Resumos
A literatura endossa o crescente papel central de coordenação do governo federal nas políticas de saúde. Porém, há poucos estudos sobre o papel dos entes subnacionais, em especial, dos estados. Assim, este artigo analisou o arranjo institucional de implementação do Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMMB) no estado de Minas Gerais. O trabalho foi realizado com base em análise documental de 31 atas de reuniões da Comissão de Coordenação Estadual e oito entrevistas com atores-chave responsáveis por sua implementação. Os resultados evidenciaram a (i) centralidade decisória do projeto no âmbito federal, a (ii) pouca clareza do papel do governo estadual no arranjo de implementação, a (iii) crise orçamentária do governo mineiro e a (iv) instabilidade política, que resultaram em (v) trocas de governo estadual e federal. Tais fatores, em conjunto, impactaram na capacidade de implementação do projeto em Minas Gerais.
Palavras-chave
Arranjo institucional; Capacidade estatal; Implementação de políticas públicas; Programa Mais Médicos
The literature evidences the growing central coordinating role played by the federal government in health policy. However, there is little research on the role of subnational entities, especially state governments. This article analyzes the institutional arrangement for the implementation of the More Doctors for Brazil Project in the state of Minas Gerais. The study drew on data from a documentary analysis of 31 minutes of meetings of the State Coordinating Commission and eight interviews with key actors responsible for the implementation of the project. The results highlight: (i) Centralized Project decision-making at federal level; (ii) Lack of clarity with regard to the role of the state government in the implementation arrangement; (iii) A state government funding crisis; and (iv) Political instability, which result in (v) Changes in the state and federal government. These combined factors had a negative impact on project implementation capacity in Minas Gerais.
Keywords
Institutional arrangement; State capacity; Implementation of public policies; More Doctors Program
La literatura endosa el creciente papel central de coordinación del gobierno federal en las políticas de salud. No obstante, hay pocos estudios sobre el papel de los entes subnacionales, en especial de los estados. Por lo tanto, este artículo analizó la organización institucional de implementación del proyecto Más Médicos para Brasil (PMMB) en el estado de Minas Gerais. El trabajo se realizó con base en el análisis documental de 31 actas de reuniones de la Comisión de Coordinación Estatal y ocho entrevistas con actores-clave responsables por su implementación. Los resultados pusieron en evidencia: (i) la centralidad de decisión del Proyecto en el ámbito federal; (ii) la poca claridad del papel del gobierno estatal en la organización de la implementación; (iii) la crisis presupuestaria del gobierno del Estado de Minas Gerais y (iv) la inestabilidad política, lo que resultó en (v) cambios de gobierno estatal y federal. Tales factores, en conjunto, tuvieron impacto sobre la capacidad de implementación del Proyecto en Minas Gerais.
Palabras clave
Organización institucional; Capacidad estatal; Implementación de políticas públicas; Programa Más Médicos
Introdução
Nas duas últimas décadas, vêm se intensificando, em diferentes partes do mundo, os estudos sobre os problemas relacionados às disparidades de acesso à saúde, bem como as políticas e os arranjos estatais constituídos para a superação dessas limitações11 Sheldon TA, Smith PC. Equity in the allocation of health care resources. Health Econ. 2000; 9(7):571-574.,22 Martino SC, Mathews M, Agniel D, Orr N, Wilson-Frederick S, Ng JH, et al. National racial/ethnic and geographic disparities in experiences with health care among adult Medicaid beneficiaries. Health Serv Res. 2019; 54 Suppl 1:287-296.. Vários desses estudos têm como foco investigativo a eficiência ou a equidade na distribuição espacial de profissionais e recursos de saúde33 Flessa S. Where efficiency saves lives: a linear programme for the optimal allocation of health care resources in developing countries. Health Care Manag Sci. 2000; 3(3):249-267., um dos pontos centrais que motivou a criação do Programa Mais Médicos (PMM), em 2013.
O PMM buscava, entre outros objetivos, promover a distribuição equitativa de médicos no país, ampliar o acesso da população ao Sistema Único de Saúde (SUS) e diminuir as desigualdades regionais em saúde. Para tanto, ele foi estruturado em três eixos estratégicos: (a) provimento emergencial de médicos em regiões que enfrentavam dificuldades para prover e fixar esses profissionais por meio do Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMMB); (b) aprimoramento na formação médica sob novas diretrizes curriculares e expansão de vagas em cursos de Medicina e residência médica; e (c) investimentos e qualificação da infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde.
O artigo analisou o processo de implementação do eixo emergencial, por meio do PMMB. Segundo a Portaria Interministerial n. 1.369, de 8 de julho de 2013 – que trata da implementação do projeto –, o PMMB era executado por meio de instrumentos de articulação interfederativa, cooperação com instituições de educação superior, programas de residência médica, escolas de Saúde Pública e mecanismos de integração ensino-serviço.
A implementação e a coordenação nacional do PMMB eram competências do governo federal, em especial, dos Ministérios da Saúde (MS) e da Educação (MEC). Ambos os ministérios participavam de forma paritária da governança do projeto. Para tanto, foi instituído uma comissão de coordenação, que era presidida pelo MS. Entre outras medidas necessárias à execução do PMMB, cabia à comissão a decisão quanto à avaliação, adesão e exclusão de municípios, médicos, entes federativos, órgãos, entidades, instituições e organismos internacionais; a expedição de atos normativos, de comunicação e expediente; o remanejamento de médicos; a especialização, a formação e o acolhimento dos médicos; a constituição de comissões estaduais.
Por sua vez, aos governos estaduais e ao Distrito Federal – por intermédio de suas secretarias estaduais de saúde –, cabia atuar em cooperação com os entes federativos, as instituições de educação superior e os organismos internacionais, no âmbito de sua competência; compor e presidir as Comissões Estaduais do Projeto (CCEs), que figuravam como instâncias de coordenação, orientação e execução das atividades do projeto no âmbito da respectiva unidade da federação; e adotar as providências necessárias para a realização das ações do projeto no seu domínio de atuação.
Os entes municipais e o Distrito Federal eram os responsáveis pela inserção dos médicos nas equipes de Atenção Básica; pelo fornecimento das condições adequadas de trabalho, moradia, alimentação e água potável; e pelo acompanhamento e fiscalização, em conjunto com os supervisores, da execução das atividades de ensino-serviço.
No arranjo institucional de implementação do PMMB, o papel do governo estadual parece não ter ficado tão claro quanto às suas competências, que foram explicitadas de modo genérico. Atribuições como adotar providências necessárias, atuar em cooperação, compor e presidir as comissões estaduais – que não tiveram especificadas quais decisões cabiam a essa instância –, corroboram para a pouca clareza do papel do ente estadual no arranjo do PMMB.
Segundo Lima et al.44 Lima LD, Machado CV, Baptista TWF, Pereira AMM. O Pacto Federativo brasileiro e o papel do gestor estadual no SUS. In: Ugá MAD, Sá MC, Martins M, Braga Neto FC, editores. A gestão do SUS no âmbito estadual: o caso do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2010. p. 27-58., o papel dos governos estaduais é um dos maiores desafios do pacto federativo nas políticas de saúde. Menicucci e Marques55 Menicucci T, Marques AMF. Cooperação e coordenação na implementação de políticas públicas: o caso da saúde. Dados. 2016; 59(3):823-865. consideram que os governos estaduais possuem papel fundamental nas etapas de condução, indução, coordenação, pactuação e negociação das políticas. O intuito dessa atuação seria evitar o aprofundamento das desigualdades regionais, uma vez que os entes municipais são heterogêneos em termos de capacidades financeiras, técnicas e administrativas.
Análises sobre o papel e as atribuições dos governos estaduais na implementação do Mais Médicos são incipientes. Os estudos sobre essa política têm dado pouca atenção para os arranjos de implementação, que toma maior importância diante do caráter federativo do Estado brasileiro, da complexidade territorial, da intersetorialidade inerente à política e da participação social, ainda subvalorizada na literatura da área.
Alguns trabalhos publicados no Brasil podem ser considerados centrais em relação à discussão dos arranjos institucionais e das capacidades estatais, como as pesquisas de Pires e Gomide66 Pires RRC, Gomide AÁ. Governança e capacidades estatais: uma análise comparativa de programas federais. Rev Sociol Polit. 2016; 24(58):121-143. e Lotta e Favareto77 Lotta G, Favareto A. Desafios da integração nos novos arranjos institucionais de políticas públicas no Brasil. Rev Sociol Polit. 2016; 24(57):49-65.. A compreensão dos arranjos institucionais de uma política pública como o PMMB evidencia os “atores envolvidos, como se efetiva a governança, os processos decisórios e os graus de autonomia”77 Lotta G, Favareto A. Desafios da integração nos novos arranjos institucionais de políticas públicas no Brasil. Rev Sociol Polit. 2016; 24(57):49-65. (p. 54). Adicionalmente, permite observar as capacidades estatais – mobilizadas ou não pelos atores – para implementar a política pública a partir da configuração do seu arranjo institucional.
As capacidades estatais envolvem um conjunto de habilidades e recursos – ou competências e capacidades – para o planejamento e a entrega dos serviços públicos88 Wu X, Ramesh M, Howlett M. Policy capacity: a conceptual framework for understanding policy competences and capabilities. Policy Soc. 2015; 34(3-4):165-171.. Portanto, as capacidades estatais podem ser vistas como precondições ou condicionantes críticos ao sucesso das políticas públicas, bem como para formação dos arranjos institucionais99 Gomide AÁ, Pereira AK, Machado R. O conceito de capacidade estatal e a pesquisa científica. Soc Cult. 2017; 20(1):3-12.. Lotta et al.1010 Lotta GS, Galvão MCCP, Favareto AS. Análise do Programa Mais Médicos à luz dos arranjos institucionais: intersetorialidade, relações federativas, participação social e territorialidade. Cienc Saude Colet. 2016; 21(9):2761-2772. delinearam as principais dimensões de arranjos institucionais passíveis de serem analisadas no âmbito do Mais Médicos. Macedo1111 Macedo AS. Os arranjos institucionais e as capacidades estatais no Programa Mais Médicos [tese]. Viçosa: Universidade Federal de Viçosa; 2019., por sua vez, realizou um estudo mostrando como se deram os arranjos e as capacidades estatais efetivamente na implementação e no monitoramento do PMMB, sobretudo na relação federal-estadual.
Ante o exposto, esta pesquisa se propôs a analisar o papel do governo estadual no arranjo institucional de implementação do PMMB, no contexto do estado de Minas Gerais. Dessa forma, a pesquisa analisou como o papel do governo mineiro contribuiu para ampliar o atendimento integral à saúde de seus cidadãos, com a melhor implementação do PMMB em seu território.
Metodologia
Lotta et al.1010 Lotta GS, Galvão MCCP, Favareto AS. Análise do Programa Mais Médicos à luz dos arranjos institucionais: intersetorialidade, relações federativas, participação social e territorialidade. Cienc Saude Colet. 2016; 21(9):2761-2772. elencaram quatro dimensões fundamentais para o tratamento da questão dos arranjos institucionais para o Mais Médicos. Em primeiro lugar, destacaram a dimensão Intersetorialidade, que visa compreender as relações entre setores distintos, ou seja, as relações entre órgãos pertencentes à mesma esfera federativa. Em seguida, há a Subsidiariedade Federativa, que tratou da relação entre as diversas esferas federativas – as relações entre federação, estado e município na implementação da política pública –, com foco na articulação entre elas, a despeito das competências específicas de cada uma. A terceira dimensão – Participação Social – investigou o papel de outros atores durante a implementação do programa e dos mecanismos como conselhos gestores, conferências, audiências, consultas públicas, ouvidorias e mesas de negociação.
Finalmente, a dimensão Territorialidade se debruçou sobre as instâncias de adequação das políticas públicas às realidades locais, com destaque para três categorias cruciais, a saber: (i) a intermunicipalidade, que é uma delimitação territorial formada por mais cidades dentro de um estado, como as 28 Regiões de Saúde existentes em Minas Gerais; (ii) a perspectiva intersetorial, similar à dimensão Intersetorialidade apresentada neste artigo, marcada pela articulação de setores distintos; e (iii) a penetração da participação de atores sociais por meio dos mecanismos disponíveis. Dessa forma, é necessário verificar como as especificidades locais foram consideradas no processo da política.
Assim, considerando a natureza do objeto, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa, utilizando dados primários e secundários, para analisar os arranjos de implementação do PMMB. Os dados primários consistiram em oito entrevistas semiestruturadas com agentes estratégicos da implementação do PMMB no âmbito estadual. Foram ouvidos: um representante da Secretaria de Saúde do Governo de Minas (SES-MG), dois atores do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Estado de Minas Gerais (COSEMS/MG) e três representantes (sendo duas entrevistas on-line) do MS que forneciam suporte institucional aos municípios e ao governo estadual. De forma semelhante, no MEC, ouviu-se mais um representante on-line. Esses atores funcionavam como apoio descentralizado, no sentido de representar os ministérios nos contextos regionais. Por fim, entrevistou-se mais um ator ligado à instituição responsável pelo curso de especialização dos médicos. Portanto, foram oito entrevistas coletadas entre os meses de outubro a dezembro de 2018, com tempo médio de duração de quarenta minutos.
De forma complementar, por meio da Lei de Acesso à Informação, foram coletadas 31 atas de reuniões da CCE do PMMB em Minas Gerais, que ocorreram entre fevereiro de 2014 e dezembro de 2017. Uma CCE foi montada em cada estado e no Distrito Federal, e essas comissões eram compostas por representantes do MEC, do MS, das secretarias estaduais de saúde e por outras instituições que supervisionavam o PMMB localmente. Elas foram instituídas por meio da Portaria Interministerial (MS e MEC) n. 2.921, de 28 de novembro de 2013.
Os dados foram tratados e analisados utilizando a Análise de Conteúdo Categorial, de Bardin1212 Bardin L. Análise de conteúdo. 70a ed. São Paulo: Edições; 2016.. A partir da literatura levantada, as informações coletadas foram identificadas e classificadas de acordo com as dimensões analíticas apresentadas no Quadro 1, para que, no fim da análise, fosse possível apresentar o desenho institucional, as relações intergovernamentais e as capacidades técnico-administrativas e político-relacionais na implantação do PMMB em Minas Gerais.
Este artigo faz parte de um projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética, conforme parecer n. 2.706.402. Para certificar o anonimato dos entrevistados, bem como o órgão do qual faziam parte, cada respondente recebeu uma identificação: Entrevistado 1 (E1), Entrevistado 2 (E2) e assim sucessivamente. Também por questões de sigilo, os dados demográficos dos participantes não foram apresentados na pesquisa.
Resultados e discussão
Na época do estudo, Minas Gerais era o terceiro estado – apenas atrás de São Paulo (14,95%) e Bahia (9,26%) – em proporção de médicos do PMMB no ano de 2017, conforme dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. Naquele ano, o estado possuía 1.359 profissionais, o equivalente a 8,01% dos 16.958 médicos em atividade no país. Esses profissionais estavam em 86% dos 853 municípios mineiros. Minas Gerais foi, também, um dos primeiros estados a apoiar o PMMB e a receber a figura do Apoio Institucional do MEC (AIMEC) com vistas a fortalecer a atuação do PMMB no estado1313 Almeida ER, Macedo HM, Silva JC. Gestão federal do Programa Mais Médicos: o papel do Ministério da Educação. Interface (Botucatu). 2019; 23 Suppl 1:e180011. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.180011.
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Além das atribuições dos entes explicitadas na introdução deste artigo, a implementação do PMMB valeu-se da descentralização político-administrativa do Sistema Único de Saúde (SUS) e da regulamentação da Atenção Básica. Assim, o PMMB contou com as instâncias de pactuação entre os gestores nos três níveis da federação constituídas com o SUS. Essas instâncias foram a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e a Comissão Intergestores Bipartite (CIB), ambas voltadas à pactuação da organização e ao funcionamento de ações e serviços de saúde entre os entes da federação1414 Macedo AS, Ferreira MAM, Campos APT, Rodrigues CT. Programa Mais Médicos: análise lógica à luz da modelagem de políticas públicas. Rev Meta Aval. 2019; 11:406-437..
A Secretaria Estadual e as Secretarias Municipais de Saúde de Minas participavam, por meio de suas representações, respectivamente, pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), da CIT. Por sua vez, na Comissão Intergestores Bipartite do Estado de Minas Gerais (CIB/MG), participavam representantes da SES-MG e do COSEMS/MG. Para o controle social, não houve a formação de novas instâncias além daquelas já previstas no SUS, como o Conselho Nacional de Saúde e os conselhos estaduais e municipais.
Participação social
Os dados analisados evidenciam uma baixa participação social na implementação do PMMB, o que pode ser atrelado ao fato de os atores envolvidos serem fundamentalmente estatais, como já foi destacado por Lotta et al.1010 Lotta GS, Galvão MCCP, Favareto AS. Análise do Programa Mais Médicos à luz dos arranjos institucionais: intersetorialidade, relações federativas, participação social e territorialidade. Cienc Saude Colet. 2016; 21(9):2761-2772.. Tanto nas falas dos entrevistados quanto nas atas, verificou-se apenas a participação de uma universidade privada e da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), porém, a atuação dessas entidades era reduzida e foi prevista no arranjo de implementação. A primeira compõe a CCE e possui professores supervisores e a segunda tinha a incumbência de intermediar a participação de médicos cubanos do Mais Médicos no Brasil.
Adicionalmente, não foi possível identificar intencionalidade de incluir outros atores durante a implementação. Evidências da literatura corroboram a questão ao indicar que havia “pouca participação estruturada dentro do Programa, mas ampla participação via canais institucionais do SUS”1010 Lotta GS, Galvão MCCP, Favareto AS. Análise do Programa Mais Médicos à luz dos arranjos institucionais: intersetorialidade, relações federativas, participação social e territorialidade. Cienc Saude Colet. 2016; 21(9):2761-2772. (p. 2.769). Contudo, tal participação também não foi abordada nos dados analisados referentes à discussão do PMMB no âmbito da CIB e do Conselho Estadual de Saúde.
Análises referentes às demais dimensões – Intersetorialidade, Subsidiariedade Federativa e Territorialidade – foram apresentadas de forma dialogada, considerando que a aproximação com os materiais investigados levou ao entendimento de que as dimensões não se manifestam isoladamente. Nesse sentido, apresentar a relação entre elas foi necessário para a captura dos achados mais importantes da pesquisa.
Intersetorialidade e Subsidiariedade Federativa
Na época do estudo, o estado mineiro passava por grave crise financeira desde 2016. Consequentemente, o déficit fiscal impedia a alocação de recursos orçamentários ao projeto pela Secretaria de Saúde, que era a responsável por sua implementação no território mineiro. Segundo o ator consultado (E6), o orçamento era direcionado para o financiamento e custeio das equipes de Atenção Básica dos municípios. Entretanto, desde 2016, esses entes contavam com recursos próprios e aqueles repassados do âmbito federal, pois o estado, em função do colapso financeiro, não direcionava os valores de sua contrapartida para a Atenção Básica1515 Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Minas Gerais - COSEMS/MG. Relatório da dívida Estadual nos Municípios Mineiros - Dezembro 2018 [Internet]. Belo Horizonte: COSEMS/MG; 2018 [citado 1 Mar 2021]. Disponível em: http://www.cosemsmg.org.br/site/index.php/todas-as-noticias-do-cosems/63-ultimas-noticias-do-cosems/1925-relatorio-da-divida-estadual-nos-municipios-mineiros-dezembro-2018
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Por conseguinte, a prestação de serviços e a realização das ações nesse nível de atenção restaram prejudicadas e, ao mesmo tempo, limitavam o governo mineiro de realizar a acolhida dos médicos, com sua ambientação sobre o funcionamento da saúde no território. O fator orçamentário indicava dificuldades da capacidade estatal técnico-administrativa, como explicam Arretche, Vazquez e Gomes1616 Arretche M, Vasquez D, Gomes S. As relações verticais na federação: explorando o problema da descentralização e da autonomia. In: Arretche M, Vasquez D, Gomes S, organizadores. Democracia, federalismo e centralização no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2012. p. 145-173..
Adicionalmente, cabia ao governo mineiro a coordenação da CCE e a articulação com atores para resolução de problemas. Todavia, o ente não possuía poder de decisão, como pode ser percebido a partir do seguinte relato:
[...] apesar da gente coordenar a comissão, a gente não tem a gestão sobre o programa, então a gestão ela é toda dos ministérios [MS e MEC]. Eu não tenho a gestão sobre o quantitativo de profissionais, sobre a definição de alocação, sobre se vai repor ou se não vai repor.
(E6)
Todas essas atribuições eram de competência do MS e do MEC, indicando ser um projeto centralizado no governo federal, como já apontado por Macedo1111 Macedo AS. Os arranjos institucionais e as capacidades estatais no Programa Mais Médicos [tese]. Viçosa: Universidade Federal de Viçosa; 2019.. Portanto, a constatação aponta que o governo federal era central na medida em que ele controlava as fontes de recursos, como o pagamento da bolsa dos médicos, e possuía o poder de coordenação, decisão e normatização sobre o PMMB.
A centralização da autoridade decisória no governo federal também se configurava na execução do projeto. Por exemplo, “a partir de indefinições do MS e do MEC” os atores ficavam sem saber como proceder diante de questões do cotidiano e da própria chegada dos médicos (E5). Havia um entendimento de que “poderia melhorar a articulação entre o MS e MEC”, como relata E1. Destaca-se que esses aspectos estão em conformidade com o que tem mostrado a literatura corrente1313 Almeida ER, Macedo HM, Silva JC. Gestão federal do Programa Mais Médicos: o papel do Ministério da Educação. Interface (Botucatu). 2019; 23 Suppl 1:e180011. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.180011.
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A desarticulação entre ambos os ministérios aconteceu, conforme revelou Macedo e Ferreira1717 Macedo AS, Ferreira MAM. Arranjo institucional e a capacidade estatal de implementação do Projeto Mais Médicos Brasil (PMMB). Rev Sociol Polit. 2020; 28(76):e008. Doi: https://doi.org/10.1590/1678-987320287608.
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, após o rompimento institucional em 2016, que culminou na saída de Dilma Rousseff da Presidência da República. Segundo os autores, “após a entrada do governo Temer, o arranjo institucional é enfraquecido, levando à quebra da capacidade política e, principalmente, da administrativa, com o caminho paralelo entre os ministérios e encerramento das instâncias de coordenação”1717 Macedo AS, Ferreira MAM. Arranjo institucional e a capacidade estatal de implementação do Projeto Mais Médicos Brasil (PMMB). Rev Sociol Polit. 2020; 28(76):e008. Doi: https://doi.org/10.1590/1678-987320287608.
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(p. 12), como a comissão de coordenação do PMMB, que não se reuniu em 2018.
Nos anos iniciais do Mais Médicos, ainda na gestão de Dilma Rousseff, houve mobilizações de capacidades estatais voltadas a dotar o MS e o MEC de estrutura organizacional, de pessoal, de orçamento, de sistemas e instrumentos de gestão capazes de suprir as condições de implementação do PMMB1717 Macedo AS, Ferreira MAM. Arranjo institucional e a capacidade estatal de implementação do Projeto Mais Médicos Brasil (PMMB). Rev Sociol Polit. 2020; 28(76):e008. Doi: https://doi.org/10.1590/1678-987320287608.
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. Com a chegada de Michel Temer à presidência1717 Macedo AS, Ferreira MAM. Arranjo institucional e a capacidade estatal de implementação do Projeto Mais Médicos Brasil (PMMB). Rev Sociol Polit. 2020; 28(76):e008. Doi: https://doi.org/10.1590/1678-987320287608.
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em 2016 e, posteriormente, de Jair Bolsonaro em 2019, houve enfraquecimento das estruturas organizacionais e das capacidades de implementação do PMMB1313 Almeida ER, Macedo HM, Silva JC. Gestão federal do Programa Mais Médicos: o papel do Ministério da Educação. Interface (Botucatu). 2019; 23 Suppl 1:e180011. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.180011.
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,1717 Macedo AS, Ferreira MAM. Arranjo institucional e a capacidade estatal de implementação do Projeto Mais Médicos Brasil (PMMB). Rev Sociol Polit. 2020; 28(76):e008. Doi: https://doi.org/10.1590/1678-987320287608.
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, que foi asseverada com a saída do governo cubano do arranjo institucional em 2018, em meio à corrida presidencial daquele ano.
Esses desafios da Intersetorialidade refletiam diretamente na dimensão Subsidiariedade Federativa. O arranjo de implementação do PMMB, considerando a forma como foram distribuídas as responsabilidades, e a capacidade de regulamentação e monitoramento do projeto fizeram com que estados e municípios dependessem da palavra final da União. Por consequência, as falhas identificadas no desenho do arranjo institucional foram para a implementação do PMMB, como já evidenciaram Mota e Barros1818 Mota RG, Barros NF. O Programa Mais Médicos no Estado de Mato Grosso, Brasil: uma análise de implementação. Cienc Saude Colet. 2016; 21(9):2879-2888. em Mato Grosso.
E3 exemplificou as disfunções dessa dependência por meio do processo de remanejamento de médicos inseridos no projeto: “a gente tem a solicitação de remanejamento [para o MS], até eles autorizarem isso, é um problema sério, demora”. Como consequência da demora no recebimento das respostas, observou-se que cidades ficaram sem médicos, houve atraso no pagamento das bolsas, médicos que apresentaram conduta inapropriada demoraram a ser afastados ou remanejados e ocorreram desistências por parte de profissionais e de municípios.
Ademais, embora a CCE existisse como uma expressão de descentralização do processo, a decisão final cabia aos ministérios, principalmente ao da Saúde. Portanto, a autonomia decisória da comissão era limitada e, apesar de o estado ser o articulador oficial, alguns gestores locais se comunicavam diretamente com o MS acerca de procedimentos operacionais do projeto, pois não vislumbravam no estado poder decisório para sanar suas dúvidas e questionamentos.
Um problema adicional eram os próprios obstáculos colocados pelo processo político, na medida em que a troca de governos também representava trocas de gestão nos ministérios e em outros departamentos. Em Minas Gerais, o PMMB tinha passado da transição do Governo Anastasia (até 2014) para o de Fernando Pimentel (2015 a 2018). As trocas de governos nos âmbitos federal e estadual tinham implicações para a articulação entre as diferentes esferas federativas e desmobilização de capacidades de implementação do PMMB, que foram sentidas pelos gestores nos territórios. Nesse sentido, destacam-se a dificuldade de reposição das vagas preenchidas pelos médicos cubanos e anseios quanto à continuidade do Mais Médicos.
Relatos dos entrevistados evidenciaram os aspectos mencionados: “em virtude do processo de desconstrução do SUS, da Atenção Primária, do Mais Médicos, que os membros iam sentindo...[houve] a necessidade de fortalecimento da comissão [CCE]” (E6); “Nós temos reunião para que o programa de fato não míngue, então é um espaço também de poder, né, de resistência assim” (E6); “A gente já teve também uma mudança muito grande de referência central; nós somos referências descentralizadas e tínhamos umas referências centrais. Em Minas, essa rotatividade de referência central foi muito grande” (E7); e “Quando muda o governo, tanto do governo do estado, como do federal, até ter um assentamento de entender o que é isso, a gente fica de pé e mão amarrados, sem saber o que é que faz” (E4).
Como observado, além de haver uma relação muito incipiente entre os Ministérios da Saúde e da Educação, a relação de ambos com os entes federativos também sofria fraturas, dificultando, por exemplo, a resolução de problemas cotidianos do PMMB, como o remanejamento, a reposição e o desligamento de médicos. Essas questões dificultavam a melhor operacionalização do PMMB no estado e revelavam problemas relacionados à coordenação intergovernamental e à intersetorialidade.
Como evidência das questões mencionadas, observou-se o processo de formação dos médicos e de remanejamento, que eram resolvidas no interior da CCE. O tema passou a ser responsabilidade de uma câmara técnica – criada para deliberar essas questões e conduzir a resolução desses problemas –, configurando, assim, um esforço de auto-organização da comissão diante das indefinições do MEC. A própria rede de comunicação entre os diferentes órgãos ocorria mais ativamente por redes informais de comunicação, como em grupos de WhatsApp.
Observou-se, assim, que a relação dos ministérios se dava diretamente com os municípios. O estado tinha, na prática, um papel menor no processo, como apontou E5. Na própria comissão, a participação da Secretaria Estadual de Saúde sempre estava subordinada ao MS. Embora a participação e a condução das reuniões fossem competências da Secretaria Estadual, a capacidade decisória era restrita ao governo federal.
Ante o exposto, os resultados mostram algumas lacunas no PMMB, especialmente a centralização do PMMB no MS e do MEC. Embora eles centralizem os processos, a análise das atas permitiu perceber que o governo estadual foi um ator importante para a coordenação e execução do projeto e deveria possuir maior autonomia em sua implementação. Todavia, o arcabouço normativo não possibilitou maiores competências aos governos estaduais, e os dados evidenciaram oportunidades de melhoria na articulação entre o governo federal e o governo mineiro.
Intersetorialidade e Territorialidade
O aspecto da Intersetorialidade era visto pela ampla gama de setores – ministérios, entes subnacionais, organismos internacionais, entidades de ensino e entidades representativas, como as de secretários municipais e conselhos de saúde – envolvidos no processo do PMMB1010 Lotta GS, Galvão MCCP, Favareto AS. Análise do Programa Mais Médicos à luz dos arranjos institucionais: intersetorialidade, relações federativas, participação social e territorialidade. Cienc Saude Colet. 2016; 21(9):2761-2772.,1717 Macedo AS, Ferreira MAM. Arranjo institucional e a capacidade estatal de implementação do Projeto Mais Médicos Brasil (PMMB). Rev Sociol Polit. 2020; 28(76):e008. Doi: https://doi.org/10.1590/1678-987320287608.
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. A dimensão territorial, por sua vez, a despeito da ausência da identificação de conselhos e fóruns de participação, era observada no escopo do PMMB por buscar reduzir iniquidades regionais de saúde e melhorar a distribuição de médicos nos territórios. Além disso, o Mais Médicos procurou interiorizar cursos de medicina e programas de residência, bem como investir e qualificar a infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde.
Portanto, o papel do governo mineiro era o de contribuir nesse processo, articulando os atores; acompanhando os processos alocativos e o remanejamento dos profissionais; auxiliando na integração dos médicos nos territórios; monitorando o cumprimento das contrapartidas municipais; e acompanhando a execução das atividades de ensino-serviço.
Minas Gerais apresentava questões específicas, relacionadas ao território, que demandavam articulação intersetorial para tentar suprir as necessidades regionais. Tais questões ocorriam devido à sua extensão territorial, às capacidades administrativa e financeira dos municípios, e à multiplicidade de comunidades, inclusive rurais. Especificamente no âmbito do governo de Minas, o trabalho era mais centrado na Secretaria de Saúde, ocorrendo interação de forma mais pontual quando demandava articulação com outras pastas.
Todavia, isso não significa que a articulação intersetorial voltada aos problemas territoriais era negligenciada pelo governo mineiro. De acordo com os entrevistados, havia interação com governo federal, prefeituras, OPAS e instituições de ensino responsáveis pela formação dos profissionais, tutoria e supervisão dos médicos. Além disso, era constante o diálogo com as regionais de saúde, que cumpriam papel fundamental no sentido de tentar traduzir o PMMB para aquele território, considerando as especificidades locais.
Assim como as regionais de saúde, a presença dos ministérios nos territórios, a partir das referências descentralizadas do MS e dos AIMECs, foi uma iniciativa considerada inovadora para aproximar o governo federal (MS e MEC) dos contextos locais1717 Macedo AS, Ferreira MAM. Arranjo institucional e a capacidade estatal de implementação do Projeto Mais Médicos Brasil (PMMB). Rev Sociol Polit. 2020; 28(76):e008. Doi: https://doi.org/10.1590/1678-987320287608.
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. Os encontros regionais consistiram em uma forma de tentar propiciar integração entre os atores e discussão de temas de saúde ligados àquele território. A participação de agentes ligados ao território – como os diretores regionais – nas reuniões da CCE e dos encontros regionais era dificultada pela dispersão geográfica, ausência de liberação dos profissionais e falta de veículos para transporte, diária e custeio por parte dos municípios mineiros.
Além das iniquidades de profissionais, os territórios mineiros também enfrentavam condições desiguais nas Unidades Básicas de Saúde, que o Mais Médicos buscou melhorar por meio do eixo de infraestrutura. Os dados evidenciaram que a preparação do território era negligenciada, uma vez que a adequação da infraestrutura de saúde não foi mencionada em nenhuma reunião e não havia nenhum representante, de nenhum órgão, que seria responsável por essa questão. Assim, observou-se uma falha de articulação intersetorial, que se refletiu no cotidiano local.
Essa falha se torna acentuada quando se refere à análise de questões relacionadas ao acolhimento, ao acompanhamento, à supervisão e ao remanejamento de médicos, pois, quanto a isso, ocorreram problemas de comunicação, retrabalho e cumprimento de prazos. A impossibilidade de participação de alguns atores nas reuniões foi um fator que contribuiu para a não resolução desse tipo de problema, evidenciando, assim, uma certa subutilização dos espaços institucionais de articulação intersetorial, como a CCE do PMMB. Ressalta-se, todavia, que essas oportunidades de melhorias não se repetiam com tanta evidência em estados que puderam viabilizar o melhor aproveitamento dos aparelhos, bem como uma relação mais próxima entre a CCE e pactuações com os municípios e suas necessidades específicas, conforme evidenciado no caso do estado da Paraíba1919 Benevides PM, Melo Neto AJ, Silva ICB, Tenório MEC, Soares GB, Soares RS, et al. Satisfação dos médicos do Programa Mais Médicos na Paraíba, Brasil: avaliação por modelagem de equações estruturais. Cad Saude Publica. 2020; 36(10):1-15..
Ante o exposto, observaram-se avanços na formulação da política ao considerar-se a importância do território e as tentativas de articulação do governo de Minas, que buscou traduzir e implementar o PMMB aos diversos contextos locais. Outrossim, alguns problemas de articulação e coordenação intersetorial impediram o avanço da política em alguns temas nos territórios, como na área de infraestrutura; na participação dos atores nas reuniões da CCE e nos encontros regionais; e no acolhimento, acompanhamento e remanejamento de médicos.
Territorialidade e Subsidiariedade Federativa
A relação entre as diferentes esferas federativas e o território redunda em aspectos operacionais do projeto, com destaque para a coordenação entre estado e municípios na alocação de médicos nas regionais e na sua estabilização no município. Um procedimento que mostrou essa boa coordenação eram as visitas dos representantes do governo mineiro nas regionais para averiguar as condições de trabalho e para discutir o processo burocrático com os gestores.
A atividade desempenhada por professores de instituições de ensino superior parceiras ligadas ao MEC foi um ponto que ilustra a relação das questões territoriais com a subsidiariedade federativa. A perspectiva era a de que os médicos de instituições de ensino e de saúde pudessem realizar a supervisão acadêmica nos territórios. Entretanto, em função da pressão da classe médica no início do Mais Médicos, houve pouca adesão de instituições de ensino e de profissionais, como apontou E5: “Na época houve muita dificuldade de as universidades entenderem o Mais Médicos. Nem é as universidades, muito mais os sindicatos que entrou pesado e os profissionais médicos ligaram também ao Conselho Regional de Medicina em relação ao Mais Médicos. Então foram poucas universidades que aceitaram ser instituição supervisora”.
Dados de 2017 apontavam que uma única instituição de ensino congregava cerca de 60% dos tutores e supervisores1717 Macedo AS, Ferreira MAM. Arranjo institucional e a capacidade estatal de implementação do Projeto Mais Médicos Brasil (PMMB). Rev Sociol Polit. 2020; 28(76):e008. Doi: https://doi.org/10.1590/1678-987320287608.
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. Mesmo que, na época, Minas Gerais atendesse aos limites estabelecidos pelo PMMB – de dez médicos para cada supervisor e de cem supervisores para um tutor –, para o entrevistado E5 havia sobrecarga de trabalho, o que era dificultado pela dispersão geográfica. Tanto a dispersão geográfica quanto a sobrecarga de trabalhos apontavam indícios de dificuldade de realizar a tutoria e a supervisão dos médicos do PMMB, comprometendo, assim, a supervisão clínica e pedagógica dos profissionais, que consistiu em um dos objetivos estratégicos do PMMB, por meio da integração ensino-serviço.
No âmbito federal, a supervisão do PMMB esteve suspensa em 2017 por cerca de três meses durante o governo Temer. A suspensão ocorreu em função do atraso do MEC em renovar o convênio com a Fundação de Apoio à Fiocruz (Fiotec), situação asseverada pela descontinuidade de equipes, problemas orçamentários e novas prioridades de gestão, que não incluíam o PMMB1313 Almeida ER, Macedo HM, Silva JC. Gestão federal do Programa Mais Médicos: o papel do Ministério da Educação. Interface (Botucatu). 2019; 23 Suppl 1:e180011. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.180011.
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Adicionalmente, verificou-se que não houve um preparo de vários territórios para a especialização dos médicos, planejada pela União. As prefeituras deveriam garantir deslocamento e liberação para participação na formação continuada, mas essas condições, muitas vezes, foram desrespeitadas. Além disso, a atuação do estado na resolução dos problemas que essa falta de preparo gerou foi prejudicada pelos seguintes fatores: barreiras burocráticas impostas pela hierarquia federativa, morosidade das ações dos ministérios, falhas de comunicação, falta de verba para visitas de supervisão, desconhecimento por parte dos burocratas estaduais quanto às realidades dos territórios e falha na compreensão da hierarquia dos procedimentos por parte dos gestores locais.
Por outro lado, destacou-se positivamente a comunicação construída entre a CCE e as regionais, que eram parte da estrutura de regionalização já existente no estado de Minas Gerais por conta do SUS. Nessa estrutura aconteciam encontros regionais – trimestral ou semestralmente, a depender da região, coordenados pelas universidades presentes naquele território (responsáveis por fazer a tutoria e/ou supervisão dos profissionais) – e participavam deles médicos, gestores, tutores, supervisores e representantes institucionais do MS e MEC.
O governo estadual tinha dificuldade de participar dos encontros em função de limitações orçamentárias. Neles eram discutidos temas ligados à Saúde Pública, considerando o contexto e as necessidades daquele território, e questões referentes à alocação e ambientação dos médicos. Como obstáculos para maior integração, os entrevistados 5 e 7 citaram dificuldades de transporte, reembolso dos custos e liberação dos médicos para participar dos encontros, o que também foi registrado nas atas da CCE.
Na relação entre Territorialidade e Subsidiariedade Federativa, verificou-se novamente a importância da CCE na articulação entre universidades e municípios e o papel ativo de elementos dos diferentes entes federativos. A presença das referências descentralizadas e dos apoios institucionais nas regiões mineiras, a despeito da rotatividade e da centralidade das decisões no governo federal, foram iniciativas que favoreceram a interlocução e resolução de problemas entre os governos municipais, estadual e federal.
Como forma de sistematizar as discussões levantadas, o Quadro 2 apresenta uma síntese dos resultados.
Levando em consideração achados da literatura corrente que também se dedica ao PMMB, observou-se que o contexto mineiro, especialmente em relação aos aspectos determinados pelo território, diverge de outros estados, como o da Paraíba1919 Benevides PM, Melo Neto AJ, Silva ICB, Tenório MEC, Soares GB, Soares RS, et al. Satisfação dos médicos do Programa Mais Médicos na Paraíba, Brasil: avaliação por modelagem de equações estruturais. Cad Saude Publica. 2020; 36(10):1-15.,2020 Barrêto DS, Melo Neto AJ, Figueiredo AM, Sampaio J, Gomes LB, Soares RS. Programa Mais Médicos e residências de Medicina de Família e Comunidade: estratégias articuladas de ampliação e interiorização da formação médica. Interface (Botucatu). 2019; 23 Suppl 1:e180032. Doi: https://doi.org/10.1590/Interface.180032.
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e de Mato Grosso1818 Mota RG, Barros NF. O Programa Mais Médicos no Estado de Mato Grosso, Brasil: uma análise de implementação. Cienc Saude Colet. 2016; 21(9):2879-2888..
Considerações finais
Concluiu-se que o desenho do arranjo institucional do PMMB não evidenciou com precisão as atribuições e responsabilidades do ente estadual em sua implementação. Os dados mostraram que, na instância federal, o PMMB enfrentou centralização das decisões no governo federal, trocas constantes de gestão, distanciamento entre MS e MEC e enfraquecimento das instâncias de coordenação, com o encerramento da comissão de coordenação do PMMB em 2018.
No governo mineiro, o projeto encarou limitações orçamentárias e trocas constantes de gestão, que dificultaram, por exemplo, a acolhida e a ambientação dos médicos no território mineiro, bem como a participação do governo estadual nos encontros regionais. Adicionalmente, os dados apontaram que, em função do desenho institucional, a capacidade decisória do governo mineiro foi suplantada pela centralidade do projeto no âmbito federal.
A baixa autonomia decisória da CCE endossou a centralidade do projeto no governo federal. Entretanto, observou-se um esforço e uma mobilização dos atores no território mineiro em fortalecer a CCE, no sentido de resistir às mudanças e indefinições que se aventavam com as alterações no cenário político brasileiro em 2018 nos governos federal e estadual.
Ressalta-se, como ponto positivo da atuação do governo mineiro, a promoção dos encontros nas regionais de saúde, que foram facilitados pela boa comunicação entre a CCE e as regionais de saúde. Os encontros propiciaram a tradução do projeto para o território, facilitando a integração dos atores às realidades de saúde local. Portanto, os aspectos positivos estariam em consonância com um dos objetivos do PMMB: o de ampliar e aperfeiçoar o conhecimento do médico sobre a realidade da saúde da população brasileira.
Ante o exposto, o caso mineiro apontou para a necessidade de fortalecer a atuação dos governos estaduais no arranjo de implementação do PMMB, uma vez que eles podem contribuir para traduzir as necessidades do projeto para o contexto regional. Esse fortalecimento poderia ser efetivado com maior clareza do papel e das atribuições dos governos estaduais no processo do PMMB, sem depender do voluntarismo da gestão estadual, ainda que esta seja importante para mobilizar capacidades estatais.
Por fim, deveria ser fortalecida a capacidade de coordenação, de autonomia e de acesso ao poder pelo governo estadual para melhor implementação do PMMB, principalmente em contextos dos municípios que apresentam grandes disparidades de capacidades institucionais, políticas e socioeconômicas no território, como os mineiros.
Agradecimentos
Ao Programa Pesquisa para o SUS (PPSUS) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo financiamento da pesquisa. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela concessão de bolsas de estudo.
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Financiamento
PPSUS, Fapemig e Capes. -
Macedo AS, Franklin LAS, Guedes LT, Mau GF, Ferreira MAM. O papel do governo estadual no arranjo de implementação do Projeto Mais Médicos para o Brasil: uma análise em Minas Gerais. Interface (Botucatu). 2022; 26: e210382 https://doi.org/10.1590/interface.210382
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Jul 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
14 Jun 2021 -
Aceito
25 Abr 2022