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Estudos em Aspidosperma Mart. & Zucc. (Apocynaceae): Integrando morfologia e filogenia

Studies in Aspidosperma Mart. & Zucc. (Apocynaceae): Integrating morphology and phylogeny

RESUMO

Um dos gêneros mais importantes de Apocynaceae, Aspidosperma apresenta desafios na delimitação de espécies devido à sobreposição de caracteres morfológicos e o grande número de sinonímias. Assim, buscamos entender os caracteres morfológicos mais relevantes na delimitação de duas seções do gênero (Aspidosperma sect. Aspidosperma e A. sect. Pungentia), confrontando hipóteses de homologia primária com estudo filogenético molecular. Os dados dos caracteres foram obtidos através da literatura do gênero e confrontados em uma árvore filogenética para verificar a presença de características diagnósticas para as seções e espécies. Nossos resultados evidenciaram: (1) a confirmação de características diagnósticas para as duas seções; (2) a possibilidade de segregar a seção típica em três novas seções, com base nas características morfológicas; (3) a distinção de espécies tradicionalmente tratadas como sinônimos; (4) a importância da utilização de características da madeira para a delimitação de gêneros com ampla variação morfológica, como é o caso de Aspidosperma.

Palavras-chave:
Aspidospermateae; caracteres morfológicos; xilema

ABSTRACT

One of the most important genera of Apocynaceae, Aspidosperma presents challenges in species delimitation due to overlapping morphological characters and the large number of synonyms. Thus, we seek to understand the most relevant morphological characters in the delimitation of two sections of the genus (Aspidosperma sect. Aspidosperma and A. sect. Pungentia), confronting hypotheses of primary homology with a molecular phylogenetic study. Character data were obtained from the literature of the genus and confronted in a phylogenetic tree to verify the presence of diagnostic characteristics for sections and species. Our results showed: (1) confirmation of diagnostic characteristics for both sections; (2) the possibility of segregating the typical section into three new sections based on morphological characteristics; (3) the distinction of species traditionally treated as synonyms; (4) the importance of using wood characteristics for the delimitation of genera with wide morphological variation, as is the case of Aspidosperma.

Keywords:
Aspidospermateae; morphological characters; xylem

Introdução

Apocynaceae Juss. inclui cerca de 400 gêneros e 5.350 espécies (Endress et al. 2018Endress, M.E., Meve, U., Middleton, D.J. & Liede-Schumann, S. 2018. The families and genera of vascular plants: Flowering plants. Eudicots. Apiales, Gentianales (except Rubiaceae), J. W. Kadereit and V. Brittrich [eds.], 15: 207-411. Springer International Publishing, Cham, Switzerland.). Sua distribuição é predominantemente pantropical, sendo muito representativa nas regiões tropicais, principalmente no Hemisfério Sul e menos frequente em regiões temperadas (Endress et al. 2018Endress, M.E., Meve, U., Middleton, D.J. & Liede-Schumann, S. 2018. The families and genera of vascular plants: Flowering plants. Eudicots. Apiales, Gentianales (except Rubiaceae), J. W. Kadereit and V. Brittrich [eds.], 15: 207-411. Springer International Publishing, Cham, Switzerland.). No Brasil ocorrem cerca de 96 gêneros e 978 espécies (Flora e Funga do Brasil 2023Flora e Funga do Brasil, 2020. Apocynaceae. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em <https://floradobrasil.jbrj.gov.br/FB48>. Acesso em: 16-XII-2023.
https://floradobrasil.jbrj.gov.br/FB48...
). Apocynaceae é conhecida por sua importância econômica na indústria madeireira, química e farmacológica e, na medicina popular, além do seu uso no paisagismo urbano (Rapini 2011Rapini, A., Pereira, J.F. & Goyder, D.J. 2011. Towards a stable generic circumscription in Oxypetalinae (Apocynaceae). Phylotaxa 26: 9-16., Farinaccio & Simões 2016Farinaccio, M.A. & Simões, A.O. 2016. Check-list das Apocynaceae do estado do Mato Grosso do Sul, Brasil. Iheringia, Série Botânica 73: 131-146., Simões et al. 2016Simões, A.O, Kinoshita, L.S., Koch, I., Silva, M.J. & Endress, M.E. 2016. Systematics and Evolution of Viceae characters (Apocynaceae, Rauvolfioideae). Táxon 65(1): 99-122., Souza & Lorenzi 2019Souza, V.C. & Lorenzi H. 2019. Botânica Sistemática: Guia ilustrativo para identificação das famílias de fanerógamas nativas e exóticas no Brasil, baseado em APG IV. Jardim Botânico Plantarum. 4 ed. Nova Odessa, SP., Machate et al. 2020Machate, D.J., Pace, M.R., Alves, F.M., Queiroz, J.F.C. & Farinaccio, M.A. 2020 Aspidosperma flaviflorum (Apocynaceae), uma nova espécie de Mato Grosso do Sul, Brasil, com notas sobre a anatomia da madeira. American Society of Plant Taxonomists. Systematic Botany 45(2): 315-322.).

A mais recente classificação para Apocynaceae é de Endress & Bruyns (2000)Endress, M.E. & Bruyns, P.V. 2000. A revised classification of the Apocynaceae. The Botanical Review 66: 1-56. onde reconheceram cinco subfamílias: Asclepiadoideae R.Br. ex Burnett, Periplocoideae Endl., Secamonoideae Endl. (reconhecidas anteriormente como uma família distinta, Asclepiadaceae), Apocynoideae Burnett e Rauvolfioideae Kostel (Apocynaceae s. str.). Trabalhos mais recentes indicaram que as subfamílias Apocynoideae e Rauvolfioideae são parafiléticas, sendo tratados informalmente como grados apocinoide e rauvolfioide (Simões et al. 2016Simões, A.O, Kinoshita, L.S., Koch, I., Silva, M.J. & Endress, M.E. 2016. Systematics and Evolution of Viceae characters (Apocynaceae, Rauvolfioideae). Táxon 65(1): 99-122.). Esse resultado foi corroborado por Fishbein et al. (2018)Fishbein, M., Livshultz, T., Straub, S.C.K., Simões, A.O., Boutte, J., McDonnell, A. & Foote, A. 2018. Evolution on the backbone: Apocynaceae phylogenomics and new perspectives on growth forms, flowers and fruits. American Journal of Botany 105: 1-19., que confirmou que apenas o clado que inclui Asclepiadoideae, Periplocoideae e Secamonoideae é monofilético.

Dentre as Apocynaceae, Aspidosperma Mart. & Zucc. é um dos gêneros arbóreos mais representativos, distribuindo-se por toda a América tropical, desde o México até a Argentina, com exceção do Chile (Woodson 1951Woodson, R.E. 1951. Studies in the Apocynaceae VIII. A Interim Revision of Genus Aspidosperma Mart. & Zucc. Annals of the Missouri Botanical Garden 38(2): 119-206., Marcondes-Ferreira Neto 1988Marcondes-Ferreira, W. 1988. Aspidosperma Mart., nom. cons. (Apocynaceae): Estudos taxonômicos. Ph.D. thesis. Campinas: Universidade Estadual de Campinas., Pereira et al. 2007Pereira, M.M., Jácome, R.L.R.P., Alcântara, A.F.C., Alvesm R.B. & Raslan, D.S. 2007. Alcaloides indólicos isolados de espécies do gênero Aspidosperma (Apocynaceae). Química Nova 30(4): 970-983., Castello et al. 2018Castello, A.C.D., Pereira, A.S.S., Messias, P.A., Scudeler, A.L., Moura, Y.A. & Koch, I. 2018. Two new species of Aspidosperma (Apocynaceae) from Northeast Brazil and a monograph of the species from Ceará State. Systematic Botany, 43(4): 1030-1045.). No Brasil, o gênero é amplamente difundido, estando presente em diversas formações vegetais, principalmente em ambientes florestais (Machate 2016, Machate et al. 2020Machate, D.J., Pace, M.R., Alves, F.M., Queiroz, J.F.C. & Farinaccio, M.A. 2020 Aspidosperma flaviflorum (Apocynaceae), uma nova espécie de Mato Grosso do Sul, Brasil, com notas sobre a anatomia da madeira. American Society of Plant Taxonomists. Systematic Botany 45(2): 315-322., Castello et al. 2022Castello, A.C.D., Pereira, A.S.S., Shimizu, G.H., Zuntini, A.R., Simões, A.O. & Koch, I. 2022. Taxonomy and nomenclature of Aspidosperma (Apocynaceae). Phylotaxa 571(3): 239-277.). O Brasil é considerado o centro de diversidade de Aspidosperma, contemplando 69 espécies em seu território, das quais, 30 são endêmicas (Morales & Zamora 2017Morales J.F. & Zamora, N.A. 2017. A synopsis of Aspidosperma (Apocynaceae) in Mexico and Central America with a taxonomic clarification of Aspidosperma cruentum and a new cryptic species. Phytoneuron 68: 1-13., Pereira et al. 2019Pereira, A.S.S., Castello, A.C.D., Silva, E.F., Guimarães, J.T.F., Simões, A.O. & Koch, I. 2019. Aspidosperma huberianum (Apocynaceae), a New Species from the Brazilian Amazon. Systematic Botany 44(2): 363-370., Castello et al. 2022Castello, A.C.D., Pereira, A.S.S., Shimizu, G.H., Zuntini, A.R., Simões, A.O. & Koch, I. 2022. Taxonomy and nomenclature of Aspidosperma (Apocynaceae). Phylotaxa 571(3): 239-277.).

Filogeneticamente, Aspidosperma pertence ao grado rauvolfioide, sendo o gênero mais representativo da tribo Aspidospermateae Miers, que compreende outros cinco gêneros (Geissospermum Allemão, Haplophyton A.DC., Microplumeria Baill., Strempeliopsis Benth. e Vallesia Ruiz & Pav.). Aspidosperma é o gênero com maior número de espécies dentro da tribo e, juntamente com o restante de Aspidospermateae, formam o clado que é grupo irmão das demais Apocynaceae (Endress et al. 2007Endress, M.E., Liede-Schumann, S. & Meve, U. 2007 “Advances in Apocynaceae: the enlightenment, an introduction”, Annals, of the Missouri Botanical Garden 94(2): 259-267., Simões et al. 2007Simões, A.O., Livshultz, T., Conti, E. & Endress, M.E. 2007. Phylogewny and systematics of the Rauvolfioideae (Apocynaceae) based on molecular and morphological evidence. Annals of the Missouri Botanical Garden 94(2): 268- 297., Fishbein 2018Fishbein, M., Livshultz, T., Straub, S.C.K., Simões, A.O., Boutte, J., McDonnell, A. & Foote, A. 2018. Evolution on the backbone: Apocynaceae phylogenomics and new perspectives on growth forms, flowers and fruits. American Journal of Botany 105: 1-19.).

Atualmente, o gênero inclui 80 espécies e é dividido em Aspidosperma subg. Aspidosperma e A. subg. Coutinia (Vell.) Marc.-Ferr. (Marcondes-Ferreira & Kinoshita 1996Marcondes-Ferreira Neto, W. & Kinoshita, L.S. 1996. Uma nova divisão infragenérica para Aspidosperma Mart. (Apocynaceae). Revista Brasileira de Botânica 19: 203-214.). Aspidosperma subg. Aspidosperma é composto por nove seções: A. sect. Aspidosperma, A. sect. Nobilia, A. sect. Polyneura (Woodson) Marc.-Ferr., A. sect. Excelsa Marc.-Ferr., A. sect. Pungentia (Pichon) Marc.-Ferr., A. sect. Inundata Marc.-Ferr., A. sect. Ramiflora (Woodson) Marc.-Ferr., A. sect. Rigida (Woodson) Marc.-Ferr. e A. sect. Schultesia Marc.-Ferr. Aspidosperma myristicifolium (Markgr.) Woodson não foi incluída em nenhuma seção. Aspidosperma subg. Coutinia possui somente duas espécies: Aspidosperma illustre (Vell.) Kuhlm. & Pirajá e Aspidosperma megalocarpon Müll.Arg. (Marcondes-Ferreira & Kinoshita 1996Marcondes-Ferreira Neto, W. & Kinoshita, L.S. 1996. Uma nova divisão infragenérica para Aspidosperma Mart. (Apocynaceae). Revista Brasileira de Botânica 19: 203-214.).

Da perspectiva econômica, Aspidosperma é conhecido pela grande quantidade de alcalóides indólicos presentes em diversas espécies e que são do interesse da indústria farmacêutica (Marcondes-Ferreira Neto 1988Marcondes-Ferreira, W. 1988. Aspidosperma Mart., nom. cons. (Apocynaceae): Estudos taxonômicos. Ph.D. thesis. Campinas: Universidade Estadual de Campinas., Almeida et al. 2019Almeida, V. L., Silva, C.G., Silva, A.F., Campana, P.R.V., Foubert, K., Lopes, J.C.D. & Pieters, Luc. 2019. Aspidosperma species: A review of their chemistry and biological activities, Journal of Ethnopharmacology., Oliveira et al. 2009Oliveira, V.B., Freitas, M.S.M., Mathias, L., Braz-Filho, R. & Vieira, I.J.C. 2009. Atividade biológica e alcalóides indólicos do gênero Aspidosperma (Apocynaceae): uma revisão. Revista brasileira de plantas medicinais 11(1): 92-99., Torres et al. 2013Torres, Z.E.S., Silveira, E.R., Silva, L.F.R., Lima, E.S., Vasconcellos, M.C., Uchoa, D.E.A., Braz-Filho, R. & Pohlit, A.M. 2013. Chemical Composition of Aspidosperma ulei Markgr. and Antiplasmodial Activity of Selected Indole Alkaloids. Molecules 18(6): 6281-6297.). Além disso, o gênero é muito utilizado na indústria madeireira devido à resistência e dureza da madeira e também, para fins ornamentais (Woodson 1951Woodson, R.E. 1951. Studies in the Apocynaceae VIII. A Interim Revision of Genus Aspidosperma Mart. & Zucc. Annals of the Missouri Botanical Garden 38(2): 119-206., Schmutz 1960Schmutz, J. & Wittwer, H. 1960. Die Synthese von Olivacin, Dihidro-olivacina, Tetrahidro-olivacina N-Metil-tetrahidro-olivacina, und Die Konstitution von u- Alcaloide D. Aspidosperma- Alcaloide, 7. Mitteilung. Helvetica, 43(3): 793-799., Pereira et al. 2007Pereira, M.M., Jácome, R.L.R.P., Alcântara, A.F.C., Alvesm R.B. & Raslan, D.S. 2007. Alcaloides indólicos isolados de espécies do gênero Aspidosperma (Apocynaceae). Química Nova 30(4): 970-983., Machate et al. 2016Machate, D.J., Alves, F.M. & Farinaccio, M.A. 2016. Aspidosperma Mart. (Apocynaceae) no Estado de Mato Grosso do Sul, Brasil. Rodriguésia 67(4): 1011-1024., Lorenzi 2019, Souza & Lorenzi 2019Souza, V.C. & Lorenzi H. 2019. Botânica Sistemática: Guia ilustrativo para identificação das famílias de fanerógamas nativas e exóticas no Brasil, baseado em APG IV. Jardim Botânico Plantarum. 4 ed. Nova Odessa, SP., Machate et al. 2020Machate, D.J., Pace, M.R., Alves, F.M., Queiroz, J.F.C. & Farinaccio, M.A. 2020 Aspidosperma flaviflorum (Apocynaceae), uma nova espécie de Mato Grosso do Sul, Brasil, com notas sobre a anatomia da madeira. American Society of Plant Taxonomists. Systematic Botany 45(2): 315-322.).

Embora Aspidosperma tenha sido alvo de diversos estudos (e.g. Woodson 1951Woodson, R.E. 1951. Studies in the Apocynaceae VIII. A Interim Revision of Genus Aspidosperma Mart. & Zucc. Annals of the Missouri Botanical Garden 38(2): 119-206., Marcondes-Ferreira Neto 1988Marcondes-Ferreira, W. 1988. Aspidosperma Mart., nom. cons. (Apocynaceae): Estudos taxonômicos. Ph.D. thesis. Campinas: Universidade Estadual de Campinas., Marcondes-Ferreira Neto & Kinoshita 1996Marcondes-Ferreira Neto, W. & Kinoshita, L.S. 1996. Uma nova divisão infragenérica para Aspidosperma Mart. (Apocynaceae). Revista Brasileira de Botânica 19: 203-214.), ainda existe grande dificuldade na delimitação de suas espécies devido à sobreposição de caracteres morfológicos, sinonímias e circunscrições não publicadas (Castello et al. 2018Castello, A.C.D., Pereira, A.S.S., Messias, P.A., Scudeler, A.L., Moura, Y.A. & Koch, I. 2018. Two new species of Aspidosperma (Apocynaceae) from Northeast Brazil and a monograph of the species from Ceará State. Systematic Botany, 43(4): 1030-1045., Messias 2019Messias, P. 2019. Delimitação de espécies do complexo Aspidosperma pyrifolium Mart. & Zucc. (Apocynaceae).). Dentre as espécies do gênero, aquelas incluídas na seção típica, (A. sect. Aspidosperma), A. sect. Nobilia e A. sect. Pungentia, estão entre as que apresentam mais variação morfológica e alteração de circunscrição entre os trabalhos com Aspidosperma (Castello et al. 2018Castello, A.C.D., Pereira, A.S.S., Messias, P.A., Scudeler, A.L., Moura, Y.A. & Koch, I. 2018. Two new species of Aspidosperma (Apocynaceae) from Northeast Brazil and a monograph of the species from Ceará State. Systematic Botany, 43(4): 1030-1045., Pereira et al. 2019Pereira, A.S.S., Castello, A.C.D., Silva, E.F., Guimarães, J.T.F., Simões, A.O. & Koch, I. 2019. Aspidosperma huberianum (Apocynaceae), a New Species from the Brazilian Amazon. Systematic Botany 44(2): 363-370., Batista 2023Batista, S.G. 2023. Delimitação taxonômica das espécies de Aspidosperma sect. Pungentia (Pichon) Marc.ferr. com base em características morfológicas e anatômicas foliares. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campo Grande.).

Assim, Aspidosperma reverte-se em um ótimo modelo de estudo para confrontar hipóteses de homologia primária de caracteres morfológicos com uma filogenia molecular e, assim, proporcionar melhor entendimento da diversidade morfológica e suas implicações na taxonomia e reconhecimento de suas espécies.

Material e métodos

Foram selecionadas nove espécies de Aspidosperma, de acordo com dados disponíveis na literatura (e.g. Woodson 1951Woodson, R.E. 1951. Studies in the Apocynaceae VIII. A Interim Revision of Genus Aspidosperma Mart. & Zucc. Annals of the Missouri Botanical Garden 38(2): 119-206., Marcondes-Ferreira Neto 1988Marcondes-Ferreira, W. 1988. Aspidosperma Mart., nom. cons. (Apocynaceae): Estudos taxonômicos. Ph.D. thesis. Campinas: Universidade Estadual de Campinas., Marcondes-Ferreira Neto & Kinoshita 1996Marcondes-Ferreira Neto, W. & Kinoshita, L.S. 1996. Uma nova divisão infragenérica para Aspidosperma Mart. (Apocynaceae). Revista Brasileira de Botânica 19: 203-214., Machate et al. 2016Machate, D.J., Alves, F.M. & Farinaccio, M.A. 2016. Aspidosperma Mart. (Apocynaceae) no Estado de Mato Grosso do Sul, Brasil. Rodriguésia 67(4): 1011-1024., Farinaccio et al. 2021Farinaccio, M.A., Urquiza, M.V.S., Machate, D.J., Braga, J.M.F., Araujo, C., Batista, S.G. & Arruda, R.C.O. 2021. Wood of Aspidosperma Sections Aspidosperma and Pungentia (Apocynaceae) from Mato Grosso do Sul State, Brasil: Taxonomic Implications, Systematic Botany 46(1): 175-185.). Dentre as espécies selecionadas, estão: as duas que compõem A. sect. Pungentia: A. quebracho-blanco Schltdl. e A. triternatum Rojas Acosta; e, sete incluídas em A. sect. Aspidosperma: A. australe Müll.Arg., A. macrocarpon Mart. & Zucc., A. pyrifolium Mart. & Zucc., A. quirandy Hassl., A. subincanum Mart., A. tomentosum Mart. & Zucc. e A. verbascifolium Müll.Arg.

Os caracteres utilizados neste trabalho foram levantados com base na bibliografia específica para o gênero (e.g. Woodson 1951Woodson, R.E. 1951. Studies in the Apocynaceae VIII. A Interim Revision of Genus Aspidosperma Mart. & Zucc. Annals of the Missouri Botanical Garden 38(2): 119-206., Marcondes-Ferreira Neto 1988Marcondes-Ferreira, W. 1988. Aspidosperma Mart., nom. cons. (Apocynaceae): Estudos taxonômicos. Ph.D. thesis. Campinas: Universidade Estadual de Campinas., Marcondes-Ferreira Neto & Kinoshita 1996Marcondes-Ferreira Neto, W. & Kinoshita, L.S. 1996. Uma nova divisão infragenérica para Aspidosperma Mart. (Apocynaceae). Revista Brasileira de Botânica 19: 203-214., Machate et al. 2016Machate, D.J., Alves, F.M. & Farinaccio, M.A. 2016. Aspidosperma Mart. (Apocynaceae) no Estado de Mato Grosso do Sul, Brasil. Rodriguésia 67(4): 1011-1024., Farinaccio et al. 2021Farinaccio, M.A., Urquiza, M.V.S., Machate, D.J., Braga, J.M.F., Araujo, C., Batista, S.G. & Arruda, R.C.O. 2021. Wood of Aspidosperma Sections Aspidosperma and Pungentia (Apocynaceae) from Mato Grosso do Sul State, Brasil: Taxonomic Implications, Systematic Botany 46(1): 175-185.). Foram levantados 68 caracteres qualitativos, dos quais, 11 são da madeira.

O DNA total foi extraído de folhas secas em sílica gel usando protocolo CTAB (Doyle & Doyle 1987Doyle, J.J. & Doyle, J.L. 1987. A rapid DNA isolation procedure for small quantities of fresh leaf tissue. Phytochemical Bulletin 19: 11-15.). A árvore filonegética foi construída utilizando quatro marcadores (rpl16, trnS-G, ETS e ITS) (tabela 1), que foram amplificados por meio reações em cadeia da polimerase (PCR) com volume final de 11,25 μL, contendo: 1,5 μL DNA total, 1 μL de cada primer, 1 μL Betaína, 1 μL de DMSO 5% ou 10% e 1 μL de Albumina do soro bovino (BSA) e 6,25 μL de Taq DNA polimerase Green Master®. As reações de PCR foram feitas utilizando os termocicladores TC-412 e TC-512 da Techne, e o MyCycler da Bio-Rad. As condições de PCR para cada marcador foram baseadas em outros trabalhos realizados em Apocynaceae (Simões et al. 2006Simões, A.O. Endress, M.E., van der Niet, T., Kinoshita, L.S. & Conti, E. 2006. Is Mandevilla (Apocynaceae, Mesechiteae) monophyletic? Evidence from five plastid DNA loci and morphology. Annals of the Missouri Botanical Garden 93(4): 565-591.; 2016Simões, A.O, Kinoshita, L.S., Koch, I., Silva, M.J. & Endress, M.E. 2016. Systematics and Evolution of Viceae characters (Apocynaceae, Rauvolfioideae). Táxon 65(1): 99-122.) com temperatura de anelamento de 60, 3 °C para o ITS e ETS, 56 °C para o rpl16 e 52 °C. Os produtos de PCR foram purificados com Polietilenoglicol (PEG 20%) por precipitação dos primers e dNTPs segundo protocolo de Dunn & Blattner (1987)Dunn, I.S. & Blattner, F.R. 1987. Charons 36 to 40: multienzyme, high capacity, recombination deficient replacement vectors with polylinkers and polystuffers. Nucleic Acids Research,15(6): 2677-2698. ou usando o mix de enzimas ExoSAP-IT (USB, USA), conforme instruções do fabricante. O sequenciamento foi realizado pelo laboratório de Análise Genética e Molecular (CBMEG) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Tabela 1.
Listas dos marcadores moleculares e primers utilizados neste estudo.
Table 1.
Lists of molecular markers and primers used in this study.

O alinhamento múltiplo das sequências foi gerado pelo algoritmo MAFFT (versão 7.017; Katoh et al. 2013Katoh, K. & Standley, D.M. 2013. MAFFT multiple sequence alignment software version 7: improvements in performance and usability. Molecular Biology and Evolution 30(4): 772-780.) com o algorítimo G-INS-i (Katoh et al. 2013Katoh, K. & Standley, D.M. 2013. MAFFT multiple sequence alignment software version 7: improvements in performance and usability. Molecular Biology and Evolution 30(4): 772-780.). O alinhamento e edição foram realizadas no Geneious v.10.2.3. (Biomatters Ltd.). Os modelos de substituição de DNA para as análises de Inferência Bayesiana (IB) foram selecionados para cada marcador através do JModeltest (Darriba et al. 2012Darriba, D., Taboada, G.L., Doallo, R. & Posada, D. 2012. jModelTest 2: more models, new heuristics and parallel computing. Nature Methods 9(8): 772-772.), utilizando a configuração padrão dos parâmetros. O melhor modelo evolutivo foi selecionado usando Critério de Informação Bayesiana (BIC).

As análises de Inferência Bayesiana (IB) foram realizadas com MrBayes v.3.1.2 (Ronquist et al. 2012Ronquist, F., Teslenko, M., van der Mark, P. Ayres, D.L., Darling, A. Höhna, S., Larget, B., Liuz, L., Suchard, M.A. & Huelsebeck, J.P. 2012. MrBayes 3.2: Efficient Bayesian phylogenetic inference and model choice across a large model space. Systematic Biology 61(3): 539-542.). Foram realizadas duas corridas MCMC independentes, cada uma composta por quatro cadeias ligadas com 100 milhões de gerações, amostrando uma árvore a cada 2000 gerações, descartados os primeiros 25% das árvores como burn-in. Todas as análises foram realizadas na plataforma CIPRESS Science Gateway (http://www.phylo.org/, Miller et al. 2010Miller, M.A., Pfeiffer, W. & Schwartz, T. 2010. Creating the CIPRES Science Gateway for inference of large phylogenetic trees.).

A matriz de dados morfológicos foi elaborada em uma planilha do Excel contendo todas as espécies, caracteres e estados de caráter. Essas matrizes foram exportadas em formato CSV para serem utilizadas nas análises que foram conduzidas na plataforma R (R Core Team 2020R Core Team. 2020. R: a language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical.). O mapeamento foi realizado na árvore filogenética por meio das funções do pacote phytools (Revell 2012Revel, L.J. 2012. Phytools: an R packpage for phylogenetic comparative biology (and other things). Methods in Ecology and Evolution, 3: 217-223.). Utilizamos o modelo de evolução mais adequado para cada um dos caracteres analisados (ER - modelos de taxas iguais; SYM - modelo simétrico; e ARD - modelo com todas as taxas diferentes). A avaliação dos modelos foi realizada sob o critério de informação de Akaike corrigido (AICc), realizada com a função fitDiscrete do pacote Geiger (Harmon et al. 2008Harmon, L.J. 2008. GEIGER: investigating evolutionary radiations. Bioinformatics, 24: 129-131.).

Resultados

Dentre os 68 caracteres levantados, 23 foram descartados por serem polimórficos ou por apresentarem os mesmos estados de caráter entre todas as espécies estudadas. No total, foram utilizadas 45 características qualitativas para a realização das análises (tabela 2).

Tabela 2.
Matriz de caracteres qualitativos das espécies de Aspidosperma Mart. & Zucc. (Apocynaceae). A. Consistência do ritidoma. B. Lenticelas do ritidoma. C. Fissuras no ritidoma. D. Cristas do Ritidoma. E. Forma das cristas. F Posição das cristas. G. Cor do látex. H. Disposição dos râmulos. I. Consistência dos râmulos. J. Lenticelas dos râmulos. K. Fissuras dos râmulos. L. Filotaxia. M. Presença de pecíolo. N. Forma da lâmina. O. Folha espinescente. P. Venação. Q. Tipo de inflorescência. R. Posição da inflorescência. S. Posição da fenda no tubo. T. Formas dos lobos da corola. U. Forma do ovário. V. Indumento do ovário. W. Forma da cabeça estilar. X. Indumento da cabeça estilar. Y. Cor dos folículos. Z. Forma dos folículos. A’. Costas medianas dos folículos. B’. Nervuras costais dos folículos. C’. Lenticelas dos folículos. D’. Mucro dos folículos. E’. Cor das sementes. F’. Forma das sementes. G’. Forma do núcleo seminífero. H’. Posição do núcleo seminífero. I’. Distinção cerne-alburno. J’. Cor da madeira. K’. Textura da madeira. L’. Brilho da madeira. M’. Porosidade do Xilema. N’. Agrupamento dos vasos. O’. Distribuição do parênquima axial. P’. Visibilidade dos anéis de crescimento. Q’. Presença de parênquima marginal. R’. Continuidade da linha de parênquima marginal. S’. Semianel poroso na linha de parênquima marginal.
Table 2.
Matrix of qualitative characters of Aspidosperma Mart. & Zucc. (Apocynaceae) species. A. Consistency of the rhytidome. B. Rhytidome lenticels. C. Fissures in the rhytidome. D Rhytidome crests. E. Shape of the ridges. F Position of ridges. G Latex color. H. Arrangement of branches. I. Consistency of branches. J. Branch lenticels. K. Fissures of the branches. L. phyllotaxis. M. Presence of petiole. N. Blade shape. O. Spinescent leaf. P. Venation. Q. Type of inflorescence. R. Inflorescence position. S. Position of the slit in the tube. T. Shapes of the corolla lobes. U. Shape of the ovary. V. Indumentum of the ovary. W. Shape of the stylar head. X. Indument of the stylar head. Y. Color of the follicles. Z. Shape of the follicles. A’. Median sides of the follicles. B’. Costal veins of the follicles. C’. Follicle lenticels. D’. Mucro of the follicles. E’. Seed color. F’. Seed shape. G’. Shape of the seminiferous nucleus. H’. Position of the seminiferous nucleus. I’. Heartwood-sapwood distinction. J’. Wood color. K’. Wood texture. L’. Wood Shine. M’. Xylem porosity. N. Vessel grouping. O’. Distribution of the axial parenchyma. P’. Visibility of growth rings. Q’. Presence of marginal parenchyma. R’. Continuity of the marginal parenchyma line. S’. Porous half-ring at the marginal parenchyma line.

Obtivemos uma árvore filogenética com um clado formado pelas espécies de Aspidosperma sect. Pungentia e outro clado com as espécies de A. sect. Aspidosperma, com Aspidosperma pyrifolium emergindo como uma linhagem irmã das demais espécies. Dentro do clado que inclui as espécies da seção típica, emergiram dois subclados: um deles formado por A. macrocarpon e A. verbascifolium; o segundo formado por A. australe, A. quirandy, A. subincanum e A. tomentosum. Desse último subclado, A. subincanum emerge como uma linhagem irmã de um clado formado por A. tomentosum e A. quirandy (figura 1).

Figura 1.
Otimização dos estados de caráter na árvore de consenso. a. Filotaxia verticilada. b. Ápice pungente. c. Látex branco. d. Filotaxia alterna. e. Forma do lobo da corola. f. Indumento da cabeça do estilar.
Figure 1.
Optimization of character states in the consensus tress. a. whorled phyllotaxy. b. pungent apex. c. white látex. d. alternate phyllotaxy. e. corolla wolf shape. f. Indument of the style head.

Do total de caracteres analisados, quatro são informativos na caracterização das duas seções estudadas (A. sect. Aspidosperma e A. sect. Pungentia), sendo eles: filotaxia, cor do látex, ápice pungente e distribuição do parênquima axial do xilema. Dentre os demais caracteres, tivemos aqueles que se destacaram na caracterização dos subclados e linhagens, tais como: características dos ramos (disposição dos râmulos e das lenticelas, presença e espessamento das fissuras), formato da folha, características da flor (e.g., formato do lobo, indumento e formato da cabeça do estilete), além de características da madeira (distribuição de parênquima axial e agrupamento dos vasos do xilema, presença de parênquima marginal e presença de semianel poroso no parênquima marginal).

Como esperado, folhas verticiladas e ápice pungente foram recuperadas apenas para clado de A. sect. Pungentia. Além dessas, emergiram, o látex incolor, folhas estreitamente elípticas e ausência de parênquima marginal na madeira como características diagnósticas de A. sect. Pungentia. As demais espécies de A. sect. Aspidosperma apresentaram látex branco, folhas que variam entre ovada, obovada e amplamente elípticas e presença de parênquima marginal na madeira (a exceção desse último em A. quirandy) (figura 1). As espécies de A. sect. Aspidosperma também compartilham a presença de folhas alternas (figura 1). Vale destacar que a distribuição do parênquima axial no xilema também permite distinguir as duas seções estudadas, pois A. sect. Aspidosperma apresenta distribuição difusa, enquanto A. sect. Pungentia apresenta distribuição irregular.

Aspidosperma pyrifolium emergiu como irmã das demais espécies de A. sect. Aspidosperma e se destaca por apresentar diversas características exclusivas: (1) lobos da corola lanceolados em A. pyrifolium (figura 1), variando entre oval, oblongo e ovado nas demais espécies; (2) cabeça do estilete elíptica em A. pyrifolium, sendo oblonga ou globoso nas outras espécies da seção típica; (3) cabeça do estilete pubescente em A. pyrifolium, enquanto nas demais espécies, é glabro (figura 1); (4) sementes obovadas em A. pyrifolium, sendo elípticas ou circulares nas demais. Vale destacar que A. pyrifolium possui um semianel poroso na linha do parênquima marginal, característica compartilhada apenas com A. verbascifolium e ausente nas demais espécies.

Aspidosperma macrocarpon e A. verbascifolium formam um subclado na A. sect. Aspidosperma e compartilham o mesmo estado de caráter para 28 caracteres. Desses, o agrupamento dos vasos do xilema em grupos de duas a três células é uma característica exclusiva para esse clado. A presença de fissura nos ramos e posição do núcleo seminífero na semente emergem como características que permitem distinguir essas espécies; A. macrocarpon apresenta ramos fissurados e núcleo seminífero concêntrico enquanto, A. verbascifolium não possui fissuras nos ramos e o núcleo seminífero é excêntrico. Apenas A. verbascifolium apresentou semianel poroso na linha do parênquima marginal.

O mesmo foi observado no subclado que inclui A. tomentosum e A. quirandy; ambas compartilham o mesmo estado de caráter para 24 das características analisadas, dentre os quais, a inflorescência séssil aparece como característica diagnóstica. Além disso, é possível reconhecer essas duas espécies pelo espessamento e lenticelas nos ramos e pela distinção entre cerne e alburno. Aspidosperma tomentosum possui ramos espessados, com lenticelas inconspícuas, cerne e alburno indistinto, assim como nas demais espécies; já A. quirandy não apresenta espessamentos nos ramos, as lenticelas são conspícuas, possui distinção entre cerne e alburno.

No subclado formado por A. australe, A. subincanum, A. tomentosum e A. quirandy, apenas A. subincanum e A. quirandy apresentam brilho em seu lenho, provavelmente, em decorrência da orientação de seus elementos celulares. As demais espécies do subclado, assim como as demais espécies analisadas compartilham o lenho opaco. Das espécies desse subclado, apenas A. subincanum têm vasos agrupados em até duas células e, A. australe é a única que possui anéis de crescimento com pouca distinção, característica compartilhada com as espécies de A. sect. Pungentia.

Discussão

Os resultados obtidos neste trabalho divergem um pouco, quanto à composição da seção típica do gênero, como proposta por Marcondes-Ferreira & Kinoshita (1996)Marcondes-Ferreira Neto, W. & Kinoshita, L.S. 1996. Uma nova divisão infragenérica para Aspidosperma Mart. (Apocynaceae). Revista Brasileira de Botânica 19: 203-214.. Nossos resultados demonstram que A. pyrifolium é uma linhagem irmã das demais espécies de A. sect. Aspidosperma e que, A. macrocarpon e A. verbascifolium formam um subclado, em relação às demais espécies da seção. Somadas, as diversas características morfológicas, incluindo anatomia da madeira, podemos inferir que essas espécies podem ser transferidas para outras seções (ou novas) alterando a circunscrição desse táxon, ou seja, não serem mais consideradas na circunscrição da seção típica. Para tanto, sugerimos novos estudos para melhor compreender o posicionamento dessas espécies.

Marcondes-Ferreira Neto (1988)Marcondes-Ferreira, W. 1988. Aspidosperma Mart., nom. cons. (Apocynaceae): Estudos taxonômicos. Ph.D. thesis. Campinas: Universidade Estadual de Campinas. e Marcondes-Ferreira Neto & Kinoshita (1996)Marcondes-Ferreira Neto, W. & Kinoshita, L.S. 1996. Uma nova divisão infragenérica para Aspidosperma Mart. (Apocynaceae). Revista Brasileira de Botânica 19: 203-214. consideraram A. macrocarpon e A. verbascifolium como uma única espécie (A. macrocarpon), enquanto Woodson (1951)Woodson, R.E. 1951. Studies in the Apocynaceae VIII. A Interim Revision of Genus Aspidosperma Mart. & Zucc. Annals of the Missouri Botanical Garden 38(2): 119-206., Machate et al. (2016)Machate, D.J., Alves, F.M. & Farinaccio, M.A. 2016. Aspidosperma Mart. (Apocynaceae) no Estado de Mato Grosso do Sul, Brasil. Rodriguésia 67(4): 1011-1024. e Castello et al. (2022)Castello, A.C.D., Pereira, A.S.S., Shimizu, G.H., Zuntini, A.R., Simões, A.O. & Koch, I. 2022. Taxonomy and nomenclature of Aspidosperma (Apocynaceae). Phylotaxa 571(3): 239-277., as reconheceram, como espécies distintas, baseados principalmente na espessura do ramo, tamanho das folhas e distribuição dessas nos ramos. Ressaltamos, que neste estudo foi possível incluir novos caracteres para o reconhecimento desses táxons como espécies distintas, podemos utilizar o formato e posição do núcleo seminífero da semente, característica dos ramos (presença ou ausência de fissuras) e presença de semianel no parênquima marginal, o que facilita o reconhecimento de A. macrocarpon e A. verbascifolium.

Marcondes-Ferreira (1988)Marcondes-Ferreira, W. 1988. Aspidosperma Mart., nom. cons. (Apocynaceae): Estudos taxonômicos. Ph.D. thesis. Campinas: Universidade Estadual de Campinas. considerou A. subincanum e A. quirandy como sinônimos de A. tomentosum. Marcondes-Ferreira & Kinoshita (1996)Marcondes-Ferreira Neto, W. & Kinoshita, L.S. 1996. Uma nova divisão infragenérica para Aspidosperma Mart. (Apocynaceae). Revista Brasileira de Botânica 19: 203-214. segregaram A. subincanum, no entanto, Machate (2016)Machate, D.J., Alves, F.M. & Farinaccio, M.A. 2016. Aspidosperma Mart. (Apocynaceae) no Estado de Mato Grosso do Sul, Brasil. Rodriguésia 67(4): 1011-1024. e Castello et al. (2022)Castello, A.C.D., Pereira, A.S.S., Shimizu, G.H., Zuntini, A.R., Simões, A.O. & Koch, I. 2022. Taxonomy and nomenclature of Aspidosperma (Apocynaceae). Phylotaxa 571(3): 239-277. as consideram como três espécies distintas. Esses autores utilizaram a ausência de pecíolo, os lobos da corola sinistrorsos e os folículos inflados, além da ocorrência restrita no estado do Mato Grosso do Sul para considerar A. quirandy como uma espécie distinta. Neste trabalho, recuperamos A. subincanum como uma linhagem irmã do subclado formado por A. quirandy e A. tomentosum. Verificamos que é possível distinguir A. quirandy de A. tomentosum por características do ramo e também da madeira, fornecendo subsídios adicionais para considerá-las distintas.

Nossos resultados representam uma primeira tentativa de confrontar características morfológicas com uma hipótese filogenética para espécies de Aspidosperma. Foi possível corroborar as características consideradas diagnósticas e bem conhecidas para o reconhecimento da A. sect. Pungentia, as folhas verticiladas com ápice pungente, porém, através deste estudo, verificamos que outras características contribuem para o seu reconhecimento, como látex incolor, folhas estreitamente elípticas e ausência de parênquima marginal. Verificamos, também, que as características do xilema nos permitiram caracterizar as duas seções estudadas: A. sect. Aspidosperma apresenta parênquima com distribuição difusa, enquanto em A. sect. Pungentia, é irregular; bem como corroborar a segregação de espécies da seção típica do gênero: A. macrocarpon e A. verbascifolium, já que são as únicas espécies estudadas que apresentam vasos do xilema com grupos de duas a três células. Além, disso, pudemos delimitar, mais facilmente, espécies morfologicamente próximas, por exemplo, A. subincanum foi a única espécie que apresenta vasos do xilema agrupados em até duas células; já A. subincanum e A. quirandy foram as únicas que apresentaram brilho em seu lenho, provavelmente em decorrência da orientação de seus elementos celulares e, dentro da circunscrição da seção típica, A. australe é a única que possui anéis de crescimento com pouca distinção.

Nossos resultados demonstraram a importância da utilização de caracteres morfológicos em conjunto com dados moleculares. Mais ainda, a importância de caracteres que não são tradicionalmente utilizados, como a morfologia da madeira que se mostrou muito informativa para a caracterização de clados e delimitação de espécies próximas. Destaca-se a importância deste estudo, que foi o primeiro formalmente publicado que buscou confrontar características morfológicas de espécies de Aspidosperma com uma filogenia proposta exclusivamente para esse gênero.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Maria Ana Farinaccio agradece à Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pelos recursos concedidos: Edital 05/2013, Processo 23/200.614/2014 e Edital 29/2016, Processo 59/300.097/2017. Ana Carolina Devides Castello agradece a Universidade Estadual de Minas Gerais, pela concessão da Bolsa pelo Programa de Bolsas de Produtividade em Pesquisa, Edital 02/2022. Andreza Stephanie de Souza Pereira agradece a Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas, pela Bolsa de Pós-Doutorado (2021/658124).

Literatura Citada

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Editado por

Editor Associada: Renata Sebastiani

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Set 2023
  • Aceito
    22 Dez 2023
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