Open-access Saúde do trabalhador na Atenção Primária: percepções e práticas de equipes de Saúde da Família

Occupational health in primary care: perceptions and practices in family health teams

La salud del trabajador en la atención primaria: percepciones y prácticas de equipos de salud de la familia

Resumos

O estudo buscou conhecer a percepção de equipes de Saúde da Família sobre as relações trabalho-saúde-doença e identificar estratégias, facilidades e dificuldades para prover o cuidado aos trabalhadores. Foram realizados grupos focais com profissionais de unidades básicas em: Palmas (TO), Sobral (CE) e Alpinópolis (MG). Utilizou-se análise de conteúdo de Bardin para sistematização e análise dos dados. Os resultados revelam que as ações de cuidado dos trabalhadores são pontuais e pouco articuladas com as diretrizes e objetivos da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Entre as dificuldades estão: sobrecarga de trabalho; despreparo das equipes para as questões que envolvem as relações trabalho-saúde-doença; falta de apoio institucional, entre outros. O apoio matricial às equipes de saúde pelos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador e outras instâncias do SUS foi identificado como facilitador das ações.

Saúde do trabalhador; Sistema Único de Saúde; Atenção primária à saúde


This study sought to recognize the perceptions of family health teams regarding work-health-illness relationships, and to identify strategies, facilities and difficulties relating to providing workers with healthcare. Focus groups were conducted among primary care professionals in three Brazilian cities: Palmas (TO), Sobral (CE), and Alpinópolis (MG). The Bardin technique for content analysis was used to organize and analyze the data. The results showed that the healthcare actions provided to workers were unsystematic and out of line with the guidelines and objectives of the Brazilian National Occupational Health Policy. The major problems identified were: work overload; unpreparedness among the teams regarding issues involving work-health-illness relationships; and lack of institutional support, among others. Central organizational support for healthcare teams, provided by occupational health reference centers and other parts of the Brazilian National Health System, was identified as a facilitator of actions.

Occupational health; Unified Health System; Primary health care


La intención fue conocer la percepción de equipos de salud de la familia sobre las relaciones trabajo-salud-enfermedad y identificar estrategias, facilidades y dificultades para proporcionarles cuidados a los trabajadores. Se realizaron grupos focales con profesionales de unidades básicas de las ciudades brasileñas de: Palmas (Tocantins); Sobral (Ceará) y Alpinópolis (Minas Gerais). Se utilizó el análisis de contenido de Bardin para el análisis de los datos. Los resultados revelan que las acciones de cuidados a los trabajadores son puntuales y poco articuladas con las directrices de la Política Nacional de Salud del Trabajador. Entre las dificultades están: sobrecarga de trabajo, mala preparación de los equipos para las cuestiones que envuelven las relaciones trabajo-salud-enfermedad, falta de apoyo institucional. Se identificó el apoyo matricial a los equipos de salud de los Centros de Referencia en Salud del Trabajador y otras instancias del SUS como facilitador de las acciones.

Salud laboral; Sistema Único de Salud; Atención primaria de la salud


Introdução

No modelo de atenção à saúde vigente no Sistema Único de Saúde (SUS), a Atenção Primária à Saúde (APS) é considerada ordenadora da rede de atenção à saúde e coordenadora do cuidado integral1 , 2. Este contexto pode ser interpretado como oportunidade para desenvolver o cuidado diferenciado aos trabalhadores, incorporando a contribuição do trabalho na determinação dos processos saúde-doença, pelo SUS, atribuição constitucional regulamentada pela Lei Orgânica de Saúde e prescrita na Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST)3.

A produção do cuidado aos trabalhadores pela APS ganha relevância no contexto das transformações econômicas em curso no país, responsáveis pelo aumento e diversidade da informalidade e da precarização do trabalho; do desemprego; de más condições de trabalho, com exposição a cargas físicas e psicossociais elevadas, além de frágil proteção social, condições que reforçam a vulnerabilidade social dos trabalhadores4 , 5. Na situação do trabalho informal em domicílio, de modo particular, a APS tem a possibilidade de romper com a invisibilidade das condições de saúde e trabalho desses trabalhadores, abrindo perspectivas inovadoras de intervenção e proteção em saúde6.

A PNSST e, em especial, a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNST-SUS) oferecem as bases conceituais, princípios, diretrizes e estratégias para prover a atenção integral à saúde dos trabalhadores. Entre as estratégias propostas pela PNST-SUS que envolvem a APS estão: a estruturação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST) no contexto da Rede de Atenção à Saúde e a articulação com a Vigilância em Saúde do Trabalhador, baseada na análise do perfil produtivo e da situação de saúde dos trabalhadores para o desenvolvimento das ações. Outros aspectos destacados são: o fortalecimento e ampliação da articulação intersetorial; o estímulo à participação dos trabalhadores e da comunidade, em geral; a capacitação das equipes de Saúde da Família (SF) e o apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas7.

Em que pese a base legal e a justificativa ético-política, a implantação de ações de saúde do trabalhador de forma sistemática na APS pressupõe o envolvimento das equipes, o que impõe a necessidade de se conhecer a organização do trabalho, as principais dificuldades e fatores facilitadores que envolvem a produção do cuidado à população trabalhadora.

As dificuldades estruturais da APS são amplamente estudadas e registradas na literatura e devem ser consideradas no processo de incorporação de ações de saúde do trabalhador nas práticas das equipes. Entre elas, destacam-se: a precariedade da rede física; o baixo índice de conectividade e informatização das Unidades Básicas de Saúde (UBS); o modelo de atenção centrado em ações assistenciais; o baixo grau de interação entre os profissionais; a grande demanda espontânea; a falta de preparo técnico e elevada rotatividade dos profissionais; a pouca integração com a rede de atenção e a precarização do trabalho8 , 9.

Entretanto, estudos desenvolvidos no país demonstram que as equipes de SF lidam, em seu cotidiano, com problemas advindos das relações trabalho-saúde-doença, porém com limitada capacidade de resposta, decorrente de lacunas nos processos de formação nos cursos de graduação; ausência de suporte técnico, de apoio institucional e de linhas de cuidado bem estabelecidas na rede de atenção6 , 10 , 11.

A necessidade de desenvolver metodologias e ferramentas eficazes de apoio técnico e pedagógico às equipes de SF, para prover a atenção à saúde dos trabalhadores, é apontada por diversos autores12 - 14. Por outro lado, a frágil articulação dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) com os serviços de Atenção Básica foi um dos fatores evidenciados no diagnóstico situacional realizado no estado de Minas Gerais, em 200715.

Com base no exposto, este artigo tem como objetivo discutir a percepção de equipes de SF sobre as relações trabalho-saúde-doença; identificar as estratégias desenvolvidas para oferecer o cuidado aos trabalhadores; os fatores potencializadores e limitantes para o cuidado, bem como propor alternativas com vistas à garantia da integralidade da atenção, considerando as complexas relações trabalho-saúde-doença e ambiente que se desenrolam nos territórios onde essas equipes atuam.

Método

Trata-se de pesquisa qualitativa, de caráter descritivo e exploratório, realizada com equipes de SF, nas cidades de Palmas (Tocantins); Sobral (Ceará) e Alpinópolis (Minas Gerais), com vistas a conhecer como se dá o cuidado aos usuários trabalhadores nas práticas desenvolvidas. A escolha dos municípios buscou atender a necessidade de se abordarem realidades distintas no país e seguiu os critérios: cobertura da SF acima de 50% e total de registros de acidentes de trabalho no Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), no ano de 2010, sendo o único indicador de Saúde do Trabalhador prescrito para a Atenção Básica.

A escolha das UBS que participaram do estudo foi feita com base em entrevistas com coordenadores de Atenção Básica; dos CEREST e gestores municipais e estaduais, considerados informantes-chave. Optou-se por trabalhar com municípios situados na área de abrangência de um CEREST, considerando seu papel de suporte técnico à rede SUS para as ações de saúde do trabalhador.

Foram convidados todos os profissionais que compunham as equipes de SF das UBS selecionadas, perfazendo uma média de oito profissionais em cada grupo focal. O número de participantes foi considerado suficiente quando os dados da pesquisa refletiram as múltiplas dimensões do objeto deste estudo e se tornaram repetitivos16. O critério de exclusão foi a não-concordância em participar da pesquisa.

Foram realizados grupos focais com integrantes de equipes de SF das três cidades, utilizando as seguintes questões norteadoras: Como vocês lidam com as demandas e problemas de saúde relacionados ao processo trabalho-saúde-doença? Que ações têm sido desenvolvidas para o cuidado de usuários trabalhadores? Quais instrumentos e abordagens têm sido utilizados? Quais os fatores facilitadores e as principais dificuldades para o desenvolvimento dessas ações? Foi incorporada, ainda, no roteiro, questão sobre a articulação entre as UBS e os CEREST.

Os grupos foram realizados no período de maio a agosto de 2011, sendo os encontros gravados e, posteriormente, transcritos, possibilitando o registro fidedigno das informações. Os participantes foram identificados com códigos segundo as categorias profissionais: M para médicos; E para enfermeiros; ACS para Agentes Comunitários de Saúde; ACD para auxiliar de consultório dentário, mantendo-se o anonimato.

Para a sistematização e análise dos dados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo, com abordagem temática, proposta por Bardin17. A sistematização inicial das informações obtidas nos grupos permitiu a identificação dos principais núcleos de sentido emergentes na pesquisa de campo, considerando as regularidades do discurso e os sentidos frequentes e ímpares presentes nas falas. Posteriormente, os dados foram organizados e classificados de acordo com as categorias: a) atributos da Atenção Básica e o cuidado à saúde dos trabalhadores; b) organização do cuidado à saúde dos trabalhadores; e c) recomendações. As categorias empíricas foram confrontadas com as analíticas, buscando-se as relações entre ambas, e subdivididas em componentes menores, as subcategorias.

A discussão dos resultados considerou os fundamentos, princípios e diretrizes da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e as características do processo de trabalho das equipes de SF2.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais. Os participantes dos grupos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, conforme normas preconizadas pela Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados e discussão

Os resultados do estudo foram consolidados e serão apresentados, considerando-se as categorias e as respectivas subcategorias, destacando-se as especificidades observadas nos municípios estudados.

Atributos da APS que favorecem o cuidado à saúde dos trabalhadores

O acesso, a longitudinalidade e coordenação do cuidado foram mencionados pelas equipes como sendo essenciais para o cuidado dos trabalhadores. Nos termos da Portaria 4279/2010, a APS deve ser organizada segundo os atributos: acesso, longitudinalidade, coordenação, integralidade, centralidade na família, abordagem familiar e orientação comunitária1.

O acesso representa o contato preferencial dos usuários com o SUS2. No relato das equipes de SF este atributo aparece nas dimensões relacionadas à barreira temporal, que se refere ao horário de funcionamento da UBS; organizacional, relacionada à característica de adscrição das famílias por domicílios de territórios previamente delimitados, e de gênero, envolvendo a restrição da utilização dos serviços de saúde pelos usuários do sexo masculino, em decorrência, sobretudo, dos horários de trabalho.

No município de Alpinópolis-MG, a preocupação sobre a ampliação do acesso resultou na extensão do horário de funcionamento das UBS. O tema cresce em importância nas discussões sobre a implantação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH)18 , 19.

“A gente tem atendimento noturno para atender essas pessoas (trabalhadores)”. (E)

Entretanto, alguns profissionais destacaram que, mesmo com o horário ampliado, o acesso de usuários trabalhadores do sexo masculino ainda é pequeno.

“Homem é muito teimoso. Para eles irem no centro de saúde só se já estiverem com a doença instalada”. (E)

“E a gente pode trabalhar noite, feriado, sábado, mas eles (os homens) não vão”. (E)

Nos estudos desenvolvidos por Knauth, Couto, Figueiredo18 e Machin et al.20, o trabalho foi apontado, pelos profissionais da APS, como um dos principais fatores que justificam a ausência ou dificuldade de acesso dos usuários aos serviços de saúde.

Knauth, Couto e Figueiredo18 evidenciaram que homens trabalhadores, com idade entre trinta e cinquenta anos, constituem grupo minoritário nos serviços de saúde, em decorrência de fatores como: a inserção no mercado de trabalho formal; o receio de ser penalizado pela ausência no trabalho, e as dificuldades impostas pelas empresas para justificar a ausência ao trabalho mediante atestado médico.

É importante destacar que a PNAISH propõe a redução da morbimortalidade dos homens por meio da ampliação e facilitação do acesso às ações e serviços de saúde, o que implica, necessariamente, incluir o trabalho na discussão.

Outra dificuldade se refere ao critério adotado de adscrição das famílias às equipes de saúde, utilizando apenas o critério domiciliar, limitando o acesso e o cuidado de usuários que trabalham, mas não residem no território, como relatado pela ACS.

“Na minha área tem muita oficina de carro, só que os trabalhadores não moram aqui na quadra. Quando acontece um acidente, eles vão para o Pronto Atendimento ou procuram a UBS deles. Eles não são daqui, só trabalham. [...] não procuram a UBS, por ter medo de não serem atendidos”. (ACS)

A dificuldade de prover a atenção à saúde de trabalhadores, em particular nas cidades “dormitórios” das regiões metropolitanas, foi identificada em avaliação da implementação da estratégia SF em dez grandes centros urbanos, desenvolvida pelo Ministério da Saúde em 2005. Para a solução do problema, o relatório recomenda que se estude a possibilidade de adscrição por local de trabalho ou por meio de inscrição individual em USF próximas aos locais de trabalho21. Vale lembrar que o documento da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em 1978, em Alma Ata, propõe que a atenção à saúde seja oferecida, pela APS, o mais próximo de onde as pessoas vivem e trabalham22.

Entre as estratégias desenvolvidas pelas equipes de SF, observadas no estudo realizado, para que a APS constitua, de fato, o contato preferencial do usuário com o SUS, destacam-se: a ampliação do horário de atendimento; visitas aos locais de trabalho, sendo referidas em apenas uma das unidades estudadas, e a priorização no agendamento de consulta.

“quando chega um paciente por conta do trabalho, a gente arruma um horário para eles. Eu agendo sempre os melhores horários, estou sempre remarcando os pacientes por conta do trabalho deles”. (ACD)

As visitas aos ambientes de trabalho instalados no território foram mencionadas pela enfermeira da equipe de SF de Alpinópolis-MG e utilizadas para o desenvolvimento de atividades educativas. Entre os desdobramentos, observou-se o aumento da procura pela UBS.

“[...] fomos na indústria de confecção de roupas que tem aqui. Trabalhamos com as mulheres, sobre a hipertensão, diabetes. Trabalhamos questões que a gente até então achava que estava tudo prontinho, mas quando chegamos lá percebemos que elas tinham muitas dúvidas [...] depois elas foram até a unidade, se interessaram em saber mais”. (E)

Entre as dificuldades relacionadas às visitas aos ambientes de trabalho, foi destacada a interferência na rotina de trabalho, particularmente nas situações em que o trabalhador tem sua renda vinculada à produtividade.

“Só que a gente chegava lá e é tudo por produtividade. Então como chefe da família ele precisa dessa produtividade. É a outra preocupação dele. Então tinha a nossa preocupação de não atrapalhar a produtividade dele e saber se ele estava aproveitando”. (E)

É importante ressaltar que o atributo acesso não se restringe às dimensões relativas à barreira física, cultural e organizacional, mas inclui a disponibilidade, comodidade e aceitabilidade do serviço pelos usuários, aspectos não mencionados pelas equipes.

A continuidade do cuidado foi destacada pelo grupo e pode ser incluída no atributo longitudinalidade:

“[...] um paciente que tínhamos, trabalhou por vários anos na pedreira, se aposentou por problema de enfisema e logo a seguir foi diagnosticado com silicose. No início [...] ele começou a fazer uma pneumonia de ápice direita. Eu fiquei preocupada dele ter alguma outra coisa. Ai eu mandei ele para o CEREST onde foi acompanhado e orientado [...]. Não ficou perdido na rede”. (M)

De acordo com Starfield23, a longitudinalidade é derivada da palavra longitudinal, e requer dos profissionais de saúde a capacidade de “lidar” com o crescimento e as mudanças de indivíduos ou grupos no decorrer de um longo período ou ciclos de vida. No relato transcrito, observa-se o acompanhamento do usuário trabalhador ao longo do tempo, pelo profissional de saúde da APS, mesmo após o encaminhamento para o CEREST. Chama atenção a expressão “não ficou perdido” para designar a continuidade do cuidado.

Porém, a fragmentação e a descontinuidade do cuidado foram explicitadas por outro profissional:

“Eu que tenho mais tempo de serviço, que sou mais velha, passei a vida toda frustrada. Porque você pega um caso, aí vai pra não sei aonde e some [...]”. (M)

Observa-se que os profissionais desenvolvem estratégias para suprir lacunas estruturais do SUS, com vistas à garantia da produção do cuidado. Um estudo de percepção dos trabalhadores da estratégia de SF do Distrito Federal, sobre o processo de trabalho e as repercussões no processo saúde-doença, evidenciou que a constante imprevisibilidade impõe ao trabalhador grande exigência cognitiva. Ademais, a carga de trabalho é aumentada pelas tarefas repetitivas, pela cobrança por resultados, pela escassez de pessoal, entre outros fatores24.

A coordenação do cuidado aos usuários trabalhadores, outro atributo da APS, emergiu nas discussões, porém foi pouco explorada. Ela requer o compartilhamento das informações, entre a equipe da APS e profissionais de outros pontos de atenção, sobre o atendimento dos usuários e ações desencadeadas, como, por exemplo: os procedimentos, orientações e encaminhamentos realizados. O prontuário clínico eletrônico e os sistemas informatizados são apontados como ferramentas essenciais para a coordenação do cuidado1.

No relato apresentado a seguir, o profissional revela conhecer os procedimentos realizados pela equipe técnica do CEREST, porém ele recebe esta informação do usuário trabalhador que procura a UBS.

“E o mais interessante que a gente observa que antes mesmo de chegar a contrarreferência (do CEREST) o usuário mesmo tem a liberdade de procurar a unidade. [...] antes mesmo de chegar a contrarreferência a gente já sabe o que está acontecendo com ele”. (E)

Esta questão evidencia o vínculo do usuário com a UBS, um dos princípios da Atenção Básica, e a manutenção de relações verticais, característica de sistemas burocráticos e pouco dinâmicos, em que a comunicação entre especialistas e equipes de SF ocorre por meio de formulários de referência e contrarreferência. Campos e Domitti25 propõem o Apoio Matricial enquanto metodologia de trabalho complementar àquelas adotadas no sistema hierarquizado. Sua utilização potencializa o processo de coordenação do cuidado pelas equipes da APS, na medida em que possibilita o compartilhamento dos diferentes saberes entre equipe de referência e especialistas.

Organização do cuidado à saúde dos trabalhadores

A “organização do cuidado aos usuários trabalhadores” abrangeu as subcategorias: reconhecimento dos usuários trabalhadores e mapeamento das atividades produtivas do território; notificação de agravos relacionados ao trabalho; emissão de laudo; apoio matricial e institucional; articulação intra e intersetorial; características do processo de trabalho e participação dos trabalhadores.

O reconhecimento dos usuários enquanto trabalhadores tem início no cadastramento das famílias pelos ACS, e continua no acolhimento, consulta clínica, visita domiciliar, nos grupos operativos, entre outros momentos de interação entre os usuários e a equipe.

O relato seguinte evidencia a importância de se incluírem, na anamnese, perguntas relativas ao trabalho do usuário, com vistas a relacionar as queixas e problemas trazidos com o trabalho atual e/ou pregresso.

“Quando acontece algum problema a gente pergunta se foi acidente de trabalho, em que a pessoa trabalha... na anamnese, no momento da consulta, quando você vai colher a história daquilo que aconteceu com a pessoa. [...] é perguntado qual a atividade laboral dela”. (E)

“Quando o usuário trabalhador chega com sua queixa é feito a abordagem em relação a que atividade ele exerce, por quanto tempo, se ele realiza algum esforço, se ele está exposto a algum risco”. (E)

O levantamento de informações sobre as condições de vida e saúde da população que reside na área de abrangência das equipes da APS é essencial para a produção do cuidado em saúde. Os ACS, pelo lugar de elo que ocupam e o fato de residirem no território em que trabalham, desempenham papel fundamental nesse processo. Os trechos evidenciam a afirmativa.

“Eu acho que o fio da meada quem começa somos nós [...] que conhecemos a população. A primeira coisa é identificação, e é a gente que faz. Na minha área acho que 60% dos homens com mais de 20 anos trabalham na pedreira. E tem muito caso de silicose”. (ACS)

“[...] as meninas (ACS) são muito importantes. Elas trazem a problemática de cada local”. (M)

Observou-se que os profissionais de saúde, em sua maioria, reconhecem que o ACS detém informações mais precisas e qualificadas sobre o território em que atuam, como expresso nos relatos.

“Em relação à identificação da população trabalhadora e do mapeamento das atividades produtivas, sem dúvida nenhuma, os ACS que estão mais a frente. Eles conhecem como ninguém a área de atuação, os processos produtivos, as principais atividades da comunidade”. (E)

“A identificação da população trabalhadora, eu vejo muito como sendo um papel do ACS”. (E)

Embora tenha ficado evidente que os ACS conhecem quem são os trabalhadores e que atividades de trabalho desenvolvem, ao serem questionados sobre o preenchimento do item ocupação na ficha de cadastramento familiar (ficha A), eles revelaram dificuldades para fazê-lo.

“Na ficha A que a gente preenche, a gente colocava “Do lar” pra mulher, e para o homem a gente não colocava a profissão. Aí que a gente foi descobrir realmente o que era, que aquilo era importante pra começar esse trabalho”. (ACS)

Os ACS demonstraram que percebiam a importância do preenchimento do campo ocupação, mas o dado não era considerado nas ações planejadas e desenvolvidas pela equipe. Alguns começaram a preenchê-lo adequadamente após terem compreendido como este dado auxilia no processo de cuidado à saúde dos trabalhadores. Este achado é corroborado no estudo de Lacerda e Silva, Dias e Ribeiro14.

Reforçando o fato de os ACS preencherem o item ocupação da ficha A, considerando-o apenas uma demanda “burocrática”, uma enfermeira destacou:

“Esse mapeamento a gente até tem, porque se faz a digitação do SIAB, onde é exigida a profissão. As ACS têm noção de quem são os trabalhadores em cada microárea, porque pra você digitar e cadastrar a família você precisa disso, mas o dado fica aí. Ele não serve para outra coisa, somente para cadastro do SIAB”. (E)

Para superação desta dificuldade, as equipes devem receber apoio técnico e pedagógico, de modo a se aperfeiçoar o processo de coleta e sistematização dos dados, o delineamento do perfil ocupacional da população e as discussões sobre os possíveis riscos para a saúde dos trabalhadores.

Outra questão relevante que apareceu no grupo é o reconhecimento dos trabalhadores informais na área de abrangência das equipes. A necessidade de se organizarem ações de atenção à saúde desses trabalhadores, particularmente daqueles que desenvolvem suas atividades em domicílio, cresce em importância, pela frequência e diversidade. A grande maioria destes trabalhadores está à margem da proteção trabalhista e previdenciária, e necessita da proteção à saúde oferecida pelo SUS, especialmente pelos serviços da APS, que estão mais próximos de onde vivem.

“Na minha área tem muitos trabalhadores informais”. (E)

A complexidade dos problemas de saúde decorrentes da exposição a fatores de riscos gerados pelo trabalho e a situação de vulnerabilidade social agregam exigências às equipes, que não estão preparadas para resolver a maioria dessas questões. Para tanto é necessária forte articulação intra e intersetorial.

As articulações intra e intersetoriais relatadas pelas equipes estão focadas apenas nos CEREST e no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

“Eu já encaminhei muita gente para o CEREST, para o INSS e muitas pessoas já para se aposentar”. (ACS)

“A gente trabalha muito com a equipe do CEREST”. (E)

Wimmer e Figueiredo26 destacam a intersetorialidade como prática integradora de ações de diferentes setores que se complementam e interagem, para uma abordagem mais complexa dos problemas. Por outro lado, a articulação intrassetorial é essencial para a garantia da continuidade do cuidado e o desenvolvimento das ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador, de forma articulada às Vigilâncias Epidemiológica, Ambiental e/ou Sanitária27.

A Referência Técnica Municipal em Saúde do Trabalhador (RTMST), presente apenas em um dos municípios estudados, foi destacada pelos profissionais como fundamental para o fortalecimento das articulações intra-setoriais.

“Tudo que chega na UBS, que é doença ocupacional [...] a gente comunica à Referência Técnica, que entra em contato com o CEREST”. (E)

É importante destacar que a RTMST é o profissional de saúde de nível superior responsável por apoiar a implementação da Política de Saúde do Trabalhador, no âmbito municipal28, e foi apontada pela equipe como principal mediadora entre o CEREST e a APS.

A articulação com o CEREST para o cuidado aos usuários trabalhadores apareceu, com destaque, nos relatos das equipes, embora os profissionais da estratégia de SF do município de Palmas-TO tenham destacado que sua relação com o CEREST ainda é pontual.

“[...] tivemos um contato com o Cerest no dia da palestra da humanização. E agora, recentemente, a equipe foi lá na unidade pra desenvolver um trabalho também [...]”. (E)

A frágil articulação da APS com outros pontos de atenção aponta para a deficiência nos fluxos de referência e contrarreferência e falta de estruturação de linhas de cuidado aos trabalhadores.

“A maioria dos casos de acidente de trabalho, como geralmente são urgência, é direcionado para o Pronto Atendimento, onde é feita a notificação, mas não tem uma contrarreferência para a UBS. Às vezes a gente não fica nem ciente [...]”. (M)

Embora diferenças tenham sido observadas entre os municípios estudados, quanto ao grau de articulação intra e intersetorial para a resolução de demandas de Saúde do Trabalhador, o estudo evidenciou a necessidade de se fortalecer a rede de atenção à saúde dos trabalhadores, e, especialmente, as ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador.

A notificação de agravos relacionados ao trabalho é outra ação importante na produção do cuidado aos trabalhadores, pois é essencial para ampliar o conhecimento sobre seu perfil de morbimortalidade e permitir que essa questão seja incluída nas agendas técnicas e políticas dos gestores e do controle social do SUS.

Os agravos relacionados ao trabalho de notificação no Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN) estão dispostos na portaria 104/2011, prioritariamente na lista de notificação compulsória em unidades sentinelas29. As doenças relacionadas ao trabalho devem ser notificadas após confirmação, com exceção das intoxicações exógenas.

De acordo com os profissionais, a necessidade de confirmação da relação entre o agravo e o trabalho e a falta de médicos nas UBS são alguns dos fatores que dificultam a notificação.

“as notificações dos agravos relacionados ao trabalho só são realizadas após o diagnóstico ser fechado, e é feito pelo médico. A gente tem dificuldade de realizar a notificação porque muitas vezes a equipe não conta com médico”. (E)

A falta de médicos nas UBS é um problema identificado e debatido nas três esferas de gestão do SUS. Entre as estratégias desenvolvidas pelo Ministério da Saúde para seu enfrentamento, destacam-se: a flexibilização da carga horária do profissional, anteriormente fixada em quarenta horas semanais, e a criação do Programa de Valorização dos Profissionais da Atenção Básica (PROVAB), que oferece incentivo aos profissionais que optarem por atuar na SF e outras formas de organização da APS30.

A emissão de laudos para justificativa da ausência ao trabalho ou mudança de função foi outra ação demandada pelos usuários trabalhadores, conforme explicita o médico da equipe.

“[...] a gente faz laudos [...] mando o laudo de que a gestante não pode subir escadas, por exemplo, e solicito outro tipo de função [...] tudo isso dentro de cada demanda”. (M)

O fornecimento de laudos, pareceres e relatórios de exame médico é obrigação dos médicos que atendem trabalhadores, como dispõe a Resolução 1940/2010, do Conselho Federal de Medicina31.

A necessidade de apoio institucional para a organização do cuidado aos trabalhadores aparece com destaque nos grupos. No município em que a Secretaria Municipal de Saúde havia indicado uma Referência Técnica em Saúde do Trabalhador, os profissionais elencaram vantagens de poder contar com uma instância apoiadora para as questões da área.

“[...] a Referência Técnica está ciente de todos os problemas que a gente tem, ele procura solucionar, buscar uma resposta, encaminhar”. (E)

“Estou dizendo como médica: às vezes o exame ficava em branco, não comprovava. Agora a gente pode procurar a referência técnica [...]. E eles se sentem mais seguros de trazer a queixa”. (M)

O relato do médico expressa que a atuação da referência técnica tem facilitado a concretização da continuidade do cuidado. Por outro lado, a falta do apoio para lidar com as questões da Saúde do Trabalhador é expressa de diferentes formas pelas equipes dos outros municípios.

“Não sabemos o que fazer [...] os pacientes são atendidos pela médica, mas a gente não sabe o que fazer com eles [...]”. (ACS)

“Para o PSF não tem protocolo estabelecido, nem um direcionamento com relação aos agravos relacionados ao trabalho”. (M)

Ainda sobre a organização do cuidado aos trabalhadores no âmbito da APS, foram ressaltadas pelos profissionais algumas características do processo de trabalho que limitam o desenvolvimento das ações.

“a verdade é que foi imposta tanta meta pra gente cumprir que não se consegue visualizar outra forma de trabalho. Você é obrigada a cumprir meta, então se disserem que você vai ter que desenvolver uma ação de Saúde do Trabalhador, a gente de alguma forma vai desenvolver. Não porque tem toda iniciativa e uma vontade de fazer esse trabalho, mas porque a gente foi muito condicionada e a obrigação é de cumprir meta”. (ACS)

Embora a PNAB oriente que a programação e implementação das atividades de atenção à saúde devem ser feitas considerando as necessidades de saúde da população – com a priorização de intervenções clínicas e sanitárias nos problemas de saúde segundo critérios de frequência, risco, vulnerabilidade e resiliência – o relato acima expressa uma organização do trabalho voltada para o cumprimento das metas estabelecidas pelos gestores dos diferentes níveis.

“Nós desenvolvemos muitas ações, mas são pontuais. A Secretaria de Saúde solicita e aí colocamos no planejamento. Saúde do homem agora nós vamos colocar, aí chega outras ações [...] e assim vai recortando as pessoas”. (E)

Este relato evidencia a fragmentação do cuidado decorrente da organização do trabalho das equipes e, particularmente, a fragmentação das pessoas, contrariando o princípio da integralidade da atenção. A PNAB recomenda a organização da agenda de trabalho de forma compartilhada por todos os profissionais, evitando a utilização tradicional de critérios de problemas de saúde, ciclos de vida e sexo, que dificultam a assimilação da integralidade nas práticas desenvolvidas.

O atendimento às exigências impostas no âmbito da gestão associado a outros problemas de implantação da APS no Brasil impõe limites no redirecionamento do modelo de atenção embasado nas reais necessidades de saúde da população local e que possibilite o exercício de importantes funções da APS, como a coordenação do cuidado.

Sobre a participação dos trabalhadores, essencial nos processos de formulação, planejamento, acompanhamento e avaliação das intervenções sobre as condições geradoras dos agravos relacionados ao trabalho, a PNAB recomenda que os serviços da APS instituam conselhos/colegiados, constituídos por gestores locais, profissionais de saúde e usuários, de forma a viabilizar a participação social na gestão da UBS2.

“Nosso conselho local é bem atuante e foi um ganho em relação ao conselho municipal. Antes, a comunidade não tinha nenhum tipo de direcionamento de controle social, mas agora, por exemplo, estão fazendo um abaixo assinado para conseguir uma área para colocar academia [...] está sendo feita essa mobilização”. (E)

O relato expressa a importância do conselho local para que a comunidade possa se organizar na busca de um propósito comum. Embora a participação da comunidade, nesses espaços, ainda seja incipiente, alguns estudos têm demonstrado a adesão da população local em atividades de mutirão, a exemplo da mobilização contra a dengue; reivindicações a respeito de questões ambientais, como o acúmulo de lixo, contaminação ambiental por processos produtivos instalados nos territórios, entre outros. Nesses processos, os ACS têm sido fundamentais, pelo papel de liderança que, muitas vezes, exercem na comunidade14.

Os profissionais de saúde destacaram que o pouco conhecimento dos usuários trabalhadores sobre seus direitos, incluindo a proteção social conferida pelo SUS, limita a participação nas atividades da UBS.

“a própria comunidade também desconhece os seus direitos [...] acontece alguma coisa, algum acidente no trabalho, as pessoas não sabem qual é o direito delas e também não nos procuram para informar”. (ACS)

Por outro lado, estudos demonstram que as equipes da APS não se sentem qualificadas para realizar orientações quanto aos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários10 , 13. Segundo Chiavegatto13, apenas 22% dos 358 profissionais da APS que participaram de seu estudo realizam essas orientações, embora 71% considerem-na importante. Este trabalho é desenvolvido pelo assistente social, quando presente na equipe.

Na mesma linha, o documento da PNST-SUS destaca a necessidade de se empreenderem esforços para reativar e fortalecer a participação das categorias de trabalhadores formais, e garantir a organização e representação dos trabalhadores informais nas instâncias gestoras do SUS7.

Recomendações

Sobre as recomendações das equipes para a inserção das ações de saúde do trabalhador de forma sistemática na APS, são destacadas: a sensibilização dos profissionais para as questões que envolvem a Saúde do Trabalhador; definição do elenco de ações a serem desenvolvidas; fortalecimento do CEREST enquanto apoiador técnico e pedagógico; incorporação do tema nos processos de Educação Permanente e intercâmbio das experiências bem-sucedidas.

A sensibilização das equipes da APS sobre as questões que envolvem o processo trabalho-saúde-doença foi enfatizada, particularmente no que se refere ao reconhecimento do usuário enquanto trabalhador, em suas práticas de trabalho.

“O indivíduo não é visto como trabalhador, é visto como uma pessoa que chega com determinada doença, determinado agravo. Isso não é uma unanimidade na equipe, mas a gente sabe que existem integrantes na equipe que não são sensibilizados para determinados assuntos”. (E)

De acordo com a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, as bases definidoras dos processos formativos das equipes devem ser a problematização do processo de trabalho e as necessidades de saúde dos indivíduos e coletividades. Assim, é fundamental que os profissionais incorporem, em suas abordagens, o papel do trabalho na determinação do processo saúde-doença32.

A necessidade de se definirem melhor as atribuições das equipes no que se refere a atenção à saúde do trabalhador também foi sugerida por alguns profissionais.

“A primeira coisa é a equipe entender quais são as ações que devem ser desenvolvidas com relação à Saúde do Trabalhador. Na verdade, deveria ser apresentado à equipe essas ações e a gente iria identificar se já desenvolvemos alguma. [...] a gente pode até desenvolver sem saber que são ações de Saúde do Trabalhador”. (E)

“[...] não dá para sugerir uma ação ou outra se você não sabe bem o que o Ministério da Saúde preconiza em Saúde do Trabalhador, ou o que o estado espera”. (ACS)

Interessante destacar, no relato acima, a necessidade de se trabalhar com protocolos e diretrizes, em especial, preconizados pelo Ministério da Saúde. Conforme anunciado anteriormente, tradicionalmente, as equipes da APS vêm se organizando em função de metas e protocolos preestabelecidos, o que limita, em muito, o reconhecimento do caráter transversal da saúde do trabalhador.

Além disso, pode-se dizer que a fragmentação das ações desenvolvidas pelas equipes de SF reflete a fragmentação da Política de Saúde, organizada a partir de diversas áreas técnicas e campos de saberes especializados, e que foge à lógica de responsabilidade sanitária de uma população inserida em territórios e contextos que influenciam e determinam, diferentemente, os processos de saúde e adoecimento dos grupos.

O fortalecimento da atuação do CEREST no suporte técnico e pedagógico às equipes é outra recomendação estratégica quando se discute a inserção sistemática de ações de cuidado aos trabalhadores, no SUS. No documento da PNST, o CEREST foi definido como uma das instâncias de Apoio Matricial.

“[...] para melhorar essa atividade deve ser estabelecida uma relação mais íntima da equipe com o CEREST, para que seja oferecido esse suporte, esse apoio [...] nós sozinhos também não podemos realizar tudo”. (E)

Neste sentido, a importância do intercâmbio das experiências emergiu dos grupos, como na fala transcrita a seguir:

“A gente sente também falta de relatos de outras experiências, de saber como trabalhar, como desenvolver as ações de saúde do trabalhador”. (E)

O princípio de aprender com quem está fazendo e o compromisso com a socialização das experiências consideradas bem-sucedidas têm sido assumidos, de modo sistemático, pelo Ministério da Saúde. No âmbito da Saúde do Trabalhador, a criação do Painel de Informações em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador e da RENAST online são algumas dessas iniciativas.

Considerações finais

Os resultados evidenciaram que os profissionais das três equipes de SF dos municípios estudados reconhecem, muitas vezes, as repercussões das relações trabalho-saúde-doença em suas práticas cotidianas, mas têm dificuldades para desenvolver ações de intervenção, seja no âmbito da assistência, vigilância ou promoção da saúde.

Esta dificuldade possui raízes históricas e reflete a falta de discussão mais direcionada sobre o tema nos cursos de graduação e nos processos de educação permanente. Além disto, é forte o conceito de que as questões de Saúde do Trabalhador são afeitas às especialidades, como, por exemplo, a Medicina do Trabalho e a Engenharia de Segurança, e objeto de atuação do Ministério do Trabalho e Emprego. Esta é uma barreira a ser vencida para se efetivar a organização das ações de saúde do trabalhador no SUS.

Constatou-se que o ACS tem mais facilidade para reconhecer o usuário trabalhador em suas práticas e relacionar queixas e doenças referidas, pelos usuários, com a ocupação atual ou pregressa. Entretanto, observou-se que, muitas vezes, seus saberes sobre o território não são incorporados nas práticas da equipe.

De forma geral, constatou-se que as atividades existentes e direcionadas aos usuários trabalhadores são pontuais e pouco articuladas com as diretrizes e objetivos propostos pela PNST-SUS. Apenas uma das equipes relatou desenvolver atividades de promoção da saúde e prevenção de doenças relacionadas ao trabalho, envolvendo ações de educação em saúde, a partir de visitas aos locais de trabalho.

Em que pese a fragilidade das ações, o estudo permitiu identificar as dificuldades relacionadas à incorporação do cuidado aos trabalhadores na APS e propor recomendações para melhoria do processo, com destaque para o fortalecimento do Apoio Matricial em Saúde do Trabalhador pelos CEREST e outras instâncias do SUS, bem como do Apoio Institucional dos gestores.

Referências

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  • 32Portaria nº 1.996, de 20 de agosto de 2007. Dispõe sobre as diretrizes para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Diário Oficial da União, 20 Ago 2007.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Mar 2014
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2013
  • Aceito
    22 Dez 2013
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