Open-access Participação masculina no planejamento familiar: revisão integrativa da literatura*

Male involvement in family planning: an integrative literature review

Participación masculina en la planificación familiar: revisión integrativa de la literatura

Resumos

Este artigo trata de uma revisão integrativa de literatura sobre a participação masculina no planejamento familiar. Foram analisados 15 artigos de pesquisas empíricas realizadas com homens, disponíveis no Portal de Periódicos Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e nas bases de dados US National Library of Medicine (Pubmed) e Scientific Electronic Library Online (SciELO), com recorte de 1995 a 2019. Os resultados foram organizados em cinco categorias: comportamento masculino em relação ao planejamento familiar (PF); quem deve ser responsável pelo PF versus envolvimento masculino atual; como os homens participam do PF; fatores que influenciam a participação; fatores que dificultam a participação. Evidenciou-se a limitada participação masculina no PF, porém com sinais de mudanças em culturas com relações de gênero mais igualitárias. Por esse e outros fatores, ressalta-se a necessidade de investimentos em políticas públicas que visem melhor inserção masculina no PF.

Planejamento familiar; Homem; Saúde reprodutiva; Contracepção; Políticas públicas de saúde


This article presents the results of an integrative literature review of male involvement in family planning (FP). We analyzed 15 articles of studies conducted with men between 1995 and 2019 available on CAPES’ Journal Portal and the PubMed and SciELO databases. The results were organized into five categories: male behavior in relation to FP; who should be responsible for FP versus current male involvement; how men participate in FP; factors that influence involvement; and factors that hinder involvement. The findings showed that although male involvement in FP was limited, there are signs of change in culture resulting in greater gender equality. Our findings and other factors highlight the need to invest in public policies designed to increase male involvement in FP.

Family planning; Man; Reproductive health; Contraception; Public health policy


Este artículo contiene una revisión integrativa de literatura sobre la participación masculina en la planificación familiar. Se analizaron 15 artículos de investigaciones empíricas realizadas con hombres, disponibles en el Portal de Periódicos CAPES y en las bases de datos Pubmed y SciELO, con recorte de 1995 a 2019. Los resultados se organizaron en cinco categorías: comportamiento masculino con relación a la planificación familiar (PF): quién debe ser responsable por la PF versus envolvimiento masculino actual; cómo los hombres participan en la PF; factores que influyen en la participación; factores que dificultan la participación. Resultó evidente la limitada participación que ellos tienen en la PF, pero con señales de cambio cultural con relaciones de género más igualitarias. Por ese y otros factores, se subraya la necesidad de inversiones en políticas públicas con el objetivo de una mejor inserción masculina en la PF.

Planificación familiar; Hombre; Salud reproductiva; Contracepción; Políticas públicas de salud


Introdução

O envolvimento masculino no planejamento familiar (PF) pode ser considerado limitado1,2 e até se formou certo paradigma de que a questão diz mais respeito às mulheres do que aos homens. Consequentemente, recai muitas vezes sobre os ombros delas a responsabilidade exclusiva por gestações não planejadas3.

Há também de se considerar o enfoque demasiadamente restrito às mulheres, desde a década de 1980, em programas de PF no âmbito dos serviços de saúde, realizados em ambientes não convidativos para o público masculino e que favorecem a mentalidade de que o assunto é exclusivamente delas. Ainda que se encontrem programas que visem a saúde reprodutiva deles, as mulheres consideram a participação de seus parceiros insuficiente4. Também se encontram lacunas em pesquisas científicas na área5, pois, em boa medida, limitam-se às “atitudes e comportamentos das mulheres em questões relativas à reprodução”6 (p. 613)c. Por outro lado, as atitudes dos homens podem ainda interferir, positiva ou negativamente, na opinião das companheiras, definindo os rumos do uso ou não de um método contraceptivo, da quantidade de filhos, do tempo de espaçamento entre as gestações e da distribuição das tarefas no cuidado dos filhos7,8.

Sendo nossa sociedade plural, papéis socialmente consolidados não são determinantes para todos, e alguns resultados indicam modificações, apontando para uma melhora no envolvimento dos homens no PF, ainda que em passos lentos e variável conforme a cultura, educação, ocupação, religião e outros fatores contextuais9.

No âmbito da Atenção Básica à Saúde (ABS), o Ministério da Saúde tem utilizado o termo (mais abrangente) Planejamento Reprodutivo em substituição à PF, pois compreende-se que:

[...] o adolescente, o jovem ou o adulto, homem ou mulher, independentemente de ter ou não uma união estável ou de constituir uma família, pode fazer, individualmente ou com o(a) parceiro(a), uma escolha quanto a ter ou não ter filhos [...]10. (p. 58)

Contudo, neste artigo, adotou-se o termo PF por estar mais alinhado ao objetivo desta pesquisa, que se limitou a analisar a percepção masculina de sua participação no PF em uma perspectiva de gênero e no contexto da família. Com isso, não se desconsidera a importância das práticas de atenção e cuidados aos direitos reprodutivos e sexuais do sujeito masculino isoladamente.

Cabe destacar ainda que este estudo quer ir além de visões restritivas a respeito da participação masculina no PF; assim, requer em um primeiro momento definir o que se compreende por PF, que pode ser tanto a atitude de evitar a concepção quanto a responsabilidade de construir um ambiente favorável para o acolhimento de uma criança. Portanto, o papel do homem no PF desdobra-se na efetiva autopreparação e na contribuição com a preparação da companheira para o exercício responsável da parentalidade. Ademais, acredita-se que ele deva se preocupar com o cuidado de sua saúde reprodutiva e a de sua parceira, especialmente “ao evitar gravidezes indesejadas e/ou programá-las em situações pessoais, sanitárias e sociais mais adequadas”11 (p. 74).

Ao realizarmos levantamento sobre revisões integrativas no Brasil envolvendo a participação dos homens no PF, duas publicações foram localizadas. A primeira delas, de Silva et al.12, preocupou-se com o acesso masculino ao PF e abrangeu 37 publicações, em um recorte de 2007 a 2018. Contudo, incluiu estudos de revisão de literatura e, entre esses, outras revisões integrativas. O segundo artigo, realizado por Nogueira et al.13, concentrou-se no conhecimento científico produzido sobre o engajamento masculino no planejamento reprodutivo e analisou 11 publicações de 2005 a 2015. Apesar de questão mais próxima a esta investigação, não se limitou às pesquisas empíricas, obtendo apenas quatro estudos de homens como participante e todos os 11 artigos eram em português.

Diante do exposto, acredita-se que fazer um levantamento das produções científicas possa contribuir para compreender a multiplicidade do fenômeno e verificar se existem fatores relevantes que possam indicar caminhos para qualificar o engajamento masculino no PF.

Assim, justifica-se este estudo, que será norteado pela pergunta: quais os resultados obtidos nas pesquisas empíricas publicadas sobre a percepção masculina em relação ao seu envolvimento no PF? O objetivo foi realizar uma revisão integrativa de literatura sobre a participação masculina no planejamento familiar.

Método

Este artigo realiza uma revisão integrativa,

[...] tipo de revisão da literatura que reúne achados de estudos desenvolvidos mediante diferentes metodologias, permitindo aos revisores sintetizar resultados sem ferir a filiação epistemológica dos estudos empíricos incluídos14. (p. 336)

Entre os diversos modelos propostos para esta revisão, cinco etapas são matriciais: “formulação do problema; coleta de dados; avaliação dos dados; análise e interpretação dos dados; divulgação dos dados”14 (p. 341).

Os critérios de inclusão dos materiais selecionados foram: artigos revisados por pares; disponibilizados on-line, em livre acesso; nos idiomas português, inglês e espanhol; publicados entre 1995d e 2019; sendo os próprios homens os participantes da pesquisa; com abordagem do fenômeno e contexto de interesse, isto é, significado/descrição subjetiva e objetiva da experiência do participante masculino no PF. As buscas foram realizadas no Portal de Periódicos Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e nas bases de dados US National Library of Medicine (Pubmed) e Scientific Electronic Library Online (SciELO). Intencionou-se usar a base de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), no entanto nenhuma publicação foi recuperada.

Na coleta de dados foram empregados concomitantemente três termos de pesquisa (com sinônimos e correspondentes) que deveriam estar presentes no título. Não havendo nenhuma correspondência, ampliou-se a busca para o resumoe. Para conectar os termos empregou-se o boleano AND. Os termos afins ao objetivo deste estudo foram selecionados com base nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e Medical Subject Heading (MeSH): 1) planejamento familiar; 2) papel (figurativo)f; 3) homens. O levantamento de dados foi realizado em maio de 2019 e revisado em outubro do mesmo ano.

Não foram admitidos: artigos repetidos ou repetições de estudos nas bases pesquisadas; materiais incompletos; publicações caracterizadas como ensaios, artigos de reflexão, relatos e revisões de literatura; capítulos de livros, teses ou dissertações; ainda foram excluídos materiais que se caracterizaram como: 1) investigações de situações específicas do envolvimento masculino no PF, como em decorrência de doenças sexualmente transmissíveis ou restritamente em relação ao uso de métodos contraceptivos; 2) coletas de percepções dos agentes de saúde e/ou de mulheres acerca da participação masculina no PF, ou seja, estudos que não tinham como participante principal o próprio homem; 3) relatórios ou avaliações de programas/modelos de intervenção para melhorar o comportamento masculino no PF.

Os dados dos artigos pré-selecionados foram sistematizados em formulários criados no software Excel, com as seguintes informações: base de dados; descritores da pesquisa; título; autores; ano da publicação; local; referência; palavras-chave; resumo da obra, com realce dos objetivos, métodos; resultados e conclusões.

Após a leitura completa dos materiais e a identificação de possíveis estruturas temáticas, os artigos foram minuciosamente analisados com auxílio do software Atlas.ti. A análise de conteúdo deu-se pela definição das categorias temáticas e pelo desenvolvimento de um amplo esquema de codificação. Posteriormente, os códigos foram refinados e cruzados, criando supercódigos quando possível.

Resultados

Na coleta de dados foram recuperados 163 registros (setenta da SciELO, 66 do Portal de Periódicos Capes e 27 da Pubmed). As publicações foram avaliadas considerando os critérios estabelecidos anteriormente e 92 títulos repetidos foram excluídos. Após a leitura do resumo de 71 artigos, 47 não foram considerados estudos elegíveis. Assim, seguiu-se a leitura na íntegra dos 24 artigos pré-selecionados e nove foram excluídos (oito não tinham objetivamente o homem como participante principal da pesquisa e um restringia-se somente à avaliação do uso de métodos contraceptivos).

Os 15 artigos que preencheram todos os critérios constituíram o corpus da revisão (dez do Portal de Periódicos Capes, três da SciELO e dois da Pubmed, sendo 11 em inglês, três em português e um em espanhol). A Figura 1 apresenta o fluxograma do processo de seleção dos artigos e o Quadro 1 sistematiza as principais características de cada estudo selecionado: autor, data de publicação, país em que foi realizado, tipo de estudo e de análise de dados, participantes da pesquisa.

Figura 1
Fluxograma do processo de seleção dos artigos para a revisão, 2019

Quadro 1
Sumário das características dos estudos incluídos, Brasil, 2019 (N = 15)

Do Quadro 1 destaca-se que apesar da linha de corte da busca ter sido 1995, é somente de 1998 o primeiro artigo elegível16. Contudo, uma das pesquisas lança mão de dados de 1990-9119. Ademais, os anos com maior ocorrência de publicações foram 2001, 2003, 2014, 2015 e 2016 com dois cada um, seguidos de 1998, 2004, 2007, 2010 e 2018 com um de cada ano. Considerando-se apenas a última década, encontram-se oito dos 15 estudos.

Quanto à caracterização do tipo de estudo, todos os 15 são transversais e, a respeito do tipo de análise de dados, identificaram-se 11 trabalhos quantitativos, três qualitativos e um misto. A maioria são pesquisas internacionais (13), sendo predominantemente do continente africano com sete publicações, seguido da Ásia e da América com quatro cada uma. Dos quatro estudos americanos, dois foram realizados na América Latina (Brasil), um na América do Norte e um na América Central. Das sete pesquisas africanas, três foram realizadas na Nigéria, país com maior representatividade.

Os resultados da análise de conteúdo foram organizados em cinco categorias temáticas (Quadro 2): 1) Comportamento masculino em relação ao PF; 2) Quem deve ser (é) responsável pelo PF versus envolvimento masculino atual; 3) Como os homens participam (ou poderiam participar) do PF; 4) Fatores que influenciam na participação masculina no PF; 5) Fatores que dificultam a participação masculina no PF.

Quadro 2
Principais resultados dos estudos, Brasil, 2019

Discussão

Constatou-se que parte dos homens pesquisados, quando não os próprios pesquisadores, restringe as relações masculinas no PF ao conhecimento e ao uso de métodos contraceptivos. Assim, percebe-se que nos estudos, apesar de comportamentos positivos, nem sempre o envolvimento masculino se dá em mais de uma dimensão do PF, refletindo talvez “a crença de que o responsável final pela prevenção da gravidez é a mulher”17 (p. 477)g. Quando múltiplos fatores analisados eram confrontados, tais como conhecimento de métodos de contracepção versus conhecimento do funcionamento desses métodos, nem sempre a autopercepção dos homens sobre seu conhecimento de PF refletia a realidade21.

Ademais, a participação no PF não é garantia de atitude positiva para empregá-lo; em alguns casos isso se dá negativamente no domínio masculino sobre as decisões reprodutivas, limitando a vontade e as escolhas femininas no PF21,24,27. Inclusive, alguns dos entrevistados “sugeriram que as mulheres deveriam apresentar permissão por escrito de seus maridos aos prestadores de PF antes de serem autorizadas a praticar contracepção”27 (p. 205)h. Se há os que se envolvem até demais, há aqueles que explicitamente pouco se comprometem23-25,28.

Ainda, a aprovação do PF nem sempre é expressa publicamente devido a padrões culturais por vezes contrários22-24,26,27,30. Positivamente, um dos estudos apontou que “homens que aprovam o planejamento familiar têm cinco vezes mais chances de adotar um comportamento de controle de fertilidade do que aqueles que não o aprovam”19 (p. 214)i, resultado semelhante ao de Kassa et al.25. Se em algumas localidades é percebida a falta de conhecimento de PF e baixo engajamento masculino, em outras o pouco conhecimento se reflete de forma contrária, ou seja, no exercício arbitrário de decisões sobre adotar ou não o PF, decidir o número de filhos e quando tê-los29. Em síntese, a participação deles no PF é limitada, mas são percebidos o aumento do conhecimento de PF e as mudanças de atitude, embora lentamente, em direção a maior envolvimento.

Ainda que em sete estudos a maioria dos homens responda ser o casal conjuntamente o responsável pelas questões relativas ao PF e eles sintam-se altamente envolvidos16,17,19,21,22,26,27, em outros cinco estudos declaradamente afirmam que as mulheres devem ser as principais responsáveis e que na prática eles de fato pouco participam18,23-25,30. Isso reflete padrões culturais e representações sociais de gênero que justificam a isenção deles em determinados assuntos e os distanciam do PF, relegando à mulher o encargo e a responsabilidade exclusivos.

Se, por um lado, verifica-se certa visão apequenada em relação ao papel masculino no PF, reduzindo-o ao uso de métodos contraceptivos16-26,28-30, observam-se alguns indicativos da atual participação deles ou de possíveis atividades nas quais poderiam se envolver. Positivamente, muitos homens parecem reconhecer que decidir sobre o número de filhos a serem gerados e o espaçamento entre eles é uma atividade de PF16,17,19,20,22-30, mesmo que nem todos concordem com a limitação da prole17,19,20,25,27-30. Negativamente, chama a atenção que pensar, como parte do PF, nos riscos para a mãe e para o bebê de uma possível gestação apareça apenas em quatro estudos17,23,24,26. Talvez esse resultado não seja tão conclusivo, visto que o próprio método de captação de dados das pesquisas, no caso do emprego de questionários semiestruturados em estudos quantitativos, não abriria ou restringiria a possibilidade de elencar esse cuidado, refletindo a própria visão dos pesquisadores em relação ao que o PF se refere.

Entre os fatores que poderiam influenciar uma participação mais responsável dos homens no PF, predominou a necessidade de criar e fortalecer serviços de PF adequados ao perfil masculino17-30. Soma-se a esse fator a responsabilidade do Estado em implementar políticas públicas que visem qualificar o envolvimento deles no PF17,19,20,22,24,25,27,29,30. Em relação aos casais, foi verificado que quanto melhor a comunicação do casal sobre sexualidade e PF, melhor o engajamento, algo indicado por eles mesmos18,19,23-25,27-29. Entretanto, a depender do contexto em que estão inseridas, algumas mulheres não contam com a iniciativa masculina18,19,23,27 nem têm liberdade para iniciar o assunto, como se observou em um dos estudos:

Os homens deste estudo sentiram que não era sua responsabilidade iniciar discussões sobre PF com suas esposas, mas reconheceram as inúmeras consequências negativas que as mulheres poderiam enfrentar ao abordar o assunto com seus maridos. As mulheres estavam na posição precária de ter que alcançar um delicado equilíbrio entre serem proativas e subordinadas27. (p. 210)j

Tão extensa quanto a lista de fatores que aproximariam os homens do PF, a de fatores negativos que dificultam sua participação reflete conhecimento equivocado sobre o assunto e, por vezes, escancara um conformismo machista. Aos resultados que explicitamente indicam o limitado (ou equivocado) conhecimento sobre contraceptivos17-20,24,25,27-29, somam-se os estudos que apontam alguns medos não bem fundados dos efeitos colaterais de alguns métodos contraceptivos17-20,23-27,29,30 e o pensamento errôneo de que o desejo de mais um filho ou de famílias numerosas seria contrário à prática do PF17,19,20,25,27-30. Atrelado aos resultados que indicam que os papéis de gênero e outros aspectos culturais podem influir negativamente está o machismo19,20,23-25,27-30, explícito pela desconfiança de a companheira ser (ou vir a ser) promíscua por solicitar falar sobre PF e desejar usar métodos contraceptivos20,22-25,27,29,30, bem como o receio em relação à opinião de outros membros da sociedade22-24,26,27,30. Além disso, existe também o medo de eles próprios serem descobertos em seus casos de infidelidade quando questionados nos consultórios de PF ou submetidos a testes de doenças sexualmente transmissíveis25,27: “ ‘Às vezes, o médico pode me perguntar quantas parceiras tive nos últimos meses e não quero que minha esposa saiba disso’ (pai de quatro, 49 anos)”27 (p. 206)k.

Por fim, nem todos os fatores são infundados ou são desculpas; por isso, há de se alertar, como já assinalado anteriormente, que as próprias políticas públicas de alguns países, dos programas de PF e dos profissionais da saúde não consideram na prática os homens como corresponsáveis pelo PF. Isso alimenta ainda mais a distância deles, como se vê em alguns dos relatos:

Quando o planejamento familiar foi introduzido, os programas tinham como alvo as mulheres, então os homens não encontram razões pelas quais deveriam estar envolvidos agora. Por que devo ir à clínica com minha esposa enquanto todas as perguntas são direcionadas a ela? (pai de cinco, 43 anos)27. (p. 207)l

A maneira como podemos incentivar os homens a seguirem suas esposas até a clínica de PF é se o governo puder educar seu pessoal de saúde para mudar para melhor sua atitude em relação a seus clientes (participante do grupo focal de mais velhos)24. (p. 7)m

Quando eu vou para a clínica de PF, são mais mulheres do que homens, por isso me sinto tímido […] sim, eu me sentiria envergonhado de ir à clínica (homem, 24 anos)30. (p. 37)n

Considerações finais

O paradigma de que as questões de PF são assunto de mulher pôde ser verificado na incoerência entre as respostas dos homens quando questionados sobre quem deveria ser o responsável pelo PF e quem exerce o papel atualmente em suas famílias. Apesar de muitos dos entrevistados assinalarem que o casal é responsável pelo PF, a prática deles não corresponde, assumindo a mulher maior responsabilidade.

Ainda, diante do medo dos efeitos colaterais dos métodos contraceptivos ou para manter-se em grau de superioridade sobre a mulher, não surpreende a constatação de que alguns prefiram a esterilização da parceira à sua própria26. Ou seja, as representações sociais de gênero são outro fator altamente determinante para o engajamento masculino. Assim, homens inseridos em sociedades com relações de gênero mais igualitárias tenderiam a ser mais favoráveis à sua inserção no PF. O contrário também parece ser verdade, homens em sociedades fortemente marcadas pelo patriarcalismo podem exercer papéis arbitrários e interferir negativamente sobre as decisões reprodutivas, impondo suas vontades sobre as das companheiras. Nesse contexto, observa-se que alguns acreditam que suas esposas seriam (ou poderiam vir a ser) promíscuas por desejarem praticar o PF, por vezes, projeção de suas próprias práticas. Portanto, nessa relação desigual e de articulação de poder nas relações de gênero no âmbito do PF, vê-se quanto as mulheres em diversos contextos ainda continuam lesadas e relegadas à invisibilidade31.

Além disso, a resistência masculina em participar das consultas de PF, entre outros fatores, também deve ser relacionada ao despreparo dos programas de PF e dos profissionais de saúde para atender tal público32, o que reforça a necessidade de políticas públicas adequadas para reverter esse quadro.

Ademais, mesmo que um considerável número de estudos aponte para um bom conhecimento masculino no PF e até mesmo uma melhora em seu envolvimento, parte dos homens pesquisados, e em alguns casos os próprios pesquisadores, restringe as relações masculinas no PF ao conhecimento, à aceitabilidade e ao uso de métodos contraceptivos. Esse tipo de pensamento precisa ser superado, visto que favorece o distanciamento e a limitação da atuação dos homens no PF.

Assim, acredita-se ser necessária uma revisão conceitual, que leve em conta a variedade de atividades que o PF pode abarcar e que os homens sejam considerados. Com base nisso, sugere-se que estejam presentes pelo menos estes elementos:

  1. Pensar nos riscos para a mãe e o bebê em uma possível gestação.

  2. Preocupar-se com a saúde reprodutiva feminina, recordando que para isso também é necessário cuidar da saúde reprodutiva do homem.

  3. Decidir sobre o número de filhos e o espaçamento entre eles, visando o bem-estar da família e a educação dos filhos.

  4. Dialogar sobre o exercício responsável da sexualidade humana.

  5. Participar de serviços de saúde ou grupos de apoio que discutam e auxiliem as questões de PF.

  6. Decidir como fazer isso. Será necessário um método contraceptivo? Qual o melhor método o casal, com cumplicidade e liberdade de consciência, poderá empregar?

Finalmente, compreende-se que mesmo sendo essa uma revisão integrativa de literatura com a maioria de seus estudos internacionais, tendo em vista a multidiversidade cultural brasileira, muitos dos resultados obtidos poderiam ser replicados mediante estudos empíricos também no país.

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  • c
    “However, fertility and family planning research and programs have ignored men’s role in the past, focusing their attention on women’s attitudes and behaviors in matters concerning reproduction”.
  • d
    Elegeu-se essa data de partida tendo em vista o ano de realização da Conferência de Beijing (IV Conferência Mundial sobre a Mulher), que versou, entre outros assuntos, sobre a questão da igualdade entre gênero e planejamento familiar. A conferência está situada cronologicamente entre outros dois marcos para o planejamento familiar: um ano antes, 1994, aconteceu a Conferência do Cairo (Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento); no ano seguinte, no Brasil, foi publicada a Lei n. 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que define e garante o direito ao planejamento familiar.
  • e
    Para as bases Lilacs e SciELO adotou-se esse critério; todavia, não foi suficiente para obter resultados na Lilacs.
  • f
    Para ampliar os resultados adotou-se como sinônimo do descritor “papel” as palavras-chave “envolvimento” e “participação”, ainda que não constem entre os descritores do DeCS e da MeSH.
  • g
    This apparent contradiction between what respondents perceive they should be doing and what they actually wish to do may reflect a belief that contraception is ultimately a woman’s responsibility”.
  • h
    “Two men suggested that women should be required to present written permission from their husbands to FP providers before being allowed to practice contraception”.
  • i
    “It also appears that men who approve of family planning are five times more likely to adopt fertility control behaviour than those who do not approve of it”.
  • j
    “Men in this study felt that it was not their responsibility to initiate FP discussions with their wives, yet they acknowledged the numerous negative consequences women could face in raising the topic with their husbands. Women were in the precarious position of having to achieve a delicate balance between being proactive and deferential”.
  • k
    “‘Sometimes the doctor can ask me how many partners I’ve had in the last few months, and I don’t want my wife to know about it’ (father of four, age 49)”.
  • (l)
    “When family planning was introduced the programs targeted women, so men do not find reasons why they should be involved now. Why should I go to the clinic with my wife while all questions are directed to her? (father of five, age 43)”.
  • m
    “‘The way we can encourage men to follow their wives to FP clinic is if government can educate their health personnel to change their attitude better towards their clients’ (participant in older focus group)”.
  • n
    “‘When I go to the FP clinic, it’s a lot of women than men that’s why I feel shy […] yes, I would feel ashamed going to the clinic’ (male, age 24)”.
  • *
    Pesquisa realizada com bolsa concedida no âmbito do acordo da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Fundação Araucária. Processo número: 88887.353866/2019-00.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2020
  • Aceito
    11 Set 2020
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