Open-access A regulação pública da saúde no Estado brasileiro: uma revisão

La regulación pública de la salud en el Estado brasileño: una revisión

Resumos

O estudo se inscreve na Gestão e Políticas de Saúde, objetivando analisar a regulação pública da saúde no Brasil. Entendendo a regulação como a capacidade de intervir nos processos de prestação de serviços, alterando ou orientando a sua execução, discute a sua evolução histórica, seus determinantes, as diferentes estratégias de regulamentação utilizadas, seus objetivos, os atores envolvidos e, em particular, os instrumentos criados pelo ator governo. O estudo se apóia em revisão sobre o tema, discutindo aspectos conceituais e ferramentas utilizadas no processo regulatório em saúde, seus alcances e limites.

política de saúde; SUS; planejamento em saúde; serviços de saúde


El estudio se inscribe en el campo de la Gestión de Políticas de Salud, con el objetivo de analizar la regulación pública de la salud en Brasil. Se entiende la regulación como la capacidad de intervenir en los procesos de prestación de servicios para alterar u orientar su ejecución. El artículo discute la evolución histórica y sus determinantes; las diferentes estrategias de regulación utilizadas y sus objetivos; los actores involucrados y, en particular, los instrumentos creados por el actor gobierno. El estudio se apoya en la revisión de la literatura sobre el tema, discutiendo aspectos conceptuales y las herramientas utilizadas en el proceso regulatorio en salud, así como sus alcances y límites.

política de salud; SUS; planificación en salud; servicios de salud


Aiming at analyzing the public regulation of the health care system in Brazil, this essay concerns the area of Healthcare Management and Policies. Taking regulation to mean the capacity to intervene in the offer of services, changing or orienting their execution, the paper discusses its historical evolution, its determinants, the different regulation strategies used, their objectives, the actors involved, and, in particular, the instruments created by the government, one of the actors. The study is based on a review of the subject, debating conceptual issues and the tools used in the regulatory process in the healthcare field, its reach and limitations.

health policy; SUS; health planning; health service


DOSSIÊ

A regulação pública da saúde no Estado brasileiro - uma revisão*

La regulación pública de la salud en el Estado brasileño - una revisión

Fausto Pereira dos SantosI,1; Emerson Elias MerhyII

IDiretor Presidente, Agência Nacional de Saúde Suplementar, Rio de Janeiro, RJ. <faustops@ans.gov.br>

IIProfessor visitante, Pós-Graduação da Clínica Médica, Universidade Federal do Rio de Janeiro; professor voluntário, Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. <emerson.merhy@gmail.com>

RESUMO

O estudo se inscreve na Gestão e Políticas de Saúde, objetivando analisar a regulação pública da saúde no Brasil. Entendendo a regulação como a capacidade de intervir nos processos de prestação de serviços, alterando ou orientando a sua execução, discute a sua evolução histórica, seus determinantes, as diferentes estratégias de regulamentação utilizadas, seus objetivos, os atores envolvidos e, em particular, os instrumentos criados pelo ator governo. O estudo se apóia em revisão sobre o tema, discutindo aspectos conceituais e ferramentas utilizadas no processo regulatório em saúde, seus alcances e limites.

Palavras-chave: política de saúde. SUS (BR). planejamento em saúde. serviços de saúde.

ABSTRACT

Aiming at analyzing the public regulation of the health care system in Brazil, this essay concerns the area of Healthcare Management and Policies. Taking regulation to mean the capacity to intervene in the offer of services, changing or orienting their execution, the paper discusses its historical evolution, its determinants, the different regulation strategies used, their objectives, the actors involved, and, in particular, the instruments created by the government, one of the actors. The study is based on a review of the subject, debating conceptual issues and the tools used in the regulatory process in the healthcare field, its reach and limitations.

Key words: health policy. SUS (BR). health planning. health service.

RESUMEN

El estudio se inscribe en el campo de la Gestión de Políticas de Salud, con el objetivo de analizar la regulación pública de la salud en Brasil. Se entiende la regulación como la capacidad de intervenir en los procesos de prestación de servicios para alterar u orientar su ejecución. El artículo discute la evolución histórica y sus determinantes; las diferentes estrategias de regulación utilizadas y sus objetivos; los actores involucrados y, en particular, los instrumentos creados por el actor gobierno. El estudio se apoya en la revisión de la literatura sobre el tema, discutiendo aspectos conceptuales y las herramientas utilizadas en el proceso regulatorio en salud, así como sus alcances y límites.

Palabras clave: política de salud. SUS (BR). planificación en salud. servicios de salud.

Introdução

A teoria econômica clássica atribui a "lei da oferta e da demanda", em um mercado de livre competição, à determinação das quantidades e dos preços da produção. Quando não estão dadas as perfeitas condições de competição, ocorrem as "falhas de mercado". Na ocorrência destas "falhas de mercado", deveria se dar a intervenção do Estado na economia (Castro, 2002; Donaldson & Gerard, 1993; MCGuire et al., 1992).

Donaldson & Gerard (1993) identificam as seguintes características da competição perfeita: racionalidade, inexistência de externalidades, perfeito conhecimento do mercado por parte do consumidor, consumidores agindo livremente em seu benefício, numerosos e pequenos produtores sem poder de mercado. Estes mesmos autores identificam que, na saúde, nenhuma das condições de perfeita competição está presente, e, neste caso, se justificaria uma ação mais intensa do Estado. As principais falhas de mercado identificadas são: ocorrência de riscos e incerteza; "risco moral"; externalidades; distribuição desigual da informação; existência de barreiras (Castro, 2002).

Na teoria econômica a regulação poderia ser caracterizada como a intervenção estatal para corrigir "falhas de mercado", utilizando instrumentos como incentivos financeiros e de comando e controle. A categoria regulação encontra-se largamente utilizada na Administração Pública, nas Ciências Sociais e na Economia. Segundo Boyer (1990, p.181), seria a "conjunção dos mecanismos que viabilizam a reprodução do conjunto do sistema, em função do estado das estruturas econômicas e das formas sociais". No setor saúde, este termo, além de se referir aos macroprocessos de regulamentação, também define os mecanismos utilizados na formatação e no direcionamento da assistência à saúde propriamente dita (Andreazzi, 2004).

O ato de regular em saúde é constitutivo do campo de prestação de serviços, sendo exercido pelos diversos atores ou instituições que provêem ou contratam serviços de saúde. O conceito, as práticas e finalidades da regulação em saúde ainda são objeto de debate, existindo compreensões distintas do tema, além de sofrerem variações ao longo dos anos e conforme o entendimento dos atores sociais em foco.

Magalhães Jr. (2006, p.40) apresenta a questão da seguinte forma:

O termo regulação tem sido utilizado no âmbito da saúde com um sentido mais amplo do que a mera regulamentação dos mercados, estando relacionado a uma função desempenhada pelos sistemas de saúde em geral, mesmo nos majoritariamente públicos, não sendo apenas uma função de regulação mais clássica das relações de mercado na saúde, como uma das maneiras de correção das chamadas imperfeições de mercado. Pela diversidade dos sistemas de saúde e abrangência da função de Estado na saúde, o termo assume claramente uma característica polissêmica.

D'Intignano & Ulman (2001) citados por Magalhães Jr. (2006) analisam as políticas de regulação, partindo da idéia de que as políticas de saúde buscam um equilíbrio entre três objetivos: 1) o realismo macroeconômico, que impõe a cobertura de despesas pelas receitas e um sistema que não prejudique o emprego e a produção; 2) a eficiência microeconômica, que exige um nível satisfatório de prestação de serviços, um sistema com bom desempenho, produtividade das estruturas de prestação de serviços e eliminação de desperdícios; e 3) a eqüidade social, que deve se traduzir no acesso aos cuidados e a uma repartição geográfica eqüitativa dos meios.

A regulação no Sistema de Saúde brasileiro

A regulação da saúde pelo Estado brasileiro tem a sua importância dada pelo modelo de prestação de serviços adotado ao longo do tempo. Entende-se, aqui, o processo de regulação como a intervenção de um terceiro entre a demanda do usuário e a prestação efetiva do ato de saúde pelos serviços de saúde. A regulação já se fazia presente nas Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) e nos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), na medida que foram estabelecidas regras para a utilização de serviços e medicamentos, bem como ofertados serviços de saúde para seus beneficiários, estabelecendo regras de utilização. Nos IAPs, como o modelo adotado foi o da compra de serviços, em detrimento da sua prestação direta pela Instituição, essas ações se intensificaram. Todas se caracterizam como regulação dos serviços de saúde.

Com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1966, esse processo se acelerou e a assistência médica prestada pelo Estado passou a ocorrer basicamente pela aquisição de serviços privados. Como o INPS necessitava de uma enorme rede de prestadores espalhada por todo o país, o processo de formação dessa rede poderia ser caracterizado como o primeiro e mais importante mecanismo regulatório praticado pela Instituição. Os critérios utilizados, bem como o perfil da rede credenciada, definiram inicialmente o tipo de assistência a ser praticado a partir daí. Portanto, esse modelo adotava um modo de regulação, junto aos seus prestadores, nos mais variados formatos: regulação comercial, administrativa, financeira e assistencial. A relação comercial e de pagamento com os seus credenciados definiu a relação e o padrão assistencial. Ao se optar pelo pagamento por procedimentos via Unidades de Serviços (US), direcionou-se toda a rede prestadora para uma lógica de produção de atos isolados e de maior custo. A operação administrativa oriunda desse formato comercial seria outro aspecto regulatório definidor da assistência. Os mecanismos e fluxos de controle e avaliação definidos passaram a induzir fortemente o tipo de assistência prestada pela rede credenciada. As revisões administrativas, glosas, autorizações definiram o que podia ou não ser feito e padronizaram a operação dos prestadores. Outro aspecto foi a regulação financeira, que ocorreu fundamentalmente pelas restrições orçamentárias e a definição dos valores em uma tabela de remuneração. A capacidade de pagamento e a majoração ou não de valores de procedimentos definiram quais ações seriam feitas em maior ou menor quantidade e que acesso seria permitido aos usuários do sistema.

Nesse momento inicial, a regulação da assistência propriamente dita foi o aspecto mais relegado na construção e consolidação de um marco regulatório para a assistência à saúde no Brasil. Os mecanismos instituídos inicialmente guardam pequena relação com os aspectos qualitativos dos serviços prestados, com a regulação do acesso e critérios de elegibilidade para a execução de ações de saúde.

Importante destacar que esse processo se aprofundou muito com a expansão dos serviços privados de saúde contratados pelo Instituto Nacional de Assistência Médica (INAMPS), em 1978, que atuava junto aos prestadores privados contratados pelo sistema previdenciário, buscando controlar principalmente a produção e os gastos na assistência médica aos segurados. Este modelo de regulação centrava-se no controle sobre os gastos do setor, apoiados em uma excessiva normatização, imposição de regras e fluxos. No caso específico do INAMPS, o processo regulatório foi tanto mais intenso quanto maior era a crise financeira da instituição. Um exemplo desta prática restritiva foi a Portaria nº 3.042/82, que limitava os exames por percentuais das consultas, objetivando o controle da prestação de serviços (Brasil, 1982). O Sistema de Controle e Avaliação do INAMPS cresceu proporcionalmente ao aumento da demanda por assistência médica e, principalmente, do número de prestadores desses serviços. Este modelo de regulação caracterizou-se pelo seu alto grau de centralização, verticalização das ações, decisões e normalização centrais, e pela dualidade advinda de diferentes culturas institucionais e de mando, que se expressa com a fragmentação da ação do Estado no sentido de promover a saúde da população. Essa situação, em geral, é evidenciada, de um lado, pelos métodos utilizados de planejamento normativo, administração paramétrica e controle, avaliação contábil-financeira; e de outro lado, pelos métodos de organização dos serviços e avaliação com base em programas verticais de saúde pública (Merhy, 1992).

Etapa importante no processo regulatório desenvolvido consistiu no desenvolvimento, no INAMPS, dos tradicionais sistemas de controle, avaliação e auditoria. No processo de descentralização para as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, esses serviços foram incorporados na mesma lógica de sua constituição original. As ações desenvolvidas ocorreram de forma bastante normalizada e tinham como objetivo o acompanhamento da relação econômica estabelecida com os prestadores credenciados, particularmente no tocante à correção das faturas apresentadas.

Este trabalho se propõe a discutir o projeto de regulação pública na saúde, no estado brasileiro, após a implantação do SUS, nos seus múltiplos aspectos: conceituais, históricos, seus determinantes, o processo de formulação, suas estratégias de regulamentação, os atores que atuam no processo de regulação e, em particular, os instrumentos criados pelo ator governo para facilitar o processo regulatório.

A distinção das diferentes conceituações

A regulação pode ser entendida como a capacidade de intervir nos processos de prestação de serviços, alterando ou orientando a sua execução. Essa intervenção pode ser feita por intermédio de mecanismos indutores, normalizadores, regulamentadores ou restritores. A intervenção entre a demanda e a prestação direta dos serviços, nos seus diversos aspectos, pode ser caracterizada como mecanismo de regulação. A demanda, assim como a prestação de serviços, podem se organizar das mais variadas formas e travar o seu relacionamento nos mais diversos campos. Assim sendo, as possibilidades de intervenção, ou seja, de regulação, também são extremamente diversificadas.

A primeira distinção a ser feita é entre os termos regulação e regulamentação. A regulação será entendida, aqui, como um conceito principal, que expressa a intencionalidade do ator ao exercer a sua capacidade, o seu poder instituído ou em disputa. Regulamentar será compreendido como o ato de normalizar em regras essa mesma intencionalidade. Portanto, o processo de regulamentação estará subordinado ao processo principal de regular.

Na prática, os dois termos têm sido utilizados sem muito rigor, apesar de regulamentação ser utilizada mais no sentido do processo de produção de atos para regulamentar, seguido de um posterior processo político-administrativo de regulação de relações e contratualidades entre atores com interesses conflitantes.

Observamos, também, que o processo regulatório pode se dar tanto do ponto de vista do acesso cotidiano das pessoas (a microrregulação), quanto no aspecto das definições das políticas mais gerais das instituições, o que podemos chamar de macrorregulação. Esta última consiste nos mecanismos mais estratégicos de gestão: o estabelecimento de planos estratégicos; de projetos prioritários; de relação com o controle social; as definições orçamentárias maiores; a relação com as outras políticas sociais que interferem com produção ou não de saúde nas populações; a política de recursos humanos e o estabelecimento de regras para as relações com o setor privado na saúde, que é sempre um ator importante.

O processo de regulação se insere dentro de um cenário de disputas, de interesses conflitantes, que determinam o seu formato e alcance. A macrorregulação pode se estabelecer em bases sociais públicas, como as defendidas pela reforma sanitária brasileira e inscrita nos postulados legais do SUS; em bases corporativas ou tecnocráticas e/ou apoiadas nos interesses dos mercados privados. Podemos afirmar que não existe sistema sem regulação, a diferença se estabelece sobre as premissas e disputas que orientam a regulação existente. Neste sentido, podemos ter um modelo de estímulo e expansão do setor privado, conforme conduzido à época dos IAPs, INPS e INAMPS, ou um modelo pautado pela égide do público, conforme preconizado pela Reforma Sanitária e a legislação que a institucionalizou - Constituição e Lei Orgânica (Brasil, 1990a; 1988; Oliveira & Teixeira, 1986).

A microrregulação ou regulação assistencial traduz o cotidiano da operação do sistema, as regras gerais estabelecidas na macrorregulação. Consiste em articular e conjugar as respostas potenciais do sistema, para o conjunto dinâmico das demandas das populações, operacionalizando o acesso aos serviços. Além disto, implica avaliar o que foi planejado nos vários recortes da assistência, ou seja, dotar a gestão de uma inteligência reguladora operacional. Em um sistema assistencialmente regulado, o usuário, ao adentrar a rede de serviços, passa a ser direcionado pelo sistema (Magalhães, 2002).

Importante destacar que, apesar de conter vários dos atributos do processo de gestão, a regulação é um dos seus componentes, não o seu todo. Esta polêmica dificultou, em algum momento, a institucionalização dessa discussão no âmbito dos gestores do SUS, pois poderia sugerir a substituição das gestões e dos gestores pelos reguladores, principalmente nos aspectos da regulação assistencial.

Outras noções importantes que foram o núcleo central dos instrumentos desenvolvidos no extinto INAMPS são:

- A noção de "controle", que pode ser tomado como o acompanhamento permanente do processo de execução de uma ação, buscando sua conformidade com o que foi prescrito, e se o que está sendo realizado aproxima-se de um parâmetro, de um limite prefixado, ou se estão ocorrendo distorções. O controle pode ser prévio, concomitante ou a posteriori do processo em acompanhamento.

- A noção de avaliação como um processo de determinação, sistemática e objetiva, da relevância, efetividade, eficiência e impacto de atividades fundamentadas em seus objetivos. É um processo organizacional para implementação de atividades e para colaborar no planejamento, na programação e tomada de decisão. Consiste, ainda, em um modo de aprendizagem pela experiência, levando a um melhor planejamento (OMS, 1989). Contandriopoulos et al. (1997, p.31) destacam que a avaliação "consiste fundamentalmente em fazer um julgamento de valor a respeito de uma intervenção ou sobre qualquer um de seus componentes com o objetivo de ajudar na tomada de decisões". Assim, a avaliação pode se constituir em uma ferramenta ligada ao processo decisório, ao planejamento e à gestão, destinada a melhorar desempenhos, rever e redirecionar ações.

- A auditoria é um conjunto de técnicas destinadas a avaliar processos e resultados e a aplicação de recursos financeiros, mediante a confrontação entre uma situação encontrada com determinados critérios técnicos, operacionais ou legais. A finalidade da auditoria é comprovar a legalidade e legitimidade dos atos e fatos e avaliar os resultados alcançados quanto aos aspectos de eficiência, eficácia e efetividade da gerência ou gestão orçamentária, financeira, patrimonial, operacional, contábil e finalística de unidades ou sistemas (Brasil, 2001).

Importante destacar que o conjunto das atividades desenvolvidas não conseguiu consubstanciar esses conceitos em atividades rotineiras dos serviços de saúde.

Os sujeitos e atores da regulação

Neste contexto de disputas, torna-se importante compreender quais são os atores implicados e os interesses em cena, que definem os pressupostos e mecanismos adotados na regulação. Iremos nos apoiar em Matus (1987, p.754), que conceitua ator social como uma "personalidade, uma organização ou um agrupamento humano que, de forma estável ou transitória, tem capacidade de acumular força, desenvolver interesses e necessidades, e atuar produzindo fatos na situação". Segundo Cecílio (2004), o conceito de ator social, em Matus, aproxima-se do conceito de "forças sociais", isto é, movimentos que representam e organizam uma parte da população em torno de objetivos comuns. O que caracteriza e diferencia uma força social de um grupo social, estrato social ou de uma multidão desorganizada é sua constituição como organização estável, com capacidade permanente de acumulação de força e produção de eventos mediante a aplicação dessa força (Merhy et al., 2004; Campos, 1992).

Neste entendimento, o ator social, dentro de dado contexto histórico, busca regular os serviços de saúde segundo os interesses da sua representação, ou seja, procura direcionar a produção da saúde para os seus macroobjetivos. Os interesses e as disputas colocados entre os atores sociais se fazem dentro de dado contexto histórico e político. Os atores regulados respondem a esta regulação de maneiras distintas.

No contexto dos IAPs, a regulação se pautava pela compra de serviços em detrimento da oferta de serviços próprios, modelo este que se aprofundou no estado brasileiro nas décadas seguintes, já que os atores "reguladores", dentro do Estado, se confundiam com os entes "regulados". O movimento da "Reforma Sanitária", que se constituiu como um movimento político em torno da remodelação do sistema de atenção à saúde, tendo a compreensão da saúde como um direito do cidadão e dever do Estado, possibilitou a construção de um novo ator político, ou de uma nova identidade simbólica. A luta pela democratização da saúde envolveu profissionais e intelectuais da área da saúde e um movimento social organizado. Todo esse movimento em torno do projeto contra-hegemônico, desde a década de 1970, confluiu na realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, que se consubstanciou posteriormente, em 1988, no texto constitucional e na Lei Orgânica que deram o arcabouço jurídico para esse projeto e pautaram novos princípios e diretrizes da regulação pública (Malta, 2001; Paim, 1997; Brasil, 1988).

Isto não significou que o processo regulatório levado a cabo pelo Estado brasileiro tenha sofrido uma guinada significativa, instantânea, e que os novos pressupostos ocuparam o centro da pauta. Os interesses dos "regulados" e a dinâmica dos reguladores perpetuam até os dias de hoje, em maior ou menor monta, no processo regulatório em curso.

A regulação na legislação

A legislação que se seguiu ao processo constituinte recolocou os temas do controle, avaliação, auditoria e regulação, que aparecem como constitutivos do processo de definição do arcabouço legal do SUS. Segundo a Constituição de 1988, no seu Artigo 197: "São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos temos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado" (Brasil, 1988).

A Lei nº 8.080 define competências em cada esfera de gestão e estabelece o Sistema Nacional de Auditoria (Brasil, 1990a).

O processo de regulamentação da relação entre os entes federados foi consubstanciado na edição das Normas Operacionais (NOB 01/91, NOB 01/92, NOB 01/93, NOB 01/96 e na NOAS 01/2002). Todas as NOBs, de forma mais ou menos elaborada, trataram do processo de regulação nos seus vários componentes, notadamente os de controle e avaliação. A principal tentativa sempre foi a de definir os papéis dos níveis de gestão no processo regulatório.

Na Norma Operacional Básica - NOB/91 equipararam-se prestadores públicos e privados, por meio do mesmo mecanismo de repasse de recursos, estabelecendo que o repasse de recursos do orçamento do INAMPS aos estados e municípios, para custeio da atenção hospitalar e ambulatorial, se daria via convênios e pagamentos por produção, além de determinar critérios de acompanhamento, controle e avaliação das ações cobertas por este mecanismo de financiamento. Assim, o primeiro grande ato normativo já expunha que o mecanismo regulatório praticado no momento anterior não sofreria solução de continuidade e sim, se expandiria para o setor público. Atribuiu ao INAMPS o controle e fiscalização da execução orçamentária e financeira (Levcovitz, 2001; Brasil, 1991).

Na NOB 92, definiram-se competências, segundo as quais os municípios responderiam pelo controle e avaliação sobre os serviços assistenciais, ao passo que aos estados caberia avaliar serviços periodicamente e realizar o "controle municipal". A NOB 92 fazia a recomendação genérica que a avaliação verificasse a eficiência, a eficácia e a efetividade dos serviços, o cumprimento das metas e resultados. A União analisaria e corrigiria o desenvolvimento do controle e da avaliação assistencial no sistema de saúde nacional de forma pedagógica e por meio da cooperação técnica com os estados e municípios. Nesta norma, manteve-se o controle e a fiscalização da execução orçamentária pelo INAMPS, estabelecidos na NOB 91. Definiu-se, também, a criação de um Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) e conformou-se um novo sistema para as internações, o Sistema de Informação Hospitalar (SIH) que, na verdade, sistematizou o que já vinha sendo feito com as Autorizações de Internação Hospitalar (AIH) (Brasil, 1992).

Neste período inicial de implantação do SUS as ações de controle e avaliação efetivas permaneceram centralizadas no INAMPS e/ou nas estruturas estaduais descentralizados na ocasião do SUDS, com participação marginal dos municípios, que se restringiam ao repasse de dados quantitativos da produção hospitalar e ambulatorial. Nos Estados, permaneceram praticamente inalteradas as rotinas e fluxos definidos anteriormente pelo INAMPS.

Somente por meio da NOB 93 - que pressupunha diferentes modalidades de assunção da gestão por parte de estados e municípios -, avançou-se na transferência de recursos de forma automática, prevista originalmente pelo legislador ao editar a Lei 8.080/90 (Brasil, 1990a). O mecanismo do repasse fundo a fundo para os municípios habilitados na gestão semiplena foi regulamentado pelo decreto 1.232/94. A partir daí, uma parcela do processo de gestão, inclusive a capacidade regulatória, foi transferida para os gestores estaduais e municipais.

Para se habilitar às condições de gestão parcial e semiplena, os estados e municípios tinham de comprovar, entre outros pré-requisitos: a constituição de Serviços de Controle, Avaliação e Auditoria, com médicos designados para a autorização de AIH e de procedimentos ambulatoriais de alto custo, capacidade técnica de operar o SIA, o SIH e central de controle de leitos (Brasil, 1993a).

Com a NOB 93, cerca de 140 municípios passaram à condição de gestores locais, recebendo o teto financeiro global para a realização de todas as ações de saúde, inclusive, a regulação do privado. Neste contexto, os gestores do Sistema Único de Saúde tomaram como tarefa o desenvolvimento e aperfeiçoamento de instrumentos de gestão, destinados a organizar as funções de controle, regulação e avaliação.

Outro impulso no processo de descentralização de regulação foi a extinção do INAMPS, em 1993, e a criação do Sistema Nacional de Auditoria (SNA), regulamentado em 1995 (Brasil, 1995). As principais atribuições definidas para o SNA foram: o controle da execução segundo padrões estabelecidos; a avaliação de estrutura, processos e resultados; a auditoria da regularidade dos serviços mediante o exame analítico e pericial e, também, o controle dos consórcios intermunicipais.

A NOB 96 continha as condições de gestão avançada e plena do sistema para os estados e para os municípios, a Plena da Atenção Básica e Plena do Sistema. Implantou novas formas de financiamento como: o Piso da Atenção Básica, incentivos ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde, Programa de Saúde da Família, dentre outros (Brasil, 1996). Todos os recursos passaram a ser transferidos fundo a fundo segundo as exigências de habilitação. Assim, paulatinamente, parte dos recursos deixou de ser transferida de forma vinculada à produção de procedimentos e os recursos passam a ser repassados vinculados à base populacional e/ou à série histórica. A criação, em 1999, do Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC) - sob gestão da esfera federal, para custear ações e programas específicos do Ministério da Saúde, além de algumas ações de alta complexidade -, significou uma interrupção do processo contínuo de descentralização iniciado com a NOB 93, e manteve no órgão federal uma série de mecanismos regulatórios, para os serviços de alta complexidade ou para aquelas ações consideradas estratégicas. Os recursos do FAEC passaram a ser transferidos fundo a fundo, vinculados a pagamento de prestadores, ou o governo federal fazia o pagamento, como no caso dos transplantes. Na verdade, isto significou uma nova centralização da capacidade regulatória da União e recolocou em cena atores que, no processo que estava em andamento, haviam perdido grande parte de sua capacidade de intervenção.

O principal avanço da NOB 96 consistiu na inclusão de mais de quatro mil municípios na gestão de algum nível (básica ou do sistema), trazendo a questão da regulação para a agenda dos municípios.

Outro passo na regulação foi a norma operacional de assistência à saúde, NOAS 01/2002, que buscou a regionalização da assistência, remetendo aos estados a competência de organizar o fluxo da assistência intermunicipal. A NOAS definiu mecanismos para a reorganização dos fluxos de referência e contra-referência e introduziu o conceito de "regulação assistencial", ou a "regulação do acesso às urgências, consultas etc.". Estabeleceu o fortalecimento das funções de controle e avaliação dos gestores do SUS; avaliação da qualidade dos serviços produzidos; satisfação do usuário; resultados e impactos sobre a saúde da população, bem como a exigência, aos estados e municípios, de elaborar os Planos de Controle, Regulação e Avaliação (Brasil, 2002a). As dificuldades para a sua implantação estavam colocadas em algumas de suas prescrições e em alguns de seus pressupostos. A NOAS e suas portarias regulamentadoras tentaram fazer o enquadramento das diversas situações em modelos, pressupondo uma forte atividade de regulação dos Estados, e acabou por freiar o processo de descentralização para o âmbito municipal. Além disso, a proposta de regulação restringia-se à assistência de média e alta complexidade, mantendo a separação entre "controle, regulação e avaliação" e "auditoria". Pressupõe a regulação enquanto atividade específica, limitando o seu potencial de intervenção e separando-a das atividades de controle e avaliação.

A ação reguladora do Estado lançou mão de novos instrumentos a partir do final da década de 1990: a regulamentação dos planos de saúde por meio da Lei 9.656/98, com a posterior criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS (Lei 9.961/00) e a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA (Brasil, 1999). A ANS foi criada como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades da assistência suplementar à saúde (Brasil, 1998; Brasil, 2000). Importante destacar que, na saúde suplementar, está pautada a relação de mais de quarenta milhões de usuários de planos de saúde, mediante compra de alguma modalidade de serviço de assistência à saúde.

Os principais instrumentos da regulação pública

Passaremos a analisar mais detalhadamente os instrumentos que têm possibilitado a regulação pública do SUS, suas possibilidades, avanços e limites. Dentre os instrumentos e mecanismos utilizados no processo regulatório destacamos: o financiamento, a definição de rede prestadora, os contratos de prestação de serviços, o cadastro de unidades prestadoras de serviços de saúde, a programação assistencial, as Autorizações das Internações Hospitalares (AIH) e Autorizações para Procedimentos de Alta Complexidade (APAC), as bases de dados nacionais, as centrais informatizadas de leitos, a auditoria analítica e operacional, o acompanhamento dos orçamentos públicos em saúde, avaliação e monitoramento das ações de atenção à saúde, dentre outros.

Destaca-se que o principal mecanismo indutor de ações e serviços de saúde é o financiamento por meio de seu instrumento mais visível, a tabela de procedimentos. Este procedimento tem sido operado pelo nível federal ao longo dos tempos, como principal mecanismo de indução da prestação de serviços de saúde. Desde os primórdios do INAMPS, a tabela de procedimentos tem sido o formato adotado para remunerar prestadores e gestores pelos serviços prestados. Sua capacidade de indução ocorre tanto pela listagem dos procedimentos a serem executados quanto pelos valores estabelecidos.

A definição de rede prestadora que, pela Constituição brasileira pode ser pública ou complementarmente privada, tem um alto poder de regulação sobre o perfil da assistência prestada. O sistema de saúde brasileiro, historicamente, ao priorizar uma rede majoritariamente privada, definiu um padrão de relação mercantil na conformação de sua assistência. A conformação dessa rede se deu, inicialmente, por mecanismos de credenciamento, adotando critérios pouco claros, fortemente influenciados por interesses políticos e econômicos (Oliveira & Teixeira, 1986). Esta relação tem suas raízes na história da previdência social brasileira, persistindo, ainda, no SUS, traços dos contratos do extinto INAMPS, ou mesmo situações carentes de qualquer formalização, apesar das exigências legais. Após a Constituição e definição do SUS e do caráter complementar do setor privado regido pelo direito publico, impôs-se a necessidade da contratação por meio do processo licitatório.

Os contratos de prestação de serviços são um outro instrumento que contribui para o incremento da regulação do gestor, uma vez que são previstas regras claras de obrigações e deveres entre as partes nos contratos firmados, inclusive a subordinação dos serviços contratados à regulação do gestor. A necessidade e a diretriz geral de contratação de serviços de saúde é dada pela Constituição de 1988: "As Instituições privadas poderão participar do Sistema Único de Saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos" (Brasil, 1988).

No esforço de contratação dos prestadores de serviços, em outubro de 1993, o Ministério da Saúde emitiu a Portaria 1.286/93, que estabeleceu parâmetros para contratualização, pelos gestores locais e municipais, das suas redes prestadoras de serviços de saúde (Brasil, 1993b). No entanto, este processo tem-se desenvolvido de forma extremamente lenta e desigual pelos estados e municípios. Em 2003, o MS lançou um novo documento (Manual de Contratualização) buscando reorientar e acelerar esse processo. Nele, está previsto que o interesse público e a identificação de necessidades assistenciais devem pautar o processo de compra de serviços na rede privada, que deve seguir a legislação, as normas administrativas específicas e os fluxos de aprovação, quando a disponibilidade da rede pública for insuficiente para o atendimento da população, definidos nas Comissões Intergestores Bipartite (organismos de discussão e pactuação, em cada um dos Estados, compostos de representação dos Secretários Municipais de Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde respectivas). Este processo deve ser seguido do acompanhamento do faturamento, quantidade e qualidade dos serviços prestados (Brasil, 2003). A contratação deve ser tomada como instrumento necessário para o controle e qualificação da assistência.

O cadastro de unidades prestadoras de serviços de saúde - completo e atualizado - é requisito básico para programar a contratação de serviços assistenciais e para realizar o controle da regularidade dos faturamentos. As atualizações constantes dos cadastros dos estabelecimentos de saúde da área a ser regulada (CNES) são instrumentos imprescindíveis para a regulação assistencial. O CNES pode e deve ser cada vez mais usado pelos demais subsistemas como base cadastral atualizada, inclusive para a regulação do setor privado, uma vez que a Agência Nacional de Saúde Suplementar tem exigido o registro dos estabelecimentos privados no CNES para o seu registro no órgão. Com isto, o sistema passa a ter cadastro atualizado dos estabelecimentos, possibilitando a gestão e regulação do setor público conveniado e, mais recentemente, do privado.

A programação assistencial que se reflete nas fichas de programação orçamentária (FPO) dos Estabelecimentos de Saúde é outro instrumento para adequar a oferta de serviços às necessidades dos usuários.

As bases de dados nacionais constituem instrumentos essenciais ao exercício das funções de controle, avaliação e auditoria. A alimentação permanente e regular dessas bases é fundamental para o seu aperfeiçoamento, bem como para o seu uso no processo de monitoramento e avaliação do Sistema. Diversos são os subsistemas de informação que podem ser usados neste processo, dentre eles destacamos: o Sistema de Informação Ambulatorial (SIA), o Sistema de Informação Hospitalar (SIH), o Sistema de Informação de Mortalidade. Todos têm origem, desenhos, base de dados e finalidades distintas, o que dificulta sua integração e articulação.

O SIH foi implantado, em 1976, no antigo INPS, para fins administrativos e de apuração de custos e pagamento de prestadores de serviços. Em 1983 foi implantada a Guia de Iinternação Hospitalar, progressivamente ampliada para os hospitais. Em 1990, o MS assumiu a gestão do Sistema, ampliando para todos as unidades hospitalares e, em 1994, foi descentralizado para as SES e municípios, podendo-se analisar e obter relatórios em qualquer nível do Sistema. O SIH-SUS reúne dados sobre: internação, características de pessoa, tempo, lugar, procedência do paciente, características dos serviços, procedimentos realizados, valores pagos, ocorrência de óbito, Código Internacional de Doenças (CID). Existem inúmeros limites no uso dessas informações, entre eles: o fato de a AIH ser um instrumento de pagamento, sujeito a distorções, fraudes e superfaturamento; falta de treinamento padronizado para classificação de doenças; variações do perfil tecnológico da rede assistencial; o fato de não ser universal, representando cerca de 80% das internações no país (Carvalho, 1997). Entretanto, mesmo com limites, o SIH-SUS constitui uma fonte importante de informações sobre morbidade hospitalar no país, situação de saúde, acompanhamento de tendências e avaliação de resultados de ações e serviços. Sua utilização sistemática pode servir de estímulo à melhoria qualitativa e quantitativa dos seus dados.

O Sistema de Informação Ambulatorial (SIA) foi implantado em 1991 e segue a lógica do SIH em relação à apuração de custos e pagamento de prestadores de serviços. A unidade de registro é o procedimento ambulatorial realizado, desagregado em atos profissionais (consulta, exames laboratoriais, atividade e ações). Não há dados sobre diagnósticos e motivos de atendimento, o que impede a apuração dos perfis de morbidade, exceto inferir sobre acesso, consumo e utilização de serviços; não revela, ainda, procedência do paciente, fluxo. Em 1997, um grande avanço ocorreu com a introdução do Subsistema para Autorização de Procedimentos de Alto Custo - APAC (terapia renal substitutiva, oncologia, queimados, medicina nuclear, medicamentos excepcionais, órteses e próteses, dentre outros), o que aumentou o controle sobre esses procedimentos.

Outro importante instrumento de regulação consiste nas centrais informatizadas de leitos, consultas, serviços de apoio diagnóstico e terapêutico (SADT), urgência e os serviços de atendimento móvel de urgência. Existem iniciativas municipais e estaduais de desenvolvimento destas centrais. O Ministério da Saúde desenvolveu uma ferramenta, o Sistema de Regulação - SISREG, que propõe integrar as diversas centrais de regulação e poderá ser um importante instrumento de regulação do acesso.

O avanço do processo de regulação da assistência far-se-á mediante a integração destes e dos demais subsistemas em um Sistema Nacional de Informação em Saúde, articulado, com os mesmos padrões de informação, tabelas, cadastros, entrada de dados, identificações comuns, que possibilitem cruzamentos, extração de indicadores e constitua, de fato, um instrumento para as ações da regulação e avaliação da assistência.

As ações de auditoria analítica e operacional constituem responsabilidades das três esferas gestoras do SUS. A auditoria deve analisar as atividades desenvolvidas, propondo medidas corretivas, interagindo com outras áreas da administração.

Outros mecanismos de controle e avaliação devem ser adotados pelo gestor público, tais como: acompanhamento dos orçamentos públicos em saúde, análise da coerência entre a programação, produção e faturamento apresentados e implementação de críticas possibilitadas pelos sistemas informatizados quanto à consistência e confiabilidade das informações disponibilizadas pelos prestadores.

A implementação de um processo de avaliação das ações de atenção à saúde, de forma sistemática e contínua, sobre estruturas, processos e resultados permite melhor planejamento, ajustes na execução e busca de melhor qualidade, eficiência, eficácia e efetividade. A avaliação da qualidade da atenção, pelos gestores, deve envolver tanto a implementação de indicadores objetivos baseados em critérios técnicos quanto a adoção de instrumentos de avaliação da satisfação dos usuários do sistema, que considerem a acessibilidade, integralidade da atenção, resolubilidade e qualidade dos serviços prestados, criando mecanismos que garantam a participação da população na avaliação do sistema. As dimensões contempladas: avaliação da organização do sistema e modelo de gestão; avaliação da relação com os prestadores de serviços - o gestor público deve ser dotado de instrumentos que lhe permitam acompanhar os prestadores na execução dos recursos programados; avaliação de qualidade e satisfação dos usuários do sistema; avaliação de resultados e efetividade das ações e serviços no perfil epidemiológico da população - deve envolver o acompanhamento dos resultados alcançados em função dos objetivos, indicadores e metas apontados nos planos governamentais de saúde.

As funções de controle, regulação e avaliação impõem aos gestores a superação de métodos que se referenciam principalmente ao controle de faturas (revisão) e instrumentos de avaliação com enfoque estrutural (vistorias) e do processo (procedimentos médicos), supervalorizados em detrimento do enfoque da avaliação dos resultados e da satisfação dos usuários (Brasil, 2002b).

Existem, ainda, instrumentos norteadores das ações do gestor e de base para o acompanhamento e fiscalização da implementação das políticas do setor pelo Conselho de Saúde e instâncias formais de controle, regulação e avaliação, como: os Planos de Saúde aprovados pelos Conselhos de Saúde; o Plano Diretor de Regionalização e de Investimentos; a Programação Pactuada e Integrada; os Pactos da Atenção Básica; os Termos de Garantia de Acesso e de Compromisso entre os Entes Públicos existentes no território, entre outros (Brasil, 2002a).

Conclusão

Existem inúmeros desafios na implementação da regulação pública, entre eles a sua finalidade, ou quem seria o beneficiário desta ação. O pressuposto da regulação pública nem sempre comanda e define a ação. Muitas vezes, o aparelho de estado encontra-se refém de outros interesses disputantes e define a regulação e seus mecanismos ancorado nesses pressupostos.

Cabe destacar o papel de comando único e articulado do SUS nos três níveis de governo. Somente esta integração pode garantir o direcionamento e condução do SUS nos moldes politicamente definidos na Constituição Brasileira. Entretanto, esta articulação e parceria encontram-se em processo de construção, sendo permeadas por disputas, muitas vezes por interesses distintos. Neste sentido, as Comissões Intergestoras Bipartite e Tripartite funcionam como instância de harmonização, publicização e pactuação desses interesses.

Uma notável inovação do SUS consistiu no comando único das três esferas de governo. Isto implica a assunção dos três níveis das suas prerrogativas e responsabilidades na regulação pública, integrando o setor contratado e conveniado. Importante ressaltar que esta perspectiva não tem sido fácil, sendo uma incorporação gradativa a gestão do Sistema, assumindo as ações de controlar e avaliar os serviços contratados pelo SUS.

Cabe especialmente aos municípios o desafio de assumir a gestão do sistema, avançando na sua integração real, assumindo o planejamento das ações, estabelecendo a adequação da oferta de serviços de acordo com as necessidades identificadas. A regulação, ao garantir o acesso dos cidadãos aos serviços, atua também sobre a oferta dos mesmos, subsidiando o controle sobre os prestadores de serviços, seja para dilatar ou remanejar a oferta programada para que seja cumprida a sua função. Promove, assim, a eqüidade do acesso, garantindo a integralidade da assistência e permitindo ajustar a oferta assistencial disponível às necessidades imediatas do cidadão, de forma equânime e ordenada.

Outro aspecto fundamental consiste na inter-relação entre o modelo assistencial e a regulação implantada. A regulação, por trabalhar com uma lógica bastante voltada para o controle e com uma dinâmica própria, tende a certo descolamento, restringindo-se às ações de controle do setor privado-conveniado, isolando-se do conjunto das ações assistenciais e dos serviços próprios. Esta dicotomia deve ser superada integrando, no cotidiano, necessidades, demandas, fluxos, tendo o usuário como a referência de organização dos serviços.

Algumas iniciativas ainda estão incompletas, como, por exemplo, a contração da rede prestadora de serviços, ainda não assumida nas três esferas de governo. Esta rede, sub-rogada pelo extinto INAMPS aos estados, foi, também, sub-rogada aos municípios, em sua imensa maioria com os contratos vencidos, caducos, ou mesmo sem nunca ter sido assinado um contrato com o Poder Público, trabalhando por meio de um credenciamento, com critérios de entrada no sistema pouco definidos. Vários municípios já levaram à frente a iniciativa, mas esta ainda carece de se efetuar plenamente. Instrumentos importantes de regulação, como as Centrais de Regulação Informatizadas, articuladas com as centrais de urgência, ainda são iniciativas pontuais, isoladas, não se constituindo, até o momento, de forma sistêmica.

Outro passo importante consiste na integração dos subsistemas de Informação, compondo um Sistema Nacional de Informação em Saúde, articulado, integrado, que possibilite a regulação e avaliação.

Por fim, a avaliação, que constitui parte fundamental no planejamento e gestão do sistema de saúde. Um sistema de avaliação efetivo pode reordenar a execução das ações e serviços, redimensionando-os de forma a contemplar as necessidades de seu público, dando maior racionalidade ao uso dos recursos. No entanto, a avaliação é uma das atividades menos praticadas. Vários fatores têm contribuído para isso, desde a falta de recursos financeiros para estas ações, até dificuldades metodológicas, insuficiência e capacitação de recursos humanos para as atividades e, por vezes, ausência de vontade política dos dirigentes na abordagem desse tema (Malta, 2004).

Recebido em: 06/07/05. Aprovado em: 28/04/06.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      28 Abr 2006
    • Recebido
      06 Jul 2005
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