Resumo
No presente artigo revisitamos o Código das Águas da República, preparado por Alfredo Valladão em 1907, promulgado pelo Congresso Nacional, Decreto nº 24.643, somente a 10 de julho de 1934. Um dos principais marcos da regulamentação do setor no Brasil, não sem intenso dissentimento, engendrou a crescente presença do Estado a partir dos anos 1930, fundamental para o desenvolvimento do setor. Nos importa retratar o espírito que animou o seu autor e seus resultados na Primeira República (1889-1930), quando o monopólio estrangeiro se inseriu e passou a controlar por quase 80 anos boa parte do setor de serviços públicos, assim como algumas das consequências que perduraram ao longo do século XX.
Esse domínio foi fruto da expansão do capitalismo financeiro dos países centrais e a ordenação criada no Brasil pode ter sido a reação possível. As principais fontes e documentos foram o Código das Águas da República, edição original de 1907, e a reedição do DNAEE em 1980, o Diário da Câmara dos Deputados, entre 1907 e 1915, para tentar retraçar as causas de seu longo embaraço, o Jornal do Commercio, entre 1901 e 1932 (ambos disponíveis na internet), além de obras e autores que fizeram comentários e censuras ao Código. O panorama dos serviços públicos vem mudando novamente nos últimos 40 anos, com setores estratégicos para o desenvolvimento do país destinados, mais uma vez, ao capital privado e estrangeiro, após o período de forte presença do Estado. Torna-se premente então suscitar reflexões sobre o tema.
Palavras-chave: Código de Águas; serviços públicos; hidreletricidade; regulamentação; Valladão
Abstract
In this article we revisit the Water Code of the Republic in Brazil, prepared by Alfredo Valladão in 1907, enacted by the National Congress, Decree nº 24.643, only on July 10, 1934. One of the main milestones in the regulation of the sector in Brazil, not without intense dissent, engendered the growing presence of the State from the 1930s, fundamental for the development of the sector. We are interested in portraying the spirit that animated its author and their results in the First Republic (1889-1930), when the foreign monopoly entered and started to control much of the utility sector for almost 80 years, as well as some of its consequences that lasted throughout the 20th century.
This dominance was the result of the expansion of financial capitalism in central countries, and the ordering created in Brazil may have been the possible reaction. The main sources and documents were the Code of Waters of the Republic, original edition of 1907, and the reissue of DNAEE in 1980, the Diary of the Chamber of Deputies, between 1907 and 1915, to try to retrace the causes of its long embarrassment, the Jornal do Commercio, between 1901 and 1932 (both available on the internet), as well as works and authors who commented and censored the Code. The panorama of public services has been changing again in the last 40 years, with strategic sectors for the development of the country destined, once again, to private and foreign capital, after the period of strong presence of the State. It is therefore urgent to raise reflections on the subject.
Keywords: Water Code; utilities; hydroelectricity; regulation; Valladão
O Decreto nº 24.643, o Código das Águas da República, promulgado a 10 de julho de 1934, tornou-se um dos principais marcos da regulamentação do setor energético no Brasil, fazendo possível a crescente presença do Estado no seu desenvolvimento, com intensa oposição. Nosso objetivo com o resgate e análise de sua criação é trazer à luz alguns dos conflitos gerados e suas consequências para as relações sociais e econômicas na Primeira República (1889-1930), quando o monopólio estrangeiro se inseriu e controlou por quase 80 anos o setor de utilities, e assim suscitar reflexões. O monopólio foi fruto da expansão do capitalismo financeiro dos países centrais e o ordenamento criado no Brasil pode ter sido a reação possível a esse avanço. O panorama das utilities no Brasil vem mudando novamente nos últimos 40 anos, com setores estratégicos para o desenvolvimento sendo destinados, mais uma vez, ao capital privado e estrangeiro, após o período citado de forte presença do Estado.
Pretendemos evocar uma obra, além de seu autor, tida por essencial para reestruturar o setor em moldes que favorecessem mais a nação e ao povo brasileiro do que o capital forâneo, além de outros dos principais especialistas que fizeram comentários, adições e censuras a essa obra e ao tema. O principal interesse é apontar caminhos para compreender questões como: se o interregno entre sua criação e promulgação foi fruto da ação dos monopólios estrangeiros, evitando a legislação que daria mais ênfase ao domínio público nacional; se o atraso tecnológico do país, não participando da produção de materiais e equipamentos elétricos, resultou dessa ação; e se mais uma vez o país brinda o capital estrangeiro com enormes lucros em detrimento de maior bem-estar econômico e social de seu povo.
O artigo está dividido em: 1. Conjuntura, breve contextualização do setor no país; 2. Legislação germinando, as disposições prévias ao Código no Brasil; 3. Essência do Código, as disposições prévias ao Código no mundo; 4. As influências no Código, os modelos e autores que influenciaram na sua feitura; 5. O modelo estadunidense, o modelo liberal e seu peso; e 6. Considerações parciais.1 Outras duas partes, “O custo histórico” e “Resistência e Reações” foram preparadas, mas dada a exiguidade do espaço, serão contempladas em momento mais adequado.
Conjuntura
No Brasil, a matriz hidrelétrica foi preponderante praticamente desde os inícios do século XX, ao tempo em que o consumo de carvão foi sendo reduzido devido ao custo das importações ser muito alto, principalmente com as duas guerras mundiais. O que podemos considerar como a primeira grande usina hidrelétrica construída no Brasil, no Estado de S. Paulo, foi a usina de Parnaíba, em 1901, pela San Paulo Light and Power com 2.000 kW, alcançando seu limite de 16.000 kW em 1911. Para compararmos, a primeira usina, construída em 1895, nas Cataratas do Niágara, nos Estados Unidos, produzia 3.700 kW.
Até então, pequenas iniciativas esparsas pululavam pelo país, mas não atingiam proporções suficientes para englobar o mercado que ia se ampliando. Após Parnaíba, e com o monopólio dos principais mercados garantido, foram construídas pela holding Brazilian Traction, Light and Power ou por suas subsidiárias: em 1908, usina de Fontes, Rio de Janeiro (24 mil kW); em 1914, usina do Itupararanga, S. Paulo (30 mil kW, alcançando 56 mil); em 1924, usina de Rasgão, S. Paulo (14.400 kW) e em 1926, usina Henry Borden, do Cubatão, (76 mil kW). Lembramos que o principal objetivo da holding canadense com seu novo modelo de exploração era alimentar com energia elétrica as redes de distribuição dos bondes, tramways elétricos, serviço mais relevante nas cidades em que detinha concessão no início do século XX do que o fornecimento de energia a residências, comércios e indústrias, cenário que logo mudaria.
Isso significou que ao capital estrangeiro coube a iniciativa de ampliar o setor no Brasil, mantendo o monopólio por quase 80 anos, em época em que a eletricidade estava se tornando o componente indispensável ao avanço industrial, ao lado do petróleo, influenciando também o moderno mercado das relações sociais, dada a função social da energia elétrica (Branco, 1975, p. 51). Durante esse tempo, nossa matriz elétrica foi majoritariamente a hidráulica, no que poderia ser considerado uma forma limpa de gerar energia, e o país um dos maiores produtores. Contudo, importava turbinas, dínamos, motores, ocupando uma posição subordinada na Divisão Internacional do Trabalho e Produção (Szmrecsányi, 1986). Após longo interregno, conseguiu produzir fios e postes.
Significou também delonga nas bordas do sistema, dado que o monopólio estrangeiro da Brazilian Traction, Light and Power permaneceu concentrado até os anos 1920 praticamente em apenas dois dos principais mercados consumidores do Brasil, a capital São Paulo e a capital federal Rio de Janeiro. Além de oito empresas do interior de S. Paulo que passou a controlar, envolvendo vinte e cinco municípios, visando interligar pelo vale do Paraíba as concessões (Maranhão; Mateos, 2012, p. 47).2 Em 1924, outro grande grupo privado estrangeiro, ligado à General Electric fundada por Thomas Edson, a American and Foreign Power, Amforp, estreou no país adquirindo a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) em S. Paulo.
Em setor insuficientemente regulado àquela altura, ambas desalojariam em boa medida “as pequenas empresas de cunho familiar que exploravam quedas d’água [ou com usinas térmicas] para fornecer energia a negócios próprios e vender seus excedentes para iluminação de cidades, em especial no interior” (Espósito, 2015, p. 3). O processo de concentração empresarial não era desconhecido no Brasil e era praticado por grandes conglomerados nacionais, como o grupo Guinle & Gaffreé, mas as estrangeiras chegavam com maior poder financeiro para a expansão.
A citada subsidiária da GE impôs o que ficou conhecido como ‘contrato padrão’ aos municípios com demandas baixas, com restrição de reversão em períodos determinados, sem meios de avaliação do capital da empresa e com tarifas que aumentavam pernosticamente (cláusula ouro), em um excesso de confiança, por vezes abuso, das concessionárias. Também foi acusada de lançar valores muito maiores às escrituras de compra de usinas hidrelétricas que adquiria, servindo como garantia no lançamento de ações, supervalorizando-as:
Foram os trustes logo substituindo os antigos contratos municipais por outros que, no caso das Empresas Elétricas Brasileiras, eram apresentados às cidades do interior com o título de “Contratos Padrão”. Cláusulas vantajosas para o município foram solertemente substituídas por outras, que impediam a reversão em prazo determinado; foram eliminadas cláusulas que indicavam a forma de avaliação do capital da empresa etc. etc. (Branco, 1975, p. 66-67).
A Amforp focou em áreas sem interesse para a Brazilian Traction, como cidades menores, e nas capitais de outros estados, afastando os grupos nacionais ou indivíduos interessados em aplicar a modernidade da eletricidade às suas cidades, fábricas e fazendas. Em 1927, a Ebasco International Co. criou a Companhia Auxiliar das Empresas Elétricas Brasileiras, CAEEB, para administrar e supervisionar companhias3 sob o seu controle acionário (Bibliex, 1977, p. 59). Eram criadas em diferentes regiões do Brasil desde a segunda metade do século 19, principalmente pela adoção de pequenas centrais térmicas para alimentar uma rede urbana incipiente, substituídas pela força hidráulica que produzia a um custo menor no Brasil. Havia no interior de S. Paulo - com o Rio de Janeiro, os dois economicamente mais atraentes - em 1906, 34 empresas de iluminação, 32 instaladas entre 1890 e 1906 (Saes, 1986, p. 144).
No gráfico abaixo (Figura 1) acompanhamos o crescimento acelerado da potência instalada no Brasil, mostrando a mudança da matriz térmica, baseada principalmente no carvão que passou de 3.143 kW em 1889 para 21.996 kW em 1910, para a matriz hidrelétrica que foi de 1.475 kW para 137.684 kW no mesmo intervalo:
Nas áreas açambarcadas pela Brazilian Traction, Light e Power, foram adquiridas ou levadas à falência, desde nacionais de transporte público - ainda explorando a tração animal como a Companhia Viação Paulista - a estrangeiras de iluminação pública e residencial, explorando gás de carvão importado.4 Eram subdiárias da canadenses Brazilian Traction formada em 1912, The San Paulo Tramway, Light and Power assumiu a concessão em 1899, e sua irmã, The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power, desde 1905 no Rio, além da pequena São Paulo Electric Co. em Sorocaba. Com diversas mudanças corporativas e de negócios, o grupo sobreviveu até 1979 como Brascan, quando a ditadura civil-militar pagou US$ 436 milhões pelos ativos e assumiu US$ 778,6 milhões em passivos, apenas um ano antes do término do período da concessão (Fialho, 1979, p. 22).
Assim, o Brasil parecia ficar livre das restrições do carvão que certamente estrangulariam sua economia, o comércio exterior e sofreria com as flutuações do mercado cambial, podendo incluir também o petróleo, adotando a hidreletricidade na execução de um processo de modernização energético. Contudo, como alerta José Lima, com a expansão do setor, o país se rendeu às regras gerais de período eminentemente liberal, pois “... a expansão do parque energético estava submetida às determinações gerais do mercado internacional, porquanto o investimento e o financiamento do setor encontravam-se no Brasil sob amplo domínio do capital estrangeiro” (Lima, 1995, p. 16).
Legislação germinando
A ordenação brasileira para o setor começa a surgir em 1907 na forma de um Código das Águas da República, mas não teria sido aprovado devido à influência dos monopólios estrangeiros, permanecendo no Congresso Nacional até 1934. É verdade que em 1903 a Lei nº 1.145, de 31 de dezembro, autorizou o governo a promover o uso de forças hidráulicas para serviços federais e oferecer o excesso da força ao uso na lavoura, indústrias ou quaisquer outros fins (Valladão, 1907, p. 28). Quanto à propriedade, porém, permanecia o que dispunha a Constituição de 1891 que, assim como a de 1824, reservava o direito de propriedade aos cidadãos. Sobre a exploração de recursos naturais do solo e subsolo, somente na Constituição republicana houve manifestação, mas permaneceu o mesmo princípio da propriedade (Espósito, 2015, p. 5).
Assim indica Valladão o atraso, “pareceu-me que o pensamento do legislador foi providenciar, apenas, sobre as águas terrestres, pois é ahi que reina a controvérsia, é ahi que os altos interesses econômicos do paiz estão clamando pela necessidade da norma jurídica reguladora”, postulando que a questão sobre os cursos d’água era inadiável visto os enormes interesses derivados da energia hidrelétrica. Trazer as correntes que interessavam para o domínio público era solução que resolveria em boa parte essa questão (Valladão, 1907, p. 5 e 16).
Não havia, então, obrigação de lidar com o governo federal sobre o assunto e os contratos ainda eram negociados com os níveis municipal e estadual. Apenas uma licença de operação era exigida do poder federal, no que era então uma “regulamentação dispersa e desregulada”, segundo Catullo Branco. Isso até 1906, quando planos de regulamentação do uso das águas foram enviados pelos governos Rodrigues Alves (1902-1906) e Afonso Pena (1906-1909), mas quase não prosperaram nas comissões parlamentares. Adveio uma lei federal a 30 de dezembro que autorizou o Poder Executivo a desenvolver um projeto de ordenação da questão das águas (Branco, 1975, p. 66; Espósito, 2015, p. 6).5
Alfredo Valladão recebeu o encargo e apresentou ao Congresso Nacional em 1907 o Código das Águas da República assim segmentado: Livro I, Das Águas em geral; II, Das Águas Públicas em relação aos seus proprietários; III, Do aproveitamento das águas públicas; IV, Do aproveitamento das águas particulares; V, Das águas pluviais; VI, Das águas nocivas; VII, Da desapropriação; VIII, Do consórcio; IX, Da Servidão legal de aqueduto. O tratamento dado às forças hidráulicas e às usinas hidrelétricas estava distribuído pelos livros IV, VII e IX (Valladão, 1907). A entrega dessa versão foi registrada no DIário do Congresso pelo Presidente Moreira Penna que apresentou o projeto de lei à Câmara (Diário do Congresso, 1907, p. 4022):
Senhores membros do Congresso Nacional - Tenho a honra de passar ás vossas mãos o projecto de bases para o Codigo das Aguas da Republica, mandado organízar pelo Governo, em observancia ao disposto no art. 35 n. XX. da lei n. 1.617, de 30 de dezembro de 1906. - Affonso Augusto Moreira Penna. À' comissão de Constituição e Justiça (Diário do Congresso, 1907).
Contudo, até 1911 o Código ainda estava sendo analisado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, quando foi enviado ao Senado, mas calamitosamente junto com o Código Civil. O Senado procedeu ao exame do Código das Águas juntamente com o Civil e, somente após um ano, entendeu serem assuntos separados, endossando os dois códigos aos deputados. Na Câmara, a matéria adormeceu até 1916 quando foi reativada por outra comissão, seguiu para o plenário e segunda discussão ocorreu em dezembro de 1917, com a votação apenas em agosto de 1920! Nos corredores do Congresso, o Código permaneceu até dezembro de 1923, quando uma opinião foi apresentada pelo relator de comissão especial que havia sido formada (Bibliex, 1977, p. 62).
Talvez possamos afirmar que certo sucesso finalmente estava brindando as diligências oficiais, em 1926 emendas parlamentares ao texto constitucional de 1891 foram aprovadas, amparadas na ideia de segurança nacional no artigo 72, inciso 17 b, proibindo a transferência de propriedade de minas e jazidas a estrangeiros. Não houve maior regulação, mas teriam servido de base legal para o aproveitamento econômico dos recursos energéticos que iam assumindo relevância:
... a eletricidade tornou-se valiosa, devido ao grande incremento no consumo de energia elétrica, em razão dos processos de urbanização e de industrialização vivenciados pelo país. A produção e a distribuição continuavam nas mãos das empresas privadas, em especial das multinacionais. (Espósito, 2015, p. 6)
Durante a Revolução de 1930 o Congresso foi dissolvido, com o Código das Águas no seu interior. Por sua vez, o poder executivo seguia a linha da lei de 1903 citada e, dezessete anos depois, foi criada a Comissão de Forças Hidráulicas ligada ao Ministério da Agricultura, através do Serviço Geológico e Mineralógico, mas pouco aconteceu. A burocracia não parecia estar pronta para o Código, mas o texto também poderia ser resiliente e a revolução se rendeu à sua força. O governo de Vargas finalmente proclamou o Código das Águas a 10 de julho de 1934, Decreto nº 24.643, sob a influência do então Ministro da Agricultura, Juárez Távora, que havia criado o Serviço de Águas para conduzir questões sobre exploração de energia hidrelétrica, irrigação, concessões e legislação sobre as águas (Silva, 2011, p. 59).6
Apenas seis dias depois da promulgação da Constituição de 1934, a União ficou encarregada de legislar sobre a energia hidrelétrica, sendo este, talvez, um sinal da influência que exercia o Código, mas urgência do Estado sobre a matéria era solicitada (Lima, 1995, p. 24). Na primeira Constituição Republicana de 1891 nada havia sido legislado sobre cachoeiras, cursos d'água e contratos com empresas que as explorassem, como lamenta Campos, “ainda nos regíamos pelas vetustas Ordenações do Reino, pela Resolução de 1775 e pelo Alvará de 1804” (Campos, 1973, p. 258). Esses padrões silenciavam em pontos graves, como em rios não navegáveis, e desejando cobrir as lacunas, Valladão elaborou o projeto, submetendo-o à lei romana, como ele mesmo afirma na Exposição de Motivos (DNAEE, 1980, p. 13).
Um dos principais pontos de atrito entre o monopólio estrangeiro e os opositores nacionalistas era a chamada cláusula ouro mantida nos contratos, comercializados com os níveis municipais e estaduais, como dissemos. Determinava que metade das tarifas de energia elétrica seriam pagas pelo valor do ouro no mercado internacional, “assim, os investimentos e os recebíveis das empresas elétricas ficavam protegidos contra mudanças no câmbio como, por exemplo, uma desvalorização ou inflação” (Espósito, 2015, p. 4).
Segundo Barbosa Lima Sobrinho, alterá-la, ou mesmo discuti-la, teria sido o que realmente perturbou os monopólios estrangeiros pois havia um “regime paradisíaco de concessões de serviço público” no Brasil. E como o que vale lá, não se aplica acá, nos Estados Unidos o presidente Roosevelt havia proibido pagamentos em ouro em 1929 como o autor lembra (Branco, 1975, p. XXI, XXII).7 Enquanto esteve em vigor, a cláusula ouro representou um peso substancial nas contas públicas do Brasil, principalmente para os consumidores finais, os trabalhadores em sua maior parte:
A população, cujo salário não era indexado pela cotação do ouro no mercado internacional, sofria uma perda real de renda, seja de forma direta, com o incremento no valor da tarifa elétrica, seja indiretamente, com o aumento das taxas dos serviços públicos que utilizavam eletricidade, como o sistema de bondes, o que provocava, muitas vezes, protestos violentos de populares contra os aumentos das tarifas. (Saes, 2009, p. 222).
Assim, insatisfação popular com os aumentos abusivos, descontentamento do empresariado nacional com os altos custos das tarifas e a irregularidade dos serviços que oneravam a produção pressionaram pela regulamentação do setor e a federalização de etapas decisórias, quando se evidenciou o papel da União com a promulgação do Código de Águas. O reformista governo Vargas estava escorado na intelectualidade de essência nacional-desenvolvimentista e na defesa do nacionalismo postulada pelo movimento tenentista, militares preocupados com a presença estrangeira em setor estratégico, dando ensejo ao que seria a ‘mudança no arcabouço jurídico’ que reorganizou o setor (Espósito, 2015, p. 7).
Essência do projeto
A regulamentação dos serviços públicos não era incomum nos países centrais do capitalismo no início do século XX e, assim como no Canadá, no Brasil o incentivo à legislação federal a ser criada veio do que havia sido feito nos Estados Unidos, como modelo de regulamentação das utilities. Pouco, porém, do assunto de regulação e o grande debate sobre a exploração do potencial das Cataratas do Niágara na divisa dos dois países era célebre no Brasil à época. Nosso autor que melhor esclarece:
Era mister, para aquele fim, que eu aprofundasse ainda mais os meus estudos sobre o assunto quase por completo desconhecido em nosso país, pondo-me a par, como procurei fazer, da vastíssima, opulenta e brilhante literatura dos Estados Unidos a respeito, com o trato direto dos seus maiores expoentes na doutrina e na jurisprudência. E isto era mister não somente quanto às normas de regulamentação específicas das empresas hidrelétricas, senão ainda quanto às normas da regulamentação das empresas de utilidade pública em geral, às quais deviam obedecer aquelas mesmas empresas. (DNAEE, 1980, p. 9).
Podemos dizer que dois vultos se destacaram no intrincado processo de tentar regular o tema no Brasil, um, Alfredo de Vilhena Valladão (1873-1959), era filho do senador Gomes Valladão e de Maria Amália de Vilhena Valladão, formado em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade de São Paulo. Tornou-se promotor, professor de Direito Civil na Faculdade de Direito de Minas Gerais, magistrado e historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.8
Nascido em Campanha, Minas Gerais, Valladão é figura pouco biografada, mas renomado nos círculos jurídicos, aposentou-se em 1935 como Ministro do Tribunal de Contas após 21 anos de serviços, dedicando-se intensamente à legislação sobre recursos hídricos e publicando trabalhos importantes sobre este e outros assuntos. Dele, Rui Barbosa teria declarado em sessão no Senado da República a 28 de agosto de 1913, “cuja cabeça não se submeteu às exigências da prevaricação” (Campos, 1973, p. 249).9
Como uma das referências e influências principais, talvez o trabalho mais relevante sobre a questão, pioneiro no Brasil, foi seguido o Código das Águas da República produzido em 1907, após muitos anos e dissensões, das seguintes resoluções: Decreto Osvaldo Aranha nº 23.501, de 27 de novembro de 1933, revogou a cláusula-ouro, os pagamentos para contratos baseados em moeda forte; o Código de Águas, Decreto nº 24.643 de 10 de julho de 1934, que ocupa-se das águas, das forças hidráulicas e regula a geração e venda de energia (lei de 1938 vai tratar de linhas de transmissão e distribuição), e a criação do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica - CNAEE, Decreto nº 1.285, de 18 de maio de 1939 (Branco, 1975, p. 95-96).10
Valladão teria se interessado pelo direito das águas em 1903 quando João Pinheiro, organizador do Congresso Industrial Comercial e Agrícola, o convidou para escrever sobre o tema. Pinheiro era advogado, exerceu mandato como deputado federal à Constituinte de 1891 e permaneceu recolhido da vida pública até ser eleito Presidente de Minas Gerais em 1906. Valladão fala sobre a inspiração que surgiu nessa ocasião:
... despertou a minha atenção para o problema jurídico do domínio dos rios, em foco a respeito do assunto da mineração e sobretudo da indústria hidráulica, e que interessava não apenas a Minas Gerais, mas a todo o Brasil, até então confuso e sem nenhum trabalho especial de nossos juristas, bem como para o problema de todo o direito das Águas, de igual modo sem nenhum trabalho entre nós, vigorando ainda a vetusta e tão confusa obra de Lobão. (Valladão, 1907, p. 6).
Valladão também anunciou os desdobramentos desse trabalho pelas áreas do direito administrativo, civil e constitucional, prevendo que seria o início de obra mais vasta. Em 1904, o advogado então com 31 anos, dedicou-se à produção de Rios públicos e particulares, passando à redação do projeto do Código das Águas e da Indústria Elétrica baseado nesse primeiro esboço, convidado que fora pelo então Ministro da Agricultura, Miguel Calmon (Branco, 1975, p. XIV). Para escorar a obra, era motivado não somente pelo que ia estabelecido na legislação estadunidense, também tendo investigado com perspicácia o que a ordenação jurídica de outros países determinava.
Assim, igualmente tomou como padrão os casos da Áustria, Suíça, Alemanha, Itália, França, Espanha, Inglaterra, Canadá, países que rapidamente desenvolveram a indústria hidráulica como ele mesmo avisa, e até Chile e Argentina. Em todos, eram de domínio público os rios, com exceção das vertentes que nasciam e morriam dentro de uma mesma propriedade (Valladão, 1907, p. 13). Propostas diferentes foram apuradas, tais como: exploração do Estado e / ou cooperação do Estado com o setor privado; socialização pela via da concessão; controle do poder público sobre companhias hidrelétricas e sobre holding companies, e comissões federais para indicar a regulamentação necessária.
Grande intervalo de tempo se estendeu com a retenção do Código no Congresso, com seu percurso podendo ser acompanhado somente de forma parcial. Antes de seu surgimento, seu autor seguia estabelecendo o curso de sua carreira e em maio de 1901 concorreu à vaga de lente de direito internacional na Faculdade de Direito, tendo sido escolhido para o cargo (Jornal do Commercio, 1901). Podemos arriscar dizer que pareceu inovador um bom número de vezes, tendo redigido um Direito Comercial por ocasião em que concorreu à cadeira dessa matéria, propondo que esse código seria mais bem aproveitado se juntado ao projeto do Código Civil do jurista Clóvis Bevilácqua (Jornal do Commercio, 1902).11
Em outro exemplo de arrojo, em 1908, durante o Primeiro Congresso Jurídico Nacional, Valladão defendeu a execução de um Código de Direito Privado Social, que incluísse também um Código de Trabalho. Campos assinala que tal ideia seria lançada só muitos anos depois na Itália e celebra o jurisconsulto que “tinha o condão de antecipar o progresso jurídico propondo reformas que pareciam sonhos, mas seriam em breve consagradas com aplausos gerais” (Campos, 1973, p. 256). Em 1911, redigiu Estudos sobre o Tribunal de Contas preconizando uma reforma para esse tribunal, título publicado pela Tipografia Leuzinger do Rio de Janeiro no mesmo ano (Jornal do Commercio, 1911).
O jurista defendia, entre outras ideias, que fosse dada publicidade às ações do Tribunal de Contas e que este deveria examinar as contas do Poder Executivo antes de serem julgadas pelo Congresso Nacional, emitindo pareceres técnicos, “... sobre a regularidade e exactidão das mesmas, assignalando si, na execução do orçamento, agiu o Poder Executivo com inteira observancia das autorizações legislativas e conforme os preceitos da contabilidade publica” (Campos, 1973, p. 253). Algumas de suas ideias foram incorporadas ao projeto de lei enviado à Câmara dos Deputados e resultou no Decreto nº 2.511, de 20 de dezembro de 1911: Regula a tomada de contas ao Governo pelo Congresso Nacional.12
Convidado em 1918 pelo Ministro da Fazenda, Antônio Carlos, para organizar o plano de reforma do Tribunal de Contas, suas propostas foram expedidas sob o Decreto nº 13.247, sendo acolhidas quase todas as reformas requeridas. Como única exceção, a relativa ao registro sob protesto de contrato, ponto, porém, que viria a ser admitido em parte pela lei de 6 de janeiro de 1923 e com maior abrangência pela Constituição de 1934 (Campos, 1973, p. 254). Publicou a 13 de setembro no Jornal do Commercio longo artigo sobre a necessidade de unificação dos códigos de direito privado e sua proposta de Ministério Público como quarto poder do Estado. Lastimou não poder ter se dedicado mais intensamente à tarefa em virtude de obrigações junto à Faculdade de Direito, mas defendeu que sua obra, baseada na doutrina do ilustre jurista baiano Teixeira de Freitas (1816-1883), resultava em um Código de Direito eminentemente brasileiro.13
No tema da regulamentação das utilities, Meirelles Teixeira ressalta que Valladão reconhecia a autoridade do professor Anhaia Mello que com suas conferências iniciou o ‘estudo do problema da regulamentação efetiva dos serviços públicos’ no Brasil (Meirelles Teixeira, 1941, p. 487). E quanto ao conhecimento histórico que Valladão também desenvolveu, ao adentrar 1913 foi anunciada a publicação dos 4 volumes de Campanha da Princeza, título que havia produzido para seu ingresso como membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro a 19 de julho de 1912 (Jornal do Commercio, 1913)14.
Tornando-se mais conhecido, o então professor Alfredo Valladão converteu-se em referência, citado no extenso artigo do Club de Engenharia Regularização dos cursos d’água. Estudo histórico, geográfico, economico, hygienico e administrativo sobre todos os paizes desde a antiguidade até o presente (Jornal do Commercio, 1914). Ainda que, conforme o título, possa ser bastante pretensioso, seu autor, o engenheiro civil e primeiro vice-presidente do Club, J. S. de Castro Barbosa, citou a Exposição de Motivos do drº Valladão, acompanhando-o no entendimento das qualidades de rios e suas cabeceiras que deveriam ser considerados públicos. Ocupou quase três páginas do diário que, no dia seguinte, imprimiu a conferência do engenheiro.
Em 1914, Valladão examinou e deu parecer sobre o contrato para aproveitamento da força hidráulica em uma corredeira do Alto Rio São Francisco, exposto na edição de 17 de fevereiro do Jornal do Commercio como O contrato da cachoeira Paulo Affonso. Foi celebrado entre o Governo Federal e Francisco Pinto Brandão, ou a empresa que organizasse, e deveria ser indeferido pelo Tribunal de Contas na opinião de Valladão que apresentou os motivos para sua rejeição, mas que não puderam ser por nós conhecidos devido ao estado deteriorado da publicação.
Quanto ao Código das Águas da República, em julho de 1917 foi notícia no Jornal do Commercio que publicou as impressões do deputado federal pelo Rio Grande do Sul, Ildefonso Pinto. Em longa explanação, o deputado não explicou as razões do Código estar há tanto tempo parado na Câmara, mas emitiu juízo a respeito dele, falando em pequenos reparos à obra. Acusava que o direito brasileiro era formado por leis extravagantes, insuficientes e antigas, que não acompanhavam a evolução da matéria e que os juristas divergiam sobre questões essenciais, não havendo “uniformidade de doutrina, nem jurisprudência firmada” (Jornal do Commercio, 1917).
Anunciou ainda que a Comissão Especial da qual fazia parte decidiu adotar o projeto do professor Valladão como base da legislação que iriam propor. A questão que discutiam naquele momento era justamente a do domínio das águas, tida pelo deputado como a primeira e mais importante parte do Código. Ainda que suscitasse intensa oposição, pois que as águas poderiam ser objeto de direito de propriedade como seguia o direito brasileiro até então, na sua opinião o Código ampliava muito o domínio público. Isso se refletia nas palavras de seu autor que propugnava a abrangência da expressão de domínio público: “às águas navegáveis ou fluctuáveis, às correntes de que ellas se façam e aos braços de quaesquer correntes públicas”, afirmando “são públicas as correntes navegáveis ou fluctuaveis: eis a norma preponderante na legislação moderna” (Valladão, 1907, p. 9).
Uma emenda aprovada pela Comissão, diz Ildefonso, restringiria sensivelmente essa tão abrangente sentença, quase uma farpa nos pés dos grandes proprietários que, sabemos, controlam as instâncias decisórias oficiais desde sempre, avisando que a propriedade das margens dos rios também fora tida por questão espinhosa. Após intensos debates, havia sido adiada para uma sessão subsequente. As teses que reservavam as margens externas e internas ao domínio público eram fortemente refutadas, com os opositores defendendo que somente as margens internas deveriam ser assim entendidas. Como margem externa é a zona de terreno ao redor que se limita com a ribanceira, a questão se relacionava com as áreas próximas aos rios públicos que pudessem ser objeto de comércio.
Nessa matéria, porém, Valladão havia se escorado e evocou a Lei do Império nº 1507 de 1867, que ordenava reservar para servidão pública uma “zona de sete braças, contadas a partir do ponto médio das enchentes ordinárias para o interior”. Já tendo reforçado que os terrenos tidos como reservados eram figura típica do domínio público no direito brasileiro. Ildefonso Pinto defendia então que em duas situações essa rígida definição deveria ser tornada maleável: a exploração agrícola e as obras convenientes à navegação e às instalações hidrelétricas. A utilização das águas requeria a disposição das margens e como ‘monumento legislativo,’ na opinião do deputado, o projeto de Valladão tornaria infecundas as águas, se mantivesse as margens ao domínio público.
Ainda em julho de 1917 a comissão especial do Código de Águas se reuniu, tendo como presidente Álvaro Botelho e os deputados presentes Ildefonso Pinto, Veríssimo de Mello, Agapito Pereira, Maximiano de Figueiredo e Alberto Sarmento. O autor do Código apresentou-se à comissão como convidado e, anos depois, em sua Exposição de Motivos, o próprio Alfredo Valladão lamentou que os debates sobre a matéria tivessem sido protelados, de novo, até 24 de dezembro de 1923, quando apareceu pela última vez na ordem do dia da Câmara dos Deputados (Jornal do Commercio, julho, 1917).
Somente com o Governo Provisório de 1930 foi criada uma comissão legislativa para apreciar as matérias de maior urgência para o país, dividida em subcomissões. Entre elas, a subcomissão do Código de Águas agora composta por Alfredo Valladão como relator, além de Veríssimo de Melo e Castro Nunes, fazendo publicar seu trabalho final a 28 de agosto de 1933 no Diário Oficial (Campos, 1973, p. 260). Antes, em 1932, notícia sobre os avanços granjeados deu a conhecer que a subcomissão do Código de Águas havia assentado seus trabalhos no projeto de Valladão, organizado em 1907: “aprovado com ligeiras modificações em segunda discussão por fim estacionou” (Jornal do Commercio, novembro, 1932).
A subcomissão aceitava também as ideias que o jurista havia adotado em Direito das Águas de 1913, onde versou em especial sobre a propriedade das águas e as suas relações com a cada vez mais importante indústria hidrelétrica. O trabalho fora então remodelado por Valladão em nove livros. O décimo, Das forças hidráulicas: regulamentação da indústria hidrelétrica, incompleto àquela altura, seria apresentado em breve, sendo de conhecimento público que ia ser dividido em: Título I, Da concessão e autorização e Título II, Competência para a concessão e autorização. Valladão admite que ao elaborá-lo, sentiu maior precisão em produzir um código que seria quase um preceito para os Serviços de Utilidade Pública no país (DNAEE, 1980, p. 8).15
O projeto tem sido objeto de grande interesse e análise, por sua importância essencial para esse sensível tema na conjuntura brasileira, mas é na Exposição de Motivos que talvez possamos melhor capturar o espírito que animou Valladão. Redigida para justificar o projeto perante a subcomissão foi nela que se pronunciou também sobre as emendas oferecidas pelos demais membros da subcomissão. Se adiantou ao considerar as emendas do deputado Castro Nunes, para quem, assim como Ildefonso Pinto, era espinhoso dilatar demais o domínio público e o domínio federal sobre as águas.16
Valladão defendeu que deveria ser empregado - ou mantido para os casos já existentes -, o sistema de concessão como caminho para a socialização da indústria hidrelétrica, uma vez que o que se concede é o uso, que pertence à comunidade social (Valladão, 1907, p. 38). Mas preconizou um prazo máximo de 30 anos a ser adotado, com reversão das instalações à concedente (União, Estado ou Município) sem indenização e a exploração pela concedente de forma direta ou cooperada com as empresas, seguindo o modelo proposto em 1905 pelo jurisconsulto italiano Nitti em La conquista della forza: l'elettricità a buon mercato, la nazionalizzazione delle forze idrauliche.17
O autor indicou também que deveria haver controle sobre as companhias por Comissão Administrativa com função imperativa, tal como ocorria nos Estados Unidos através da Federal Power Commission. Por fim, a questão da propriedade das águas pela indústria elétrica seria discutida preliminarmente, junto com a Subcomissão da Lei de Minas e fundamentada no Código das Águas, apesar das modificações sofridas ao longo dos anos em que ficou tramitando no Congresso e que visavam tornar o regulamento mais tolerável aos monopólios que produziam e distribuíam energia elétrica no país. A Brazilian Traction, Light & Power e a Amforp (American and Foreign Power Co.) eram acusadas reiteradamente de colaborarem para atravancar o seu andamento na Câmara.
Maranhão afirma que a Brazilian Traction atuou no sentido de “comprar deputados, financiar campanhas de imprensa contra o Código e, com algum êxito, atrasar sua aplicação prática” (Maranhão, 1989, p. 35-38). Kenneth McCrimmon, sobrinho do fundador da São Paulo Light and Power, Alexander Mackenzie, primeira companhia do grupo no Brasil, teria tido atuação indispensável para os negócios da canadense. McCrimmon tornou-se próximo de figuras como Osvaldo Aranha e o general Góis Monteiro e, mesmo quando o regime pareceu radicalizar com o putsch de 1937, uma ‘estrutura mais fechada, centralizada e restrita’ acabou favorecendo os interesses da canadense. Segatto nota o fato de que apesar das ações iniciais do movimento de 1930 terem significado comoção nesses interesses, a aplicação limitada e parcial das medidas foi devida às ‘resistências e pressões dos grupos’ (Segatto, 1989, p. 20).18
Esse tipo de ação, exercida por um lobby atuante junto aos congressistas, é muito difícil de ser rastreada em qualquer espécie de registro, é raro mesmo que seja lavrada, mas elas existem, pelo menos se aponta que sim. Alguns apresentam indícios, como Barbosa Lima Sobrinho que reproduz trecho de carta entre o deputado Domingos Velasco e Juarez Távora em que o Ministro da Agricultura afirmava que a Light and Power teria coordenado a oposição ao Código (Branco, 1975, p. XV). Quanto à questão das alterações, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Themístocles Cavalcanti, lamentou-as, isentando Valladão de possíveis falhas:
Infelizmente, nem tudo foi consagrado em lei e precisamente a melhor parte, aquela que representa menos o interesse particular, aqueles que se restringem as questões e questiúnculas em torno da propriedade e do uso das águas de que o grande interesse social, o fornecimento de energia elétrica, foi precisamente a parte relegada pelo legislador. Mas esta omissão não a cometeu Alfredo Valladão. (Campos, 1973, p. 261).
Marcado, assim, por avanços e retrocessos, alguns artigos do Código das Águas, 145, 147, 150, 190, 195, foram incorporados à Constituição de 1934, nos artigos 118, 119 e seus parágrafos, porém, somente com o Estado Novo em 1937 foi possível formar a Comissão de Regulamentação dos Serviços de Utilidade Pública. Foi criada por Vargas para regular justamente o artigo 147 que dita que a regulação, fiscalização e revisão das tarifas das utilities por concessão seriam feitas por lei federal, no interesse coletivo, ensejando ao capital empregado uma retribuição justa e dando condições para que as exigências de expansão e melhoramento dos serviços fossem cumpridas (Espósito, 2015, p. 9-10).
Lima aponta que profundas mudanças podem ser notadas no setor de energia elétrica entre os anos de 1930 e 1980, dominado pelo capital estrangeiro desde o começo do século. Com a promulgação do Código em 1934 houve um rearranjo institucional, seguido por acentuada estatização, pois três relevantes modificações foram inseridas na carta magna: 1. concessão federal para uso industrial das quedas d'água e outras fontes de energia hidráulica; 2. a propriedade das quedas d'água e outras fontes seriam separadas da propriedade da terra, integradas ao patrimônio da União; e 3. a outorga só seria dada a nacionais ou a empresas formadas no Brasil, pelo prazo normal de 30 anos, com reversão à União ao final. Outra modificação atendia mais diretamente aos anseios da sociedade brasileira, “alterou as regras tarifárias dos serviços de energia, acabou com a cláusula ouro e estipulou um novo prazo para revisão dos valores” (Espósito, 2015, p. 8).
Segundo Maranhão, foi providência da primeira realização institucional do nacionalismo do movimento de 1930. Outros avanços, dilatados no tempo, são notados: maio de 1953, no segundo governo Vargas, aprovação do Imposto Único sobre Energia Elétrica (IUEE), previsto na Constituição de 1946; a criação do Fundo Federal de Eletrificação (FFE) para gerenciar os recursos; aprovação do Plano Nacional de Eletrificação (PNE) em abril de 1954, após o suicídio de Vargas, e a entrega ao Congresso do projeto de criação da Eletrobrás, que só saiu do papel em 1961! (Lima, 1995, p. 11; Maranhão, 1989, p. 37).
Sobre essa demora, Barbosa Lima Sobrinho lamenta que “num jogo de mágica, bastaria retardar a criação da empresa pública, para que fossem surgindo os candidatos ao seu aproveitamento, nas empresas privadas estrangeiras” (Branco, 1975, p. XVIII; Silva, 2011, p. 175-176). Nesse meio tempo, os graúdos recursos advindos do IUEE foram vigorosamente disputados de imediato, já no governo Kubitschek (Silva, 2011, p. 161-191). Logo, em todas as fases em que dividirmos as mudanças do setor elétrico brasileiro, perceberemos que o capital estrangeiro sempre permanece adonado da parte mais lucrativa, primeiro da geração e depois, com a presença do Estado, após as acomodações feitas, da distribuição de energia elétrica nos maiores centros industriais e populacionais.19
As influências no Código
Valladão recorreu à literatura estadunidense na sua criação, mas não se descuidou de observar o que indicava a doutrina e a jurisprudência de outros países, “... é mister que se constitúa o nosso direito das águas; a obra legislativa tem de ser erecção desse direito. E, para tanto, indispensável é o exame do assumpto na legislação dos povos cultos onde, moderadamente, o regimem das águas tem estado em activa elaboração” (Valladão, 1907, p. 6). Em prefácio à obra de Anhaia Mello, Plínio Branco confirma que o jurisconsulto trouxe “... toda a evolução dos serviços de utilidade pública nos Estados Unidos, e em alguns países da Europa” (Anhaia Melo, 1940, p. 11).
O projeto remodelado consagrou o sistema de concessões e o domínio federal sobre as margens das correntes, pois para Valladão, aumentar o domínio da União em detrimento dos Estados era necessário para o melhor aproveitamento das águas para a produção de energia elétrica. Desejava resolver assim o problema dessa indústria tão carente no Brasil, fortemente dominada pelos oligopólios, cuja ingerência junto ao Congresso Nacional é lastimada por Campos:
.. o resultado foram os contratos imorais elaborados por todo o país para o aproveitamento da energia hidráulica, contratos que provocaram escândalo e indignação aos Constituintes de 34 e que fizeram com que fosse inscrito no art. 12 das Disposições Transitórias de nossa Carta Magna a obrigação de revê-los para adaptá-los às normas moralizadoras estabelecidas no art. 137 da mesma Constituição. (Campos, 1973, p. 259).20
Em “aumentar o domínio da União em detrimento dos Estados” está compreendida a ideia de ampliar o direito de uma coletividade em detrimento de estruturas que já estão em associação, formam um todo coletivo. Valeria a regra: a União que associa mais cidadãos, e tem maior poder de negociação, tem seus direitos ampliados, colocados acima dos Estados ou Províncias, como na Constituição da Suíça com seus cantões. Valladão se dizia convencido de que era necessário “dar ao nosso direito vigente a interpretação que se impõe, a interpretação que é reclamada pela sua finalidade social” (DNAEE, 1980, p. 16). Sugeria que fossem tornadas públicas as margens externas das correntes, pois as correntes navegáveis e flutuáveis e as que as formavam eram públicas e sujeitas às normas que regulavam os terrenos da Marinha.
Sobre as coisas públicas seu entendimento, baseado sobretudo no direito romano via direito italiano, estava posto desde 1907 quando as dividiu entre res nullius e res alicujus, por sua vez dividido entre as coisas particulares e públicas. As últimas, por sua vez, iam divididas entre as coisas de uso comum e as patrimoniais. As patrimoniais por força de lei podiam ser de uso comum, se revestindo de caráter especial como industriais, forma de monopólio ou de livre concorrência, constituídas como uma propriedade do Estado, apontando que “não se verifica, na hypothese, uma simples relação de tutela, de administração ou de direito sui generis, ao menos como entendia a escola antiga”. A acepção de Estado também ia indicada como própria e técnica de povo organizado a quem pertence tanto a propriedade como o uso das coisas (Valladão, 1907, p. 7).
Para o autor era importante clarear esses pontos, pois de sua confusão se ressentia e gerava tumulto na legislação das águas no país, difícil, dizia, em virtude da “imprecisão da nomenclatura hydrographica”. Coroava então afirmando que tida fisicamente e como elemento natural, seria a água coisa comum, portanto, o rio seria sempre res alicujus, o que formava o arcabouço no Código de seu artigo 1º: é assegurado o uso gratuito de qualquer corrente d’água para as primeiras necessidades da vida, se houver caminho público que a torne acessível (Valladão, 1907, p. 59). O direito romano havia deixado norma, definindo que seriam de domínio público as correntes perenes e volumosas, regra alterada pelo regime feudal que passou os cursos d’água para o patrimônio do príncipe.
As Ordenações filipinas teriam sido influenciadas pelo regime feudal, a Constituição do Império teria revogado o princípio ao definir os direitos e prerrogativas da coroa, e a legislação moderna que analisava a matéria procedia à ampliação do domínio público, pois os interesses da agricultura e da indústria não mais podiam se estribar nas “fórmulas da lei antiga”. Colocado o princípio do domínio público sobre as águas correntes, o jurista abdicava da definição do que eram águas navegáveis ou somente flutuáveis, dado que a ciência hidráulica poderia dar diferentes desenvolvimentos ao regime de transporte das águas e, assim, transformá-las (Valladão, 1907, p. 9-11 e 15).
Para tratar das águas comuns e das águas particulares, três sistemas podiam ser apresentados: - concessões; - consórcios (associações sindicais); - licitações, detalhando cada um deles. Contudo, alertava que eram “sistemas que não estavam concretizados em lei; constavam em projetos em estudo nos congressos de hulha branca e nos parlamentos”, pensados para rechaçar os males criados pelos atravessadores, que adquiriam parcelas de domínio sobre cursos d’água para revendê-las por preços exorbitantes quando o aproveitamento industrial havia despontado (DNAEE, 1980, p. 13; Valladão, 1907, p. 18).
Se inclinou para o sistema de consórcios, como confessava, desconfiando, porém, de sua efetividade no Brasil devido à falta de capitais e do que chamou de ‘espírito associativo’ entre os ribeirinhos21, optando então pelo sistema de licitação. O jurista voltou à ideia de coletividade com mais direitos do que os indivíduos, ou Estados, e encerrou indicando que assim se resolvia o “problema do aproveitamento das águas com aplicação à indústria elétrica” (DNAEE, 1980, p. 16). Aqui cabe um curto parêntese, para Valladão se revestia de importância central a socialização do direito, atualizado que era quanto ao ordenamento jurídico de diversos países, defendendo a unificação do direito privado. Melhor deixar o próprio autor falar:
Caminhamos para a grande socialização do direito. É preciso, como diz Charmont, “tornar o direito mais compreensivo, mais amplo, estendê-lo do rico ao pobre, do possuidor ao assalariado e do homem à mulher - do pai ao filho; enfim, admiti-lo em proveito de todos os membros da sociedade. (Campos, 1973, p. 257).
Quanto à regulação do serviço, Valladão dizia que não se ocupara do tema naquele momento por acreditar que deveria ser objeto de lei especial. No instante oportuno, produziu, ainda que não tenha disponibilizado por ocasião da leitura da Exposição de Motivos, o que ele chamou de livro especial, o Livro X - Das forças hidráulicas: regulamentação da indústria hidrelétrica. Concordava ter cumprido com o que o assunto pedia e que o Governo, como poder executivo que representava a coletividade da Nação, deveria tratar o quesito com um ato separado. O agora antigo Código seria então atualizado ao incluir o conteúdo que tratava: - do aproveitamento das águas com aplicação à indústria elétrica; e o - da regulamentação da indústria, que daí surgiu.
Fatalmente, o jurista aqui atingia os interesses financeiros dos monopólios estrangeiros que dominavam a produção de eletricidade no Brasil, a Light and Power e a American and Foreign Power (Amforp). Valladão efetivou isso consagrando o sistema de concessões sob domínio federal,22 sobre as forças hidráulicas23 e as margens das correntes,24 avisando, mais uma vez, que a jurisdição da União estava acima da alçada dos Estados, observação importante visto o ordenamento institucional da Primeira República. Os monopólios estrangeiros teriam que tratar forçosamente com o ente da União, em teoria com poder de arbítrio e transação maior do que as Câmaras Municipais que celebravam as concessões até então. No geral, à administração das Províncias, depois Estados na República, eram pedidas autorizações habituais.
Em relação à regulamentação da indústria elétrica, Valladão se alongou mais na exposição. Informava que nos países liberais, com menor intervenção do Estado, a indústria elétrica era explorada em estrita obediência aos planos técnicos pré-determinados em leis e regulamentos. Nos Estados Unidos, pátria do liberalismo onde acabaram por recorrer ao Estado no pós-crash da Bolsa de Nova York em 1929, era exercido forte controle pelo poder público, através das Comissões de Serviços de Utilidade Pública, estabelecida a socialização potencial, segundo o jurista.
Valladão informa que na Conferência Mundial de Energia, realizada em Berlim em 1930, o embaixador estadunidense na Alemanha, Frederick Sackett, reconheceu que todas as fontes hidráulicas deveriam ser de propriedade e operadas pelo Estado, conforme o clamor público. Como era sabido que usinas de propriedade municipal no Canadá exerciam tarifas bem menores do que as usinas da iniciativa privada, essa queixa se justificava. Sackett concluía que se o Governo Federal produzisse energia elétrica a partir de usinas próprias ligadas a redes de distribuição, os preços mais baixos seriam repassados ao consumidor. É fácil delinear o quanto impactaria o desenvolvimento social e econômico de um país.
Sackett frisou ainda que a indústria do fornecimento de energia elétrica tinha como característica singular um preço de venda extraordinariamente desproporcionado com o de produção, de 3 a 4 décimos de cent, por kW/h (DNAEE, 1980, p. 20). Podia ser assim oferecido mais barato do que antes da guerra, principalmente em decorrência de progressos técnicos, como as redes de alta tensão,25 o que mais uma vez corroboraria a municipalização efetuada no Canadá26. Entretanto, nos principais centros populosos dos Estados Unidos os consumidores pagavam de 15 a 20 vezes o custo! Cerca de 6 cents, por kW/h (DNAEE, 1980, p. 21).
Então, entre as vantagens observadas nos regimes que imperavam na Áustria, Alemanha e Suíça, modelos que inspiraram Valladão, havia três tipos de exploração como informamos: a feita pelo próprio Estado, a feita pelas empresas privadas e a cooperação entre essas e o Estado, disposição no Canadá depois do citado movimento Civic Populism. Na Alemanha havia controle do governo federal com o surpreendente índice de 80% da produção e de 50% da distribuição.27 A municipalização das utilities vinha sendo uma opção das cidades inglesas mais conservadoras, pois isso não era julgado pelos políticos como socialismo, mas sim como good business. Com o Electricity Supply Act promulgado na Inglaterra em 1926 o país chegou mesmo a uma completa socialização, conforme entendia Valladão.28
O sistema defendido no Código, conforme as ideias do jurista francês Michoud, era o de usinas públicas ao lado de usinas particulares, o monopólio do Estado era perigoso para nosso autor. As usinas públicas serviriam de eficientes reguladoras das tarifas praticadas pelo serviço privado (Valladão, 1907, p. 30). O caso das Liga das Municipalidades do Ontário era o que mais impressão causava em Valladão, visto a forte inclinação para a socialização que havia infundido. Explica que a Hidro-Electric Power Commission aprovava as tarifas pelas quais as municipalidades podiam vender a energia que recebiam e que pagavam pelo custo do serviço. A União despenderia o capital para as linhas de transmissão, com juro corrente e amortizado pelas municipalidades em prazo de 30 a 40 anos. Em 1928 a rede servia cerca de 500 municípios canadenses, com oito usinas geradoras com 1.033.339 cavalos, 85% dessa geração provindo das Cataratas do Niágara.29
Como adverte Valladão, a queda d’água não se pode dividir, mas a força motriz produzida por ela sim (Valladão, 1907, p. 20), logo, os sistemas de distribuição da província de Ontário, Canadá, e do Estado de Nova York, nos Estados Unidos, eram eficientemente conectados em virtude de explorarem o mesmo complexo de cataratas. Valladão apresenta então um estudo de James Malcom publicado na National Municipal Review de fevereiro de 1929 com a comparação do custo da energia para cada lado, de cada país, em cidades de porte análogo, que podemos acompanhar pela tabela a seguir:
Malcom mostra que em cidades com equivalência no número de seus habitantes dos dois lados das cataratas, o consumo médio mensal tinha um custo deveras diferente, bem mais baixo no lado canadense. Valladão quis então concluir o assunto justificando que mesmo os que se colocavam contra a socialização das utilities teriam que reconhecer o êxito da Liga das Municipalidades do Ontário, visto o custo mais moderado. Era a esse sucesso que Sackett, o embaixador estadunidense em Berlim, havia se referido quando comentou sobre o clamor público contra a alta do preço no fornecimento de energia elétrica nos Estados Unidos.
Valladão se refere ainda nesse tópico à concessão como caminho da socialização da indústria hidrelétrica, por prazo nunca excedente a 30 anos, com reversão para o Estado sempre que pelo vulto do capital não possa a amortização ser levada a efeito com tarifas razoáveis aos consumidores. Decidiu-se ainda pela nacionalização e pelas comissões de forças hidráulicas, o que mostra a sua posição a favor da produção de energia elétrica ser feita pelo Estado. Como já indicamos, sua base era o italiano Nitti, que propôs um sofisticado mecanismo de socialização através de concessões longas, o que capacitaria o Estado, a partir de processo indicado como o menos oneroso, produzir energia elétrica sem ter que fazer nenhuma construção.
Valladão o seguiu na opinião de que cedendo a concessões de 20, 25 ou 30 anos, longas portanto, o Estado aumentava os seus créditos, abatia o capital investido por particulares e, ao fim do prazo estipulado, as construções passariam ao seu domínio, sem indenização, resultando também em preço cômodo aos consumidores.30 O êxito do processo seria garantido se o Estado não majorasse as companhias com taxação excessiva, sem onerar o custo de produção, considerando “não os seus interesses financeiros atuais, mas os interesses futuros da coletividade”. Em casos de contingência para o interesse coletivo, abastecimento das populações, defesa contra inundações, higiene em geral, navegação e irrigação, deveria o Estado inverter a regra e realizar o esforço.
Sobre nacionalização, seguia seu Direito das Águas de 1913, 1/3 do capital pertenceria a brasileiros residentes, concessão só para nacionais e se formada uma sociedade, a sede seria no Brasil, regida por leis brasileiras.31 Capitais estrangeiros então somente como colaboração, mas nunca sobrepostos “aos altos interesses nacionais ligados à produção e aplicação de energia elétrica” (DNAEE, 1980, p. 25). Sobre as comissões de forças hidráulicas, havia se manifestado antes quando sugeriu o modelo estadunidense como meta, iluminado pelas recomendações de John Bauer em seu Effective Regulation of Public Utilities, então a maior autoridade na matéria após a morte de Delos Wilcox (1873-1928).
Um sistema de controle por Comissão Administrativa com função imperativa (Comissões por Serviço de Utilidade Pública - Public Utilities) que poderia levar à socialização das concessões municipais, caso da Liga das Municipalidades do Ontário no Canadá, ou levar à socialização por controle nacional, caso do Electricity Supply Act de 1926, na Inglaterra. Além de Bauer, baseou-se em Oscar Pond e outros especialistas, como Anhaia Mello (1891-1974), professor catedrático da Escola Politécnica, que com Problemas do Urbanismo, de 1928, foi dos poucos brasileiros a tratarem do tema da regulação dos serviços públicos.
O modelo estadunidense
Valladão traz que nos Estados Unidos a regulamentação havia passado por três fases: a judicial, a legislativa e da comissão administrativa. Na primeira, no caso Munn em 1876, a Suprema Corte havia decidido contra dois proprietários de silos para cereais de Chicago que elevavam seus preços de armazenamento à vontade na falta de concorrentes, quando “dominavam no país as ideias do ‘laissez faire’, quando jazia adormecido o poder de polícia do Estado” (DNAEE, 1980, p. 28). Entendeu a corte, apoiados no Chefe de Justiça Taft em 1920 que entendia que a regulação cresce com o progresso social, que ao destinarem e associarem ao público a sua propriedade, Munn e seu sócio Scott tinham que submeter-se ao bem comum. Para Baeur, a partir daí estavam assentadas as bases para a regulação das public utilities nos Estados Unidos, quando havia “especial interesse público, vinculado às indústrias particulares” (DNAEE, 1980, p. 29).
A literatura passou então a definir quais as indústrias seriam tomadas como de utilidade pública: serviços de transporte (por rodovias, canais, rios, ferroviários (de passageiros, de cargas e correspondência), tramways urbanos e interurbanos (de passageiros ou de cargas), aéreo (de passageiros, de cargas e correspondência), portos, canalizações para transporte de óleo e gás natural; armazéns, docas e elevadores; serviço postal, telegráfico (com ou sem fio), telefônico (local e de longa distância), radiodifusão, água potável ou não, e esgotos. E claro, as utilities de eletricidade (força, luz, calor e frio) para as quais passou a valer o adágio de William Mosher, “O bem-estar relativo de grandes massas de população depende de um suprimento de eletricidade abundante e barata” (DNAEE, 1980, p. 30).
Na segunda fase, a legislativa, forçados por um grande movimento em 1870 de fazendeiros do Meio-Oeste estadunidense contra o que achavam ser abuso das estradas de ferro, surgiram leis e regulamentos para fixar uma tarifação máxima. Então, o caminho mais natural foi a formação de comissões administrativas, pois a ação legislativa direta na regulação não teria sucesso por tratar-se de tema constantemente continuado. Como as Assembleias Legislativas funcionam de modo intermitente, o que inviabilizaria a normatização, as comissões tomariam para si a tarefa e para as ferrovias acabaram se tornando o parâmetro para os que debatiam sobre as utilities de modo geral:
Não se pode presumir que nenhuma estrada de ferro, aceitando concessões, direitos e privilégios das mãos do público, alguma vez tenha suposto que adquirisse, ou que tivesse havido intenção de outorgar-se-lhe, o poder de construir e manter um meio de transporte público simplesmente para seu benefício, sem nenhuma consideração para com os direitos do público. (Meirelles Teixeira, 1941, p. 48).
À comissão consultiva seguiu-se a comissão imperativa, surgindo a primeira em 1885 no Minnesota. Logo, vinte e cinco estados estadunidenses possuíam comissões do tipo sendo formada a Interestate Commerce Comission, com o sistema sendo aceito em todo o país. A jurisdição limitava as comissões ao assunto das estradas de ferro, mas em 1905 o Estado do Wisconsin estendeu essa alçada aos serviços de gás, água, tramways elétricos, luz e força elétrica, mais tarde, ônibus e até linhas de caminhões. Os Estados Unidos chegaram a ditar o sistema às suas possessões, Porto Rico, Havaí e Filipinas.32
Em 1920, foi promulgado o Federal Water Power Act que criou a Federal Power Commission com ampla jurisdição: construção, exploração e manutenção de represas, dutos de água, reservatórios, transformadores de energia, linhas de transmissão, navegação e utilização de forças hidráulicas. Comissões municipais e estaduais também funcionavam, mas visto o custo em mantê-las e a fragilidade de suas ações diante dos grandes conglomerados privados que controlavam os serviços públicos, o objetivo de afastar o risco de corrupção do agente público ficava comprometido. Sobre essas comissões, Oscar Pond declarou:
Alguns dos Estados como Nova York, Massachusetts e Wisconsin, têm comissões estaduais de homens competentes que dão audiências públicas, e que nada fazem atrás da porta, ou em segredo - uma comissão sem membro algum interessado como contribuinte da cidade e sem membro algum sujeito a influências outras que não a verificação da verdade e dos fatos. (DNAEE, 1980, p. 35).
Como resultado, o princípio da regulamentação por comissões foi se difundindo, firmado em diversos países, como em 1919 a criação na Itália do Conselho Superior das Águas Públicas e de Tribunais de Águas Públicas, e na França, no mesmo ano, do Conselho Consultivo das Forças Hidráulicas, órgão para assessorar com 56 membros o Ministro das Obras Públicas.
Considerações parciais
O espírito que anima a Exposição de Motivos apresentada ao Exmo. Sr. Ministro da Indústria, viação e Obras Públicas e o Código das Águas da República pode ser tomado como acurado e avançado para aquele momento no país, 1907, quando sua elaboração já era urgente, necessária. Mostra-nos que tal ausência no Brasil não foi apenas decorrência de simples imperícia política ou técnica, uma imaturidade da jovem República, mas sim do que poderíamos suspeitar ser um plano bem executado. O interregno entre a elaboração do Código em 1907 e sua promulgação em 1934, junto com acusações dos lobbies das companhias estrangeiras como demonstrado por Maranhão e Segatto que citamos, mostra que houve desígnio para evitar a sua aprovação no Congresso. Pelo menos pela sua procrastinação parece ter havido.
Não significa dizer que a nação não estava pronta para tal avanço em sua legislação, mas é sabido que na Primeira República (1889-1930) o projeto que as classes dominantes tinham para o país era de retraso, por ser exclusivista. Contudo, devemos nos atentar para o momento, se a nação estava madura para evoluções maiores, sabendo que não é tão simples revelar esse tipo de ação, atestando o querer do monopolizador para manter sua exclusividade. Essa engrenagem operou para favorecer a classe dominante política e econômica de país como o Brasil, nas franjas do capitalismo industrial e um grande fornecedor de matérias primas (commodities) desde a era colonial.
O eficiente lobby da Brazilian Traction, Light and Power e da American and Foreign Power (Amforp) teria agido pelo insucesso do Código, evitando que tivessem que tratar direto com a União que, como dissemos, tinha poder de arbítrio e transação maior do que os poderes locais. O investimento que o estrangeiro fazia oportunizava a reprodução do reduzido cabedal, se comparado aos investimentos forâneos, das altas castas garantindo a sua conivência. Em troca, também algumas boas, e poucas, colocações na hierarquia dos conglomerados que dirigiam. Um único brasileiro alcançou uma posição na diretoria da Brazilian Traction, a holding que controlava todas as Light and Power no Brasil e outras mundo afora, somente em 1948.
Sob Vargas, uma importante etapa de organização do Estado brasileiro aconteceu, com caráter de avanço e inclusivista, procurando integrar o chamado povo, mas como fruto de seu tempo que era, flertou com regimes fascistas. A implementação do Código, mesmo depois de aprovado, aconteceu apenas com a criação do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, CNAEE, em 1939, substituindo a Divisão de Águas do Ministério da Agricultura. Isso ocorreu entre outros avanços durante a 2ª guerra mundial, momento em que as nações imperialistas se enfrentavam com consequências diversas para as suas zonas de influência.
Intendemos fazer um resgate da memória e da obra de Alfredo Valladão e, por mais desnecessário que possa parecer, a obra fala por si mesma e permanece no tempo, é função do historiador, como ensina Peter Burke, reavivar as reminiscências que a sociedade insiste em ignorar. Quase sempre o esforço é baldado, mas isso tampouco nos impede de continuar seguindo na trilha de nossa função. Assim, a História serve também para observar como as inovações tecnológicas podem levar a caminhos tão discrepantes nas relações socioeconômicas: o caminho que deveria usar a tecnologia para o desenvolvimento geral da nação e o caminho em que o bem-estar geral sofreu, e sofre ainda na atualidade, em favor de interesses individuais ou de grupos menores.
Na contemporaneidade, o setor elétrico tornou-se capital em vários países, como fonte de energia barata para o progresso industrial, criação de empregos e oportunidades de negócios, riqueza. Como Valladão notou, o emprego da água por usinas hidráulicas era o que se revestia de maior importância em sua época, inclusive porque, ao contrário das fábricas que se utilizavam da água em seus processos industriais e as devolviam poluídas aos rios, as usinas hidráulicas as usavam e devolviam-nas sadias para aproveitamento da lavoura ou industrial. Anhaia Mello dizia que a eletricidade era como a vitamina da civilização, índice indiscutível de progresso de um povo, compondo o padrão de vida pelo seu consumo. No século 21, mais ainda, a disponibilização e consumo de energia têm medido o nível de bem-estar de uma nação.
Procuramos, assim, apresentar algumas das razões pelas quais no Brasil essa combinação de negócios e tecnologia no setor elétrico deu os melhores frutos econômicos para os trustes estrangeiros. A conclusão certamente não é nova, a historiografia tem mostrado que isso se deu e como se deu, porém, retraçar a trajetória do Código torna-se importante pois, se implementado integralmente já no seu primeiro momento de vida, teria ocorrido décadas antes o que notou José Lima. O Código teria assegurado a concentração de poderes técnico, jurídico e econômico-financeiro no Executivo federal, brindando o Estado com um “valioso instrumento de intervenção” na modernização do setor e, consequentemente, de prosperidade econômica para a nação.
Para Themístocles Cavalcanti, o serviço deveria ser confiado a corpos de natureza mista “associando ética e mando, ao Estado, e métodos de administração da indústria privada”. Talvez tenha faltado a ética. No Brasil notamos que o coletivo ao assumir as rédeas, cedeu ao interesse privado, desconsiderando uma grande preocupação de Valladão que foi ter em conta os interesses futuros da coletividade. Contra os vícios dessa associação, Anhaia Melo advertia que quando a fiscalização e a regulação falhavam na prática, exercidas por estrutura de natureza mista, seria preciso, então, recorrer ao remédio da socialização.
Delos Wilcox, o grande delegado desse juízo na pátria do liberalismo, a recomendava quando fosse preciso resguardar o interesse coletivo nos serviços públicos regidos por capitas privados. Nos Estados Unidos à época, o controle era exercido através da Federal Power Commission. Já Francisco Campos receava que se entranhasse no tecido coletivo o espírito puramente lucrativo, ao invés do espírito de serviço. Que não fosse o coletivo a existir para os serviços públicos, mas sim que estes existam para aquele, dizia.
Alfredo Valladão, cujo caráter luzia como ouro para Barbosa Lima Sobrinho e tinha vida exemplar e civismo em sua obra imperecível para Wagner Campos, era acusado de tendência socializadora, influenciado pelo italiano Francesco Nitti, com seu ‘sofisticado mecanismo de socialização através de concessões longas’. O Estado produziria energia elétrica sem fazer nenhuma construção, ‘a partir de processo indicado como o menos oneroso’. Tal acusação é curiosamente um dos grandes males da era contemporânea, muito mais confusão de conceitos, conforme mostramos, mas sim, Valladão estava sempre predisposto a resguardar o interesse coletivo dos brasileiros.
Contra o princípio da socialização, a força da Brazilian Traction, Light and Power de quem nem mesmo a autenticidade legislativa, mandatária dos apelos sociais, conseguia tomar-lhe contas. Sua contabilidade jamais foi aberta ao poder público. Em 1958, o deputado federal Danton Coelho requereu ao ministro da Fazenda os motivos para a garantia do Executivo ao empréstimo feito pela canadense em agências internacionais a 3,5% de juros anuais, retomado por suas subsidiárias no Brasil a 8%! Não obteve sucesso. Pode parecer perseguição, mas não é quando sabemos que esse monopólio foi exercido por oitenta anos nos maiores mercadores consumidores de energia elétrica no Brasil e seus lucros foram sacados para o exterior. Parecia assim, que os avanços que Valladão sugeria ficavam esquecidos no tempo.
Se a regulação parecia falhar às vezes, não garantindo o interesse público em detrimento dos conglomerados, quando o caso ‘de contingência para o interesse coletivo não tinha invertida a regra pelo Estado’, então deveria ser mobilizada a estatização. O que ocorreu parcialmente no Brasil a partir dos anos 1960, quando ao Estado competiu a construção de grandes complexos hidrelétricos para a geração, mas às estrangeiras ficou o filão mais lucrativo, o da distribuição. Desmontar o Código das Águas beneficiava, assim, o interesse privado, a Brazilian Traction era apenas uma entre as holding companies que atuavam no país.
Não sem exagero podemos concluir que um instrumento poderoso de progresso no passado foi solapado, concebido por pena preocupada com o desenvolvimento do país. Ainda que tecnicamente possa ter se tornado obsoleto, atualmente o mercado de energia conta com inovações como parques eólicos e energia solar que Valladão sequer podia vislumbrar, o resgate de sua memória reveste-se de importância maior. Isso porque, na atualidade, empenho é feito pela lógica neoliberal para a mercantilização até dos serviços essenciais à existência humana como a água, o saneamento básico e a energia, ignorando os interesses futuros da coletividade, o que trará efeitos perversos diretos à prosperidade econômica e à saúde públicas.
Referências
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- CAMPOS, Wagner Estelita. Discurso proferido na Sessão Solene do Tribunal de Contas da União, realizada em 18 de setembro, em comemoração do centenário de nascimento de Alfredo Valladão. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 108, n. 3, p. 245- 277, set./dez. 1973.
- DNAEE. Código de Águas Vol. I. Com exposição de motivos do prof. Alfredo Valladão, legislação subsequente e correlata, exceto portarias do MME e do DNAEE, que constam do vol. II. Brasília: Ministério das Minas e Energia, 1980.
- ESPÓSITO NETO, Tomaz. Uma análise histórico-jurídica do Código de Águas (1934) e o início da presença do Estado no setor elétrico brasileiro no primeiro governo Vargas. Revista Eletrônica de História em Reflexão, Dourados, v. 9, n. 17, jan./jun. 2015.
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- MAGALHÃES, Gildo; MADUREIRA, Nuno. Electric energy in History - social, economic, and cultural issues São Paulo: LiberArs, 2021.
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Fontes primárias
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» https://www.congressonacional.leg.br/legislacao-e-publicacoes - Jornal do Commercio, edição de 7 de maio de 1901, ano 81, n. 126.
- Jornal do Commercio, edição de 17 setembro 1901, ano 81, n. 259.
- Jornal do Commercio, edição de 26 agosto 1902, ano 82, n. 237.
- Jornal do Commercio, 20 maio 1911. ano 85, n. 139, p. 2.
- Jornal do Commercio, 13 de setembro de 1911, ano 85, n. 255.
- Jornal do Commercio, edição de 19 de janeiro de 1913, ano 87, n. 19. P. 3.
- Jornal do Commercio, edição de 18 de janeiro de 1914, ano 88, n. 18. P. 7-9.
- Jornal do Commercio, 6 de julho de 1917, ano 91, n. 186. P. 3.
- Jornal do Commercio, 17 de julho de 1917, ano 91, n. 197. P. 5.
-
Jornal do Commercio, 10 de novembro de 1932, ano 105, n. 267. P. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx Acesso em: 31 jul. 2019.
» http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx
Notas
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Os resultados iniciais deste estudo foram apresentados no 25º Congresso Internacional de História da Ciência e Tecnologia, Rio de Janeiro, 2017, à época do doutorado.
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1
Ao longo do texto citamos duas edições do Código das Águas: a edição de 1907, consultada no Centro de Memória da Eletricidade, Rio de Janeiro, publicada pela Imprensa Nacional, e a edição de 1980, do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, DNAEE, subordinado ao Ministério das Minas e Energia, consultada em duas bibliotecas da USP. Ambas trazem a “Exposição de Motivos”, a de 1980 com texto atualizado, de 28 de agosto de 1933, publicado no Diário Oficial da União e lido na instalação da Subcomissão do Código de Águas do Congresso, além de acrescentar o “Livro X - Das forças hidráulicas; regulamentação da indústria hidrelétrica”. Suas diferenças substanciais serão mais bem trabalhadas em momento apropriado, mas as duas são citadas aqui com a devida referência em nota.
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2
População das capitais: 1890, São Paulo: 64.934; Rio de Janeiro: 522.651. 1900, São Paulo: 239.820; Rio de Janeiro: 691.565. 1910, São Paulo: 375.439. Rio de Janeiro: 905.013. 1920, São Paulo: 587.072. Rio de Janeiro: 1.157.873. (IBGE, 1986, p. 4-8). As empresas eram: Companhia Ituana de Força e Luz, Empresa Luz e Força de Jundiaí, Empresa de Melhoramentos de Porto Feliz, Empresa Força e Luz Norte de São Paulo, Companhia Força e Luz de Jacareí e Guararema, Companhia Luz e Força de Guaratinguetá, Empresa Hidroelétrica da Serra da Bocaina, Empresa de Eletricidade de São Paulo e Rio.
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3
Companhia Força e Luz Nordeste do Brasil (Natal e Maceió), Pernambuco Tramways and Power Co. Ltd (Recife), Companhia Energia Elétrica da Bahia (Salvador), Companhia Central Brasileira de Força Elétrica (Vitória), Companhia Brasileira de Energia Elétrica (Niterói, São Gonçalo e Petrópolis), Companhia Força e Luz de Minas Gerais (Belo Horizonte), CPFL (estado de S. Paulo), Companhia Força e Luz do Paraná (Curitiba), Companhia de Energia Elétrica Rio Grandense (Porto Alegre), The Rio Grandense Light and Power Syndicate Limited (Pelotas).
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4
Em São Paulo, a Companhia Viação Paulista, desde 1871, a inglesa San Paulo Gas Company, desde 1869, de concessão para iluminação pública, e a nacional Companhia Água e Luz, de iluminação a particulares desde 1889. No Rio de Janeiro, a Botanical Gardens Railway Co., desde 1856; a Companhia de São Cristóvão, desde 1869, e a belga-francesa, Société Anonyme du Gaz, desde 1899, de concessão para iluminação pública.
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5
Lei nº 1.167, de 30 de dezembro de 1906, “o Presidente da República manda organizar as bases do Código de Águas para submetê-las ao Congresso na sua primeira sessão”.
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6
O Código das Águas era, ao mesmo tempo, um Código dos Serviços de Utilidade Pública, defende Campos (1973, p. 260).
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7
Sobrinho é o autor de extenso e importante prefácio à citada obra de Catullo Branco. Sobre a cláusula ouro: havia variação de 50% da moeda nacional e 50% de acordo com a cotação do dólar estadunidense (Silva, 2011, p. 49).
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8
O outro vulto, que não trataremos pela exiguidade do espaço, é Juárez do Nascimento F. Távora, militar e político formado pela Escola Militar do Realengo no Rio de Janeiro, participou da revolta de 1922 e contribuiu em todas as revoltas contra o governo federal da Primeira República (1889-1930). Foi nomeado em 1932 para o Ministério da Agricultura, participou dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, de 1933 a 1934, e se empenhou na aprovação do Código das Águas.
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9
Uma estátua de Valladão foi assentada na Praça D. Ferrão em Campanha em sua memória a 25 de junho de 1961. Em sua base, a frase enunciada quando se tornou membro do IHGB a 19 de julho de 1912: “E’ que nos horizontes de minha terra natal, eu diviso muitos dos grandes problemas da História Brasileira”. Disponível em: https://www.campanha.mg.leg.br/institucional/historico-do-municipio/filhos-ilustres. https://giuice.tripod.com/historico.htm. Visto em: 08 Jan. 2023. Obras de Valladão: O Direito Comercial em face do Projeto do Código Civil — Unificação do Direito Privado (1902); Rios públicos e particulares (1904); Bases para o Código das Águas da República (1907); Tentativa de golpe de Estado: a Constituição de Pouso Alegre (1914); Direito das águas (1913); Vultos nacionais (1955) e Brasil e Chile na época do Império (1959). (Campos, 1973).
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10
José Lima considera a criação do CNAEE como a principal inovação. Subordinado à Presidência da República para consulta, orientação e controle em relação à utilização dos recursos hidráulicos e de energia elétrica com jurisdição em todo território nacional, ficaria com a regulamentação e fiscalização também (Lima, 1995, p. 30; DNAEE, 1980, p. 4; Espósito Neto, 2015, p. 12).
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11
O projeto do Código Civil Brasileiro foi apresentado em 1899 e permaneceu em debate por 16 anos, promulgado em 1º de janeiro de 1916.
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12
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1910-1919/decreto-2511-20-dezembro-1911-579938-publicacaooriginal-102823-pl.html. Visto em: 08 jan. 2023.
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13
Sobre unificação dos códigos: desde pelo menos 1901, Valladão entendia necessário e preparava o seu projeto de Código Único de Direito Privado Social, abrangendo o Direito Civil, o Direito Comercial e o Direito do Trabalho, assim como uma doutrina que colocasse em prática o Ministério Público como quarto poder do Estado (Campos, 1973, p. 275).
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14
Sua produção sobre história é constituída por 31 trabalhos escritos, sendo o Campanha da Princeza o mais relevante (Campos, 1973, p. 261).
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15
Livro I, Das águas em geral; Livro II, Das águas públicas em relação aos seus proprietários; Livro III, Do aproveitamento das águas públicas; Livro IV, Do aproveitamento das águas comuns e das particulares; Livro V, Das águas pluviais; Livro VI, Das águas nocivas; Livro VII, Da desapropriação; Livro VIII, Dos consórcios; Livro IX, Da servidão legal de aqueduto.
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16
Castro Nunes sugeria que fossem considerados públicos “todos os rios caudais e perenes e suas cabeceiras... as quedas existentes em águas particulares quando suscetíveis de aproveitamento hidráulico superior a 150 cv”, diferenciando os navegáveis dos flutuáveis. Valladão refutou as sugestões explicando que seguira a tradição romana, que aplicava amplo entendimento do domínio público ao considerar rios e torrentes, sem distinções (DNAEE, 1980, p. 67). Para a questão da ampliação do domínio da União das forças hidráulicas, o deputado propôs a aplicação somente nos casos das águas públicas que banham mais de um Estado. Valladão mais uma vez divergiu, reapresentando a proposta que já estava no projeto e reforçando que estava conforme as mais modernas constituições federais àquela altura: Suíça, Áustria, Alemanha e dos Estados Unidos (DNAEE, 1980, p. 76).
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17
Francesco Saverio Nitti (1868-1953), primeiro-ministro da Itália entre junho de 1919 e junho de 1920. Fez aprovar lei que estabelecia seguro obrigatório para o desemprego, a invalidez e a velhice, contudo resignou com a exacerbação dos conflitos entre comunistas, anarquistas e fascistas.
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18
Maranhão se refere aos decretos de 1931 que regulamentam o aproveitamento e propriedade das quedas d’água; o de 1933 que extingue a cláusula-ouro e à promulgação em 1934 do Código de Águas. Para a relação da Light com a imprensa ver também Pontes (1995).
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19
Para o debate do tema nos governos pós-Vargas, ver: Silva (2011).
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20
Diz o Artigo 137: “A lei federal regulará a fiscalização e a revisão das tarifas dos serviços explorados por concessão, ou delegação, para que, no interesse coletivo, os lucros dos concessionários, ou delegados, não excedam a justa retribuição do capital, que lhes permita atender normalmente às necessidades públicas de expansão e melhoramento desses serviços”.
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21
Para Valladão, por ribeirinhos equivalia a todo e qualquer ocupante das margens de um rio e não à ideia antropológica, desenvolvida depois, de ribeirinho como o representante da classe mais desfavorecida da sociedade rural e que vive das benesses dos rios.
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22
Autorizadas conforme suas competências, pela União, pelos estados ou municípios e preservando dessa exigência aqueles cujo potencial fosse inferior a 50 kW (DNAEE, 1980, p. 18).
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23
Correntes que se estendem por mais de um Estado, dirigem-se à território estrangeiro ou deságuam no oceano; construídas artificialmente para transpor forças para fora de um Estado com o intuito de produzir energia e das correntes que fizerem parte de um plano nacional de Viação debatido pelo Congresso Nacional (DNAEE, 1980, p. 19).
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24
Tema pensado por Valladão desde 1904, quando publicou Dos rios públicos e particulares e advogou que pertenciam aos Estados. No projeto remodelado, revelou que acolhia a doutrina de Clóvis Bevilácqua e de Epitácio Pessoa, influentes entre juristas e o Supremo Tribunal Federal, fazendo a reserva desse domínio à União. Os terrenos das margens das correntes que não fossem de domínio da União seriam dos Estados, mas com a ressalva de estarem limitados pelas servidões da União, para os serviços de navegação e exploração das forças hidráulicas.
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25
Progresso que se revestiu de tamanha importância que Valladão diz: “... chegou Oliven, ilustre membro da referida Conferência, a sustentar ali o projeto de uma rede de energia elétrica, ultrapassando as fronteiras nacionais, de uma rede de energia elétrica europeia” (DNAEE, 1980, p. 52).
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26
No Canadá, no início do século XX, propostas de municipalização dos serviços públicos se espalharam, praticadas em cidades em regimes diferentes e momentos distintos, caso citado por Valladão na Exposição de Motivos como ‘o caso da Liga das Municipalidades do Ontário.’ Para esses debates, ver: Early control of Public Utilities in Canada: regulation and public ownership versus private monopolies. In MAGALHÃES, Gildo; MADUREIRA, Nuno. Electric Energy in History - social, economic, and cultural issues. S. Paulo: LiberArs, 2021.
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27
De 1.370 empresas elétricas, 630 pertenciam integralmente ao Estado e em 147 o Estado detinha a maioria das ações. (DNAEE, 1980, p. 21).
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28
Talvez tenha chegado a essa conclusão sabendo que, a partir da lei de 1926, foi criada a autarquia Central Electricity Board que comprava a energia produzida por algumas empresas, parte do sistema nacional de produção, e revendia para elas conforme suas demandas na distribuição (Meirelles Teixeira, 1941, p. 459). Inclusive, a lei de 1926 adotou o critério do custo histórico em sua integralidade (Branco, 1975, p. XX).
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29
Atualizada para 1.400.000 cavalos em 1933 (DNAEE, 1980, p. 22)
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30
“... todas as obras de captação, de regularização e de derivação, principais e acessórias, os canais adutores de água, o conduto forçado e canais de descarga e de fuga, bem como a maquinaria para a produção de energia, transformadores e linhas de transmissão.” (DNAEE, 1980, p. 24).
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31
Deveriam ser brasileiros o gerente, ou gerentes, sócios ou não, os administradores ou diretores, os membros do conselho fiscal e pelo menos dois terços dos sócios.
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32
Duas sensíveis modificações foram feitas: as concessões passariam a ser por tempo ilimitado, anuindo no caráter de monopólio das utilities, vetando a concorrência de novas empresas; a ocupação de vias públicas para prestação dos serviços também seria indeterminada, porém havia a possibilidade de municipalização a qualquer momento com o pagamento sendo feito sob critérios da comissão administrativa. À objeção que se levantava contra a primeira modificação, de que resultaria uma concessão perpétua, contrapunha-se a segunda, que dava às municipalidades o direito de retomá-las comprando as instalações existentes, pelo preço justo, conforme explicava Glaeser (DNAEE, 1980, p. 38). Silva nota que o jurista Themístocles Cavalcanti também postulava pela concessão por prazo indeterminado (Silva, 2011, p. 116-117).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
15 Jul 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
01 Fev 2023 -
Aceito
14 Jun 2023