de documentos variados: escritos (públicos [livros científicos e filosóficos, legislação, autobiografias, literatura, crítica literária e de arte etc.] e privados [cartas, diários etc.]), visuais e/ou materiais (pinturas, charges, fotografias, mobiliário, estatuária, arquitetura etc.), sonoros (música erudita) e cênicos (dança, cinema, teatro etc.).

O historiador, assim como o (psic)analista (de um sujeito ou da cultura), traria à consciência o “conteúdo latente” do “conteúdo manifesto” da linguagem dos sujeitos, por meio da interpretação ou decodificação das figuras com as quais o inconsciente se expressava1 1 Identificadas por Freud nos sonhos, mas estendidas, por ele, às outras trilhas do id, como o sintoma, o lapso, o chiste e a associação livre. , para driblar a “repressão”: a “condensação”, o “deslocamento”, a “representabilidade” e a “elaboração secundária” (Freud, 2019FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos (1900). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. (Obras completas, volume 4).).

O método de Gay, ancorado no tripé formado por indivíduo (“história interna”), linguagem (arte/estilo/suporte/expressão) e sociedade (“história externa”), emulava o de Freud, para quem as relações entre as três instâncias da mente (id, ego e superego) seriam, além de dinâmicas, sociais e históricas, podendo-se, logo, tomar o fundador da psicanálise como um historiador2 2 De Certeau, por sua vez, afirma que Freud “modifica o ‘gênero’ historiográfico ao introduzir nele a necessidade, para o analista, de marcar seu lugar (afetivo, imaginário, simbólico)”, tornando-o “ficção” (“romance histórico”) (De Certeau, 2011, p. 74-75). (Gay, 1988GAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 1. A educação dos sentidos. Tradução de Per Salter. São Paulo: Companhia das Letras , 1988 [1984]., p. 20-22).

O sintoma

Profissional atuante num período, o do segundo pós-guerra, em que as historiografias nacionais engendravam respostas à revolução temática, teórica, metodológica e interdisciplinar encetada pela Escola dos Annales, na França, Peter Gay reconhecia que qualquer vestígio humano podia ser transformado em fonte para a História. Incluindo aqueles relativos à vida privada, como correspondências e diários, e à vida criativa, como romances, pinturas, esculturas e músicas, veículos, para ele, privilegiados, da sensibilidade humana.

Ele também sabia que as fontes primárias da História eram, antes, índices do que provas do que se passou, cabendo ao historiador, além da crítica interna e externa, problematizá-las por meio de questões pertinentes para o presente, primordialmente as de cunho social e cultural, isto é, que ajudassem a compreender tanto a vida objetiva (“história exterior”) quanto a subjetiva (“história interior”) do homem comum. No caso, das camadas médias (da burguesia), prevalecentes no mundo do historiador (o rico e desenvolvido, da Europa e dos EUA).

As ferramentas utilizadas pela Escola dos Annales, em especial por aqueles que se fizeram historiadores das mentalidades, seriam, contudo, restritas para atender a esses objetivos, por descurarem do inconsciente, apesar de sua ambição de uma “História total”. Em 1985, Gay reconhecia, em 1985, na obra em que defendeu, sistematicamente, a apropriação da Psicanálise pela História, os esforços dos que lhe precederam:

com certeza, os historiadores sociais que dominaram a profissão por bem mais de um quarto de século demonstraram forçosamente que os dias de concentração exclusiva em datas e dinastias acabaram definitivamente. Mas enquanto o seu trabalho tem forçado novos materiais à atenção séria dos seus colegas historiadores, seria um erro alegar que em consequência todos nós somos agora historiadores totais. Uma transferência nas preocupações não é o mesmo que a sua expansão. A procura por uma história total prossegue, e nela a história psicanalítica tem muito a realizar. (Gay, 1989GAY, Peter. Freud para historiadores. Tradução de Osmyr Faria Gabbi Junior. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1989 [1885]., p. 163-164).

Os empreendimentos, nessa direção, de Le Roy Ladurie (Les paysans du Languedoc [1966]) e de seus precursores, Fernand Braudel, Marc Bloch (Os reis taumaturgos [1924] e A sociedade feudal [1939-40]) e Lucien Febvre, seriam, todavia, insuficientes:

Mas as águas, embora turbulentas e fortificantes, revelaram-se, tudo dito, não serem tão profundas quanto os seguidores intrépidos de Febre haviam suposto. Afinal de contas, o que um historiador saúda como uma realização admirável da história total outro pode qualificar de um exercício em prudência comparada. O historiador da historiografia deve registrar a sua gratidão em relação a Bloch e Febvre e à escola dos Annales que fundaram: após as suas expedições ousadas, a nossa profissão nunca será a mesma. Ainda assim, em suma, eles não chegaram lá. Já citei Marc Bloch, que pediu ao historiador que explore ‘as necessidades secretas do coração’, mas define-as como necessidades alojadas na “consciência humana”. Esse é o ponto onde a história psicanalítica pode entrar para expandir a nossa definição de história total decisivamente ao incluir o inconsciente, e o incessante tráfico entre a mente e o mundo, no território legítimo de pesquisa do historiador (Gay, 1989GAY, Peter. Freud para historiadores. Tradução de Osmyr Faria Gabbi Junior. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1989 [1885]., p. 165).

Assim, Gay passou a compreender as fontes históricas como sintomas, tal como Freud os entendia. Para o vienense, a “formação de compromisso” que caracteriza o sintoma reconciliaria “duas forças” conflitantes: os “instintos sexuais” e os “instintos do Eu [ego]”. Os primeiros, frustrados, satisfar-se-iam, então, desfigurados [deformados] e atenuados, pelos “caminhos indiretos” do sintoma. (Freud, 2014aFREUD, Sigmund. Considerações sobre desenvolvimento e regressão. Etiologia; Os caminhos da formação de sintomas. In: FREUD, Sigmund. Conferências Introdutórias à Psicanálise (1916-1917). Tradução de Sergio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras , 2014a. 450-499. (Obras completas, volume 13)., p. 271-272; 278-279). Para o historiador, do mesmo modo, os documentos seriam “formações de compromisso” entre os desejos humanos (sexuais e agressivos) e a sua repressão (Gay, 2012GAY, Peter. Freud: uma vida para o nosso tempo. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2012 [1988]., p. 409), isto é, expressariam tanto o consciente quanto o inconsciente, individual e coletivo. Os estilos (de vida, de escrita, de arte etc.), escoadouros com que se moldam as pulsões, seriam, nesse sentido, os sinais mais promissores ao historiador da cultura. Os perfis psicológicos de intelectuais, artistas e políticos se revelariam em suas formas expressivas.

Vejamos alguns diagnósticos que ele faz de alguns personagens dos dois primeiros grupos. Entre os historiadores, Gibbon seria um “cínico”, Ranke, um “crítico respeitoso”, Macaulay, um “sibarita intelectual”, e Burckhardt, um “poeta da verdade”; entre os escritores, Dickens era um “anarquista zangado”, Flaubert, um “anatomista fóbico”, Thomas Mann, um “aristocrata rebelde”, e Schnitzler, “libertino” e megalômano; entre os artistas plásticos, Munch seria angustiado e perturbado, Mondrian, austero, compulsivo e obsessivo, e Picasso, viril, vivaz, lascivo e rancoroso; entre os músicos, Mozart era carente, responsável e entusiasmado, Schoenberg, sério e compulsivo, e Stravinski, alegre e individualista (Gay, 1990bGAY, Peter. O estilo na história: Gibbon, Ranke, Macaulay, Burckhardt. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 1990b [1974].; 2002GAY, Peter. O século de Schnitzler: a formação da cultura da classe média. 1815-1914. Tradução de S. Duarte. São Paulo: Companhia das Letras , 2002., p. 91; 2009GAY, Peter. Modernismo, o fascínio da heresia: de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2009 [2007]., p. 129-130, 145, 147, 157, 163, 165, 240, 245, 251, 254, 256; 1999, p. 20, 33, 37).

Assim como Freud, Gay tratou a diferença do normal e do patológico mais como uma questão de grau do que de qualidade. Daí os seus heterodoxos burgueses (intelectuais, artistas, políticos) poderem servir de signo do burguês comum (o comerciante, o profissional liberal).

A regressão

Para livrar os pacientes dos seus sintomas histéricos ou neuróticos, Freud os incitava a reelaborá-los, rememorando a sua constituição. Por meio da fala e do processo transferencial, remontava-se a sua história de vida, sobretudo, a familiar. Dada a impossibilidade lógica de emular essa metodologia (que exige a presença tanto do analista como do paciente), Gay recorria aos indícios deixados pelos/e sobre seus personagens, tanto os de sua vida privada quanto pública, sobre a sua infância, que ajudassem a explicar seu comportamento maduro (Freud, 2019FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos (1900). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. (Obras completas, volume 4).).

Assim, a vida e obra de seus personagens seriam explicadas, em parte, pela relação com o pai e/ou com as mães. Comecemos, novamente, pelos historiadores. A “ironia” de Gibbon, “um celibatário convicto”, de “paixão truncada”, obediente ao pai (e órfão de mãe, acrescento), era, ao mesmo tempo, “instrumento magnífico para desmascarar os outros” e “defesa” de “um homem cujo vigor era retórico e a virilidade em larga medida tomada de empréstimo”. A “frieza” e “penetração” de suas análises seriam tributárias de “recalques [...] profundos” de um historiador exclusivamente devotado às “paixões” humanas (Gay, 1990bGAY, Peter. O estilo na história: Gibbon, Ranke, Macaulay, Burckhardt. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 1990b [1974]., p. 37, 54, 58, 61).

Os atributos de Ranke - o rigor e a meticulosidade com o documento (sacralizado), a objetividade, a dramaticidade e a conformidade -, que descendia de sacerdotes, com “pais [...] profundamente religiosos”, derivariam de “um ambiente - devoto, familiar e disciplinador - contra o qual [...] nunca se rebelou”. Sua solidão e devoção ao trabalho se originariam, igualmente, do legado luterano (Gay, 1990bGAY, Peter. O estilo na história: Gibbon, Ranke, Macaulay, Burckhardt. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 1990b [1974]., p. 71, 81-82).

Quanto a Macaulay, mesmo se sabendo que “seu estilo formal destinava-se antes a proteger do que a expressar seu caráter”, ele se torna “indiscreto quando, ao invés de ser seguro, proclama segurança. Faz-se testemunha involuntária com palavras diletas como ‘sibarita’”. Sua retórica exagerada enformaria dois “sentimentos”: a “expansividade”, “franca e agressiva”, e a “ansiedade”, “oculta e sublimada”. O primeiro se devia à “segurança” de ter obtido aceitação na “aristocracia intelectual da Inglaterra [whig]”. Já o seu anseio de “agradar” se destinava, em última medida, ao pai, um “claphamista” (“congregação de ciosos evangélicos devotados à religião do coração e ao aperfeiçoamento do mundo”). O historiador crescera, pois, sob a influência do “discurso virtuoso e circunspecto de homens de negócios [...] imbuído dos onerosos deveres da santidade” (Gay, 1990bGAY, Peter. O estilo na história: Gibbon, Ranke, Macaulay, Burckhardt. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 1990b [1974]., p. 109, 114-116):

ele foi uma criança precoce, um prodígio admirável, ansiosamente amado pela mãe, adorado pelas irmãs, mimado pelos conhecidos tomados de assombro. Seu pai amava-o a seu modo claphamista; não sem afeto, encarregou-se de manter o ego do filho dentro dos limites - a cristãos pecadores não cabia serem orgulhosos (Gay, 1990bGAY, Peter. O estilo na história: Gibbon, Ranke, Macaulay, Burckhardt. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 1990b [1974]., p. 116).

Não foram, pois, poucas as vezes em que o filho foi admoestado pelo pai, severo com as suas “imperfeições” - “qualidade sádica mascarada de sabedoria paterna” (Gay, 1990bGAY, Peter. O estilo na história: Gibbon, Ranke, Macaulay, Burckhardt. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 1990b [1974]., p. 117). Assim, Gay justifica o “desejo ardente de aprovação paterna” do historiador:

faz parte da vida que as pessoas tentem ao máximo agradar aquelas figuras significativas a que menos agradam. É pequena a satisfação que trazem as vitórias fáceis; os malogros reiterados incentivam a retomada do empenho, até o momento da gratificação final ou da definitiva desistência (Gay, 1990bGAY, Peter. O estilo na história: Gibbon, Ranke, Macaulay, Burckhardt. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 1990b [1974]., p. 117).

O “celibatário” Macaulay era movido, igualmente, pelo “amor arrebatado” voltado para as irmãs, “de essência erótica”. “Porto seguro” de sua “paixão sexual”, “incesto insatisfeito”, ele servia como contraponto ao amor, “ambivalente” (feito, também, de “fúria” e “rivalidade”), pelo pai, “uma tensão prolongada, o cerco intermitente e demorado de uma fortaleza inexpugnável, pontilhado por deserções de uma tarefa tão impossível” (Gay, 1990bGAY, Peter. O estilo na história: Gibbon, Ranke, Macaulay, Burckhardt. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 1990b [1974]., p. 118-119). Daí, igualmente, sua “loquacidade”:

mas o falador compulsivo, conquanto seja alvo de piadas fáceis, é um ser ferido, levado por suas neuroses a deixar transpirar segredos medonhos ou encaixar uma palavra de viés antes de ser atalhado. Eu sugeriria que o grande orador tinha um terror inconsciente de não haver ninguém a ouvi-lo. Seus oferecimentos haviam sido desprezados e por isso, em parte com esperança e em parte com desespero, ele reiterava-os constantemente. A única arena em que Macaulay poderia se permitir a volúpia encontrava-se no reino do intelecto (Gay, 1990bGAY, Peter. O estilo na história: Gibbon, Ranke, Macaulay, Burckhardt. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 1990b [1974]., p. 120).

Já a “sensualidade” de Burckhardt, atraído pelo “sexo” e pela “crueldade” de seus personagens, e expressa num estilo que vertia a história em um tipo de poesia, disciplinada (sublimada) pelas fontes, era característica de uma vida vicária: “Solteirão reprimido, aristocrata de cidade pequena, acadêmico cheio de deveres, ele era um espectador voluntário da vida”. Com relação aos pais, “ainda que quisesse infligir alguma dor à sua família devota”, não lograra superar o “respeito piedoso perante o eterno e o inescrutável” (Gay, 1990bGAY, Peter. O estilo na história: Gibbon, Ranke, Macaulay, Burckhardt. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 1990b [1974]., p. 134, 150-151, 160-162).

Entre os escritores, Dickens idealizaria suas “heroínas” e caricaturaria suas “mães indignas” em função da decepção com a genitora, que, tendo, primeiramente, incentivado a sensibilidade e a intelectualidade do filho, obrigou-o a trabalhar, ainda na infância, em prejuízo da escola e em discordância com o “frágil” marido, destruindo as “fantasias ambiciosas sobre o futuro” da criança (GAY, 2010GAY, Peter. Represálias selvagens: realidade e ficção na literatura de Charles Dickens, Gustave Flaubert e Thomas Mann. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras , 2010 [2002]., p. 48-50).

Flaubert, cuja doença oportuna o livrara de seguir a advocacia, desejo do genitor, que era médico, seguira-o, de outro modo, pois “pensava em seu estilo como um instrumento de dissecação”. Além do parricídio e filicídio, a “perigosa mistura de amor maternal e sensual em sua obra” denotariam a “persistência de assuntos infantis não resolvidos”. O ódio e a “fobia” da burguesia desse “solteiro inveterado” seria, “como todas as fobias, uma defesa contra a ansiedade, menos perturbadora do que o terror contra o qual pretendia proteger o sofredor”, advinda da “coisa genital, a mais poderosa de todas as causas” (Gay, 2002GAY, Peter. O século de Schnitzler: a formação da cultura da classe média. 1815-1914. Tradução de S. Duarte. São Paulo: Companhia das Letras , 2002., p. 59; 2010GAY, Peter. Represálias selvagens: realidade e ficção na literatura de Charles Dickens, Gustave Flaubert e Thomas Mann. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras , 2010 [2002]., p. 73, 82-84, 86).

Thomas Mann romantizaria a morte, sublimando, tragicamente, o amor erótico - numa “visão profundamente pessimista da vida, na qual Eros implica e atrai Thanatos” -, como forma de lidar com “sentimentos de culpa” derivados do desapontamento do pai, por não ter assumido os seus negócios, e de “desejos homoeróticos” (Gay, 2010GAY, Peter. Represálias selvagens: realidade e ficção na literatura de Charles Dickens, Gustave Flaubert e Thomas Mann. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras , 2010 [2002]., p. 112-113, 130-131).

Schnitzler se tornara médico seguindo o procriador (o “dever” filial), Johann, somente se entregando à sua vocação de escritor após a morte dele. Já suas obsessões com a virgindade das amantes se deviam à “vontade inconsciente de vingança” contra a mãe, Louise, cuja sexualidade não fora aceita pelo filho (Gay, 2002GAY, Peter. O século de Schnitzler: a formação da cultura da classe média. 1815-1914. Tradução de S. Duarte. São Paulo: Companhia das Letras , 2002., p. 56-59, 98).

Entre os artistas plásticos, Munch tivera “uma infância medonha”. Além da orfandade materna, era submetido pelo pai - vítima de “surtos quase psicóticos de pavor religioso” - a uma “disciplina humilhante” e a uma “rispidez draconiana”. Sua arte, “sintoma de uma cultura em crise”, sugeriria “colapsos mentais” e “crises nervosas” (Gay, 2009GAY, Peter. Modernismo, o fascínio da heresia: de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2009 [2007]., p. 129-130).

Mondrian nunca deixara “de se debater com o rigoroso calvinismo paterno, que rejeitava e, ao mesmo tempo, incorporava”. A pintura, para ele, “era uma forma de oração”, prática de uma “religiosidade profana”, obcecada pela pureza das formas (Gay, 2009GAY, Peter. Modernismo, o fascínio da heresia: de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2009 [2007]., p. 145-146).

Picasso, gênio precoce que havia superado o pai ainda jovem, “um pintor de terceira categoria”, e que tinha uma mãe que o “apoiava [...] sempre que havia algum conflito em família”, deu curso inaudito, em sua vida e obra, aos seus impulsos sexuais e agressivos - guiados, contudo, pela “autodisciplina do artífice” (Gay, 2009GAY, Peter. Modernismo, o fascínio da heresia: de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2009 [2007]., p. 158, 162-163). Caso-limite, para ele:

a vida e a arte se mesclavam mais profundamente do que em outros artistas. Seus trabalhos eram, no sentido mais elevado do termo, oeuvres d’occasion. Assim, uma mudança de estilo pode revelar - é imperioso manter essa indefinição - que havia uma nova mulher em sua cama (Gay, 2009GAY, Peter. Modernismo, o fascínio da heresia: de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2009 [2007]., p. 158).

Entre os músicos, Mozart constituíra laços inicialmente servis, mas depois de rebeldia, com o pai, Leopold, um mestre-escola exigente, desconfiado (quase paranoico), manipulador e competitivo. Com “uma atitude menos tensa com relação à vida, menos imersa em preocupações e rancores”, “afável”, Anna Maria, a mãe de Mozart, fornecia, de outro lado, “um agradável contraste com a misantropia quase paranoide do marido” (Gay, 1999bGAY, Peter. Mozart. Tradução de José Antonio Arantes. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999b., p. 13-14, 26, 35).

Schoenberg, proveniente de “uma família judaica relativamente pobre”, fora, contudo, agraciado com o apoio dos pais e de “amigos generosos” para desenvolver seus talentos precoces no violino. Aparentemente, sua obstinada e arrogante disposição de se guiar exclusivamente pela inspiração, contra todas as expectativas, adviria (sugere-se, creio), em alguma medida, da (necessidade de) independência, duramente conquistada (Gay, 2009GAY, Peter. Modernismo, o fascínio da heresia: de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2009 [2007]., p. 240-250).

Stravinski, por fim, tivera “um preparo para a sua vocação que parecia feito sob medida”. Além de oportunamente ser filho de um músico e musicólogo, teve padrinhos providenciais no mundo da música, “o tipo de sorte que vem abençoar os bem preparados” (Gay, 2009GAY, Peter. Modernismo, o fascínio da heresia: de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2009 [2007]., p. 251-252).

A livre associação

A livre associação de palavras, método adotado por Freud para substituir a hipnose no tratamento da histeria, consistia no estímulo do analisando a dizer o que lhe vinha à cabeça, sem restrições (Freud, 2016aFREUD, Sigmund. Estudos sobre a histeria (1893-5). Tradução de Paulo César de Souza e Laura Barreto. São Paulo: Companhia das Letras , 2016a. (Obras completas, volume 2).; 2016bFREUD, Sigmund. O método psicanalítico de Freud (1904). In: FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Análise fragmentária de uma histeria (“O caso Dora”) e outros textos (1901-5). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras , 2016b. p. 321-330. (Obras completas, volume 6).). Tratava-se de outra forma de incitar, por via da fala (digressão), a expressão do inconsciente, mediante as figuras supracitadas. Gay ampliou o uso da técnica para fontes de toda ordem: escritas, sonoras, visuais e/ou materiais e cênicas.

As fontes escritas, na análise da junção de palavras e sentenças. Gay nota, por exemplo, como os casais burgueses avizinhavam a religião da sexualidade em suas correspondências (Gay, 1988GAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 1. A educação dos sentidos. Tradução de Per Salter. São Paulo: Companhia das Letras , 1988 [1984]., p. 73 passim), o que não se esperaria dos vitorianos, tal como os conhecemos. E como modernistas, do porte de Breton e Joyce, tomavam-na como princípio literário-artístico. O primeiro, na forma surrealista, do “automatismo psíquico puro” e do “jogo livre do pensamento”; o segundo, na de “fluxo de consciência” (Gay, 2009GAY, Peter. Modernismo, o fascínio da heresia: de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2009 [2007]., p. 153, 191). Conforme Gay:

fazia parte dessa busca de honestidade transparente, como alguns modernistas confessavam com ingenuidade, o fato de trabalharem principalmente num estado passivo semelhante a um transe; apenas registravam as inspirações cujas origens não podiam explicar e a cujo domínio não podiam resistir (Gay, 2001GAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 5. Guerras do Prazer. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras , 2001 [1998]., p. 222).

As fontes sonoras, por meio do estudo da ligação entre as notas musicais, às vezes dissonantes, de músicos clássicos, como Mozart, mas notadamente de modernos vanguardistas, do molde de Mahler, Debussy, Cage e Varèse (Gay, 1999aGAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 4. O coração desvelado. Tradução de Sérgio Bath. São Paulo: Companhia das Letras , 1999a [1995].; 2009GAY, Peter. Modernismo, o fascínio da heresia: de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2009 [2007]., p. 230-239; 258-261). Também, aparentemente, por via da polifonia urbana.

As fontes visuais e/ou materiais, mediante o exame da composição de cores, massas e formas da pintura (Van Gogh, Gauguin, Cèzanne, Ensor, Kandinsky, Malevich, Magritte, Ernst, Miró, Dali, Duchamp etc.), da escultura (Moore, Brancusi, Calder etc.), da arquitetura (Sant’Elia, Wright, Mies, Corbusier, Gropius, etc.), do design (Oficina de Viena, Bauhaus), do mobiliário, do desenho (Busch etc.) e das máquinas e/ ou tecnologias modernas (como o trem, tomado como emblema das mudanças significativas que a burguesia, a um tempo, gestou e teve que lidar), dos quais a cidade seria uma espécie de museu vivo (Gay, 2009GAY, Peter. Modernismo, o fascínio da heresia: de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2009 [2007]., p. 113-173, 173-180, 275-315, 315-325; 2001GAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 5. Guerras do Prazer. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras , 2001 [1998].; 1995GAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 3. O cultivo do ódio. Tradução de Sérgio Goes de Paula e Viviane de Lamare Noronha. São Paulo: Companhia das Letras , 1995 [1993]., p. 410-425; 1988GAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 1. A educação dos sentidos. Tradução de Per Salter. São Paulo: Companhia das Letras , 1988 [1984]., p. 42-57). O mobiliário, por exemplo, além de servir ao “conforto” (de raiz erótica) e ao “cultivo do eu” (autoexame, interioridade ou introversão) dos burgueses, far-se-ia presente na prática do colecionismo, como a de Freud, amante de arqueologia greco-romana, egípcia e chinesa (1988, p. 314-319; 1999aGAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 4. O coração desvelado. Tradução de Sérgio Bath. São Paulo: Companhia das Letras , 1999a [1995].; 2001, p. 158-188; 2012GAY, Peter. Freud: uma vida para o nosso tempo. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2012 [1988]., p.174-84).

As fontes cênicas, por intermédio do estudo da adição do movimento e da representação e/ou encenação aos elementos visuais supracitados, na dança (Balanchine), no teatro (Alfred Jerry, Strindberg, Tchekhov, Shaw, Sternheim etc.) e no cinema (Griffith, Eisenstein, Chaplin, Welles, Godard etc.) (Gay, 2009GAY, Peter. Modernismo, o fascínio da heresia: de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2009 [2007]., p. 263-274, 326-348, 348-380).

A análise de sonhos

Os sonhos foram um dos veios mais importantes utilizados por Freud para acessar o inconsciente. Por meio do relato e interpretação deles, se tornariam inteligíveis os conflitos internos que atormentavam seus pacientes (Freud, 2019 [1990]FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos (1900). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. (Obras completas, volume 4).). Peter Gay os encontrou, especialmente, na documentação privada de seus burgueses, explorada intensamente nos cinco volumes acerca da experiência burguesa.

Gay analisou, por exemplo, os sonhos do arquivista e historiador Otto Beneke, registrados em seus diários, no período em que se enamorara de sua futura esposa, Marietta Banks, e se debatia com impulsos sexuais provisoriamente insatisfeitos e se lhe impunham ansiosas denegações e autossabotagens (Gay, 1990a [1986]GAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 2. A paixão terna. Tradução de Sérgio Flaksman. São Paulo: Companhia das Letras , 1990a [1986]., p. 11-19). Conforme Gay:

os sonhos de Otto Beneke indicam sugestivamente seu mal-estar, suas dificuldades em abrir mão do primeiro amor por um novo. Sonhava, como escreveu com algum espanto, com Marietta Banks noite após noite, e esses sonhos recorrentes são geralmente sinal de questões inacabadas, um esforço reiterado para resolver um conflito persistente; mostram o trabalho que ainda há por fazer e sua conclusão tão ardentemente desejada. Os sonhos de Otto Beneke são desse tipo: falam de encontros com uma mulher, são cheios de desejo e refinadamente eróticos em sua maquinaria simbólica, mas ainda assim sugerem tanto o desejo de fracassar quanto o desejo de alcançar o sucesso. (Gay, 1990aGAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 2. A paixão terna. Tradução de Sérgio Flaksman. São Paulo: Companhia das Letras , 1990a [1986]., p. 27).

O historiador inicia, em seguida, a narração de um sonho:

Em um deles, que conta nos mínimos detalhes, Beneke se encontrava em uma excursão a um local próximo, representado de forma realista. Marietta Banks estava lá, com muitos outros, e evitava ficar só com ele, agarrando-se as suas amigas. Depois, a natureza acabou intervindo: uma violenta e interminável chuvarada (que Beneke interpretou, em seu sonho, como um sinal auspicioso) dispersou o grupo, e “por acaso” Marietta Banks e Otto Beneke viram-se lado a lado, subindo um morro e encontrando abrigo da chuva, bem juntos, em silêncio. Nenhum dos dois queria começar a falar, e ele sentiu “um grande momento, o momento da decisão, se aproximando”, mas retraiu-se. Isso porque, segundo seu comentário, “o amor é temeroso, tímido, de coração fraco, covarde”. (Gay, 1990aGAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 2. A paixão terna. Tradução de Sérgio Flaksman. São Paulo: Companhia das Letras , 1990a [1986]., p. 27).

O (psico)historiador interpreta: “A autoconfiança, para não falar da arrogância, ficam completamente deslocadas num momento como esse”. Ele, contudo, pontua: ‘‘‘Mas, por mais reservados e intimidados que estivessem, o casal também sentia orgulho: “Nenhum dos dois queria confessar ao outro: ‘Eu te amo, quero ser teu, não posso viver sem ti, nunca - não sou nada sem ti, meu Tudo!’”’’’.

Gay continua a narração do sonho:

Com o cair da noite, os dois continuaram de pé, em silêncio, tão juntos que cada um deles conseguia ouvir as batidas do coração do outro. Finalmente, tentando encontrar o caminho de volta no escuro, mas perdendo-se cada vez mais no campo, chegaram a um riacho, onde havia um pequeno barco convidativo. E ele lhe disse, enquanto ao mesmo tempo o “duplo sentido” de suas palavras o deixava gelado, “Você me seguirá? Fará sua sorte depender da minha? Você subirá no frágil bote da minha vida?” Sem uma palavra, ela concordou; ele começou a remar e depois deixou o barco seguir à deriva na correnteza engrossada do riacho, enquanto a chuva continuava a cair nas águas, fazendo “um barulho estranho de água corrente, suavemente ensurdecedor”. Ninfas aquáticas acompanharam sua passagem e disseram: “Agarre a sua felicidade”. Ela continuou sentada em silêncio, com as mãos cruzadas, e o barco seguia adiante “com a velocidade de uma flecha”. De repente, ele olhou para cima e viu que seguiam depressa não na direção do moinho conhecido que ele esperava ver, mas de uma gigantesca e ameaçadora máquina com rodas e engrenagens; trinta rodas equipadas com enormes pás giravam rapidamente e ameaçavam reduzir o casal a pedaços. Desesperadamente, ele lutou para libertar seu barquinho da corrente, mas foi em vão. Ela também levantou os olhos e percebeu o fim iminente que os esperava; seu olhar parecia dizer: “‘A vida ainda seria tão bela!’” Nesse momento, enquanto o rugido trovejante das rodas abafava suas palavras, ele se ergueu, “abri meus braços para ela em silêncio - e ela voou para eles feliz, para o meu coração”. Esquecer seu perigo mortal, morrer juntos, “amorosamente dissolvidos num só”, dava à morte “uma extraordinária bem-aventurança”. Ele a apertou firmemente contra o peito e pensou que era uma felicidade inexprimível morrer nos braços da amada. De algum lugar vieram as palavras “‘agora chega a morte’”, o significado portentoso das palavras sublinhado por uma série de traços - e ele acordou. (Gay, 1990aGAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 2. A paixão terna. Tradução de Sérgio Flaksman. São Paulo: Companhia das Letras , 1990a [1986]., p. 27-28).

Gay arremata a narração com o significado do sonho, isto é, com o desejo do sonhador realizado, como o queria Freud (2019FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos (1900). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. (Obras completas, volume 4).):

A impressão que esse sonho lhe causou foi tão forte que por um instante Beneke pensou ter morrido nos braços dela até perceber “que estava sozinho, que um fantasma estivera em meus braços, que agora um amargo despertar se seguia a um sonho maravilhoso”. A pequena morte do orgasmo simultâneo depois de uma relação sexual longa, emocionante e perigosa - os batimentos dos corações, a queda da chuva, a aceleração do barco, a máquina devoradora, o clímax tremendo, o resultado mortal - nunca foi sonhada de modo mais vívido que este (Gay, 1990aGAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 2. A paixão terna. Tradução de Sérgio Flaksman. São Paulo: Companhia das Letras , 1990a [1986]., p. 28).

A análise dos chistes

Freud também incitou Gay a escrutinar os chistes como documentos históricos. Após decifrar a forma e a função do sonho, o fundador da Psicanálise se dera conta de que os gracejos compartilhavam de sua gramática, encobrindo, igualmente, obscenidade e hostilidade (Freud, 2017FREUD, Sigmund. O chiste e sua relação com o inconsciente (1905). Tradução de Fernando Costa Matos. São Paulo: Companhia das Letras , 2017. (Obras completas, volume 7).). Segundo Gay: “Assim como no domínio sexual o olhar se torna o substituto para o toque, e a piada suja se torna um substituto para o olhar, na área da agressão a piada hostil se coloca no lugar do desejo, quase sempre entorpecido ou frustrado, de ferir ou matar os próprios inimigos”. Na aparência, brincadeiras, somente, tornaram-se, desse modo, dutos aceitáveis, socialmente, para extravasar a libido e criticar ou se vingar (Gay, 2001GAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 5. Guerras do Prazer. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras , 2001 [1998]., p. 383-384).

Engajado no “partido da humanidade” ou da razão (Williamson, 2016WILLIAMSON, George S. Peter Gay (1923-2015). Central European History, Knoxville, v. 49, n. 1, p. 4-18., 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/central-european-history/article/peter-gay-19232015/7B3BA352206C013D808F1A7DCBE05CA4 . Acesso em: 17 set. 2022.
https://www.cambridge.org/core/journals/...
, p. 16), Gay foi particularmente sensível ao poder corrosivo do chiste, manejado, em sua obra, por filósofos iluministas (como Voltaire), historiadores oitocentistas (tal qual Gibbon), escritores realistas (a exemplo de Flaubert), artistas modernistas (ilustrados por dadaístas e surrealistas) e pelo próprio Freud (por meio da investigação de suas piadas favoritas). Reservou, de qualquer modo, um capítulo exclusivo do volume sobre o ódio, de sua coleção acerca da burguesa vitoriana, ao “humor mordaz” destilado em revistas humorísticas (da pena de autores como W. S. Gilbert e Busch), romances (feito os de Dickens, Lewis Carroll, Tackeray e Flaubert) e sátiras políticas (na forma de poesias [Heine], desenhos [Daumier] e peças teatrais [Sternheim]) (Gay, 1964aGAY, Peter. The party of humanity: essays in the french Enlightenment. New York: Alfred Knopf, 1964.; 1990bGAY, Peter. O estilo na história: Gibbon, Ranke, Macaulay, Burckhardt. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 1990b [1974].; 2010GAY, Peter. Represálias selvagens: realidade e ficção na literatura de Charles Dickens, Gustave Flaubert e Thomas Mann. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras , 2010 [2002].; 2009GAY, Peter. Modernismo, o fascínio da heresia: de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2009 [2007]., p. 150-7; 1992aGAY, Peter. Lendo Freud: investigações e entretenimentos. Tradução de André Cardoso. São Paulo: Companhia das Letras , 1992a [1990].; 1995GAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 3. O cultivo do ódio. Tradução de Sérgio Goes de Paula e Viviane de Lamare Noronha. São Paulo: Companhia das Letras , 1995 [1993]., p. 371-425).

A análise de lapsos

Assim como Freud (2021FREUD, Sigmund. Psicopatologia da vida cotidiana (1901). In: FREUD, Sigmund. Psicopatologia da vida cotidiana e sobre os sonhos (1901). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras , 2021. p. 13-376 (Obras completas, volume 4).), Gay explorou os lapsos como entradas do inconsciente. Apresentando-se como esquecimentos, erros de fala, de escrita e de leitura, atos casuais, lembranças encobridoras, entre outras manifestações, eles seriam, como outros vetores supracitados (sonhos, sintomas etc.), “formações de compromisso” entre as pulsões e o ego.

O historiador esquadrinhou os atos falhos cometidos pelo próprio Freud em seus escritos. A título de exemplo, relata, na biografia do vienense, lapso que revelaria sua “hostilidade inconsciente” para com o então discípulo, Jung:

depois de tais satisfações [reconhecimento internacional, com o título de doutor honoris causa, agraciado nos EUA, em 1909], Viena pouco prometia além de uma desilusão. Com efeito, no começo de novembro, a exasperação de Freud com seus seguidores locais novamente alcançava um ponto alto. “Às vezes fico tão enraivecido com os meus vienenses”, escreveu ele a Jung, parafraseando o imperador romano Calígula para seus próprios fins, “que gostaria que tivessem um único traseiro, para que eu pudesse surrar a eles com a mesma vara”. Um deslize significativo, porém, traiu a apreensão suprimida de Freud em relação a Jung: ao invés de ihnen - “a eles” -, ele escreveu Ihnen - “a si” -, assiminsinuando que era o traseiro de Jung que merecia umas vergastadas. Mas a primeira ruptura séria da unidade analítica originou-se num ponto bem próximo, em Viena, envolvendo dois dos primeiros associados de Freud - Wilhem Stekel e Alfred Adler. Jung se manteve como espectador solidário, posicionando-se firmemente ao lado de Freud (Gay, 2012GAY, Peter. Freud: uma vida para o nosso tempo. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2012 [1988]., p. 223).

Uma nova forma narrativa: a “história de caso”

A respeito da forma narrativa, Gay adotou estilo similar ao de Freud, ao qual deu vários nomes: “histórias de casos”3 3 Elas se aproximam, em alguma medida, dos estudos de caso dos micro-historiadores, tanto no plano narrativo, quanto no metodológico. Lembremos que a psicanálise de Freud é uma das linhagens do “paradigma indiciário” das ciências humanas identificadas por Ginzburg (Ginzburg, 1989). , “romances familiares”, “casos clínicos”, “biografia analítica”, “retratos psicológicos e sociais”, “perfis frenológicos”, “vinhetas”. Tratava-se de apresentar, sumariamente, a história do indivíduo, com ênfase na sua vida emocional, dentro da teia familiar, antes de analisá-la. No caso de Gay, essas minibiografias ajudavam a formar o “mosaico amplo e maranhado” da “experiência burguesa”. Uma metáfora teve, nesse sentido, função estruturante em sua obra, tanto narrativa quanto teoricamente, permitindo a generalização: iluministas, burgueses, modernistas e românticos formariam, cada qual, uma “grande família”, ainda que “muito ramificada e briguenta” (Gay, 1988GAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. 1. A educação dos sentidos. Tradução de Per Salter. São Paulo: Companhia das Letras , 1988 [1984]., p. 22-23; 2009GAY, Peter. Modernismo, o fascínio da heresia: de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2009 [2007]., p. 18-19; 2002GAY, Peter. O século de Schnitzler: a formação da cultura da classe média. 1815-1914. Tradução de S. Duarte. São Paulo: Companhia das Letras , 2002., p. 53-54; 2015GAY, Peter. Why the romantics matter. New Haven: Yale University Press , 2015.).

Para exemplificar a escrita de Gay, observe-se como o historiador-biógrafo, após mote com a principal obra de Freud, A interpretação dos sonhos (2019FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos (1900). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. (Obras completas, volume 4).), introduz o seu herói:

Sigmund Freud, o grande decifrador de enigmas humanos, cresceu entre charadas e confusões suficientes para despertar o interesse de um psicanalista. Ele nasceu em 6 de maio de 1856, na pequena vila morávia de Freiberg, filho de Jacob Freud, um comerciante de lãs pobre, e sua mulher Amália. Os nomes que seu pai registrou para ele na Bíblia da família, “Sigismund Schlomo”, não sobreviveram à adolescência de Freud. Ele nunca usou “Schlomo”, nome do avô paterno, e, depois de experimentar “Sigmund” nos últimos anos de escola, adotou-o algum tempo após seu ingresso na Universidade de Viena, em 1873. A Bíblia dos Freud também registra que Sigismund “ingressou no pacto judaico” - em suma, foi circuncidado - uma semana após seu nascimento, em 13 de maio de 1856. [...] Freud achava que tinha “razões para crer” que a família de seu pai “havia vivido por muito tempo no Reno (em Colônia), fugido para o leste em virtude de uma perseguição aos judeus nos séculos XIV e XV, e no decorrer do século XIX tornaram a migrar da Lituânia, através de Galícia, até a Áustria germânica”.

[...]

O curso da evolução emocional de Freud, mais do que por essa minúcia cartorial e erudição genealógica, foi modelado pela desconcertante trama de relações familiares, à qual ele achava muito difícil escapar. O emaranhado das configurações domésticas era muito corrente no século XIX, quando eram frequentes as mortes prematuras por parto ou doenças, e muitas vezes as viúvas ou viúvos se casavam logo a seguir. Mas os mistérios com que se deparou Freud eram mais intrincados do que o usual. Quando Jacob Freud desposou Amalia Nathansohn, sua terceira mulher, em 1855, ele estava com quarenta anos, vinte a mais do que sua esposa. Dois filhos do primeiro casamento - o mais velho, Emanuel, casado e com filhos, e Philipp, solteiro - eram vizinhos. Emanuel era mais velho do que a jovem e atraente madrasta que o pai trouxera de Viena, ao passo que Philipp tinha apenas um ano menos do que ela. Igualmente intrigante para Sigismund Freud era que um dos filhos de Emanuel, seu primeiro companheiro de jogos, fosse um ano mais velho do que ele próprio, seu pequeno tio.

[...]

Retorcendo ainda mais a intrincada configuração das relações familiares de Freud, sua bela e jovem mãe parecia, a seus olhos, combinar muito mais com seu meio-irmão Philipp do que com seu pai, mas era com o pai que Amalia Freud partilhava o leito. Em 1858, com menos de dois anos e meio, esse problema se intensificou particularmente: nasceu sua irmã Anna. Ao relembrar esses anos, Freud achava que tinha entendido que a irmãzinha saíra do corpo de sua mãe. O que parecera mais difícil de entender era como o seu meu meio-irmão Philipp havia, de algum modo, ocupado o lugar de seu pai, na concorrência pelos amores de sua mãe. Será que Philipp dera à sua mãe aquela nova rivalzinha odiosa? Tudo isso era muito desconcertante, e saber dessas coisas, de certa forma, era tão necessário quanto perigoso.

Tais mistérios da infância deixaram sedimentos que Freud reprimiu durante anos, e só viria a recapturar, através de sonhos e de uma trabalhosa autoanálise, no final dos anos 1890. Sua mente se constituía dessas coisas - a jovem mãe grávida de uma rival, o meio-irmão de alguma misteriosa maneira como companheiro de sua mãe, o sobrinho mais velho do que ele, seu melhor amigo e também maior inimigo, o pai bondoso com idade suficiente para ser seu avô. Ele fiaria o tecido de suas teorias psicanalistas a partir dessas experiências íntimas. Quando precisou delas, elas voltaram a ele (Gay, 2012GAY, Peter. Freud: uma vida para o nosso tempo. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras , 2012 [1988]., p. 22-24).

Considerações finais

Seguindo os passos de Freud4 4 Totem e tabu (Freud, 2012 [1913]), O futuro de uma ilusão (Freud, 2014b [1927]), O mal-estar na civilização (Freud, 2010b [1930]) e Moisés e o monoteísmo (Freud, 2018 [1939]), entre outros trabalhos. , Peter Gay consagrou a sua obra madura a empregar os recursos da Psicanálise na análise da cultura. Historiador de ofício, não um amador, como seu mestre, Gay conseguiu validar, senão um novo campo historiográfico (a Psico-História, somente esboçada, duramente criticada por ele mesmo), uma historiografia respeitável, cuja revisão de nossa percepção da burguesia dependeu, em boa medida, de ser “informada pela Psicanálise” (Gay, 1989GAY, Peter. Freud para historiadores. Tradução de Osmyr Faria Gabbi Junior. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1989 [1885]., p. 17). Demais, legou aos historiadores o desafio de ampliar o horizonte temático, teórico, metodológico e estético da disciplina.

Procurou-se, em suma, neste artigo, apresentar, de forma sistemática, a oficina do psico-historiador Peter Gay, de modo a, preenchendo uma aparente lacuna historiográfica, em língua portuguesa, incentivar a continuidade do seu trabalho.

Referências

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  • 1
    Identificadas por Freud nos sonhos, mas estendidas, por ele, às outras trilhas do id, como o sintoma, o lapso, o chiste e a associação livre.
  • 2
    De Certeau, por sua vez, afirma que Freud “modifica o ‘gênero’ historiográfico ao introduzir nele a necessidade, para o analista, de marcar seu lugar (afetivo, imaginário, simbólico)”, tornando-o “ficção” (“romance histórico”) (De Certeau, 2011DE CERTEAU, Michel. História e psicanálise: entre ciência e ficção. Belo Horizonte: Autêntica, 2011., p. 74-75).
  • 3
    Elas se aproximam, em alguma medida, dos estudos de caso dos micro-historiadores, tanto no plano narrativo, quanto no metodológico. Lembremos que a psicanálise de Freud é uma das linhagens do “paradigma indiciário” das ciências humanas identificadas por Ginzburg (Ginzburg, 1989GINZBURG, Carlo. Sinais: Raízes de um paradigma indiciário In: GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras , 1989 [1986].).
  • 4
    Totem e tabu (Freud, 2012 [1913]FREUD, Sigmund. Totem e tabu (1912-1913). In: FREUD, Sigmund. Totem e tabu, Contribuição à história do movimento psicanalítico e outros textos (1912-1914). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras , 2012. p. 13-244 (Obras completas, volume 11).), O futuro de uma ilusão (Freud, 2014b [1927]FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão (1927). In: FREUD, Sigmund. Inibição, sintomas e angústia, O futuro de uma ilusão e outros textos (1926-1929). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras , 2014b. p. 231-301. (Obras completas, volume 17). ), O mal-estar na civilização (Freud, 2010b [1930]FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização (1930). In: FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização, Novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos (1930-1936). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras , 2010b. p. 13-123. (Obras completas, volume 18).) e Moisés e o monoteísmo (Freud, 2018 [1939]FREUD, Sigmund. Moisés e o monoteísmo (1939). In: FREUD, Sigmund. Moisés e o monoteísmo, Compêndio de psicanálise e outros textos (1937-1939). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras , 2018. p. 13-188. (Obras completas, volume 19).), entre outros trabalhos.
  • Financiamento:

    Não se aplica.
  • Aprovação no comitê de ética:

    Não se aplica.
  • Modalidade de avaliação:

    Duplo-cega por pares.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2022
  • Revisado
    22 Nov 2022
  • Aceito
    02 Dez 2022
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