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Contenção ambiental de idosos nas instituições de longa permanência em tempos de Covid-19: reflexão teórica

Contención ambiental de ancianos en las instituciones de larga permanencia en tiempos de Covid-19: reflexión teórica

Resumos

Estudo teórico de cunho reflexivo que aborda o fenômeno da contenção ambiental em instituições de longa permanência para idosos, apresentando o tema à luz dos direitos humanos e da legislação em vigor, que pregam boas práticas de cuidado aos idosos institucionalizados, inclusive frente ao cenário de enfrentamento à Covid-19. Considerando os impactos negativos da contenção ambiental na saúde física e mental dos idosos, sugere-se maior capacitação da equipe técnica das instituições de longa permanência para idosos e prospecção do fenômeno para garantia de condições mais dignas e que respeitem a liberdade dos idosos.

Palavras-chave
Idoso; Direitos humanos; Restrição física; Ambiente; Instituição de longa permanência para idosos


Estudio teórico de cuño reflexivo que aborda el fenómeno de la contención ambiental en instituciones de larga permanencia para ancianos, presentando el tema a la luz de los derechos humanos y de la legislación en vigor que proponen buenas prácticas de cuidado para los ancianos institucionalizados, incluso ante el escenario del enfrentamiento a la Covid-19. Considerando los impactos negativos de la contención ambiental en la salud física y mental de los ancianos, se sugiere mayor capacitación del equipo técnico de las instituciones de larga permanencia para ancianos y prospección del fenómeno para garantía de condiciones más dignas y que respeten la libertad de los ancianos.

Palabras clave
Anciano; Derechos humanos; Restricción física; Ambiente; Institución de larga permanencia para ancianos


A theoretical and reflexive study addressing the phenomenon of environmental restraint in long-term care facilities for the elderly, presenting the topic under the light of human rights and the legislation in force, which postulate good care practices to institutionalized elderly even in the face of the Covid-19 situation. By considering the negative impacts of environmental restraint on the physical and mental health of the elderly, it is suggested that the technical team of long-term care institutions for the elderly should be better trained, and that the phenomenon needs to be explored to guarantee more dignified conditions that respect the freedom of the elderly.

Keywords
Elderly; Human rights; Physical restraint; Environment; Long-term care facility for the elderly


Introdução

A complexidade das relações humanas traz às sociedades desafios como os relacionados ao cuidados às pessoas idosas, contrapondo a conquista humana do envelhecimento à necessidade de políticas públicas e arranjos econômicos que atendam à população que envelhece com limitações para atividades de vida diária11 Kalache A, Veras RP, Ramos LR. O envelhecimento da população mundial: um desafio novo. Rev Saude Publica. 1987; 21(3):200-10. Doi: https://doi.org/10.1590/S0034-89101987000300005.
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Registra-se, assim, um número crescente de idosos que necessitam de acolhimento institucional, seja por limitações físicas para as atividades de vida diária; insuficiência ou impossibilidade familiar; ou, ainda, para solução da violência estrutural(f (f) A violência estrutural reúne os aspectos resultantes da desigualdade social, da penúria provocada pela pobreza e pela miséria e das discriminações que os desprovidos de bens materiais mais sentem. A desigualdade não é privilégio da população idosa, pois em geral, os mais pobres o foram durante a vida toda. Mas nessa etapa da vida, a indigência ou a falta de recursos materiais castiga mais2. (p. 59) ), obtendo moradia para os últimos momentos de suas vidas33 Fagundes KVDL, Esteves MR, Ribeiro JHM, Siepierski CT, Silva JV, Mendes MA. Instituições de longa permanência como alternativa no acolhimento das pessoas idosas. Rev Salud Publica. 2017; 19(2):210-4. Doi: https://doi.org/10.15446/rsap.v19n2.41541.
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A institucionalização proporciona certa despersonalização, com horários e preferências dos idosos deixadas de lado em prol de sua organização e da coletividade33 Fagundes KVDL, Esteves MR, Ribeiro JHM, Siepierski CT, Silva JV, Mendes MA. Instituições de longa permanência como alternativa no acolhimento das pessoas idosas. Rev Salud Publica. 2017; 19(2):210-4. Doi: https://doi.org/10.15446/rsap.v19n2.41541.
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, bem como da responsabilidade atribuída à Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) pela integridade física de seus hóspedes.

Considerando o cenário de enfrentamento à Covid-19, o risco de morte dos idosos é maior, já que a grande maioria dos idosos padece com alguma comorbidade preexistente. Além disso, estima-se que o número de idosos mortos pela pandemia chegue a cem mil e que os idosos mais vulneráveis sejam os mais afetados44 Machado CJ, Pereira CCA, Viana BM, Oliveira GL, Melo DC, Carvalho JFMG, et al. Estimates of the impact of Covid-19 on mortality of institutionalized elderly in Brazil. Cienc Saude Colet. 2020; 25(9):3437-44..

Por força da pandemia, o caráter personalizado da atenção em saúde foi colocado em segundo plano, o que possui um alto custo para os idosos institucionalizados – como para os que necessitam da assistência concomitante de seus familiares (ou de voluntários) ou, ainda, no agravamento do estado de saúde de pacientes em cuidados paliativos, que, longe de seus entes, experimentam o abandono na hora da morte.

Nesse sentido, estudos sugerem engajamento tecnológico para conectar os idosos com seus familiares e o mundo externo, como a telemedicina e ações mais inclusivas, realizadas pelo governo, para fornecer internet à população55 Siette J, Wuthrich V, Low LF. Social preparedness in response to spatial distancing measures for aged care during Covid-19. J Am Med Dir Assoc. 2020; 21(7):985-6. Doi: https://doi.org/10.1016/j.jamda.2020.04.015.
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. Isso porque o isolamento social, preditor mais forte de abuso, tem como consequências negativas a depressão e a ansiedade. Além disso, foram identificados fatores de risco para o suicídio de idoso com o confinamento, além de repercussões em sua saúde mental66 Lucchini MLK, Vecchia MFD, Heinen M, Ferreto LED, Wendt G. Fatores de risco para suicídio em idosos antes e durante o período de confinamento Covid-19. Res Soc Dev. 2020; 9(12):e37391211105. Doi: https://doi.org/10.33448/rsd-v9i12.11105.
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Desse modo, o desafio dos profissionais de saúde e familiares perpassa uma tênue, mas importante ponderação de interesses entre a faculdade de ir e vir dos idosos e o direito ao cuidado em saúde, que lhes proporcione segurança.

Os operadores do direito (advogados, Ministério Público, Defensoria Pública) precisam se aproximar mais da realidade da prestação de serviços nas ILPI, das boas práticas de cuidado, se apropriando da legislação, especialmente do direito dos pacientes, dos direitos humanos, para evitar distorções nos julgados, e garantir que os idosos sejam dignamente cuidados.

Método

Trata-se de um estudo teórico de cunho reflexivo que, partindo de observações empíricas do dia a dia de fiscalização de uma ILPI no estado do Rio de Janeiro por parte do Ministério Público, propõe discussões e reflexões sobre o tema da contenção ambiental de idosos, considerando as premissas da legislação vigente e das políticas públicas voltadas para as pessoas idosas.

O estudo reflexivo, focado na discussão de um tema específico, propõe uma formulação discursiva aprofundada, citando pontos de vista práticos ou teóricos, não se traduzindo em uma revisão sistemática77 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad. Manual de orientação para elaboração de artigos científicos [Internet]. Rio de Janeiro: COENP; 2014 [citado 10 Nov 2021]. Disponível em: https://www.into.saude.gov.br/images/pdf/pesquisa/cep/documentos_2015/Manual---Orientacao-para-Elaboracao-de-Artigos-Cientificos-2016-a.pdf
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. Nesse sentido, os artigos e a legislação citados no presente texto surgiram de ponderações dos próprios autores, emergindo como estratégia de sensibilização sobre o assunto. Todos os autores possuem experiência no ensino e na pesquisa sobre o tema, sendo que a primeira e o segundo autores atuam, respectivamente, como assessora jurídica e promotor de Justiça no Ministério Público do estado do Rio de Janeiro e ambos têm prática na fiscalização de ILPI.

As fiscalizações nas ILPI são anuais e realizadas não só para verificar a regularidade documental das instituições – tais como alvará, licenciamento sanitário, termo de responsabilidade técnica, entre outros – mas, principalmente, para aferir o atendimento prestado às pessoas idosas residentes.

O artigo foi estruturado com o eixo “Resultados e discussão”, que, por sua vez, divide-se nos seguintes subtítulos: “Enquadramento legal das ILPI”, “O ambiente institucional e a contenção ambiental” e “Algumas considerações legais sobre a prática de contenção ambiental”.

Resultados e discussão

Enquadramento legal das ILPI

As ILPI brasileiras têm natureza híbrida, já que não se caracterizam só pela hotelaria oferecida aos seus hóspedes idosos, mas também pela prestação de serviços de profissionais de saúde, de natureza multiprofissional, como as elencadas pela Portaria 810/1989 do Ministério da Saúde88 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 810, de 22 de Setembro de 1989. Aprova normas e os padrões para o funcionamento de casas de repouso, clínicas geriátricas e outras instituições destinadas ao atendimento de idosos, a serem observados em todo o território nacional. Brasília: Ministério da Saúde; 1989..

Podem ou não ter fins lucrativos e, apesar do alto custo de manutenção, nem todas as ILPI sem fins lucrativos integram o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Compõem a rede de proteção social especial do SUAS as ILPI sem fins lucrativos que prestam atendimento às pessoas idosas e, atendendo à Lei 8742/9399 Brasil. Presidência da República. Lei nº 8.742, de 7 de Dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Brasília: Presidência da República; 1993., estão devidamente cadastradas nesta modalidade de atendimento junto ao Cadastro Nacional de Entidades de Assistência Social (CNEAS) que, atualmente, está ligado ao Ministério da Cidadania.

É possível às ILPI sem fins lucrativos, atendendo aos requisitos da Lei 12.101/2009, regulamentada pelo Decreto 8.242/20141010 Brasil. Presidência da República. Lei nº 12.101, de 27 de Novembro de 2009. Dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social. Brasília: Presidência da República; 2009., obter a Certificação de Entidade Beneficente e de Assistência Social (CEBAS) lhes garantindo alguns benefícios tributários. Por sua vez, as ILPI com fins lucrativos, apesar do seu papel social essencial, não são beneficiárias de isenções ou benefícios tributários às referidas instituições.

Fato é que, sendo pública ou privada com ou sem fins lucrativos, ambas devem respeitar a Constituição Federal1111 Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. e os tratados internacionais sobre direitos humanos aceitos pelo sistema jurídico brasileiro e demais dispositivos legais vigentes, estando a Constituição Federal1111 Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. e os Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos acima das demais normas, conforme quadro a seguir.

Quadro 1
Hierarquia das normas de proteção à pessoa idosa

A hibridez na prestação de serviços ainda necessita de legislação mais clara. Apesar disso, há várias menções na legislação sobre a necessidade de articulação entre as ILPI e as secretarias de saúde, como a Portaria n. 810, de 1989, do Ministério da Saúde88 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 810, de 22 de Setembro de 1989. Aprova normas e os padrões para o funcionamento de casas de repouso, clínicas geriátricas e outras instituições destinadas ao atendimento de idosos, a serem observados em todo o território nacional. Brasília: Ministério da Saúde; 1989., que disciplinou normas e padrões para o funcionamento das ILPI (em geral, sem distinção de natureza); ou a própria Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, que destaca a necessidade de compartilhamento de responsabilidades entre a assistência social e a saúde para implantação de assistência integral aos idosos das ILPI (anexo 5.3, alínea “g”)1212 Brasil. Presidência da República. Lei nº 8.842, de 4 de Janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional do idoso. Brasília: Presidência da República; 1994..

Ainda quanto à natureza híbrida das ILPI, já que inclui, além da assistência social, prestação de cuidados em saúde, cita-se o Decreto n. 9921/2019, alterado pelo Decreto n. 10.604/20191313 Brasil. Presidência da República. Decreto nº 9.921, de 18 de Julho de 2019. Consolida atos normativos editados pelo poder executivo federal que dispõem sobre a temática da pessoa idosa. Brasília: Presidência da República; 2019., que aborda a expressa necessidade de articulação entre as ILPI e a unidade de saúde da área programática para manutenção de pessoa idosa portadora de “doença” que requeira cuidados, e a competência do Sistema Único de Saúde (SUS) para adotar e aplicar normas de funcionamento às ILPI e fiscalizá-las (artigo 9, inciso IX do Decreto n. 9921/20191313 Brasil. Presidência da República. Decreto nº 9.921, de 18 de Julho de 2019. Consolida atos normativos editados pelo poder executivo federal que dispõem sobre a temática da pessoa idosa. Brasília: Presidência da República; 2019.).

Acrescenta-se a isso a clara menção da qualidade do atendimento prestado, mencionada no Estatuto do Idoso – especialmente quanto à capacitação de recursos humanos da área de Geriatria e Gerontologia (parágrafo 1º do artigo 3, inciso VI, da Lei n. 10.741/20031414 Brasil. Presidência da República. Lei nº 10.741, de 1º de Outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Brasília: Presidência da República; 2003.) –, na Portaria n. 810/1989 do Ministério da Saúde88 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 810, de 22 de Setembro de 1989. Aprova normas e os padrões para o funcionamento de casas de repouso, clínicas geriátricas e outras instituições destinadas ao atendimento de idosos, a serem observados em todo o território nacional. Brasília: Ministério da Saúde; 1989. – que elenca os profissionais que devem prestar atendimento – e na Política Nacional do Idoso, que prevê atendimento multidisciplinar e interdisciplinar às pessoas idosas (aprovada pela Portaria n. 2528/2006, item 3.21212 Brasil. Presidência da República. Lei nº 8.842, de 4 de Janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional do idoso. Brasília: Presidência da República; 1994.); e a menção ao número mínimo de profissionais, de acordo com o grau de dependência na Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) n. 502/2021 da Vigilância Sanitária1515 Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC nº 502, de 27 de Maio de 2021. Dispõe sobre o funcionamento de Instituição de Longa Permanência para Idosos, de caráter residencial. Brasília: Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2021..

No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, registra-se avanço na legislação com a Lei n. 8.049/20181616 Rio de Janeiro (Estado). Governo do Estado do Rio de Janeiro. Lei nº 8.049, de 17 de Julho de 2018. Estabelece normas para o funcionamento de instituições de longa permanência de idosos, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Governo do Estado do Rio de Janeiro; 2018., que determina a mínima composição dos profissionais de cuidado a depender do grau de dependência dos idosos residentes.

A finalidade primordial do atendimento é a de promover autonomia e independência aos idosos, com foco na prevenção do declínio funcional e na reabilitação (Portaria n. 2528/2006, do Ministério da Saúde, que aprovou a Política Nacional do Idoso1212 Brasil. Presidência da República. Lei nº 8.842, de 4 de Janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional do idoso. Brasília: Presidência da República; 1994.).

Para tanto, as ILPI têm o dever de elaborar Plano Individual de Atendimento ao Idoso (artigo 50, inciso V do Estatuto do Idoso1414 Brasil. Presidência da República. Lei nº 10.741, de 1º de Outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Brasília: Presidência da República; 2003.) e o Plano de Atenção Integral à Saúde do Idoso (artigos 36 e 37, da RDC n. 502/20211515 Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC nº 502, de 27 de Maio de 2021. Dispõe sobre o funcionamento de Instituição de Longa Permanência para Idosos, de caráter residencial. Brasília: Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2021.), com abordagem individual e centrada nas necessidades e capacidades dos idosos, estimulando sua autonomia.

A realidade brasileira é de idosos com graus de dependência diversos residindo na mesma instituição desde sua admissão. O próprio Estatuto do Idoso1414 Brasil. Presidência da República. Lei nº 10.741, de 1º de Outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Brasília: Presidência da República; 2003., entre os seus princípios, elenca a manutenção da pessoa idosa na mesma instituição a fim de evitar que, ao enfrentar maior declínio funcional, o idoso tenha que ser transferido para outra ILPI. Por isso, algumas ILPI optam por somente admitir idosos independentes, a fim de equilibrar seus custos com recursos humanos.

Faz-se necessário pensar e implementar uma política de cuidado brasileira para inclusão dos cuidados de longa duração, considerando a complexidade que estes demandam1717 Barcelos BJ, Horta NC, Ferreira QN, Souza MCMR, Mattioli CDP, Marcelino LGS. Dimensions assigned to Long Term Care Facilities by managers and health professionals: interfaces and contradictions. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2018; 21(1):16-23. Doi: https://doi.org/10.1590/1981-22562018021.170082.
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. Publicação do estudo “The Brazilian Longitudinal Study of Aging” (ELSI-BRASIL) destaca que o índice de multimorbidade, que é a ocorrência de duas ou mais doenças crônicas simultâneas, acomete 64% dos idosos e está associado ao declínio funcional, mortalidade e baixa qualidade de vida1818 Nunes BP, Batista SRR, Andrade FB, Souza Junior PRB, Lima-Costa MF, Facchini LA. Multimorbidity: the Brazilian longitudinal study of aging (ELSI-Brazil). Rev Saude Publica. 2018; 52 Suppl 2:10s. Doi: https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052000637.
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Nesse sentido, publicação recente com as conclusões do “Foro de Innovación, Cuidados Y Políticas Públicas”, realizado em 2020, na Argentina, que reuniu trinta organizações da sociedade civil; instituições de ensino; e organizações públicas e privadas para discutir e incentivar a implementação de políticas públicas de cuidado às pessoas idosas dentro do cenário da pandemia, pontuou a necessidade, entre outras não menos importantes, de prestar assistência domiciliar aos idosos e a seus cuidadores, capacitando os últimos, sejam estes familiares ou profissionais de saúde, como forma de respeito aos direitos humanos dos idosos1919 Fundación Sidom. Foro de innovación, cuidados y políticas públicas [Internet]. Buenos Aires: Fundación Sidom; 2021 [citado 10 Nov 2021]. Disponível em: https://fundacionsidom.org/assets/docs/foro_cuidabien.pdf
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O ambiente institucional e a contenção ambiental

Os direitos individuais dos idosos precisam ser observados nos ambientes de cuidado, especialmente nas ILPI, inclusive no que tange aos seus direitos como usuários de serviços de saúde que são, não devendo a instituição se traduzir em um “lugar para aguardar a morte”2020 Oliveira JMR, Alves C. Instituição de longa permanência para idosos: um lugar de cuidado para quem não tem opção? Rev Bras Enferm. 2014; 67(5):773-9. Doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167.2014670515.
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, ou em um lugar com condutas humanas cerceadoras de direitos utilizando o argumento de oferecerem proteção.

O ingresso na ILPI é de adequação a novas rotinas, de partilha de espaços de convivência e de privacidade, passando o idoso a se moldar à instituição. O idoso é isolado do mundo que o cerca, do papel que ocupava na sociedade e privado de suas relações interpessoais2121 Poltronieri BC, Souza ER, Ribeiro AP. Violência e direito ao cuidado nas políticas públicas sobre instituições de longa permanência para idosos. Interface (Botucatu). 2019; 23:e180124. Doi: https://doi.org/10.1590/Interface.180124.
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Idosos institucionalizados apresentam menor desempenho cognitivo do que os não institucionalizados, o que pode levar ao aumento da depressão ou diminuição de capacidade funcional, o que implica na perda de independência e autonomia2222 Andrade FLJP, Lima JMR, Fidelis KNM, Jerez-Roig J, Lima KC. Cognitive impairment and associated factors among institutionalized elderly persons in Natal, Rio Grande do Norte, Brazil. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017; 20(2):186-96. Doi: https://doi.org/10.1590/1981-22562017020.160151.
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A contenção ambiental é definida pelo impedimento de saída de um indivíduo de um espaço, que pode ser um cômodo ou a ILPI como um todo, com ou sem a utilização de dispositivos de segurança, como cadeado ou fechaduras2323 Menezes AK, Santana RF, Cimador F. Práticas assistenciais restritivas e o paradigma da cultura de não contenção da pessoa idosa. In: Freitas EV. Tratado de geriatria e gerontologia. 4a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2016. p. 6582-627..

Um conceito mais abrangente de contenção ambiental inclui o isolamento ou ausência de comunicação com o mundo externo; o afastamento comunitário e social, e/ou até mesmo a utilização de um único meio de comunicação (como um único canal de TV em exibição na ILPI, um único jornal impresso ou estação de rádio ou, ainda, a existência de cultos ou encontros de uma única religião, em detrimento de outros credos)2424 Mislej M, Bicego L. Control la contenzione. Garantire sempre, a ogni citadino, l´articolo 13 della costituzione. 2a ed. Santarcangelo di Romagna: Maggioli Editore; 2018..

No cenário atual, em que medidas de restrição de liberdade são necessárias, estudos já advertem sobre os problemas de saúde mental que tais restrições acarretam e ainda acarretarão nos indivíduos, já que estas evocam sentimentos de solidão, insônia, ansiedade, perda de apetite e depressão, ameaçando a dignidade e os bons cuidados em saúde2525 Moraes CL, Marques ES, Ribeiro AP, Souza ER. Violência contra idosos durante a pandemia de Covid-19 no Brasil: contribuições para seu enfrentamento. Cienc Saude Colet. 2020; 25 Suppl 2:4177-84. Doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.27662020.
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O desafio é grande, perpassando a ausência de recursos financeiros, humanos e de equipamentos eletroeletrônicos (como tablets); fraco sinal de internet em espaços de cuidado das ILPI; necessidade de profissionais para manter vivo o contato dos idosos que não possuem aptidão para, por si mesmos, manterem contato com seus familiares; e rodízios em espaços comuns das instituições.

O uso de contenção está associado a problemas relacionados à mobilidade, declínio funcional e cognitivo2626 Oye C, Jacobsen FF, Mekki TE. Do organisational constraints explain the use of restraint? A comparative ethnographic study from three nursing homes in Norway. J Clin Nurs. 2017; 26(13-14):1906-16. Doi: http://doi.wiley.com/10.1111/jocn.13504.
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e seu emprego causa danos físicos e psicológicos; favorece isolamento social, proporciona humilhação, medo, tristeza, sensação de impotência, e outros sentimentos ao indivíduo contido, afetando de forma prejudicial a dignidade da pessoa contida2424 Mislej M, Bicego L. Control la contenzione. Garantire sempre, a ogni citadino, l´articolo 13 della costituzione. 2a ed. Santarcangelo di Romagna: Maggioli Editore; 2018..

Muitos idosos hospedados em ILPI não possuem capacidade decisória preservada, muitas vezes com um declínio cognitivo que não os permite decidir para onde ir, nem discernir situações de perigo. Por tal motivo, os profissionais de saúde redobram a atenção por segurança.

A ILPI tem o dever de zelar pela integridade física de seus hóspedes, de forma que não se pode conceber que um idoso portador de demência e com declínio cognitivo entre e saia da instituição sem acompanhante, por exemplo; ou que as portas da ILPI estejam sempre abertas para que qualquer transeunte adentre, por um evidente motivo de segurança.

Entretanto, a realidade dos hóspedes das ILPI não é só de idosos dependentes para as atividades de vida diária (AVD) ou atividades instrumentais de vida diária (AIVD). Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) demonstram que 34% dos idosos residentes são independentes2727 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Comunicados do IPEA nº 93 [Internet]. Brasília: IPEA; 2011 [citado 10 Nov 2021]. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=8571
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. Por isso, a regra não pode ser a mesma para todos os hóspedes.

Em condições normais de cuidado, é iatrogênico manter um indivíduo sem contato com o mundo exterior e com a comunidade que o cerca; e impossibilitado de exercitar sua fé, de fazer suas escolhas quanto ao seu jornal preferido ou pelo canal de TV em que prefere acompanhar suas notícias, mesmo que o idoso tenha sido compulsoriamente hospedado em uma ILPI (por ordem judicial) ou padeça de uma enfermidade de ordem psíquica que o impeça de, por si mesmo, tomar suas decisões de ir e vir.

A iatrogenia na contenção ambiental nas ILPI reside na sua manutenção mesmo com o conhecimento de todas as repercussões negativas dela advindas. Conter não é tratamento e não é prática de cuidado2323 Menezes AK, Santana RF, Cimador F. Práticas assistenciais restritivas e o paradigma da cultura de não contenção da pessoa idosa. In: Freitas EV. Tratado de geriatria e gerontologia. 4a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2016. p. 6582-627..

Em outro pórtico, há de se distinguir a aferição de dependência/independência da aferição de habilidade das pessoas idosas para tomar suas decisões. Essa última é aferida avaliando-se: (i) se a pessoa entende e consegue reter uma informação, (ii) se é capaz de sopesar a informação, (iii) se compreende as consequências da tomada de determinada decisão e (iv) sua habilidade para comunicar a decisão tomada2828 Albuquerque A. Capacidade jurídica e direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris; 2018..

O exercício da liberdade e da faculdade de ir e vir dos idosos residentes nas ILPI não está relacionada com sua dependência para as AVDs. E tal direito não é afastado se o idoso deambular com ajuda, se estiver ou não em um bairro seguro e se possuir ou não um familiar que respeite suas escolhas. Cabe à equipe multidisciplinar da ILPI e, principalmente, ao seu representante legal respeitar a decisão do idoso e apoiá-la, atendendo à lei em vigor, que prioriza a autonomia e independência do idoso, prestando atendimento personalizado e adequado as suas características e necessidades (artigo 49, inciso II do Estatuto do Idoso1414 Brasil. Presidência da República. Lei nº 10.741, de 1º de Outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Brasília: Presidência da República; 2003.).

Algumas considerações legais sobre a prática de contenção ambiental

Os processos judiciais que chegam aos tribunais brasileiros relativos à prestação de serviços pelas ILPI são julgados com base no Código de Defesa do Consumidor ou no Código Civil Brasileiro, utilizando a responsabilidade civil para reparação de danos.

Apesar de o Direito do Consumidor consagrar direitos básicos – como a proteção à vida, segurança e saúde (art. 6º, inciso I, da Lei n. 8.078/902929 Brasil. Presidência da República. Lei nº 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília: Presidência da República; 1990.) –, não atenta para temas ligados a bioética ou políticas públicas de cuidado que dialogam diretamente com as questões cotidianas que surgem na gestão de uma ILPI.

Nota-se que teorias como a desenvolvida por Aline Albuquerque e Cohen & Ezer – respaldadas no direito à vida, à saúde, à privacidade, à não submissão à tortura ou a tratamentos desumanos ou degradantes; na participação nos cuidados, na informação e na não discriminação3030 Paranhos DG, Albuquerque A. Direitos humanos dos pacientes como instrumentos bioéticos de proteção das pessoas idosas. Cad Ibero Am Direito Sanit. 2019; 8(1):53-64. – possuem premissas que parecem se aproximar e serem adequadas ao cenário de cuidado prestado nas ILPI.

Isso se deve ao fato de que a lógica do cuidado busca o bem-estar, conforto e dignidade do paciente, presentes na teoria dos direitos humanos do paciente; indica o próprio paciente como protagonista do cuidado; e envolve também os profissionais de saúde como prestadores de serviços, bem como suas condições de trabalho. Como consequência, a lógica do cuidado também prima pelo respeito aos registros e evoluções nos prontuários, além de outras questões que implicam no cuidado e nas relações com os pacientes, resguardando pacientes e profissionais e reforçando a premissa do cuidado de qualidade3131 Albuquerque A, Oliveira AL, Lima AK, Guimarães C, Maia C, Karaja D, et al. Violação aos Direitos dos Pacientes: Análise da Jurisprudência no Brasil. Rev Direitos Fundam Alteridade. 2019; 3:7-33..

Apesar de ainda tramitar no Congresso Nacional Brasileiro uma legislação específica sobre os direitos humano do paciente (Projeto de Lei n. 5559/2016, que tem por origem a Carta dos Direitos do Paciente3232 Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 5.559, de 14 de Junho de 2016. Dispõe sobre os direitos dos pacientes e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados; 2016.), a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos3333 Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO. Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos [Internet]. Paris: UNESCO; 2006 [citado 10 Nov 2021]. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf
http://unesdoc.unesco.org/images/0014/00...
tem valor jurídico concreto na legislação brasileira e deve ser observada no cuidado prestado ao idoso, paciente dos serviços prestados pelas ILPI, podendo ser utilizada pelos operadores de direito nas demandas judiciais.

Vê-se um crescimento dessa abordagem inclusive na esfera privada, com a criação de escritórios de experiência do paciente, que tem por escopo o aprimoramento do conceito de atendimento (que antes era focado na relação de consumo) para práticas de cuidado centrado no paciente, colocando-o como protagonista de seu próprio tratamento, envolvendo profissionais da saúde e familiares. Nesses escritórios, partindo da jornada do paciente, obtêm-se conclusões quanto ao tratamento mais apropriado a sua vontade e a sua história, respeitando sua autonomia3434 Hospital Sírio Libanês. Especialização em experiência do paciente e cuidado centrado na pessoa [Internet]. São Paulo: Sírio Libanês; 2021 [citado 10 Nov 2021]. Disponível em: https://iep.hospitalsiriolibanes.org.br/Pages/Especializacao-em-Experiencia-do-Paciente-e-Cuidado-Centrado-na-Pessoa.aspx
https://iep.hospitalsiriolibanes.org.br/...
.

Nas ILPI, destaca-se a necessidade de manutenção de registros individualizados de todos os idosos residentes pela equipe multiprofissional (registro de informações e dados da Portaria n. 810/1989 do Ministério da Saúde88 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 810, de 22 de Setembro de 1989. Aprova normas e os padrões para o funcionamento de casas de repouso, clínicas geriátricas e outras instituições destinadas ao atendimento de idosos, a serem observados em todo o território nacional. Brasília: Ministério da Saúde; 1989.). Os Planos de Atenção à Saúde do Idoso, assim como os prontuários multidisciplinares, com evolução dos profissionais e prescrições, são essenciais para melhor acompanhamento dos idosos institucionalizados e para perseguir a manutenção e aprimoramento da capacidade funcional e cognitiva dos idosos (preconizada pela Política Nacional do Idoso, Lei n. 8842/19841212 Brasil. Presidência da República. Lei nº 8.842, de 4 de Janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional do idoso. Brasília: Presidência da República; 1994.).

E é justamente com a manutenção de registros e avaliações periódicas que os profissionais de saúde das ILPI podem, de fato, verificar e implementar eventual intervenção no que tange à limitação de saídas da instituição sem supervisão, lembrando que o artigo 10, parágrafo 1º, do Estatuto do Idoso1414 Brasil. Presidência da República. Lei nº 10.741, de 1º de Outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Brasília: Presidência da República; 2003. ressalta o direito de ir e vir dos idosos e sua participação comunitária.

Até mesmo no cenário atual de excepcionalidade, é possível e mandatório (se considerarmos as repercussões negativas ao isolamento social) dar acesso aos idosos a cultos e missas que são exibidos pela TV ou pelas redes sociais; programar conversas por videoconferência com os familiares e amigos dos idosos em salas reservadas para maior intimidade e partilha; e realizar atividades de convivência nas ILPI respeitando as referências dos idosos e recomendações sanitárias em rodízio nas áreas comuns.

Em casos mais complexos de cuidado, deve a instituição primar pelo estabelecimento de um plano de ação que atenda aos interesses e necessidades físicas e mentais do idoso, em parceria com seus familiares ou rede de apoio, evitando o agravamento na condição física e cognitiva dos idosos. Trata-se de ponderar interesses, respeitando os direitos humanos e a dignidade das pessoas envolvidas e diretamente afetadas.

É importante que seja ressaltada a distinção entre as medidas de distanciamento social emergenciais que estão em vigor com a Covid-19, que também envolvem a preservação de outros idosos residentes, das práticas regulares e não justificadas de impedir a livre circulação das pessoas idosas para que não se incorra no erro de classificar tais ações preventivas como um tipo de contenção ambiental.

Em que pese o cenário de enfrentamento à Covid-19, os direitos humanos dos pacientes têm que ser respeitados. Nesse sentido, o Observatório dos Direitos do Paciente destaca, dentre outras ações importantes, o direito a não ter sua liberdade restrita de forma arbitrária e sem fundamento científico, o direito a receber informação adequada, o direito ao contato familiar diário e, até quando em isolamento por infecção, o direito ao contato humano3535 Brasil. Observatório dos direitos dos pacientes. Direitos humanos dos pacientes e Covid-19 [Internet]. São Paulo: Cepedisa; 2020 [citado 10 Nov 2021]. Disponível em: https://cepedisa.org.br/direitos-humanos-dos-pacientes-e-covid-19/
https://cepedisa.org.br/direitos-humanos...
.

O cerceamento da liberdade do indivíduo é sempre excepcional. É equivocada a ideia de que fornecer assistência integral aos idosos institucionalizados se traduza no modelo de instituições fechadas, conhecidas por totais, que são fundadas no isolamento e na gestão total da vida de seus hóspedes3636 Kunze NC, Goffman EM. Prisões e conventos. Leite DM, tradutor. 7a ed. São Paulo: Editora Perspectiva; 2001..

A necessidade de ressalva quanto ao pleno exercício da liberdade do idoso pode ser registrada no Plano de Atenção à Saúde, exigência da RDC n. 502/20211515 Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC nº 502, de 27 de Maio de 2021. Dispõe sobre o funcionamento de Instituição de Longa Permanência para Idosos, de caráter residencial. Brasília: Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2021., devendo abordar a promoção, proteção e prevenção da saúde do idoso, de forma individualizada. Assim, pode a equipe multidisciplinar da ILPI, como medida protetiva em favor do idoso, registrar no referido documento a exigência de que o idoso somente saia com acompanhante, por exemplo, por não estar demonstrando plena ou intermitente capacidade de decisão.

Vale ressaltar que a medida que restringe o direito à liberdade do idoso é sempre excepcional e deve estar resguardada por documento firmado por profissionais capacitados, com conhecimentos gerontológicos e que atentem para as melhores técnicas de cuidado, sem deixar de lado a vontade, a dignidade e o prazer dos idosos.

É claro que não se pode ignorar a responsabilidade civil objetiva da ILPI que com o idoso mantém um contrato de prestação de serviços. Entretanto, ao sair das dependências da ILPI, local onde ocorre a prestação de serviços, não é crível responsabilizar a instituição por um acidente ocorrido em via pública, por exemplo, completamente fora do escopo da prestação de serviços prestada pela ILPI, exceto se constar no prontuário multidisciplinar ou no Plano de Atenção à Saúde do Idoso alguma ressalva relacionada ao cumprimento de alguma ordem judicial, ou declínio cognitivo suspeito ou já confirmado, que atrairia a responsabilidade da ILPI.

Nesse sentido, a legislação pátria, além de acolher com força e status de Constituição Federal os tratados internacionais sobre direitos humanos, contém também vastas referências legislativas que preconizam a autonomia e o respeito à liberdade dos idosos (como a Constituição Federal1111 Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988., a Política Nacional do Idoso1212 Brasil. Presidência da República. Lei nº 8.842, de 4 de Janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional do idoso. Brasília: Presidência da República; 1994., a Convenção Interamericana sobre os Direitos do Idoso, o Estatuto do Idoso1414 Brasil. Presidência da República. Lei nº 10.741, de 1º de Outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Brasília: Presidência da República; 2003. e a RDC n. 502/20211515 Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC nº 502, de 27 de Maio de 2021. Dispõe sobre o funcionamento de Instituição de Longa Permanência para Idosos, de caráter residencial. Brasília: Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2021.).

Mais recentemente, a Resolução n. 33 do Conselho Nacional dos Direitos dos Idosos foi publicada para estabelecer diretrizes e parâmetros para o artigo 35 do Estatuto do Idoso3737 Brasil. Ministério dos Direitos Humanos. Resolução nº 33, de 24 de Maio de 2017. Estabelece diretrizes e parâmetros para a regulamentação do Art. 35 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). Brasília: Ministério dos Direitos Humanos; 2017., que versa sobre o contrato de prestação de serviços do idoso com a ILPI. Da simples leitura, vê-se a intenção de enfatizar que é o próprio idoso quem deve assinar o contrato com a ILPI, aceitando seus termos e, mais uma vez, por meio do parágrafo único do Artigo 2º, tem-se como obrigação da ILPI o respeito ao direito de ir e vir de seus hóspedes3737 Brasil. Ministério dos Direitos Humanos. Resolução nº 33, de 24 de Maio de 2017. Estabelece diretrizes e parâmetros para a regulamentação do Art. 35 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). Brasília: Ministério dos Direitos Humanos; 2017..

É possível a assinatura conjunta do contrato de prestação de serviços pelo idoso e pelo responsável financeiro. Porém, somente em caso de perda da capacidade para decidir, a legislação prevê assinatura do contrato por parte do representante legal do idoso.

Sendo assim, os contratos celebrados entre a ILPI e o “responsável” ou “familiar” do idoso com capacidade de decidir e a existência de cláusulas que preveem a saída do idoso sem acompanhante somente em caso de autorização expressa do “responsável” ou “familiar” do idoso com capacidade decisória preservada estão longe de respeitar a legislação vigente e o direito à liberdade do idoso.

Conclusão

Tradicionalmente vistos como locais de isolamento e de contenção ambiental, as ILPI, na verdade, possuem parâmetros legais que delas exigem a prestação de serviço baseada no cuidado com o idoso e na valoração de seu potencial para manter-se inserido na comunidade.

Nesse cenário, a Constituição Federal Brasileira1111 Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988., a Lei n. 8.842/94, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso1212 Brasil. Presidência da República. Lei nº 8.842, de 4 de Janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional do idoso. Brasília: Presidência da República; 1994., e o Estatuto do Idoso1414 Brasil. Presidência da República. Lei nº 10.741, de 1º de Outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Brasília: Presidência da República; 2003. consubstanciam o arcabouço jurídico que estabelece a necessidade de uma quebra de paradigma nas práticas desenvolvidas dentro de ambientes asilares, sobretudo no que se refere a desconstruir a naturalização da figura o idoso apático e isolado em um confinamento e a adotar ações concretas e efetivas para garantir ao residente o direito de liberdade e de integração na comunidade.

O acolhimento institucional da pessoa idosa não pode ser confundido com uma espécie de encarceramento, sob pena de, dentro dos parâmetros normativos vigentes, caracterizar um ato ilícito perpetrado pela entidade de acolhimento.

O que gera para o gestor e para a equipe técnica das referidas entidades alguma dificuldade é a elaboração de estratégias para garantir direitos relativos à autonomia e à liberdade para pessoas idosas com algum comprometimento neurocognitivo quando a liberdade pode traduzir-se em risco. Porém, mesmo nessas situações, a ILPI tem que pensar estratégias de inserção comunitária e de combate ao isolamento.

Ou seja, a rigor, a caracterização da contenção ambiental encontra-se ligada à inexistência de protocolos, estratégias e planejamento de ações tendentes a fomentar a inserção na comunidade do idoso hospedado na ILPI. Tais ações variam conforme o grau de dependência da pessoa idosa e exigir competências múltiplas da equipe técnica vai desde a pura e simples garantia do exercício do direito de ir e vir para os idosos capazes de decidir até as atividades externas periódicas para idosos com comprometimento neurocognitivo.

O contexto da Covid-19 impôs restrições à liberdade até então não enfrentadas pelas ILPI. Contudo, salienta-se que as restrições decorrentes da pandemia não se confundem com as violações decorrentes de práticas equivocadas de limitação das potencialidades dos idosos residentes. As práticas lastreadas em critérios sanitários podem gerar até o desligamento do idoso que não as respeitem, já que o objetivo é evitar a propagação do vírus e isso não se confunde com a contenção ambiental.

Fora do contexto da pandemia, entretanto, é um dever legal das entidades garantir aos idosos acolhidos o direito de ir e vir, na medida de sua capacidade decisória, bem como a manutenção dos vínculos comunitários, devendo, nos casos mais complexos, serem desenvolvidas estratégias que evitem o isolamento social.

Ferramentas obrigatórias como o Plano Individual de Atendimento ao Idoso1414 Brasil. Presidência da República. Lei nº 10.741, de 1º de Outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Brasília: Presidência da República; 2003. e o Plano de Atenção Integral à Saúde do Idoso1515 Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC nº 502, de 27 de Maio de 2021. Dispõe sobre o funcionamento de Instituição de Longa Permanência para Idosos, de caráter residencial. Brasília: Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2021., já citados, podem ser úteis à equipe técnica. Contudo, é a capacitação da equipe e o olhar atento à rotina dentro da instituição que vai gerar efeitos benéficos para o bem-estar e a garantia de direitos dos idosos residentes.

  • (f)
    A violência estrutural reúne os aspectos resultantes da desigualdade social, da penúria provocada pela pobreza e pela miséria e das discriminações que os desprovidos de bens materiais mais sentem. A desigualdade não é privilégio da população idosa, pois em geral, os mais pobres o foram durante a vida toda. Mas nessa etapa da vida, a indigência ou a falta de recursos materiais castiga mais22 Brasil. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Brasil: manual de enfrentamento à violência contra a pessoa idosa. É possível prevenir. É necessário superar. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; 2014.. (p. 59)

Agradecimento

Nosso eterno agradecimento a Dra. Arianna Kassiadou Menezes, que alimentou nossos corpos e nossas mentes com profundas reflexões sobre o mundo e que repousa plena em nossos corações, inspirando-nos na luta pelo cuidado livre de contenção.

  • Barros PFA, Almeida LCC, Carvalho ACS, Santana RF, Istoe RSC. Contenção ambiental de idosos nas instituições de longa permanência em tempos de Covid-19: reflexão teórica. Interface (Botucatu). 2022; 26: e210206 https://doi.org/10.1590/interface.210206
  • Financiamento

    A primeira autora recebeu bolsa de Mestrado oriunda da Capes, processo n. 88887.464506/2019-00, do Programa de Demanda Social/Edital Regulamento DS (unificado).

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Editado por

Editora
Denise Martin
Editora associada
Josefina Leonor Brown

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2021
  • Aceito
    15 Out 2021
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