Resumos
A Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp implantou uma ampla reforma curricular, que antecedeu as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de 2001. Analisou-se a trajetória profissional e o impacto da reforma curricular na formação pela percepção dos egressos. Alunos concluintes de 1991-2005 compuseram o grupo pré-reforma e os de 2006-2012, o grupo pós-reforma, que receberam um questionário semiestruturado on-line por e-mail e redes sociais. Obtiveram-se 213 (15,8%) respostas do grupo pré e 126 (16,1%) do pós-reforma. Os dados apontaram pouca dispersão geográfica dos ex-alunos, ocupação de 2,4 postos de trabalho por médico, entendimento da residência como necessária, maior frequência a cursinhos preparatórios no grupo pós-reforma e sugestão de inclusão de administração/gestão em saúde no currículo. A integração entre áreas básicas/clínicas apresentou significante melhora pós-reforma. A percepção sobre a graduação foi altamente positiva. O estudo contribuiu para implantar o acompanhamento sistemático de egressos no curso de Medicina.
Educação médica; Currículo; Avaliação
La Facultad de Ciencias Médicas de Unicamp implantó una amplia reforma curricular que antecedió a las directrices curriculares nacionales de 2001. Se analizó la trayectoria profesional y el impacto de la reforma curricular en la formación a partir de la percepción de los egresados. Alumnos concluyentes de la promoción 1991-2005 compusieron el grupo pre-reforma y los de 2006-2012 el grupo post-reforma, recibiendo un cuestionario semi-estructurado, on line, por e-mail y redes sociales. Se obtuvieron 213 (15,8%) respuestas del grupo pre-reforma y 126 (16,1%) del post-reforma. Se encontró poca dispersión geográfica de los ex-alumnos, ocupación de 2,4 puestos de trabajo/médico, comprensión de la residencia como necesaria, mayor frecuencia a cursos preparatorios en el grupo post-reforma y sugerencia de inclusión de administración/gestión en salud en el currículo. La integración entre áreas básicas/clínicas presentó una mejora significativa post-reforma. La percepción sobre la graduación fue altamente positiva. El estudio contribuyó para implantar el acompañamiento sistemático de egresados en el curso de Medicina.
Educación médica; Currículo; Evaluación
The School of Medical Sciences of UNICAMP implemented a new curriculum in 2001, predating the national guidelines. This study analyzed the professional trajectory and the new curriculum’s impact. Graduates from 1991 to 2005 were grouped in the pre-curricular renovation group, and those from 2006 to 2012 in the post-group. A semi-structured survey was sent through e-mail and social media. There were 213 (15.8%) answers from pre-renovation group and 126 (16.1%) from post. Data showed low geographic dispersion of alumni, 2.4 work posts per physician, residency as a necessary complementation, suggestions for curricular inclusion of management issues and higher frequency of preparatory courses for residency in post-renovation group. There are signs of better integration between basic and clinical areas after the reform. Alumni showed positive perceptions regarding their undergraduate course. The study contributes to the implementation of systematic follow-up of graduates.
Medical education; Curriculum; Evaluation
Introdução
A formação e o exercício da profissão médica vêm sendo submetidos a ações e políticas reguladoras no Brasil, incluindo as Diretrizes Curriculares Nacionais, publicadas em 20011 e atualizadas em 20142, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Sinaes3 e a Lei dos Mais Médicos4. A interação desses programas e seu impacto nos currículos é um fenômeno complexo5,6. O perfil do egresso é considerado o espelho da formação e deve refletir o que o curso pretende alcançar, constituindo-se em um elemento integrante do Sinaes3. A identificação da trajetória e a percepção dos ex-alunos permitem reconhecer o curso do ponto de vista de quem o vivenciou.
Além de ser uma exigência apoiada no marco legal da avaliação institucional, o estudo da trajetória profissional dos egressos também traz contribuições internas. A avaliação do curso pelos egressos pode informar pontos fortes e oferecer sugestões de melhoria, sendo entendida como uma estratégia para busca da excelência do programa formativo, desde que os achados sejam analisados e orientem ações de aperfeiçoamento. Além disso, estabelecer um canal de comunicação contínuo com os egressos pode trazer importantes contribuições, como oferecimento de educação continuada, sua participação como membro de conselhos consultivos e em grupos científicos, mentoring voluntário para estudantes, estímulo a doações, entre outras7.
Se por um lado é de grande importância a análise dos resultados diretos e indiretos de programas educacionais, por outro há os desafios da criação de instrumentos e indicadores para essa avaliação. Os estudos sobre educação médica utilizam questionários diversos, o que gerou publicações de guias para sua adequada criação e obtenção de boas taxas de respostas8,9. Nos estudos que envolvem egressos de Medicina, sua aplicação é rotineira10-14.
Utilizando diferentes instrumentos, os estudos com egressos de diferentes cursos de Medicina no Brasil (Londrina, Porto Alegre e Marília) assinalam a sobrecarga de trabalho, a necessidade de aprimoramento e de educação continuada e críticas positivas e negativas comuns aos currículos oferecidos10,11,15. Como pontos positivos, incluem-se a formação humanista, o trabalho da relação médico-paciente, preparo para trabalho em equipe e a qualificação do corpo docente. Entre os negativos, foram citados a dissociação entre teoria e prática entre as áreas básicas e clínicas, o desconhecimento sobre o mercado de trabalho, a falta de iniciação científica e a desmotivação de alguns docentes10,11,15.
No entanto, são reconhecidas as dificuldades de acesso aos egressos, com respostas variáveis, de 7,5% a 40% em estudos nacionais11,16. Antepohl et al.17, na Suécia, registraram 77% de respostas utilizando questionário com 31 perguntas enviado por correio a ex-alunos localizados por uma base de dados da universidade atualizada regularmente. A elevada taxa foi considerada como decorrente de uma atitude positiva dos respondentes em relação à sua instituição de origem. A existência de uma política institucional para gestão dos egressos e seu acompanhamento é incipiente na maior parte das instituições no Brasil e há poucos estudos publicados7,16.
O curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp formou sua primeira turma em 1968. O currículo passou por adequações e um novo modelo foi iniciado com a turma de ingressantes de 2001, o que se deu após um processo de análise e de discussão pela comunidade acadêmica, antecipando-se às primeiras diretrizes nacionais que foram publicadas no fim daquele mesmo ano1. O modelo implantado é descrito como integrado horizontal e verticalmente, com eixos curriculares transversais da atenção básica à saúde; da iniciação à prática de ciências; e da ética à bioética, inspirados nos mesmos princípios que, posteriormente, orientaram as DCN de 20011. O curso é desenvolvido em módulos, nos quais atuam professores de diferentes departamentos, com ênfase no aprendizado prático, voltado às necessidades da população em variados cenários (atenção primária e terciária em Campinas – hospitais universitários – e atenção secundária hospitalar em Sumaré)18-20.
Após 16 anos das primeiras DCN1 e 11 turmas de egressos após a reforma curricular, era necessário rever as mudanças na formação daqueles que vivenciaram essa formação. O presente estudo foi proposto para analisar a trajetória profissional e as percepções quanto às contribuições do curso para a formação profissional entre médicos concluintes de 1991 a 2012, com foco nas possíveis diferenças associadas à mudança curricular de 2001.
Casuística e métodos
O estudo teve um desenho transversal e descritivo. Foi realizado no período de agosto de 2014 a julho de 2016 e contou com a aprovação e apoio institucional da direção e da coordenação do curso de Medicina e do Núcleo de Avaliação e Pesquisa em Educação Médica (Napem) da Unicamp.
A listagem dos formandos desde 1991 até 2012 foi obtida na Diretoria Acadêmica (DAC), conferida com o livro de formados21. Os ex-alunos concluintes de 1991 até 2005 constituíram o grupo anterior à reforma curricular (pré-reforma), enquanto os formandos de 2006 a 2012 compuseram o grupo pós-reforma. Optou-se por incluir os formandos até 2012 para se obter um retrato que fosse posterior à sua inserção no mercado de trabalho, após a conclusão da residência médica. O questionário foi previamente testado em piloto realizado em egressos do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Sorocaba da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa local.
A coleta de dados utilizou um questionário semiestruturado com 55 questões, oito delas abertas, contendo dados pessoais, informações profissionais e acadêmicas, complementação da formação, implicações da formação acadêmica na vida profissional e opiniões sobre integração entre as disciplinas das áreas básicas (ciclo básico, dois primeiros anos) e clínicas (ciclo clínico, dois anos seguintes). No questionário, listaram-se especialidades e áreas de atuação reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina (Resoluções no 2116/2015 e no 2149/2016). Havia a possibilidade a ser complementada (“outro”), além da opção da atuação como “médico generalista”. Os egressos formados antes e após a reforma foram contrastados em relação aos desfechos que incluíram atuação nas atividades profissionais, inserção no mercado (especialidade, atuação em serviço público ou privado); autoavaliação sobre capacidade de atualização; e identificação de experiências pedagógicas na graduação.
Houve divulgação da pesquisa na página da FCM-Unicamp em cinco inserções de pelo menos cinco dias, com intervalos de três a seis meses, contendo informações sobre o projeto e o acesso ao link do questionário. A página de apresentação explicitava o apoio da direção, da coordenação do curso de Medicina e do Napem. Acessando o link, o ex-aluno era direcionado ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Foram enviadas solicitações de resposta aos endereços eletrônicos obtidos nas listagens da Associação de Ex-alunos (Assex) da FCM-Unicamp e naqueles fornecidos pela DAC. Os contatos pessoais dos pesquisadores com egressos da FCM-Unicamp também foram acionados e o link para acesso ao questionário era enviado por via eletrônica, em uma estratégia tipo bola de neve. Da mesma forma, a mídia social Facebook foi utilizada, com chamadas nas páginas dos pesquisadores e em suas redes de contatos. A pesquisa também foi divulgada pela Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas, em sua sede e no site eletrônico.
Os dados foram organizados em planilha Excel e as frequências obtidas foram comparadas ao teste do Qui-Quadrado (c2), aceitando-se como significante p<0,05.
As respostas obtidas à questão aberta “Como avalia a importância da graduação na FCM/Unicamp para sua formação médica e/ou atividades profissionais que você desenvolve atualmente?” receberam abordagem qualitativa (análise temática de conteúdo). As respostas escritas foram lidas por duas pesquisadoras do presente artigo que, isoladas, identificaram os temas significativos. Por consenso, o tema escolhido foi mantido e alguns exemplos-chave foram selecionados e transcritos para melhor ilustrá-lo22.
O presente estudo foi aprovado em Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp (CAAE: 34332614.7.0000.5404).
Resultados
Os formandos de 1991 a 2012 totalizaram 2110 egressos. Destes, 1346 graduaram-se entre 1991 e 2005 (grupo pré-reforma) e 764 entre 2006 e 2012 (grupo pós-reforma). Cinco ex-alunos referiram não exercer a Medicina (quatro do grupo pré e um do pós-reforma) e responderam o questionário, exceto perguntas sobre a atuação como médico. Foram obtidas 213 (15,8%) respostas do grupo pré e 126 (16,1%) do grupo pós-reforma (Figura 1), abrangendo ex-alunos de todas as turmas.
No grupo pré-reforma, o percentual de mulheres era de 51,2% e no pós-reforma foi 60,3%, sem diferença estatística. Também não houve diferença estatística entre os grupos quanto aos municípios de origem e a moradia atual – se na região metropolitana de Campinas ou em outros municípios. Elevado percentual de ex-alunos antes e após a reforma curricular permaneceram na região (Tabela 1).
A residência médica não foi cursada por cerca de 5% dos participantes em cada grupo. Os cinco programas mais citados e os locais que mais receberam os egressos estão apresentados na Tabela 2.
Distribuição dos respondentes quanto aos cinco programas cursados com maior frequência, seus locais e o ano de formatura
O exercício como médico generalista foi relatado por 15 dos 213 respondentes no grupo pré-reforma e 12 dos 126 respondentes no grupo pós-reforma. Três e quatro egressos – do grupo pré e pós-reforma, respectivamente – não fizeram residência médica e trabalham em unidades básicas de saúde, serviços ambulatoriais ou de urgência públicos ou privados, hospitais e como médico do trabalho. Os demais vinte realizaram residência em programas variados.
As áreas de exercício profissional mais citadas por 308 egressos pré-reforma e 168 pós-reforma foram: Pediatria, Clínica Médica, Tocoginecologia e Medicina Intensiva, comuns aos dois grupos, acompanhadas de Cardiologia e Ortopedia no grupo pré e Psiquiatria e Medicina Nuclear no grupo pós-reforma. Tais áreas representaram 54,0% e 69,0% do total das respostas, respectivamente. O exercício profissional em subespecialidades ou áreas de atuação, responsáveis por cerca de 30% do total das respostas, foram em Administração em Saúde, Medicina de Urgência e Ultrassonografia em Tocoginecologia (pré-reforma), e Administração em Saúde, Medicina de Urgência e Neonatologia (pós-reforma).
Metade dos postos de trabalho ocupados em cada um dos grupos se refere a serviços privados, seguidos por cerca de um terço de ocupações na área pública e hospital-escola ou atividades docentes. Os 213 egressos pré-reforma ocupam 526 postos de trabalho (2,4 postos por indivíduo), enquanto os 126 do grupo da pós-reforma ocupam 305, gerando a mesma relação. No grupo pré-reforma, 52 (24,4%) médicos atuam em serviços de urgência/emergência, representando 14,2% dos postos. No grupo pós-reforma, esses números correspondem a sessenta (47,6%) médicos e 25,2% dos postos.
Entre os respondentes, 59 (27,7%) ex-alunos pré-reforma e 12 (9,5%) alunos pós-reforma exercem outros cargos e funções, além de médicos. No primeiro grupo, aproximadamente 60% das funções eram de gestão de área técnica ou serviço de saúde e docência. No grupo pós-reforma, as funções mais frequentes (54%) foram de coordenador de área ou serviço de saúde e preceptor de residência médica.
A grande maioria dos respondentes identificou a profissão médica como sua única fonte de renda (٨٨,٣٪ no grupo pré e 94,5% no grupo pós-reforma). No grupo pré-reforma, a faixa de renda mensal líquida mais citada (42,9%) foi de dez a vinte mil reais, seguida da faixa de mais de vinte mil reais (39,9%). No grupo pós-reforma, a mesma faixa predominou (47,5%), porém, foi seguida da faixa de cinco a dez mil reais (25,8%).
A maioria dos ex-alunos nos dois grupos considera igualmente ter uma boa ou excelente capacidade de atualização diante das transformações científicas e/ou inovações tecnológicas inerentes à prática médica. Os fatores responsáveis pela autoavaliação foram o gosto e anseio pelos estudos e o treinamento durante a graduação para busca constante de material.
A frequência a congressos uma vez por ano em 32,0% do grupo pré e de uma vez a cada seis meses em 39,0% no grupo pós-reforma, acompanhada pela leitura semanal de artigos científicos e outras publicações relacionadas à área de atuação por 48,0% de ambos os grupos, foram referidos pelos respondentes. A falta de tempo, a distância de grandes centros, não estar ligado à universidade e os altos custos de congressos e afins foram os apontados como responsáveis pela capacidade reduzida de atualização profissional.
Os respondentes pré-reforma (19,2%) e pós-reforma (25,2%) informaram participação atual em atividades na Unicamp. A grande maioria dos respondentes afirmou que gostaria de receber material informativo da instituição sobre cursos e possibilidades de aprimoramento da sua formação (84,6% do grupo pré-reforma e 82,7% do grupo pós).
O percentual de respondentes que cursaram ou cursam programas de pós-graduação stricto sensu corresponderam a 45,1% de egressos no grupo pré-reforma e 22,2% no grupo pós-reforma. Houve diferença significante ao comparar doutorados e mestrados (acadêmicos e profissionais) entre os dois grupos (c2 = 5,9; p<0,05). As três instituições mais frequentemente relatadas pelos egressos do grupo pré-reforma para os cursos de pós-graduação foram Unicamp (58,5%); Universidade de São Paulo – campus São Paulo (USP-SP) (12,8%); USP-Ribeirão (8,4%) e, no grupo pós-reforma, Unicamp (44,4%), Unifesp (11,1%) e USP (7,4%). A opção pela pós-graduação stricto sensu foi decorrente da escolha pela carreira acadêmica e de pesquisador e/ou para aprimorar conhecimento (85,4% pré-reforma e 78,6% pós-reforma).
Perguntados onde trabalhavam no primeiro ano após o término da graduação, apontaram que ou cursavam residência isoladamente (n=106, 49,5% no grupo pré-reforma; n=30, 23,6% no grupo pós) ou em conjunto com plantões de urgência/emergência (n=44, 20,6% no grupo pré; n=45, 35,4% no grupo pós com diferença significante - c2 = 19,7; p<0,01). Ao concluir o curso de Medicina, aproximadamente um quarto dos respondentes se sentia seguro para atuar imediatamente como médico geral (n=49, 22,9% no grupo pré; n=35, 27,6% no grupo pós). A maioria dos respondentes afirmou a necessidade de complementação de seus estudos, com residência ou estágios (n=152, 71,0% no grupo pré; n=78, 61,4% no grupo pós).
As três atividades complementares realizadas com maior frequência durante o curso de graduação foram a participação em eventos científicos, congressos e afins – 25,8% no grupo pré e 23,8% no grupo pós –, iniciação científica – 20,5% no grupo pré; 21,8% no grupo pós – e participação em ligas acadêmicas – 16,3% no grupo pré; 22,7% no grupo pós. Houve incremento significante de estágios no exterior de 2,4% para 6,4% (c2 = 11,5; p<0,05) após a reforma curricular.
Dezenove respondentes (8,9%) do grupo pré-reforma afirmaram que frequentaram cursinhos preparatórios para os exames de residência durante o curso de graduação e 17 (7,9%) frequentaram após o término da graduação. No grupo pós-reforma, esses números mudaram para 39 (30,7%) e 33 (26,0%), respectivamente, o que representou um aumento significativo.
O curso foi considerado muito adequado ou adequado à realidade do mercado profissional para 81,7% (grupo pré) e 92,9% (grupo pós), com diferença significante (c2 = 8,1; p<0,05).
Não houve diferença em relação à importância atribuída (“importante” e “muito importante”) às atividades acadêmicas realizadas nas áreas básicas e clínicas do curso (Tabela 3). As justificativas incluíram: ser essencial para aprendizado posterior, fundamentos para boa formação médica, suporte para o raciocínio clínico, embasamento para prática médica diária, estágios em diferentes cenários e subsídio para a formação geral.
Distribuição dos respondentes quanto à importância das atividades acadêmicas realizadas nas áreas básicas e clínicas do curso
Somando-se as opiniões de que há uma integração, ainda que parcial, entre as áreas básicas e clínicas e comparando tais opiniões com a frequência das avaliações que apontam a inexistência dessa integração, observou-se que o grupo pós-reforma apresentou uma avaliação positiva significantemente maior do que a do grupo pré-reforma (c2 = 33,2; p<0,01), o que é observado na Tabela 4.
As avaliações dos egressos sobre a importância de terem cursado a graduação na instituição para sua formação e/ou suas atividades profissionais atuais corresponderam a respostas (217 do grupo pré-reforma e 130 do grupo pós-reforma) a uma pergunta aberta, resumidas no Quadro 1. Demonstram gratidão pela formação recebida, desempenho diferenciado em comparação com outros profissionais, bom preparo para as mudanças do futuro e reconhecimento da contribuição fundamental na formação técnica, ética e humanística, sem negligenciar a importância da complementação pela residência médica. As sugestões de melhoria mostram a necessidade de se incluir as discussões sobre aspectos da prática clínica privada e as questões de mercado de trabalho.
Temas emergentes, de acordo com o ano de formatura, sobre a importância da graduação para a formação médica e/ou atividades profissionais atuais
Discussão
O presente estudo revelou dados sobre a trajetória de uma amostra de egressos e algumas de suas percepções sobre o curso de graduação. Permitiu também verificar o reconhecimento dos ex-alunos pela instituição formadora, além de captar as melhorias sugeridas ao desenvolvimento do curso. A crítica sobre a falta de integração entre as áreas básicas e as clínicas mostrou-se amenizada ou sanada com a reforma curricular, ponto de maior contraste entre os grupos pré e pós-reforma.
Os dados mostram a importância da representação feminina nos dois períodos, uma tendência na profissão médica9,21,23. Os respondentes apresentaram pouca dispersão pelo país após a graduação. De toda forma, o maior número de médicos nas grandes áreas urbanas é conhecido no Brasil e em outros países9,21,23.
As áreas de atuação mais frequentes foram constantes, com a inclusão da Psiquiatria e da Medicina Nuclear no grupo pós-reforma, substituindo Cardiologia e Ortopedia. A maioria dos que se definiram como médico generalista realizou residência médica, atua como especialista, mas entende que utiliza uma abordagem integrada do paciente e exerce a especialidade com enfoque na atenção geral ao indivíduo.
A Administração em Saúde representa uma área de atuação frequentemente citada nos dois grupos, mostrando ser importante opção na trajetória profissional dos egressos. Da mesma forma, as atividades em outros cargos e funções de gestão foram mais comuns no grupo pré-reforma, levando a crer que se trata de questão de tempo na evolução da carreira. Assim, em ambos os grupos, o preparo na graduação para as questões administrativas (em serviços públicos ou privados), de mercado, de marketing e de finanças aparece como uma melhoria necessária. Embora as dimensões e competências trazidas nas diretrizes curriculares de 2014 em seu tópico sobre Gestão em Saúde sejam mais amplas, há uma demanda para aprimoramento nos aspectos mais específicos de administração2. Importante ressaltar que a reforma curricular aqui em estudo foi implantada em 2001, junto com a primeira versão das DCN, e apenas nas DCN de 2014 o conceito de gestão em saúde mais abrangente emergiu. Nosso achado coincide com o de Goldacre et al., de 2010, que mostra que cerca de um terço dos junior doctors do Reino Unido também não se sentiam bem preparados pela escola nas questões administrativas, após tanto um quanto três anos da graduação24.
Os locais de atuação profissional permaneceram praticamente os mesmos, preponderando o serviço ambulatorial privado. A multiplicidade de postos de trabalho é uma constante na profissão médica, mesmo com mais tempo de formados, sendo que a proporção aqui encontrada de 2,4 postos de trabalho por médico é semelhante à do Brasil, em que a metade dos médicos ocupa de dois a três postos21. É relevante o número de médicos pós-reforma atuando em serviços públicos e privados de urgência e emergência, tendência que vem ao encontro de resultados conhecidos e respalda a necessidade do treinamento nesses serviços, o que está estabelecido nas últimas DCN2,21,25.
Poderia ser uma questão de tempo a obtenção de melhores salários, já que a maior faixa salarial incidiu sobre os médicos formados antes da reforma, embora possa haver uma diferença geracional e de contexto econômico que impacta essa expectativa. A Medicina é a maior fonte de renda; no entanto, a atuação como profissional liberal em consultório particular, comum no passado, é exceção na amostra analisada21.
A capacidade de atualização perante as transformações científicas e/ou inovações tecnológicas na prática médica foi considerada como excelente ou boa para cerca de 80% dos respondentes. Há os que se queixam de falta de apoio dos grandes centros, por deles estarem afastados e pelo custo cobrado para participação de congressos e afins. Isso representa um caminho que ainda necessita ser percorrido pela escola médica para alcançar seu egresso e continuar fomentando a educação permanente, virtual ou presencial, com estratégias diferenciadas daquelas usualmente oferecidas pelas sociedades de especialidades ou até pela indústria farmacêutica. Um indício dessa necessidade é o alto percentual (cerca de 80%) de médicos que gostariam de receber material informativo sobre cursos e possibilidades de aprimoramento oferecidos pela universidade.
A residência médica é entendida como complementação necessária à graduação e vem sendo cursada pela quase totalidade dos egressos. Tal entendimento é evidenciado pelas opiniões dos ex-alunos sobre sua formação, apresentadas no Quadro 1, bem como pelas respostas de que apenas cerca de 25% dos ex-alunos se sentiam seguros para atuar como médicos logo após a conclusão do curso. Também se pode interpretar que a autocrítica e exigência dos egressos os fazem sentir inseguros para assumir a profissão em um ambiente em que a necessidade de exercer a prática médica especializada é a regra.
Há uma diminuição de ex-alunos que realizaram programa de residência na própria instituição. É possível que seja decorrente de uma opção por vivenciar experiências em outras instituições, compatível com o espírito mais inovador e menos apegado às tradições das novas gerações de estudantes21,26. Embora esse aspecto não tenha sido mais profundamente explorado, há que se levantar hipóteses para a maior busca e consequente aprovação em residências de outras instituições de prestígio. De fato, pode refletir uma sensação de maior preparo para enfrentar a concorrência acirrada de processos de seleção fora da instituição de origem. Outro fator pode ser a percepção de maior isenção no processo seletivo a partir de quando se reduziu o componente subjetivo (entrevista) a apenas 10% da nota. Assim, egressos de outras instituições concorrem em condições mais similares às dos egressos “da casa”.
As atividades complementares na forma de ligas acadêmicas tiveram aumento no grupo pós-reforma. A realização de estágios no exterior apresentou incremento, coincidente com a política de internacionalização dos cursos. Da mesma forma, a adesão aos cursinhos para residência médica se proliferou no grupo de egressos pós-reforma, durante e após o término da graduação, fenômeno já reconhecido27.
A maioria dos egressos nos dois grupos considerou sua formação como adequada ou muito adequada à prática profissional. Do mesmo modo, a importância atribuída às atividades realizadas no ciclo básico para a formação profissional foram positivas nos dois grupos, com maior frequência no grupo pós-reforma. A justificativa mais frequente para isso se refere a terem sido “essenciais para aprendizado posterior”. A resposta das áreas básicas serem pouco ou nada importantes para a formação profissional foi justificada pelo fato de o conhecimento ser pouco aplicado à prática médica cotidiana e pouco integrado ao ciclo clínico, mais frequente para o grupo pré-reforma do que para o grupo pós-reforma curricular. O ciclo clínico foi valorizado por propiciar uma diversidade de cenários para a maioria dos egressos da amostra. A integração entre as áreas básicas e clínicas foi mais acentuada pelos respondentes do grupo pós-reforma curricular, com 94% referindo integração total ou parcial, comparados a 66% no grupo pré. A reforma curricular foi um divisor de águas nesse sentido. As opiniões sobre a dissociação das áreas básicas e clínicas apareceram com mais nitidez e força no grupo pré-reforma, inclusive com indicações de que “talvez isso já tenha mudado”. Além disso, mudanças curriculares efetivas levam os alunos a se sentirem mais bem preparados para a vida profissional, especialmente logo após o término da graduação28.
As respostas à pergunta aberta sobre como os egressos avaliaram a importância da graduação para sua atividade e/ou formação profissional mostraram análises positivas e sugestões de melhorias, similar em ambos os grupos. Chama a atenção os aspectos relacionados à gratidão, ao preparo para o futuro e à importância concedida ao curso. Esses três aspectos remetem, em conjunto, à percepção altamente positiva sobre a graduação. E que ainda gostariam de se manter conectados, manifestando que querem receber material informativo sobre a instituição.
Há colocações que sugerem um melhor preparo dos egressos da Unicamp na sua autoavaliação acerca do rendimento comparativo com outros colegas no ambiente de trabalho. Os resultados podem traduzir um conjunto representativo da idealização do curso e da profissão, amparada por suas representações sociais e reproduzindo hierarquizações veladas, porém existentes, entre as diferentes escolas médicas. Sobre as melhorias necessárias na formação, foram apontados aspectos gerenciais e administrativos da profissão, no campo tanto público quanto privado. Esse é um aspecto interessante que deve ser considerado pelos gestores do programa de graduação.
O presente estudo apresenta fragilidades. A mais nítida é quanto ao número e composição dos respondentes, caracterizada como uma amostra de conveniência formada pelas respostas de todos os indivíduos com os quais o contato foi possível. A dificuldade de acesso aos ex-alunos, mesmo considerando a conectividade nos tempos atuais, remete à necessidade de alimentação e manutenção de arquivos confiáveis com os dados dos formandos. Os endereços, eletrônicos ou não, presentes nos cadastros dos ex-alunos da instituição correspondem à época da graduação, quase todos da cidade de Campinas e, portanto, desatualizados. As redes sociais, os contatos pessoais e os cadastros realizados por ex-alunos na página a eles destinada no site da FCM formaram a grande fonte dos respondentes. Justamente por isso, pode-se considerar tais respondentes como os egressos com maior proximidade da instituição, com a qual mantêm vinculação e tendendo a valorizá-la positivamente. Entendemos que isso possa representar um viés, mas o percentual de respostas obtidas, nos dois períodos, foi semelhante, o que pode ter tornado o viés similar para os dois grupos.
Apesar das fragilidades do estudo, com o apoio dos gestores, já está em andamento um novo programa de acesso a egressos, com a adequação das fontes de informação, por meio de um portal de egressosi, endereço eletrônico próprioj e ações para investigação sistemática de suas trajetórias profissionais. Nesse sentido, a presente pesquisa pode ser considerada como propulsora para que novos dados e análises a ela se agreguem. Representa um dos elos da complexa corrente que envolve a avaliação dos cursos, da formação médica e da vida profissional dos ex-alunos. Foi um passo inicial decisivo para recompor suas trajetórias.
Agradecimento
À Profa Dra Oscarina da Silva Ezequiel, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, por seu estímulo e apoio ao andamento e à conclusão do trabalho.
Referências
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
26 Set 2018
Histórico
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Recebido
08 Abr 2017 -
Aceito
06 Abr 2018