Open-access Produzindo pesquisa, formação, saúde e educação na integração ensino, serviço e comunidade*

Producción de investigación, formación, salud y educación en la integración enseñanza servicio y comunidad

Resumos

Trata-se de relato de experiência sobre o desenvolvimento de pesquisas, produção de conhecimento e formação na interface universidade e serviços de saúde, a partir do programa Pró-Ensino na Saúde (Capes Edital no 24/2010). Apresenta a educação problematizadora, a formação interprofissional, a educação permanente de professores e profissionais de saúde e as Diretrizes Curriculares Nacionais como mobilizadoras da formação profissional comprometida com o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS), especificamente na valorização da integração universidade pública com serviços de saúde. As pesquisas desenvolvidas abordaram diferentes dimensões do ensino na Atenção Primária à Saúde, envolvendo práticas pedagógicas, formação e desenvolvimento docente, atuação do profissional de saúde como professor, inovações pedagógicas e questões relacionadas à prática do trabalho em saúde. Na riqueza e diversidade dos estudos, aponta-se fragilidade na relação orgânica entre universidade e atenção primária e observam-se inovações que caminham para a ruptura do ensino instituído.

Educação superior; Atenção primária à saúde; Relações interprofissionais


Se trata del relato de una experiencia sobre el desarrollo de investigaciones, producción de conocimiento y formación en la interfaz universitaria y servicios de salud, a partir del programa Pro-Enseñanza en la Salud (Capes Pliego de Condiciones nº24/2010). Presenta la educación problematizadora, la formación interprofesional, la educación permanente de profesores y profesionales de salud y las Directrices Curriculares Nacionales como movilizadoras para la formación profesional comprometida con el desarrollo del SSistema Brasileño de Salud, específicamente en la valorización de la integración universidad pública con servicios de salud. Las investigaciones desarrolladas abordaron diferentes dimensiones de la enseñanza en la Atención Primaria a la Salud envolviendo prácticas pedagógicas, formación y desarrollo docente, actuación del profesional de salud como profesor, innovaciones pedagógicas y cuestiones relacionadas con la práctica del trabajo en salud. En la riqueza y en la diversidad de los estudios se señala la fragilidad en la relación orgánica entre universidad/atención primaria y se observan innovaciones que caminan hacia la ruptura de la enseñanza instituida.

Educación superior; Atención primaria a la salud; Relaciones inter-profesionales


Breve explicação e introdução ao texto

Em 2010, a Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) foi selecionada no edital no 24/2010/Capes, parceria entre o Ministério da Saúde (MS) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Essa iniciativa, concebida no âmbito do Programa Nacional de Apoio ao Ensino e à Pesquisa em Áreas Estratégicas (Pronap), compôs uma série de políticas e ações indutoras, realizadas pelo MS em parceria com o Ministério da Educação (MEC), com vistas à consolidação do SUS. Esse processo objetivou estimular e ampliar a formação de professores e o desenvolvimento de pesquisas sobre ensino nas diferentes áreas da saúde no interior dos programas de pós-graduação existentes e consolidados. A proposta do Edital Pró-Ensino na Saúde estava inserida na Política Nacional de Formação dos Profissionais da Saúde, implementada, a partir de 2003, no MS e os projetos poderiam ser propostos por grupos de professores e pesquisadores de instituições brasileiras públicas e privadas, sem fins lucrativos1,2.

Os projetos deveriam ser desenvolvidos entre 2011 e 2016, com cinco anos para sua execução. Partiu-se do pressuposto de que, ao estimular a criação de linhas ou de áreas de concentração sobre ensino nos programas, seria possível aperfeiçoar a formação docente na pós-graduação e, assim, contribuir para o avanço das mudanças nas graduações da saúde, especialmente no momento de expansão de vagas e cursos no ensino superior no país.

No edital se considerou que, apesar da diversidade de temas pertinentes ao ensino na saúde, seria conferida prioridade às seguintes áreas temáticas: gestão do ensino na saúde; currículo e processo ensino-aprendizagem na graduação e pós-graduação em saúde; avaliação no ensino na saúde; formação e desenvolvimento docente na saúde; integração universidades e serviços de saúde; políticas de integração entre saúde, educação, ciência e tecnologia; e tecnologias presenciais e a distância no ensino na saúde1.

O projeto selecionado “Integração universidade, serviços de saúde e comunidade na FMB: construindo novas práticas de formação e pesquisa” teve como objetivo desenvolver e consolidar pesquisas e apoio ao ensino na saúde, por meio da melhoria do ensino de graduação e pós-graduação, contribuindo para a ampliação, fortalecimento e qualificação do desenvolvimento de pesquisa, produção de conhecimento e formação na área temática “Integração universidades e serviços de saúde”. Propôs-se a formação de mestres e doutores envolvidos com a formação na graduação em Saúde por meio do desenvolvimento de pesquisas que problematizassem suas práticas no processo de formação no SUS.

O objeto dessas pesquisas foi o desenvolvimento de investigações sobre o ensino de graduação na atenção primária à saúde (APS); para isso, profissionais de saúde e estudantes envolvidos em processos de ensino voltados à formação no SUS foram desafiados a estudar a formação profissional pelo trabalho na APS. Assim, buscou-se apreender a inserção do aluno nas Unidades Básicas de Saúde e Saúde da Família, sob supervisão profissional de um professor-tutor; a integração curricular entre os cursos de Medicina e Enfermagem com a Residência Multiprofissional em Saúde da Família; o estabelecimento de vínculos entre a organização da comunidade local, as equipes de saúde e equipamentos sociais das áreas de abrangências das unidades de saúde; o desenvolvimento de atividades com inserção na prática do trabalho em saúde; a priorização de atividades com relevância social, a partir da problematização de questões, no contexto de cada território; a ampliação do diálogo entre profissionais de saúde, entre profissionais e população, entre profissionais de saúde e gestão; o desenvolvimento de atividades de ensino e aprendizagem para o desenvolvimento do SUS; e a formação e as inovações pedagógicas articuladas à educação pelo trabalho e às mudanças do ensino da FMB, reformas e propostas nacionais, inclusive na relação e desenvolvimento das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN).

O presente texto tem como objetivo relatar a experiência da FMB no desenvolvimento de pesquisas, produção de conhecimento formação na graduação em Saúde e apresentar os resultados das pesquisas selecionadas no Edital Pró-Ensino na Saúde.

Utilizou-se como referencial teórico autores que dialogam com as temáticas estudadas: educação problematizadora na saúde; metodologia da problematização; ensino na comunidade; integração universidade, serviço e comunidade; educação permanente de professores e profissionais de saúde e educação interprofissional na saúde.

Trata-se do relato de um projeto exploratório, no sentido de trazer problemas com escasso conhecimento acumulado e sistematizado, como o trabalhador da saúde como professor, a educação interprofissional no ensino superior na saúde na atenção primária e a visita domiciliar na formação de médicos. Pela natureza da abordagem, é um projeto de pesquisa de intervenção, cujo principal objetivo foi construir o conhecimento para interferir na mudança da formação na saúde e no compromisso em propor o estudo dos problemas identificados na prática do ensino para estabelecer caminhos para enfrentá-los de forma participativa.

Deve-se ainda destacar que, embora o foco das pesquisas tenha se referido ao desenvolvimento e avaliação de um conjunto de disciplinas implantadas, como um estudo de caso, algumas pesquisas não se limitaram a suas próprias análises, investigando outros modelos de ensino na APS e dialogando com experiências nacionais na integração ensino e serviço.

A participação da Faculdade de Medicina de Botucatu no Pró-Ensino na Saúde

A FMB tem, desde a sua implantação, em 1963, se envolvido com questões da educação médica e com movimentos de renovação desta, oferecendo ensino que valoriza o papel ativo do estudante no aprendizado, com momentos de integração teoria e prática desde o início da formação e experimenta princípios de integração ensino-serviços, com a participação de diversos departamentos e disciplinas.

Nas três últimas décadas, a FMB promoveu iniciativas para adequar seu ensino às necessidades de saúde da população e atender às DCN. Em 1989, implantou o curso de graduação em Enfermagem, com um currículo que incorporou a proposta de formação nos diferentes níveis de atenção à saúde.

Em 2001, instituiu o Núcleo de Apoio Pedagógico (NAP), em um primeiro momento, para apoiar a necessidade de mudança curricular da graduação em Medicina e, mais adiante, também a graduação em Enfermagem. Na sua concepção, o NAP apresentava como objetivo elaborar proposta de avaliação contínua do ensino médico, oferecer apoio técnico às mudanças para a melhoria do ensino, estimular a capacitação docente para o aprendizado de inovações metodológicas e desenvolver pesquisa em educação médica, além de ampliar os espaços de ensino no SUS. Ou seja, ao mesmo tempo, apoiaria demandas externas à universidade, como a necessária adaptação às DCN, e internas, como a maior produção acadêmica sobre ensino na Saúde.

A Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), criada em 2003, promoveu novo incremento ao processo de mudança curricular na FMB com apoio às iniciativas que se propunham a articular a rede de gestão e serviços com instituições formadoras de profissionais na mudança das práticas de formação, focando a integralidade e a educação permanente.

Como resultado direto da participação nesses programas, uma atividade educacional inovadora foi proposta em 2003: a Interação Universidade-Serviço- Comunidade (IUSC) na FMB. Originalmente implantada como atividade complementar em 2007, tornou-se um conjunto de disciplinas regulares e obrigatórias do curso de graduação em Medicina e, em 2008, do curso de graduação em Enfermagem, integrando os dois cursos na formação interprofissional.

As disciplinas IUSC I, II e III acontecem do primeiro ao terceiro ano de graduação, sendo que no terceiro ano ocorre apenas na graduação médica. Assim, os dois cursos de graduação inserem-se na APS do primeiro ao último ano de graduação, sendo que o primeiro e o segundo ano contêm disciplinas interdisciplinares, interdepartamentais e interprofissionais. No primeiro ano, é valorizado o estudo de território e acompanhamento de famílias, com ênfase no desenvolvimento da vivência comunitária, da comunicação e de narrativas; no segundo ano, é dado enfoque na educação dialógica na comunidade e ao acompanhamento das mesmas famílias com suas questões de saúde e da comunidade; e, no terceiro ano, enfatiza-se a clínica ampliada. Todo trabalho tem como base a educação pelo trabalho e desenvolve-se em pequenos grupos de estudantes inseridos em um território na APS.

São cerca de 120 alunos (a cada ano) – trinta da Enfermagem e noventa da Medicina – que, para o desenvolvimento das atividades, são divididos em grupos mistos (alunos dos dois cursos), sob a supervisão de um professor-tutor.

As atividades dessas disciplinas acontecem em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Botucatu com lideranças comunitárias e têm sido ministrada com a participação de docentes da FMB e profissionais da rede de APS (denominados professores-tutores) que, propositalmente, apresentam diferentes formações na área da saúde e da educação na perspectiva de se vivenciar a interação interprofissional nos diferentes cenários de ensino. Assim, docentes e profissionais da APS atuam conjuntamente como professores, em processo de educação permanente. Esse desenho caracterizou-se por repetidos recomeços e revisões no processo de trabalho nas disciplinas e imprimiu a necessidade de negociações constantes tanto com a FMB quanto com a SMS.

Apesar do entendimento e da riqueza de profissionais que compõem os professores-tutores das disciplinas IUSC, tal realidade é geradora de reflexão e conflito na FMB desde sua implantação.

A partir do desenvolvimento dessas disciplinas; e da necessidade de um olhar crítico e reflexivo sobre estas e sobre experiências semelhantes em outras instituições de ensino superior, se compreendeu a necessidade do desenvolvimento de pesquisas, produção de conhecimento e formação na área do ensino na saúde na interface universidade e serviços de saúde na FMB.

Nesse caminho, um grupo de docentes-pesquisadores entendeu como uma grande oportunidade participar do edital do Pró-Ensino como estímulo à valorização da pesquisa sobre o ensino na APS. Ao mesmo tempo, percebeu-se que o projeto poderia alavancar novos estudos sobre formação pedagógica, prática docente e qualidade do ensino na atenção primária.

Sistematizar e socializar o presente texto foi produtor de conhecimento e apropriação desse saber/fazer, desse modo de refletir sobre o cotidiano do ensino na saúde e da educação pelo trabalho, dando origem a questionamentos; e criando e potencializando coletivos de construção entre professores, estudantes, trabalhadores, gestores e usuários. Diante disso, faz-se o convite à leitura, à crítica, à composição e à decomposição das produções resultantes desse projeto de pesquisa.

O Pró-Ensino na Saúde da Faculdade de Medicina de Botucatu: produzindo pesquisa, formação, educação e saúde

O projeto em análise inseriu-se na linha de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da FMB “Desenvolvimento e Análise de Tecnologias e Processos para Formação de Profissionais de Saúde”.

Assim, considerando que as práticas de ensino na APS lidam com o projeto ético-técnico-político de formar profissionais para trabalhar no SUS, tendo como norte a integralidade do cuidado e o trabalho em equipe, apresentam-se a seguir os objetivos e principais resultados (Quadro 1) oriundos das pesquisas desenvolvidas a partir do Pró-Ensino na Saúde, seguidos de pequenos excertos como forma de demonstrar a potencialidade destes.

Quadro 1
Objetivos e principais resultados das pesquisas realizadas no Pró-Ensino na Saúde, Botucatu, 2018.

As pesquisas realizadas geraram seis mestrados acadêmicos e seis doutorados, que foram divulgados por meio de livros, artigos em periódicos científicos, apresentação de trabalhos em eventos científicos, entre outros.

Os temas da formação profissional, métodos de ensino e ensino na APS foram pesquisados em diferentes perspectivas, desde o ponto de vista dos discentes dos cursos de Medicina e Enfermagem até os profissionais de saúde, como médicos, enfermeiros, cirurgiões-dentistas, agentes comunitários de saúde, técnicos e/ou auxiliares de enfermagem e coordenadores de cursos da saúde e de disciplinas/módulos desenvolvidos na atenção primária.

Todas as pesquisas aqui relatadas foram aprovadas pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FMB, respeitando a resolução no 466/2012, que instituiu diretrizes e normas que regulamentam a ética nas pesquisas envolvendo seres humanos13. Em sua maioria, as pesquisas tiveram natureza qualitativa, buscando-se compreender de forma aprofundada as experiências investigadas e as percepções atribuídas a elas por atores envolvidos nos processos e relações estabelecidas entre os interlocutores14.

Os instrumentos utilizados para coleta de dados em sua maioria foram: entrevistas semiestruturadas, análise documental, grupo-focal, questionário. Já a organização dos dados ocorreu de múltiplas formas, como por meio do Método de Análise de Conteúdo, proposto por Bardin15; da elaboração de categorias formuladas em Núcleos de Significação e de Sentido, com análise por meio da Abordagem Histórico-Cultural; e do método explicativo de Vigotski16.

As pesquisas realizadas postularam, de modo geral, o papel importante das instituições de ensino na formação dos futuros profissionais de saúde, bem como a importância das ferramentas de ensino que potencializam o processo de ensino-aprendizagem, como a educação interprofissional e a metodologia da problematização e, ainda, a relação entre os serviços da APS, as instituições de ensino e os alunos dos cursos da saúde.

Eu acho que a partir do momento que você começa a praticar, por exemplo, a gente da Enfermagem no segundo ano e a Medicina no terceiro ano [...] começamos a enxergar o ganho que a IUSC trouxe. De entender o porquê de trabalharmos assim e como modifica o nosso conhecimento, a nossa futura vida profissional. Então eu acho que no final quando termina a nossa formação, vemos o quão importante foi11. (p. 68)

Todavia, sabe-se que as instituições de ensino superior brasileiras ainda utilizam fortemente o modelo tradicional e hegemônico de ensino, no qual se compartimentaliza o saber, acarretando silos profissionais e um trabalho em equipe ineficiente e de baixa resolutividade. Têm ainda como cenário de prática um modelo assistencial focado na doença e no trabalho médico com subordinação das demais profissões da saúde a esse profissional17.

Diante disso e buscando mudanças na formação profissional com vistas a uma melhor integração do ensino com os serviços de saúde e dada a necessidade de aprimorar as relações entre os profissionais de diferentes profissões de saúde, a educação interprofissional tem sido apontada como uma ferramenta capaz de promover mudanças nos cenários de ensino, buscando práticas eficientes para o enfrentamento dos problemas sociais e de saúde18,19.

Em 2010, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou o relatório intitulado Framework for Action on Interprofessional Education & Collaborative Practice, no qual apontou que a educação interprofissional ocorre “quando estudantes de duas ou mais profissões aprendem sobre os outros, com os outros e entre si para possibilitar a melhora nos resultados na saúde”20 (p. 7).

Considerando que poucas são as instituições de ensino brasileiras que se utilizam da educação interprofissional como base do processo de ensino-aprendizagem para promover uma futura prática colaborativa entre os profissionais de saúde17, tal ferramenta de ensino foi tema de um dos estudos no qual os alunos compreendem o colega de diferente formação como uma fonte de aprendizado, o que permitiu uma maior colaboração entre os discentes nas atividades da FMB11.

Eu acho uma das disciplinas mais interessantes da faculdade [...] por ter pessoas novas, também, nos nossos grupos [...] pessoal da Enfermagem [...] poder trocar conhecimento com eles [...] porque, na maioria das vezes as pessoas trazem coisas novas, a gente consegue compartilhar conhecimento, opiniões e até confrontar elas [...]11. (p. 63)

A partir deste estudo, percebeu-se o trabalho compartilhado como importante meio para a integralidade do cuidado, apesar dos estereótipos das profissões terem sidos apontados como barreiras nas relações interpessoais. Também foi possível identificar o professor-tutor como aquele que mediou ou limitou o aprendizado do aluno, por ter formação profissional diferente da dele e, também, como peça fundamental na mediação de todo o processo ensino-aprendizagem21.

As vivências dos alunos em compartilhar conhecimentos são proporcionadas nessa disciplina não só pela prática da educação interprofissional, mas também pela educação problematizadora, utilizada como método de ensino e que possibilita ao aluno ser corresponsável pelo seu aprendizado e formado para atuar como um futuro profissional que, diante de problemas, consegue elaborar soluções21.

Trabalhar com a problematização envolve a descoberta, a autonomia e a iniciativa – advindas das diversas provocações que estimulam o pensamento – e prepara o estudante para uma consciência crítica. Além disso, permite uma nova interpretação do mundo que orienta a sua transformação21.

Diante disso, outra pesquisa evidenciou que os alunos puderam compreender, por meio das atividades desenvolvidas com a comunidade na mesma disciplina, o poder da educação enquanto ferramenta de transformação social e, ainda, reconhecer as tensões de se trabalhar com práticas de ensino problematizadoras. Visualizou-se ainda a presença de diálogos construtivos e questionadores entre todos os sujeitos envolvidos e a aposta em ações transformadoras7.

Nesse sentido, os discentes indicaram que, após o desenvolvimento da disciplina, passaram a valorizar a educação em saúde como veículo de transformação e a entendê-lo como sendo primordial por todo profissional de saúde7:

[...] conscientização sobre a importância da educação em saúde e as diferentes formas e situações em que essa pode se dar7. (p. 79)

[...] penso ser necessário discutir educação em saúde. Ao compreender que tenho papel como agente transformador, dentro de minha profissão [...]7. (p. 79)

Os alunos destacaram, também, que realizar atividades com a comunidade favoreceu uma prática em saúde problematizadora7:

[...] sempre fazíamos de forma a abordar a criança de maneira que ela contasse como lavava as mãos, se lavava as mãos, levando em conta seus costumes e fazendo-as se sentirem à vontade7. (p.79)

[...] trabalhando em uma roda de conversa onde todos puderam falar sobre seus conhecimentos, possibilitando orientações baseadas na realidade vivida por cada um7. (p. 79)

Ressalta-se, neste ponto, a questão da práxis como uma das centrais da metodologia da problematização, pois o aluno tem a oportunidade de superar seu ponto de vista espontâneo e caminhar para uma consciência profissional reflexiva, informada e criativa22. Não se pode deixar de destacar nesse sentido o papel do professor-tutor na disciplina como articulador entre os serviços de saúde e a universidade, considerando que este busca manter uma relação igualitária, democrática e socialmente construída com os alunos, mediada pelo uso das ferramentas de ensino-problematização e educação interprofissional23.

Essa relação fica clara em uma das pesquisas aqui referidas por meio do seguinte discurso:

[...] a gente tinha muita necessidade de estudar e de discutir, porque nós não sabíamos fazer, a gente sabia que a gente tinha que fazer diferente, mas não sabia como que era esse diferente e era... acho que era o marco teórico que a gente se apoiou para construir a anamnese do terceiro ano, porque tinha que construir uma coisa diferente, mas a gente não sabia onde, mas... várias pessoas já tinham pensado nisso, então a gente pegava esses caras e ficava estudando [...]3. (p. 73)

A formação pedagógica dos professores deve estar inserida nos movimentos de criação e construção de uma nova consciência. Para tanto, muitas vezes, é necessário fazer aflorar os “por quês” e “comos” de ser um professor, com base em um processo coletivo e contínuo de reflexão sobre a experiência pessoal, propiciando uma ação consciente de ensino que desenvolve o potencial do professor em buscar a solução de problemas e otimizar as capacidades com base na conjugação de crenças, valores e conhecimentos23.

Eu acho que o trabalho de formação era muito importante. Porque primeiro a gente se transformava e primeiro você problematizava com você para depois você problematizar no grupo de alunos [...] a gente se sentia parte mesmo do processo, e aí... nossa! Como que crescia, você se sentia sujeito e a gente só pode trabalhar com o outro enquanto sujeito, quando você se sente sujeito. Então, acho que era muito interessante isso. As dinâmicas, quando a gente se sentia acolhido, e aí quando você se sente acolhido você se sente aberto pra falar o que você pensa, sem medo que o outro fale: ah! você está errado! Então acho que isso era muito importante, essas reuniões eram muito importantes e é um aprendizado pra vida. A gente só aprende com a vida [...]3. (p. 135)

Ficou claro neste estudo, que investigou o papel do professor-tutor, o reconhecimento da existência de um trabalho que buscava não dar somente conhecimento ao profissional, mas também empoderá-lo para exercer seu papel de educador com mais segurança3. Assim, o professor deve ter a oportunidade de ser protagonista no desempenho de seu trabalho, ou seja, ter liberdade na tomada de decisões e na definição de alternativas para as suas atividades de ensino24.

Vale salientar ainda que tais políticas permitiram às instituições formadoras uma adequação frente aos princípios e diretrizes do SUS, que oportunizou a articulação destas com os serviços de saúde.

Nesse sentido – e considerando a relevância de tais políticas – é que uma das questões priorizadas como campo de uma das pesquisas voltou-se para o papel das DCN de 2001 frente às mudanças curriculares. Neste estudo, foi possível identificar em três escolas médicas do estado de São Paulo a desvalorização da APS nos cursos de Medicina e as tensões entre universidades e serviços para realização do ensino na comunidade, bem como o distanciamento entre a visão acadêmica e a prática de ensino9, o que contrapõe o que as DCN das graduações da Saúde estabelecem: uma “prática contextualizada” em diferentes cenários de ensino desde o início da formação25.

Outra investigação realizada sobre o ensino na comunidade e a interação serviço e universidade analisou os tensionamentos e as potencialidades da relação que se estabelecem entre os graduandos de Medicina e Enfermagem e os trabalhadores da APS no espaço dos serviços de saúde4,26.

Dentre os aspectos positivos apontados pelos profissionais, destacam-se: a riqueza da vivência com alunos, que os motivam a buscar novos conhecimentos; o aprendizado alcançado, que os qualifica e lhes permite ampliar as práticas assistenciais em novas frentes de cuidado; o incentivo que recebem para romper com o comodismo e os padrões cristalizados de conduta; e a gratificação que sentem por contribuírem para formarem futuros profissionais mais adequados para trabalhar no SUS4,26.

Apesar disso, foram apresentados elementos que ainda precisam ser explorados e aprimorados pelos coordenadores e articuladores da proposta, tanto no âmbito da universidade quanto da gestão e na coordenação dos serviços, como: necessidade de melhor pactuação das atividades entre instituição de ensino e serviços, com consonância com as singularidades locais; um melhor planejamento e organização das ações em conjunto com as equipes e a realidade de cada território; e a importância da continuidade das propostas ao longo do tempo – não apenas de modo pontual e isolado –, entre outras4,26.

Considerações finais

Foi possível evidenciar, por meio das produções, como o Pró-Ensino na Saúde apresentou-se potente e estratégico com vistas a formar profissionais de saúde mais preparados para atender as demandas de saúde da população e o trabalho em equipe e colaborativo. O programa proporcionou pesquisas acadêmicas em áreas prioritárias para o trabalho em saúde no SUS, bem como qualificou pós-graduandos na área da Saúde Coletiva com foco na formação profissional. Por fim, ainda permitiu parcerias entre os variados sujeitos e espaços envolvidos na formação profissional dos alunos no que tange o ensino na comunidade e permitiu muitos debates na instituição em questão sobre o uso de metodologias ativas de ensino que pudessem formar médicos e enfermeiros com mais qualidade.

A construção de conhecimento em diferentes momentos do ensino na comunidade permitiu o fortalecimento da interação universidade-serviço-comunidade, seja na formação dos estudantes e/ou na maior apropriação do tema pelos professores e na educação permanente dos profissionais envolvidos.

Com isso, afirma-se que as experiências de integração adotadas pela FMB e que têm sido fomentadas pela disciplina IUSC ao longo do tempo são hoje reconhecidas e legitimadas pelos diferentes profissionais e contextos.

Referências

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  • *
    Este artigo é resultado do Projeto “Integração universidade, serviços de saúde e comunidade na Faculdade de Medicina de Botucatu/Unesp: construindo novas práticas de formação e pesquisa”, financiado pela Capes, Edital 024/2010 – Pró-Ensino na Saúde (AUXPE no2237/2010 e no3281/2014).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2018

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2017
  • Aceito
    06 Abr 2018
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