Resumos
As metodologias ativas (MA), apoiadas em abordagens construtivistas de educação, são importantes ferramentas que permitem tecer redes de formação individual e coletiva. O objetivo deste artigo foi relatar a vivência do uso de MA e do webfólio como ferramentas de formação construtivista em saúde, visando contribuir como dispositivo educativo para o ensino da Deontologia Farmacêutica. Trata-se de um relato de experiência entre educador e educandos do curso de Farmácia. As MA foram: Acolhimento: o colar diversidade; Deontocinéfilos: viagem educacional e formação construtivista; “Quero olhar pelo seu olhar”: compartilhamento dos significados percebidos; Plenária ética simulada: construção da ética profissional farmacêutica; e Uso de mapas conceituais. A utilização desses dispositivos de aprendizagem permitiu a materialização do conteúdo ministrado, a aquisição de competências e, dessa maneira, tornou mais fácil compreender o sentido das práticas sanitárias e, consequentemente, sua aplicabilidade na vida profissional.
Ética farmacêutica; Deontologia; Comunicação interdisciplinar; Formação profissional
Active education methodologies supported by constructivist education approaches are important tools that enable to build individual and collective education networks. The objective of this article was to report the experience of using active learning methodologies and a webfolio with constructivist health education tools to assist teaching in Pharmaceutical Deontology. It is a teacher-student experience report of the Pharmacology course. The active methodologies were: Embracement: the diversity necklace; Deontocinephile: educational trip and constructivist education; “I want to look through your eyes”: Sharing perceived meanings; Mock ethical plenary: building a professional pharmaceutical ethics; Using conceptual maps. These learning devices helped materialize the content and develop competencies, being easier to understand the sanitary practices’ meaning and their applicability in professional life.
Pharmaceutical ethics; Deontology; Interdisciplinary communication; Professional education
Las metodologías activas (MA), apoyadas en abordajes constructivistas de educación, son importantes herramientas que permiten tejer redes de formación individual y colectiva. El objetivo de este artículo fue relatar la vivencia del uso de MA y del webfólio como herramientas de formación constructivista en salud, buscando contribuir como dispositivo educativo para la enseñanza de la deontología farmacéutica. Se trata de un relato de experiencia entre educador y educandos del curso de farmacia. Las MA fueron: Acogida: el collar diversidad; Deontocinéfilos: Viaje educativo y formación constructivista; “Quiero mirar por su mirada”: Compartición de los significados percibidos; Plenaria ética simulada: construcción de la ética profesional farmacéutica; Uso de mapas conceptuales. La utilización de esos dispositivos de aprendizaje permitió la materialización del contenido dictado y la adquisición de competencias y, de tal forma, se hizo más fácil comprender el sentido de las prácticas sanitarias y, por lo tanto, su aplicabilidad en la vida profesional.
Ética farmacéutica; Deontología; Comunicación interdisciplinaria; Formación profesional
Introdução
O construtivismo tornou-se uma concepção dominante no terreno educativo, encontrando largo apoio nos ambientes acadêmicos, particularmente relacionados com as ciências da educação, inspirando as orientações educativas nos vários níveis de ensino e impregnando a formação de professores1-4. Assim, a formação construtivista propõe que o conhecimento seja desenvolvido de forma natural por cada educando, em um processo no qual ele próprio concebe sua aprendizagem, com o professor enquanto um facilitador desse processo. Nessa direção, as metodologias ativas apoiadas em abordagens construtivistas de educação são importantes ferramentas que permitem tecer redes de formação individuais e coletivas.
Nesse sentido, as metodologias ativas possuem uma concepção de educação que busca estimular o pensamento crítico-reflexivo do educando. Logo, os caminhos de uma iniciativa com maior autonomia dependerá de recursos didáticos que incentivem e orientem esse processo. Segundo Aurélio5, a didática é a arte de ensinar; o procedimento pelo qual o mundo da experiência e da cultura é transmitido pelo educador ao educando, nas escolas ou em obras especializadas. A metodologia ativa problematizadora fundamenta-se no referencial teórico de Paulo Freire, cuja concepção é baseada em uma educação libertadora, dialógica, reflexiva, conscientizadora, transformadora e crítica, em que os problemas partem de uma realidade, sendo um caminho que vai ao encontro do construtivismo na formação6.
Nesse contexto, na metodologia da problematização, destacam-se a confecção de portfólios críticos-reflexivos gerados pelos educandos a partir de suas vivências com o educador. A utilização do portfólio como ferramenta construtivista tem como objetivo a obtenção de um olhar ampliado, ao mesmo tempo em que detalha a forma como cada educando compreende e desenvolve seu aprendizado. Para Valle7 (p. 70), o portfólio pode ser usado como atividade de avaliação contínua, na qual o educando vai acumulando dados, em relação tanto a textos, documentos, registros de atividades e ações quanto a impressões, dúvidas, certezas e relações estabelecidas com outras situações vividas ou imaginadas.
Nessa perspectiva, a utilização dos blogs como o webfólio representa uma grande estratégia na ampliação das informações no mundo atual. Esse instrumento facilita o contato entre pessoas e o ambiente virtual na propagação do conhecimento, ampliando a rede de (in)formação. Baltazar e Aguaded8 dizem que uma grande parte dos blogs contém links para outros blogs, que, na sua maioria, publicam assuntos correlatos, formando uma espécie de corrente ou redes. Outro aspecto interessante desse instrumento é precisamente a forma como impulsiona a comunicação entre indivíduos com os mesmos interesses.
Diante disso, o uso do portfólio em disciplinas farmacêuticas também proporciona aos discentes uma conquista que leva ao autoconhecimento, ou seja, o próprio educando torna-se protagonista da construção de ideias, habilidades e atitudes em sua formação. De acordo com Alvarenga9, o portfólio mostra-se uma técnica de ensino importante no processo ensino-aprendizagem, pois uma das maiores vantagens oferecidas pelo seu uso é o desenvolvimento do pensamento reflexivo, que propõe pensar criticamente a realidade e olhá-la com clareza, abrangência e profundidade. Dessa forma, inserido nas disciplinas farmacêuticas, permite a formação em alicerce com o delineamento de um perfil farmacêutico com as competências necessárias para atuar com a devida ética profissional.
Ademais, segundo Rios e Mendes10, as publicações dos weblogs permitem editar textos e utilizar recursos extras que se tornam potenciadores de determinados conteúdos, como imagens, áudios, vídeos e links, caracterizando um ambiente de ensino diferenciado e interativo e proporcionando ao educando uma expansão do seu conhecimento e imaginação ao ser incentivado a buscar o conhecimento, a fim de concretizar informações necessárias para a aprendizagem.
Nessa direção, para o entendimento dessa realidade, alguns questionamentos se tornaram necessários: Como promover a aprendizagem por meio de uma proposta construtivista desenvolvida coletivamente? Quais as contribuições e limites enfrentados nesse processo? Qual o impacto da interação educador-educando na construção da aprendizagem a partir do ambiente virtual?
Dessa forma, foi assumido o webfólio como um importante dispositivo de reorientação da formação e de uma necessidade pessoal de propor mudanças educativas na aprendizagem dos educandos do curso de Farmácia. Assim, o presente estudo teve o objetivo de relatar a vivência do uso de metodologias ativas de ensino-aprendizagem e do webfólio como ferramentas de formação construtivista em saúde, visando contribuir como um dispositivo educativo em redes para o ensino da Deontologia Farmacêutica.
Caminho metodológico
Trata-se de um relato de experiência entre educador e educandos do curso de Farmácia da Universidade Federal do Oeste da Bahia, com uso de metodologias ativas de ensino-aprendizagem baseadas no construtivismo11. Nesse caminho, foram utilizados diversos processos educacionais e considerados os movimentos institucionais e inventivos sob o referencial teórico de Paulo Freire, Edgar Morin e Adolfo Sanches Vásques em simbiose com Rubem Alves. Participaram dessa experiência noventa estudantes que cursaram a disciplina Deontologia e Introdução à Farmácia no primeiro semestre dos anos de 2018 e de 2019.
No sentido de compreender, extrair ensinamentos e comunicar a experiência vivenciada, optou-se por utilizar a proposta metodológica de Holliday12. De acordo com o autor, a sistematização é uma interpretação crítica de uma ou mais experiências que, a partir de seu ordenamento e reconstrução, descobre ou explicita a lógica do processo vivenciado, os fatos que intervieram no processo, como se relacionaram entre si e por que o fizeram dessa maneira. Sistematizar uma experiência é, então, transformá-la tanto no próprio objeto de estudo e de interpretação teórica quanto em objeto de transformação.
Por meio do processo de sistematização e da permanente organização e reflexão sobre a prática, espera-se que fiquem mais claras as condições do contexto em que se desenvolveu a experiência; situações particulares enfrentadas; ações dirigidas para se conseguir determinado fim; resultados esperados e não esperados; percepções, interpretações e intenções dos diferentes sujeitos que intervêm no processo; e as relações e reações entre participantes12. Sendo assim, serão explanadas as principais iniciativas que compuseram a construção desse ambiente de aprendizagem (quadro 1).
Webfólios: Construção da aprendizagem por meio do ambiente virtual
A elaboração do webfólio seguiu um plano em que o educando, virtualmente, reflete e explica como é construída sua aprendizagem, vencendo as barreiras da sala de aula. A partir dos diálogos realizados com os educandos, foi elaborado um plano de trabalho no qual o webfólio seria o dispositivo escolhido para o caminho da aprendizagem. Assim, foram destacados os marcos regulatórios sanitários e profissionais discutidos em sala a partir do uso de metodologias ativas de ensino-aprendizagem. As metodologias utilizadas giravam em torno dos seguintes processos educacionais: Acolhimento: o colar diversidade; Deontocinéfilos: viagem educacional e formação construtivista; “Quero olhar pelo seu olhar”: compartilhamento dos significados percebidos; Plenária Ética Simulada: construção da ética profissional farmacêutica; e Uso de mapas conceituais como dispositivo de aprendizagem.
Acolhimento: o Colar Diversidade
Decidiu-se iniciar o diálogo com os educandos a partir do processo de acolhimento, a fim de que houvesse uma aproximação e consequentemente a criação de um vínculo, sendo um aspecto extremamente importante para pactuação do processo educacional. A oficina do Colar Diversidade, uma dinâmica inovadora, permitiu a interação entre os membros, tendo como principal objetivo a criação de grupos que apresentassem perfis com características diversas, ao seguir o caminho da elaboração de um webfólio educacional plural. Nessa perspectiva, os educandos deveriam escrever em tarjetas coloridas: nome, cidade natal, passatempo e uma área que gostaria de atuar na profissão farmacêutica; em seguida, houve a exposição dessas informações em forma de um colar. Posteriormente, os educandos deveriam se movimentar em sala de aula, ao som de uma música, em buscando formar grupos com características diferentes.
Deontocinéfilos: viagem educacional e formação construtivista
Os educandos, chamados carinhosamente de “deontocinéfilos”, foram sensibilizados, inicialmente, com a viagem educacional (VE), realizada em grande grupo, com a exposição do filme “Amor & outras drogas” (2011), cuja sinopse gira em torno de um representante comercial que tem a função de abordar médicos e convencê-los a prescrever os produtos da empresa para os pacientes. A VE ocorreu seguindo os movimentos descritos por Mattos13 e Mourthé Junior14.
A VE contribui para o ambiente educacional universitário de amadurecimento, problematização, autonomia e identificação das complexidades existentes13 e seu objetivo foi disparar sentimentos, racionalidades e emoções a partir do contato com a produção artística por meio das seguintes solicitações/perguntas norteadoras: “Aponte passagens da obra que em sua opinião foram imorais.”; “As atividades desenvolvidas pelo protagonista são de competência do farmacêutico?”; “Aponte passagens da obra que tenham relação com o código de ética profissional.”; e “Infrações, penalidades sanitárias e normas relativas à propaganda de produtos para a saúde”.
“Quero olhar pelo seu olhar”: compartilhamento dos significados percebidos
Posteriormente, para os educandos iniciarem a discussão da VE, foi adicionada em uma bexiga uma palavra que representasse os seus sentimentos, ideias e emoções a partir do disparador utilizado. Para haver o compartilhamento dos significados percebidos, eles foram convidados a jogar as bexigas para o alto, onde conquistaram outra bexiga, sendo desafiados a associar as suas percepções com o olhar do outro, ou seja, precisaram olhar com o olhar do seu colega e com o seu próprio.
Plenária ética simulada: construção da ética profissional farmacêutica
A partir de uma situação-problema referente à ética profissional farmacêutica, os educandos foram desafiados a elaborar a Plenária ética simulada (PES) e a utilizar personagens com a dramatização necessária para atingir os seguintes objetivos propostos: responder quais as possíveis irregularidades ocorridas; apontar as infrações éticas do farmacêutico e as irregularidades sanitárias de acordo com o código de ética profissional; indicar as normas, procedimentos inadequados e responsabilidades; e indicar as implicações dessas infrações sob o aspecto do reconhecimento e valorização profissional. Para trabalhar o desenvolvimento de equipes, optou-se por utilizar o psicodrama, um método de intervenção que busca trabalhar os conflitos do indivíduo e do grupo por meio de técnicas inspiradas no teatro15,16. Para isso, foi necessário seguir as etapas de tramitação do processo ético disciplinar disposto na resolução17 nº 596, de 21 de fevereiro de 2014.
Uso de mapas conceituais como dispositivo de aprendizagem
Com objetivo de aguçar os educandos a aprender e a pensar de uma maneira mais plena, interligando o pensamento analítico e racional ao imaginativo e holístico; e estimulando a criatividade e tomada de decisão, foram utilizados mapas conceituais a partir da situação-problema relacionada aos marcos regulatórios sanitários e profissionais. A elaboração do mapa conceitual seguiu os seguintes passos: (1) identificar os conceitos pertinentes, (2) ordenar os conceitos selecionados, (3) organizar os conceitos do seu mapa conceitual, (4) incorporar outros conceitos, (5) ligar os conceitos com conexões explicativas, (6) revisar e alterar seu mapa conceitual, (7) verificar as possíveis ligações cruzadas, (8) incorporar exemplos específicos a alguns conceitos, (9) entender seu mapa conceitual e (10) identificar a pergunta que seu mapa conceitual responde18. Dessa forma, para o discente, a aprendizagem torna-se mais fácil, pois os novos dados são reunidos de maneira integrada, global e organizada19.
Resultados e discussão
As aventuras de um professor-formador em Deontologia e Introdução à Farmácia
O ensino tradicional, que ao mesmo tempo forma e deforma, tem norteado há tempos os processos educativos dos profissionais de saúde20. O que se observa é que o ensino “bancário” referido por Freire tenta convencer de que a realidade é reta, imutável e não passível de transformação21. Diante das demandas da educação superior em saúde22 e na tentativa de fazer “pérolas”, foram incorporadas estratégias pedagógicas com uma abordagem centrada no educando como promotor da sua própria ação educativa.
As aventuras pedagógicas descritas neste relato, desenvolvidas em um currículo tradicional, foram extremamente importantes e desafiadoras dentro de marcos regulatórios endurecidos. Nesse sentido, possibilitou-se aos educandos o desenvolvimento do olhar ampliado nas atribuições farmacêuticas e nas impressões éticas conquistadas nesse processo. Gaiolas ou asas? Nesse momento, tornamos viva a seguinte reflexão: “Que tipo de farmacêutico a população precisa e merece?”. Assim, o voo foi encorajado em diversas situações e que não pode ser ignorado em uma sociedade que muda permanentemente.
Em 2017 foi publicada a resolução nº 06/2017, do Conselho Nacional de Educação, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Farmácia, propondo como perfil do egresso/profissional o farmacêutico com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor científico e intelectual, dotado de conhecimentos e habilidades gerais e específicas23. Ao seguir os caminhos por uma formação construtivista entre educador e educandos, descrevemos, então, esse desafio em busca de uma formação centrada na matriz de competências necessárias para atuação do farmacêutico24.
Durante essas aventuras nos empreendemos em desafios incorporados na perspectiva problematizadora a partir de conceitos freireanos para a formação de sujeitos críticos e reflexivos e para a construção do meu próprio conhecimento, que se refaz constantemente na práxis, com a perspectiva de formar (desformar) os educandos, atribuindo a eles imaginação e transformação. O conceito de práxis, conforme afirma Sánchez Vázquez, é uma atividade prática que faz e refaz coisas, isto é, transmuta uma matéria ou uma situação. A práxis é criativa em seu curso: sofre mudanças em suas realizações episódicas, e isso engendra a inadequação entre intenções conscientes e resultado25.
A prática do acolhimento foi uma ferramenta que possibilitou uma rede de confiança e solidariedade entre educador e educandos. Durante esse processo, como os seres humanos são complexos, a práxis revolucionária precisa ser tão criativa que surpreenda. A práxis deixou que o espontâneo em deontologia farmacêutica se manifestasse. Rubem Alves26, em “Alegria de Ensinar”, marcado por um contexto relacionado às palavras, diz que elas nos dizem onde estamos destinados a voar, a saltar sobre os abismos, a visitar mundos inexistentes. Assim, por meio desse olhar transformador, mergulhamos nesse novo jeito de ver a realidade sob a ótica de quem captura o que o pensamento acrítico não vê, onde a importância das coisas pode ser medida pelo encantamento que produz em nós.
Educar pessoas conscientes do seu papel social com a percepção macro dos problemas é um grande esforço para superar suas limitações por meio de uma realidade objetiva e subjetiva. A sensibilização na formação desses futuros profissionais de saúde é imprescindível para dar subsídios para diversas reflexões. Associar a vivência educacional em sala de aula com o ambiente virtual é uma forma de dar o poder da palavra e autonomia a esses educandos.
Nessa direção, não podemos deixar de ouvir Rubem Alves26 (p. 57) quando fala sobre a palavra: “que ela pode navegar com as nuvens, visitar estrelas, entrar no corpo, fluir com a seiva das plantas, investigar a imaginação da matéria, mergulhar no fundo dos rios e mares, ou seja, andar por mundos que há muito deixaram de existir”. Ainda assim, não podemos viver sem respostas; as asas, para o impulso inicial do voo, dependem de pés apoiados em terra firme onde o professor-facilitador desempenha o seu papel.
Ver, rever e transver: tecendo redes de formação construtivista por meio de processos educacionais inovadores
Na busca de um caminho construtivista para o desenvolvimento de um perfil profissional reflexivo, chegamos à alma de um farmacêutico. Ou, como diria Manoel de Barros, para ver, rever e transver. Além disso, Morin20 eleva a dimensão do ver ao transver e provoca a constatar e não apenas constatar, sobretudo, intervir na realidade como sujeito crítico e criativo. Ao constatar, surge a capacidade de intervir, de desformar e, desformando, aprende-se permanentemente e eleva-se o ser humano à dimensão, ao passo que transforma, transforma-se27.
Além disso, destaca-se a liberdade na construção do webfólio no registro das imagens, reflexões e interações no ambiente virtual. Dessa forma, essa prática permitiu maior clareza e absorção dos conteúdos teóricos, pois a proximidade entre educador e educandos contribuiu para o reconhecimento das fragilidades e potencialidades nesse processo. Assim, o webfólio “Alma do Farmacêutico” (almadofarmacêutico.wixsite.com/ufob) foi construído de forma que o leitor não encontrasse só textos, mas também imagens que complementavam os conteúdos abordados em sala de aula.
Ainda mais, houve a adição de links que direcionavam os internautas/público/participantes para os decretos, resoluções, leis e tirinhas que foram utilizadas em sala de aula. Paulo Freire21 afirma: “o educando deve assumir a sua produção do saber, convencendo de que o ato de obtenção de ensino não é transferência de conhecimento, e sim criar possibilidades para a sua autoconstrução” (p. 12).
Segundo Limberger28, o conhecimento construído a partir dessa ferramenta provoca bons resultados, uma vez que ela provoca uma mudança no paradigma do estudante imediatista, passivo e pouco motivado. Assim, as informações adquiridas em aula contribuem para produção de saberes por meio de suas experiências. Assim, como diria Rubem Alves26: “[...] esses desafios para pensar comparam-se como águia que alça voo no desconhecido, em busca de respostas certas para perguntas, a fim de andarmos em terra firme, ou seja, apoiar-se no conhecimento adquirido, seguro e concreto” (p. 67).
A VE permitiu a apropriação de conceitos e condutas adotadas durante o exercício profissional. Nesse momento, as atribuições do protagonista do filme foram problematizadas para haver aproximação com a prática farmacêutica. O filme “Amor & outras drogas” (2011) permitiu atribuir alguns significados referentes à imoralidade e desonestidade quando algumas indicações de medicamentos não eram comprovadas. Nesse momento, foi gerado o questionamento se as atividades desenvolvidas pelo protagonista são de competência do farmacêutico e, a partir dessa sensibilização, como os educandos poderiam agir. Eles identificaram que a obra cinematográfica apresentou relações referentes ao artigo 8 da resolução nº 596 do Conselho Federal de Farmácia17, na qual afirmavam que o paciente/usuário/assistido/cliente deveria ser prioridade em relação aos cuidados e serviços farmacêuticos.
Além disso, os educandos destacaram algumas infrações sanitárias, como a Lei29 nº 6.437, de 20 de agosto de 1977, pelo fato de ter cedido medicamentos para diversas pessoas sem prescrição. Com relação à propaganda de produtos para a saúde, o laboratório citado pelo filme infringiu as normas do artigo 11 da resolução30 de número 461, de 2 de maio de 2007, por ter feito propaganda com informações duvidosas aos usuários, como indicações medicamentosas que não se encontravam na bula. Os significados percebidos giravam em torno da falta profissional de origem culposa por negligência, imperícia e imprudência, além de permitir vislumbrar reflexões das falhas previstas no Código Penal (Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940)31 e Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990)32.
Os significados percebidos na dinâmica “Quero olhar pelo seu olhar” permitiram que os educandos atribuíssem sentidos remetendo memórias positivas e negativas, situação na qual a reflexão de diferentes olhares permitiu o entrelaçamento de ideias. Esse fator contribuiu para gerar diálogos com uma riqueza de pensamentos, sonhos, emoções, multiculturas, pluripensares e diversidade. A partir da construção desse conhecimento em consonância com o webfólio e de mãos dadas com Rubem Alves26, a palavra surge novamente com seu poder mágico, sendo determinante para a metamorfose do corpo e mente, corroborando a formação da nossa educação.
A PES possibilitou aprendizagens mais complexas, nas quais se trabalhou com a resolução de problemas, valorizando o conhecimento de forma participativa e questionadora. Foram produzidos dispositivos como caixas de medicamentos dentro e fora do prazo de validade, seringas, certidão de regularidade técnica, autorização especial e de funcionamento, procedimento operacional padrão, manual de boas práticas, cenários referentes às farmácias, Conselhos Federal e Regional de Farmácia, delegacia, hospitais e vigilância sanitária. A construção desse material permitiu que os educandos percebessem a aproximação com as relações sanitárias e profissionais do farmacêutico. Além disso, apropriaram-se dos conhecimentos da deontologia farmacêutica, estabelecendo uma comunicação de fácil compreensão na apresentação em sala.
A PES também contribuiu para o desenvolvimento de equipes que precisaram unir esforços para realizar o trabalho em comum e resolver conflitos. Ou seja, foi gerado um espaço de estímulo ao desenvolvimento e ao crescimento profissional e pessoal. Assim, por meio do psicodrama, as equipes apresentaram a situação-problema com a dramatização necessária a partir de um processo ético disciplinar.
Seguindo os desafios por uma formação construtivista, os grupos construíram diversos mapas em sala, vide exemplo destacado na figura 1. Esses instrumentos facilitadores da aprendizagem permitiram importantes processos de análise e compreensão, pois contribuíram para ressignificar a sala de aula que se transformou em um local de sonhos, colaborações, comunicação, diversidades, construções e conhecimentos.
Desvios e desveres: uma festa de desformatura!
É importante que, nesse caminho de desafios por uma formação construtivista, o facilitador desempenhe a tarefa da educação de ensinar a ver. Os saberes ensinam e os sabores que despertam, ainda assim, não é obrigatório que os educandos gostem do que veem. Afinal, o caminho educacional do curso segue o método tradicional de aprendizagem. Porém, é importante que seus horizontes se alarguem, como refere Nietzsche (p. 56)33.
Todo conhecimento científico começa com um desafio: um enigma a ser decifrado! “Aquele que é um verdadeiro professor toma a sério somente as coisas que estão relacionadas com os seus estudantes – inclusive a si mesmo”, afirma Nietzsche (p. 29)33. Sendo assim, ao seguir com as ferramentas necessárias em acordo com Rubem Alves33, direcionou-se uma formação na qual os educandos não fossem colocados em fôrma e fechassem os caminhos. Ao contrário: abrimos caminhos para desformar e gerar essa festa de desformatura.
Diante disso, identificamos as potencialidades conquistadas no mural de competências produzido pelos educandos, tal como indicado na figura 2:
Competências adquiridas pelos educandos de Farmácia nas redes de educação construtivista em Deontologia Farmacêutica
Assim, chega o momento no qual a satisfação, alegria e esperança prevalecem. Ao navegar na obra de Rubem Alves26, seguimos no desejo de que os educandos, por meio da capacidade de transver e de desformar, desformados, aprendam permanentemente a se transformar. Em acordo, Paulo Freire21 aponta: “[...] pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo”. Essas situações elevam a dimensão em torno do mestre, que toma os discípulos pela mão, os leva até o alto da montanha e diz:
Aqui se encontra o retrato deste mundo. Se você prestar bem atenção, verá que há mapas dos céus, mapas das terras, mapas do corpo, mapas da alma. Andei por estes cenários. Naveguei, pensei, aprendi. Aquilo que aprendi e que sei, está aqui. E estes mapas eu lhe dou, como minha herança. Com eles você poderá andar por estes cenários sem medo e sem sustos, pisando sempre a terra firme. Dou-lhe o meu saber.26 (p. 72)
Iluminando desformações
Ao tecer redes de educação construtivista para desenvolvimento do conhecimento em acordo com uma formação libertadora, a autonomia ganhou espaço em uma disciplina que poderia ser regida na perspectiva de marcos regulatórios endurecidos. Nesse caminho que foi visto e desvisto, o transver permitiu chegar a uma desformação. Desse modo, os educandos não foram colocados em fôrma para fechar os caminhos. Ao contrário: embarcaram na aventura da formação inovadora em saúde com a conquista de novos horizontes.
O conhecimento adquirido por todos nós se mantém em (re)construção, ou seja, vivos e quentes em processos de reflexão. Como a Pedagogia do Caracol de Rubem Alves, acompanhamos tranquilamente o caracol que se arrasta sobre a tampa da mesa. Seguimos sabendo onde estamos indo e observando as vistas maravilhosas desse caminho, vendo as nuvens e conversando sobre suas formas.
Diante disso, a utilização de dispositivos ativos possibilitou acompanhar a edificação dos saberes e demonstrou um grande potencial para o desenvolvimento da aprendizagem. Esse caminho tornou o aprendizado mais prazeroso e incentivou a capacidade de argumentação crítica em aspectos objetivos e subjetivos. Assim, também foi possível perceber a materialização do conteúdo ministrado a partir do sentido das práticas sanitárias e sua aplicabilidade na vida profissional.
Agradecimentos
Aos estudantes do curso de Farmácia da Universidade Federal do Oeste da Bahia, por embarcarem nessa rica aventura da aprendizagem.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Abr 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
01 Set 2019 -
Aceito
31 Jan 2020