Resumos
Neste artigo são apresentados processos, materialidades e reflexões que envolvem a criação de uma instalação artística, desenvolvida pelas autoras do trabalho provocadas pelos silenciamentos que marcam corpos plurais. As autoras foram mobilizadas pela intencionalidade do exercício de “colocar corpo” para a ação constante de des(colonizar)patriarcalizar a si mesmas e a vida, e pelo desejo de criar na conexão entre mulheres. A obra foi alicerçada com base em suas histórias e narrativas, por meio da materialidade expressa nos elementos visuais incorporados às peças da instalação, com o objetivo de questionar as violências visíveis e invisíveis advindas de processos hegemônicos de poder e de dominação do patriarcado, do colonialismo e do capitalismo neoliberal. O convite é para a experimentação e a fruição de alguns tensionamentos e expressões que refletem formas possíveis de (r)existência.
Palavras-chave
Arte; Feminismo; Gênero e ética; Produção artística; Sexismo
In this article, processes, materialities and reflections involving the creation of an artistic installation are presented, developed by the authors of the work caused by the silencing that mark plural bodies. The authors were mobilized by the intentionality to exercise “giving body” to the constant action of de(colonizing) patriarchalize themselves and life itself, and by the desire to create in the connection among women. The manuscript was based on its stories and narratives, through the materiality expressed in the visual elements incorporated into the installation’s pieces, with the objective of questioning the visible and invisible violence arising from hegemonic processes of power and domination of patriarchy, colonialism and neoliberal capitalism. The invitation is to experiment and enjoy some tensions and expressions that reflect possible forms of (r)existence.
Keywords
Art; Feminism; Gender and ethics; Artistic production; Sexism
En este artículo son presentados procesos, materialidades y reflexiones que involucran la creación de una instalación artística, desarrollada por las autoras, provocadas por los silenciamientos que marcan cuerpos plurales. Las autoras se movilizaron con la intención del ejercicio de “poner cuerpo” para la acción constante de des(colonizar)patriarcalizar a sí mismos y a la vida, y con deseos de crear desde la conexión entre mujeres. La obra se basó en sus historias y narrativas, a través de la materialidad expresada en los elementos visuales incorporados en las piezas de la instalación, con en lo objetivo de cuestionar las violencias visibles e invisibles resultante de los procesos hegemónicos de poder y dominación del patriarcado, del colonialismo y del capitalismo neoliberal. La invitación es a experimentar y disfrutar de algunas tensiones y expresiones que reflejan posibles formas de (r)existencia.
Palabras clave
Arte; Feminismo; Género y ética; Producción artística; Sexismo
Apresentação
Apresentamos neste trabalho reflexões em torno das noções de poder, patriarcado e resistência, a partir de uma experiência acadêmica e artística de mulheres em conexão pelo exercício de pensar o mundo atual, suas violências, desigualdades e possibilidades.
A criação da instalação artística “Fissuras que curam: do silenciamento às urgências do gênero que sangra” teve como intuito possibilitar a expressão de memórias, marcas e forças que compõem corpos femininos na relação com o patriarcado e demais eixos hegemônicos de poder e dominação articulados.
Esta criação se localiza na nossa experimentação - três mulheres brancas latino-americanas com distintas trajetórias na docência do ensino superior, que partilham deslocamentos e identificações na relação com seus cotidianos, faixa etária, condição social, região onde vivem e privilégios; e que se permitiram criar juntas em meio à experiência cotidiana da pandemia(d (d) A proposta teve sua germinação no contexto da disciplina “Terapia Ocupacional e cultura: perspectiva crítica decolonial”, ofertada pela professora Carla Regina Silva, no Programa de Pós-Graduação em Terapia Ocupacional da UFSCar (segundo semestre de 2020), em consonância com as questões sociopolíticas e culturais vivenciadas no Brasil. ).
Compartilhamos a primeira etapa da proposta, em que foram produzidas dez peças-blocos de cimento, que receberam intervenções de diferentes técnicas, materiais, formas e texturas: expressões de vivências e histórias, na emergência de afetações e mobilizações que sustentaram o exercício de pensar as resistências na relação com formas de poder e estruturas de dominação, sobretudo patriarcais.
Destacamos a importância de compreendermos os corpos em sua pluralidade e, assim, questionarmos uma universalização da categoria mulher - quando falamos de mulher, de que mulheres estamos falando?11 Carneiro S. Escritos de uma vida. São Paulo: Pólen Livros; 2019. As experiências e criações relatadas revelam expressões das relações de poder nos corpos e cotidianos de muitas mulheres, na relação da produção individual-coletiva, mas também deixa de falar de tantas outras - o que só a diversidade de histórias e narrativas poderá nos trazer.
Identificamos a importância das expressões de cada existência e suas singularidades, ao mesmo tempo ressaltamos a necessidade de que vozes e expressões plurais ressoem, se conectem, se componham, cooperem nas lutas e resistências diante dos efeitos dos poderes que se configuram na modernidade sustentados nos eixos do capitalismo neoliberal, do colonialismo e do patriarcado.
A estrutura: forças e poderes na produção das opressões e dominações contemporâneas
Mujer fuerte insurgente
Independiente y valiente
Romper las cadenas de lo indiferente
Ana Tijoux [trecho da música Antipatriarca]
O material de base da experimentação e produção artística aqui apresentada é o cimento, um aglomerante constituído por substâncias calcárias e argilosas pulverizadas e calcinadas. Cimento é material base na produção de estruturas para a construção civil. As estruturas são construídas a partir de micromoléculas em composição, que apesar de sua maleabilidade devido à massa plástica ligante e capacidade de adaptação às formas, adquire com seu endurecimento (o bloco de concreto) condição de oferecer sustentação às obras pretendidas. Por isso, as expressões como alicerce, fundamento, consolidar ou estabelecer princípios são seus sinônimos figurados.
A base de cimento dos blocos de concreto nesta produção artística reflete a representação das estruturas nas quais estão alicerçadas, consolidadas e estabelecidas as forças de dominação masculinas que sustentam os poderes hegemônicos da modernidade, tendo como eixos principais o capitalismo neoliberal, o colonialismo e o patriarcado22 Segato R, organizadora. Las estructuras elementales de la violencia: ensayos sobre género entre la antropología, el psicoanálisis y los derechos humanos. Buenos Aires: Universidad Nacional de Quilmes; 2003. p. 131-148.,33 Santos BS. Renovar a teoria critica e reinventar a emancipação social. São Paulo: Boitempo; 2007.,44 Santos BS. A Cruel Pedagogia do Vírus. Coimbra, Portugal: Edições Almedina; 2020.. Nos interessa aprofundar a reflexão especialmente nas composições, marcas e fissuras provocadas pela dominação masculina heterocispatriarcal, a partir da sua relação intrínseca com os demais eixos. Compreendendo que a resistência diante das opressões e dominações modernas precisam articular lutas anticapitalistas, anticoloniais e antipatriarcais.
Partimos da ideia de que a organização e o governo das formas de vida na sociedade moderna - em modos estruturais, hegemônicos e globais, produzem desigualdades, violações, violências e exclusões na composição do sistema global mundial. A dominação social, política e cultural está relacionada com a desigualdade na distribuição do poder. As opressões e os efeitos das desigualdades e exclusões incidem sobre os que têm menos poder de formas diversas, com consequências nas condições e possibilidades de vida de pessoas, grupos e populações22 Segato R, organizadora. Las estructuras elementales de la violencia: ensayos sobre género entre la antropología, el psicoanálisis y los derechos humanos. Buenos Aires: Universidad Nacional de Quilmes; 2003. p. 131-148.,55 Santos BS. Contra a dominação [Internet]. Lisboa: Jornal de Letras; 2017 [acesso em 18 Dez 2021]. Disponível em: https://alice.ces.uc.pt/en/index.php/homepage-posts/opinion-portuguese-against-domination-boaventura-de-sousa-santos/?lang=pt
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No que tange às relações de forças no exercício do poder e das resistências, foi foco deste trabalho pensar como os eixos hegemônicos de dominação na modernidade ocidental continuam sendo produzidos, tendo em vista processos sociais, culturais, políticos e econômicos interconectados, dando destaque ao patriarcado e à micropolítica no cotidiano das relações.
Para isso, vale retomar o conceito de micropolítica e como Deleuze e Guattari o desenvolvem em sua obra. Para os autores, toda sociedade e todo indivíduo são compostos, atravessados, por duas segmentariedades: uma molar e outra molecular, que produzem modos de vida e formas de viver em acontecimentos inseparáveis/coexistentes, porém distintos. Desta maneira, todas as atividades cotidianas são segmentarizadas: habitar, circular, trabalhar, brincar66 Deleuze G, Guattari, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. 2a ed. São Paulo: Editora 34; 2012 (Coleção Trans, vol. 3)..
Por segmentariedade molar, dura ou macropolítica, pode-se entender aqueles processos instituídos, que tendem à sobrecodificação-reterritorialização, centralização, organização, estratificação, representação, consciência, com categorias estabelecidas, binarismos ou classes. Já segmentariedade molecular, flexível ou micropolítica, pode se referir a forças instituintes, inconscientes (fabricantes), móveis, nômades, decodificação-desterritorialização, crenças e desejos, fluxos ou massas66 Deleuze G, Guattari, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. 2a ed. São Paulo: Editora 34; 2012 (Coleção Trans, vol. 3).,77 Rolnik S. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. 2a ed. Porto Alegre: Sulina; 2014..
Nessa lógica, “tudo é político, mas toda política é ao mesmo tempo macropolítica e micropolítica”66 Deleuze G, Guattari, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. 2a ed. São Paulo: Editora 34; 2012 (Coleção Trans, vol. 3). (p. 99). Em interconexão e produção complexa, estas noções não devem ser reduzidas a uma compreensão dual, binária (bem versus mal) ou de escala, como se bastasse ser flexível para ser melhor, ou como se o micropolítico, por operar no detalhe, não fosse coextensivo a todo o campo social.
Suely Rolnik contribui com este debate ao desenvolver a relação entre desejo e micropolítica, já que compõe a ideia de desejo como processo de produção de universos psicossociais - em movimentos energéticos (produção de intensidades) e semióticos (produção de sentidos); com a compreensão de desejo como dimensão do poder - com “diferentes estratégias do movimento de atualização e desatualização de universos psicossociais, diferentes técnicas de subjetivação”77 Rolnik S. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. 2a ed. Porto Alegre: Sulina; 2014. (p. 229).
Acreditamos que as noções de micropolítica e macropolítica nos ajudam a compreender como se relacionam as forças diversas no campo social na produção das subjetividades e dos modos de viver, ancorados nos eixos hegemônicos de dominação – capitalismo neoliberal, colonialismo e mais especificamente patriarcado.
Na macropolítica podemos identificar de forma ampla, mas não exclusiva, os dispositivos de governo e organização da vida social, como o Estado e grandes instituições ou corporações econômicas, por exemplo, com seus aparelhos, mecanismos e estruturas. No nível molecular, podemos pensar nos movimentos que não cessam de produzir diferenciações, desterritorializações, novas intensidades. A incessante relação das forças nestas dimensões compõe os processos de subjetivação88 Guatarri F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. 12a ed. Petropólis, RJ: Vozes; 2013., bem como interferem nas condições de vida de diferentes comunidades no planeta.
Dessa forma, compreende-se que o patriarcado, como eixo de organização e governo da vida social moderna, se constitui a partir de processos molares e moleculares de produção, em relações e conexões múltiplas e processuais. Assim, pensamos o cimento, os blocos e as estruturas na experimentação artística aqui relatada, como representação destas forças em composição, macro e micropolítica. Há, ao mesmo tempo, toda uma segmentação, uma flexibilidade e uma comunicação “entre repartições”66 Deleuze G, Guattari, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. 2a ed. São Paulo: Editora 34; 2012 (Coleção Trans, vol. 3). (p. 100) que, considerando as estratégias de produção das subjetividades, dizem sobre a produção e reprodução do regime em curso77 Rolnik S. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. 2a ed. Porto Alegre: Sulina; 2014..
No desenvolvimento de uma compreensão sobre o sujeito e a subjetividade, Foucault já nos chamava a atenção para o poder enquanto força difusa, em uma microfísica que indica seu exercido nas relações entre pessoas e grupos, em processos de estruturação e governabilidade das possibilidades de ação - “viver em sociedade é, de qualquer maneira, viver de modo a que seja possível para alguns agir sobre a ação dos outros”99 Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus HL, Rabinow P, organizadores. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 1995. p. 231-249. (p. 245-246). Nessa perspectiva, vivemos imersos em relações de força ou relações de poder.
Tais relações produzem o que autor mencionou como “conduzir condutas”99 Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus HL, Rabinow P, organizadores. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 1995. p. 231-249. (p. 244), a partir do exercício de poder que governa ou estrutura o campo de ações possíveis do outro. Esta perspectiva sobre o poder “coloca em jogo relações entre indivíduos (ou entre grupos)”99 Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus HL, Rabinow P, organizadores. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 1995. p. 231-249. (p. 240), já que só se pode falar de instituições, leis e estruturas na suposição de que alguns exercem poder sobre outros.
Acreditamos que esta análise de Foucault nos ajuda a pensar a produção das opressões e dominações nos dias atuais, especialmente na chave da compreensão das micropolíticas. No entanto, concordamos com Santos1010 Santos BS. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 14a ed. São Paulo: Cortez; 2013. quando pondera essa perspectiva na relação entre subjetividade e cidadania.
O sociólogo apresenta sua concordância com a crítica foucaultiana, na análise histórica do desenvolvimento da cidadania em detrimento da subjetividade, que leva a concluir que “cidadania sem subjetividade conduz à normalização, ou seja, à forma moderna de dominação cuja eficácia reside na identificação de sujeitos com os poderes-saberes que neles (mais do que sobre eles) são exercidos”1010 Santos BS. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 14a ed. São Paulo: Cortez; 2013. (p. 238).
No entanto, o autor apresenta sua crítica destacando uma “tendência foucaultiana para homogeneizar as diferentes formas de poder sob o conceito chave de poder disciplinar”, que conduziria à “uma concepção da opressão por onde não é possível pensar a emancipação”1010 Santos BS. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 14a ed. São Paulo: Cortez; 2013. (p. 239); e afirma que “embora Foucault tenha razão em salientar a existência de formas de poder fora do Estado e considerá-las de natureza tão política quanto a do poder estatal”1111 Santos BS. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 8a ed. São Paulo: Cortez; 2011. (p. 265), ele negligencia as “complexas circulações de sentidos e as possíveis cumplicidades, articulações e interpenetrações entre ambas”1111 Santos BS. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 8a ed. São Paulo: Cortez; 2011. (p. 264).
Interessa-nos considerar as contribuições de Santos1212 Santos BS. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes. In: Santos BS, Meneses MP, organizadores. Epistemologias do Sul. São Paulo; Editora Cortez; 2010. p. 31-83. para pensar as distinções e divisões em linhas abissais globais da modernidade, a partir da distribuição desigual do poder. Para ele, “o poder nunca é exercido numa forma pura e exclusiva, mas sim como formação de poderes, isto é, como uma constelação de diferentes formas de poder combinadas de maneiras específicas”1111 Santos BS. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 8a ed. São Paulo: Cortez; 2011. (p. 264-265). Assim, “as relações de poder não ocorrem isoladas, mas em cadeias, em sequências ou em constelações”1111 Santos BS. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 8a ed. São Paulo: Cortez; 2011. (p. 267), sendo diversos os elos da cadeia de desigualdade, tais como raça, sexo, classe, idade, nacionalidade, recursos educativos, etc.
Tendo em vista a multiplicidade e ao mesmo tempo heterogeneidade de formas das relações de poder e seus modos de produção, Santos1111 Santos BS. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 8a ed. São Paulo: Cortez; 2011. apresenta um mapa-modelo de estrutura-ação das sociedades capitalistas no sistema mundo, a partir de seis espaços estruturas: espaço doméstico, espaço da produção, espaço de mercado, espaço da comunidade, espaço da cidadania e espaço mundial. Considerando esses espaços como “matriz das múltiplas dimensões da desigualdade e de opressão nas sociedades capitalistas contemporâneas e no sistema mundial como um todo, e, consequentemente, como matriz das lutas emancipatórias mais relevantes”1111 Santos BS. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 8a ed. São Paulo: Cortez; 2011. (p. 274). Na construção desta ideia, o patriarcado aparece como uma forma de poder caósmica exercida especialmente, mas não exclusivamente, no espaço doméstico.
Neste sentido, Santos1111 Santos BS. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 8a ed. São Paulo: Cortez; 2011. apresenta uma diferenciação das formas de poder - poder cósmico e o poder caósmico. O poder cósmico, o Estado, por exemplo, se refere ao poder centralizado, com limites formais estabelecidos (sequências, cadeias institucionalizadas de intermediação burocrática); já o caósmico diz sobre o poder descentralizado, exercido na verdade por múltiplos microcentros “em sequências caóticas sem limites pré-definidos”1111 Santos BS. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 8a ed. São Paulo: Cortez; 2011. (p. 288). Conceitos que nos parece ser possível colocar em conversa com as noções de micropolítica e macropolítica de Deleuze e Guattari, salvaguardando, entretanto, suas diferenças fundamentais.
Dito isso e retomando nossa experiência artística, entendemos a possibilidade de pensar as produções do poder patriarcal a partir de uma representação material simbólica do cimento, que considera seus estados, dinâmicas e formas possíveis – pó, massa, bloco, estrutura (figura 2); e tendo em vista as multiplicidades dos elementos e suas composições, variando em expressões duras, porosas e/ou flexíveis, que demandam os processos de cura.
Na experimentação da proposta artística, o cimento também apresenta, a partir da interdependência e não binaridade, a simbologia de processos experimentados por mulheres – forças, afetos, formas, condições; e as produções nos seus corpos - aprisionamentos, silenciamentos, imobilidades, paralisações, apagamentos, marcas, ambiguidades, fissuras, rachaduras (figura 3).
Em sistemas de poder, forjados no cerne da organização e do controle de condutas e da dominação, o cimento, em dimensões molares e moleculares66 Deleuze G, Guattari, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. 2a ed. São Paulo: Editora 34; 2012 (Coleção Trans, vol. 3)., é recurso importante de conjunção e coesão, na construção dos alicerces que operam a produção de corpos alinhados e adequados1313 Foucault M. Vigiar e Punir. 29a ed. Petrópolis: Editora Vozes; 2004., possibilitando a organização de blocos/partes/pessoas/grupos (figura 4) em uma ordem de funcionalidade efetiva das estruturas/eixos - capitalista, colonialista e patriarcal44 Santos BS. A Cruel Pedagogia do Vírus. Coimbra, Portugal: Edições Almedina; 2020..
Os efeitos do poder patriarcal e suas expressões no processo artístico
A proposta do trabalho artístico partiu da questão - o que é silenciado em você? Levando em conta o silenciamento, a invisibilização e a anulação de saberes, fazeres e existências que fogem aos pilares da construção da verdade, do universal e do dominante na sociedade moderna, enquanto efeitos das relações desiguais de poder sob a égide do patriarcado.
Trata-se de responder à provocação apresentada por Xochitl Leyva Solano1414 Solano XL. Poner el cuerpo para des(colonizar)patriarcalizar nuestro conocimiento, la academia, nuestra vida. In: Solano XL, Icaza R, organizadoras. En tiempos de muerte: cuerpos, rebeldías, resistências. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales; San Cristóbal de Las Casas, Chiapas: Cooperativa Editorial Retos; La Haya, Países Bajos: Institute of Social Studies; 2019. p. 339-362. sobre onde e como queremos colocar corpo para des(colonizar)patriarcalizar nosso conhecimento, a academia e nossas vidas. Diante disso, ressaltamos as compreensões sobre gênero que o identifica a partir de uma construção social e política. Tal como afirma Paredes1515 Paredes J. Hilando fino desde el feminismo comunitario. 3a. ed. La Paz: Comunidad Mujeres Creando Comunidad; 2010., o gênero remete à uma categoria política relacional de denúncia de injustiças, subordinações e explorações nas relações entre homens e mulheres, dado o sistema de opressões do patriarcado colonial-neoliberal.
Para Lugones1616 Lugones M. Colonialidad y género. Hacia un feminismo descolonial In: Jiménez-Lucena I, Lugones M, Mignolo W, Tlostanova M, organizadores. Género y descolonialidad. 2a ed. Buenos Aires: Ediciones Del Signo; 2015. o gênero é uma construção colonial, marcada pelas oposições binárias, dicotômicas, antagônicas e hierárquicas como parte dos componentes do sistema colonial/moderno. Ressaltamos que não se trata de considerar a relação binária do gênero, assim, é preciso considerar que as estruturas patriarcais, machistas e sexistas oprimem mulheres e todas as expressões dissidentes de gênero.
De toda forma, o aprofundamento e o agravamento das relações de opressão e subordinação em relação ao gênero forjadas no colonialismo, e mantidas e aprimoradas pela colonialidade, irão produzir diversas e múltiplas violências contra mulheres numa perspectiva interseccional. De acordo com Akotirene1717 Akotirene C. Interseccionalidades. São Paulo: Sueli Carneiro; Editora Jandaira; 2020., a interseccionalidade propõe uma análise da interação estrutural de dominação considerando seus efeitos políticos e legais e, nesse sentido, ajuda a desvelar as particularidades da opressão nos corpos e cotidianos de mulheres diversas, em especial as mulheres negras e as indígenas.
A esse respeito, Segato1818 Segato R. Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial. e-cadernos CES [Online]. 2012; 18: 106-131 [acesso em 18 Dez 2021]. Disponível em: http://journals.openedition.org/eces/1533.
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investigou as modificações das relações de gênero no bojo do colonialismo e da episteme da colonialidade. A partir de seus estudos, identificou um processo de superinflação dos homens indígenas em suas comunidades, resultante das relações com os homens brancos que transformaram aspectos hierárquicos das aldeias em super hierárquicos e que, agregado a uma importante alteração nas configurações de vida pública e vida privada nestes contextos, diminuiu a força de decisão das mulheres indígenas, ampliando e complexificando a produção das violências contra elas. Tais achados se relacionam com o que Julieta Paredes chamou de “entrocamento patriarcal”1515 Paredes J. Hilando fino desde el feminismo comunitario. 3a. ed. La Paz: Comunidad Mujeres Creando Comunidad; 2010. (p. 71), revelando os cruzamentos entre o patriarcado pré-colonial e o ocidental e seus interesses.
Oyěwùmí1919 Oyěwùmí O. La invención de las mujeres: una perspectiva africana sobre los discursos occidentales del género. Bogotá: Editorial en la frontera; 2017. apresenta contribuições importantes quando destaca que os colonizadores homens usaram suas identidades de gênero para condicionar o político, portanto, o processo colonial foi sexo-diferenciado. Assim, qualquer debate sobre a hierarquia da situação colonial deve ser considerado a partir de seu poderoso componente de gênero, somado ao uso da raça como base das distinções.
Lugones1616 Lugones M. Colonialidad y género. Hacia un feminismo descolonial In: Jiménez-Lucena I, Lugones M, Mignolo W, Tlostanova M, organizadores. Género y descolonialidad. 2a ed. Buenos Aires: Ediciones Del Signo; 2015., por sua vez, afirma que o capitalismo global é heterossexual, ou seja, há uma coerência da heterossexualidade no sistema gênero moderno/colonial que move com profundidade e força as reproduções perversas, violentes e degradantes, hierarquizando pessoas a partir dos padrões de classe, raça, gênero e sexualidade.
Posto isso, ainda que uma crise do patriarcado ocidental no mundo global atual, inserida em uma crise da própria modernidade, seja identificada por diferentes pensadores, nossos modos de vida são hegemonicamente produzidos a partir de constructos destes eixos de poder, que forjam a opressão, a invisibilização e a subalternização como legado da mulher e das expressões relacionadas ao feminino. Isto em produções interseccionais que se conectam intrinsecamente com o capitalismo e o colonialismo, e que revelam na atualidade “tenebrosas e cruéis inovações na forma de vitimar os corpos femininos e feminizados, uma crueldade que se difunde e se expande sem contenção”1818 Segato R. Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial. e-cadernos CES [Online]. 2012; 18: 106-131 [acesso em 18 Dez 2021]. Disponível em: http://journals.openedition.org/eces/1533.
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(p. 108).
Considerando as produções e efeitos do poder patriarcal nos diversos espaços-tempos, constituídos por processos macro e micropolíticos na relação incessante entre crenças, desejos e interesses, nos perguntamos - como esses processos se revelam nas expressões dos corpos, histórias, marcas e resistências de mulheres?
A partir do exercício de criação e expressão artística, tínhamos a intenção incialmente de levar a pergunta para fora, encontrar mulheres interessadas, mas fomos nós, as proponentes, que nos vimos em urgências e emergências de respondê-la. Acolhendo esse movimento, nos vimos diante de um dos binarismos fundamentais e pilar da ciência moderna positivista, em sua eminente crise – sujeito e objeto2020 Santos BS. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez; 2008.. Nós, as pesquisadoras, nós, as mulheres.
De histórias e afetações narradas traçamos desenhos e selecionamos elementos de cada bloco, em conexões e composições de materiais, formas, passagens, silenciamentos, dores, existências, lutas e curas. As peças que compuseram a experimentação artística foram moldadas em um mesmo tipo de forma, trazendo, porém, singularidades a partir das expressões de cada intervenção-história (figura 5).
As unidades produzidas apresentam formatos semelhantes, com particularidades nas peças decorrentes do processo artesanal, dos embates nos quais estão inseridas e das críticas que avivam (figura 6), e receberam os seguintes títulos: Abusos, Amor romântico, Cala boca mulher, Mulher não estuda, Mulher não presta, (R)existências, Segredos do Patriarcado, Trabalho versus maternidade, Você não consegue, Vigilância constante.
As experimentações revelaram a dança indissociável entre singular-coletivo, contrária a dualidades opostas excludentes, e nos levou com suas expressões e representações aos seguintes pontos:
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Reconhe.cimento das urgências, marcas e resistências: trabalho, estudo, casamento, amor romântico, maternidade, estigma, desqualificação, violência, opressão, segredo, fissura, sangramento, incisão, emergência, chama... As dinâmicas micro e macropolíticas que envolvem cada bloco (individual-coletivo) com suas histórias e memórias, revelam uma teia complexa das (re)produções do patriarcado, nos corpos femininos ou feminizados, na relação com seus saberes, fazeres, modos de existir, provocar confrontos e desvios nas normatizações, repressões e universalizações.
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Do “você não sabe” ao “eu não sei”: vozes que ressoam a dinâmica das reproduções das referências patriarcais que fundamentam as relações e atravessam os processos de subjetivação historicamente, destacando a incorporação das opressões pelas próprias mulheres. Processos que se amplificam e aprofundam em uma sociedade moderna colonial, capitalista neoliberal, conservadora, capacitista, LGBTfóbica, disciplinar e de controle - somos disciplinados e nos controlamos em múltiplos mecanismos e dispositivos (psico)sociais2121 Deleuze G. Conversações. 3a ed. São Paulo: Editora 34; 2013 (Coleção Trans).,2222 Rolnik S. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. 2a ed. São Paulo: n-1 edições; 2019..
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Os silenciamentos: expressões que (com dificuldade) buscam lugar no cimento endurecido, imprimindo no concreto imagens turvas, memórias vagas, apagamentos, perdas. Expressões que demandaram trabalho sensível, íntimo e ao mesmo tempo coletivo, para que pudessem ganhar formas, texturas e significados para enunciar os processos violentos que marcam nossas trajetórias.
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A singularização nos processos de subjetivação: “mulher não estuda”; “cala a boca”; “você não consegue”; “já pode casar”, “vai trabalhar ou ter filho?”, “não sabe de nada”, “mulher só se completa quando casa com um homem”, “quem vai cuidar de você quando ficar velha se não tiver um filho?”, “você se oferece, é vadia, rouba homem de família”. Na relação das forças em si (tecnologias de si/cuidado de si), com as forças instituintes e formas instituídas do patriarcado, a produção de brechas-fissuras-resistências.
A criação nesta primeira etapa da proposta artística composta por dez blocos nos contou das produções e efeitos do patriarcado na história individual-coletiva e, diante disso, nos ativou para o aprofundamento da reflexão sobre as singularizações e as resistências.
As (r)existências na produção de fissuras, abalos e rupturas
No que diz respeito à temática da produção da subjetividade e dos modos de subjetivação, retomamos Foucault que estudou os “modos de objetivação que transformam seres humanos em sujeitos”99 Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus HL, Rabinow P, organizadores. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 1995. p. 231-249. (p. 231), e que na última fase do seu trabalho, dedicou-se a pensar “o modo pelo qual um ser humano torna-se ele próprio um sujeito”99 Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus HL, Rabinow P, organizadores. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 1995. p. 231-249. (p. 232).
Como sabemos, ao longo dessa construção, o autor se envolveu com a questão do poder, tendo em vista que “enquanto o sujeito humano é colocado em relações de produção e de significações, é igualmente colocado em relações de poder muito complexas”99 Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus HL, Rabinow P, organizadores. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 1995. p. 231-249. (p. 232). Neste contexto, destacam-se duas grandes contribuições do pensamento de Foucault sobre o poder – a sua microfísica e a sua positividade, que também nos ajudam a pensar as resistências.
Além de pensar o poder como relações de forças, funcionando em uma rede de mecanismos ou dispositivo, o filósofo e historiador também destacou a sua condição de força constituinte, ou seja, o poder não se limita à sua função repressiva, já que também incita. Desta forma, é necessário considerar seu aspecto positivo para pensar a sociedade capitalista industrial, uma vez que o poder neste regime não é exercido para eliminar os homens, ao contrário, se volta para ampliar sua força de trabalho e diminuir suas capacidades de resistência2323 Machado R. Introdução: Por uma genealogia do poder. In: Foucault, M. Microfísica do Poder. 13a ed. Rio de Janeiro: Edição Graal; 1998. p. VIII-XXIII., 99 Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus HL, Rabinow P, organizadores. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 1995. p. 231-249., 2424 Alvim DM. Foucault e Deleuze: deserções, micropolíticas e resistências. São Paulo. Tese [Doutorado em Filosofia] - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2011..
Portanto, para pensar as lutas e resistências ao poder é indispensável considerar seu exercício em rede e não o examinar meramente como força repressiva2323 Machado R. Introdução: Por uma genealogia do poder. In: Foucault, M. Microfísica do Poder. 13a ed. Rio de Janeiro: Edição Graal; 1998. p. VIII-XXIII.. Foucault destacava que, nesta relação, é importante tomar as resistências como ponto de partida, no sentido que, observando as resistências é possível esclarecer as relações de poder99 Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus HL, Rabinow P, organizadores. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 1995. p. 231-249..
Embora a resistência apareça, em boa parte do desenvolvimento teórico de Foucault, em uma relação de contraponto, antagônica ao poder e às práticas de sujeição, em seus últimos escritos esta abordagem apresentou uma dobra, com o enfoque na ética e o desenvolvimento das noções de cuidado de si e estética da existência. Nessa perspectiva, a ética se liga à questão da autonomia, no sentido de vencer a sujeição e constituir a si a partir de suas escolhas como um sujeito de liberdade. Para isso, é necessário o desenvolvimento do domínio de si, que requer o conhecimento, a prática e o cuidado de si, e que demanda uma atitude crítica sobre as formas de governo que operam na constituição do sujeito, considerando a temporalidade e a experiência histórica2525 Kraemer C. Michel Foucault: o governo de si e dos outros. História Revista. 2010; 15(1): 199-211..
Nesse sentido, Tedeschi e Tedeschi 2626 Tedeschi LA, Tedeschi SL. A História das Mulheres (séc. XX - XXI): entre poder, resistência e subjetivação. Tempo e Argumento. 2019; 11(26): p. 508-529. propuseram uma reflexão sobre a subjetivação na história das mulheres no século XX e XXI e a resistência contra os efeitos do patriarcado e das “relações de poder instituídas que assujeitam e aviltam a vida”2626 Tedeschi LA, Tedeschi SL. A História das Mulheres (séc. XX - XXI): entre poder, resistência e subjetivação. Tempo e Argumento. 2019; 11(26): p. 508-529. (p. 511). Em suas análises sobre práticas de resistência, apontaram a importância das experimentações de si e do cuidado de si na produção de uma estética da existência, potencializadoras de modos outros de existência.
Ainda hoje o corpo das mulheres continua sendo na história, por um lado, o espaço que ocupa, suas fronteiras, as intervenções que nele se operam, a imagem e as narrativas que dele se produz, as ‘máquinas de guerra’ que nele tentam se conectar, os sentidos que nele marcam, os silêncios que por ele falam, os vestígios. Por outro lado, ao resistirem ao enquadramento do mandato patriarcal, o corpo das mulheres potencializam um conjunto de forças capazes de provocar mudanças extraordinárias nos modos de existência instituídos2626 Tedeschi LA, Tedeschi SL. A História das Mulheres (séc. XX - XXI): entre poder, resistência e subjetivação. Tempo e Argumento. 2019; 11(26): p. 508-529.
(p. 525).
Para Guattari e Rolnik88 Guatarri F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. 12a ed. Petropólis, RJ: Vozes; 2013., a subjetividade é um processo de produção que se dá em uma dinâmica de circulação de múltiplos componentes de subjetivação, que se difundem por meio de instituições, da linguagem, da ciência, das mídias, do capital, etc. Assim, os processos de subjetivação acontecem a partir de uma apreensão parcial que os humanos fazem dos elementos presentes no contexto social, na qual valores, ideias e sentidos ganham registro singular. Nesse processo aberto, a pessoa é um efeito provisório, que acolhe os componentes ao mesmo tempo que os emite88 Guatarri F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. 12a ed. Petropólis, RJ: Vozes; 2013.,2727 Mansano SRV. Sujeito, subjetividade e modos de subjetivação na contemporaneidade. Revista de Psicologia da Unesp. 2009; 8(2): 110-117..
Há aí modos de organização e dominação que buscam encaixar em registros de referências hegemônicos, aqueles aspectos que colocam a vida em movimento. Essa dinâmica resulta em uma luta para reprimir os “processos de singularização”88 Guatarri F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. 12a ed. Petropólis, RJ: Vozes; 2013. (p. 36) – da ordem do desejo, da surpresa, da angústia, da vontade de amar, de criar, etc; que são “as próprias raízes produtoras da subjetividade em sua pluralidade”88 Guatarri F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. 12a ed. Petropólis, RJ: Vozes; 2013. (p. 36) e que, desta forma, acabam por atuar como desvios, linhas de fuga, abalos, fissuras e representar fatores de resistência diante das tentativas de controle social.
Tais movimentos acontecem em diferentes níveis em sincronia, considerando as micropolíticas e macropolíticas essencialmente coproduzidas e conectadas, e apresentam em comum um devir diferencial (como produção da pura diferença) que recusa a serialização subjetiva do capitalismo mundial integrado88 Guatarri F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. 12a ed. Petropólis, RJ: Vozes; 2013..
De acordo com Rolnik77 Rolnik S. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. 2a ed. Porto Alegre: Sulina; 2014.,2222 Rolnik S. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. 2a ed. São Paulo: n-1 edições; 2019., na relação entre intensidade e língua está o movimento do desejo, que surge dos agenciamentos dos corpos, na criação de sentido para efetuar a passagem dos afetos. Nessa relação incessante, constelações singulares se formam, possibilitando a germinação de outros mundos, em pura variação/diferenciação que compõe a natureza humana – ativar a criação de mundos é uma função ética do desejo. Nesse processo, a produção da realidade é ao mesmo tempo material, semiótica e social, e se dá através dos movimentos do desejo, que é “criação de mundos”77 Rolnik S. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. 2a ed. Porto Alegre: Sulina; 2014. (p. 56), portanto, ‘revolucionário’77 Rolnik S. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. 2a ed. Porto Alegre: Sulina; 2014. (p.29), uma vez que sua ‘eclosão’77 Rolnik S. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. 2a ed. Porto Alegre: Sulina; 2014. (p.29), é sempre uma possibilidade de abalar as estruturas estabelecidas.
Temos a partir daí uma ideia de resistência enquanto força com movimento próprio, não dialético, que produz uma compreensão mais afirmativa do resistir em sua potência criativa, inventiva, produtora de maneiras de existir em diferenciação e pluralidade. Nessa compreensão, o poder é que se contrapõe aos movimentos de fuga, no sentido de impedi-los ou captura-los66 Deleuze G, Guattari, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. 2a ed. São Paulo: Editora 34; 2012 (Coleção Trans, vol. 3).,2424 Alvim DM. Foucault e Deleuze: deserções, micropolíticas e resistências. São Paulo. Tese [Doutorado em Filosofia] - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2011..
Posto isso, entendemos que a construção e manutenção das estruturas de poder operam na identificação e correção de forças que produzem fissuras – “é da própria vida que o capital se apropria; mais precisamente de sua potência de criação e transformação na emergência mesma do seu impulso”2222 Rolnik S. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. 2a ed. São Paulo: n-1 edições; 2019. (p.32), assim como da cooperação que sustenta a efetuação em sua singularidade2222 Rolnik S. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. 2a ed. São Paulo: n-1 edições; 2019.. Mas, forças moleculares de criação e diferenciação não cessam de expandir e, embora possam ser reterritorializadas a favor da própria estrutura, ameaçam a todo tempo a moral e a estética da obra hierárquica, colonialista, homogeneizante, universalista e perversa de dominação.
Assim, retomando o trabalho artístico com os blocos e nossas narrativas, representa-se no cimento a sua função produtora de subjetividades e também de bloqueio e impedimento de singularização - fissuras, rupturas, que nele/dele mesmo emergem (figura 7). Ao mesmo tempo, se expressa nesta representação a qualidade rizomática e difusa das linhas de fuga, que fazem com que fissuras apareçam em todo lugar, de formas diversas, se conectem e tensionem a estrutura a todo instante.
Consideramos os processos de subjetivação numa trama complexa de exercício do poder e de produção das dominações, tal como nos sinaliza Santos1010 Santos BS. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 14a ed. São Paulo: Cortez; 2013. na sua ideia de constelações de poder. Desta forma, nos interessa pensar as múltiplas resistências que se revelam nas experiências e histórias de mulheres, em maneiras plurais de expressão das forças que resistem ao poder e seus efeitos (figura 8), seja se contrapondo ou reagindo ao exercício do poder que sujeita, seja como força imanente, positiva e afirmativa, diante da qual o poder é reação/reativo (estruturas, mecanismos, relações, produção de subjetividade) na tentativa de sujeição.
Atentamos, assim, para as multiplicidades e diversidades que estas expressões-histórias podem revelar sobre as relações de poder e sobre as resistências em sua potência disruptiva, que produz fissuras e abalos nas estruturas de dominação.
Entretanto, na relação com a experimentação artística e com os blocos resultantes, destacamos a afirmatividade das resistências - ou seja, como elas antes mobilizam o poder, mais do que são mobilizadas por ele. Tal qualidade das forças de resistência foi revelada pelas histórias na produção e afirmação de maneiras de ser-saber-fazer-criar não planejadas, não pretendidas, não adequadas a priori para aquelas mulheres, expressas na vivência e insistência de modos contra hegemônicos de se relacionar e existir – na singularização, na desobediência, na (r)existência (figura 9).
A experiência com a produção dos blocos de cimento, em partilha, escuta e acolhimento de fluxos, afetações, pensamentos, mobilizações e criações, nos possibilitou reflexões sobre a qualidade ativa das forças, em sua potência de afirmar a diferença e se relacionar com a alegria, em um sentido espinosiano do termo – que diz sobre a expansão da existência em sua potência de agir2828 Deleuze G. Espinosa: filosofia prática. São Paulo: Escuta; 2002.. O que se distingue da qualidade reativa das forças, que opera restringindo, disputando o poder, no constrangimento da potência criativa.
Assim, ressaltamos a importância do investimento na relação intrínseca entre resistência, criação e cooperação, e a necessidade de resistirmos aos regimes de opressão em nós mesmos2222 Rolnik S. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. 2a ed. São Paulo: n-1 edições; 2019.. Isto porque “quando separadas da capacidade de inventar, as resistências correm o risco de se tornarem cegas às configurações de mundo que desejam criar, permanecendo presas à dimensão dialética e correndo riscos sérios de resultarem em políticas totalitárias”2424 Alvim DM. Foucault e Deleuze: deserções, micropolíticas e resistências. São Paulo. Tese [Doutorado em Filosofia] - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2011. (p. 91).
As forças ativas expressas na sua produção inventiva e contra hegemônica da vida, foram as que mais nos convocaram à sua afirmação na vivência desta experiência com a arte, e que chamamos aqui de (r)existências: para o “mulher não estuda”- a criação de maneiras mais amorosas de formar na academia; para o “é interesseira” - a produção do cuidado direcionado a quem aponta; para o “cala a boca” - falar sobre o amor, a justiça e a vida em várias línguas e pra muita gente; para o “você é difícil” - a tessitura de redes amplas e profundas de afeto, alegria e apoio; para o “você não pode” - a invenção de mundos (figura 10).
Assim, nos sentimos mobilizadas a apreciar e afirmar2929 Quarentei MS. Criações contemporâneas: novos olhares, produções teóricas e ousadias práticas (mimeo). In: Seminário aberto - Estudos coletivos de Terapia Ocupacional e Produção de Vida; 2006; Botucatu, Brasil. Botucatu: Coletivo de Terapia Ocupacional como Produção de Vida; 2006. as (r)existências de mulheres diversas, na relação com os poderes patriarcais exercidos nos seus contextos e cotidianos, uma vez que o gênero se configura como um importante marcador ligado a sujeição e violência. Nessa direção, tecendo um combate pela “potência afirmativa de uma micropolítica ativa, a ser investida em cada uma de nossas ações cotidianas”2222 Rolnik S. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. 2a ed. São Paulo: n-1 edições; 2019. (p. 89). Esse movimento nos leva ao compromisso de reconhecer a multiplicidade das formas de opressão e marcadores que operam no mundo contemporâneo e no nosso contexto de vida, bem como a pluralidade nas maneiras de viver e criar (figura 11) que provocam abalos nos modos hegemônicos de governo da vida na modernidade.
Segato3030 Segato R. Aula Pública sobre Gênero e Colonialidade [internet]. In: Holanda M, Gontijo D. Disciplina Direitos Humanos, Cultura e Sociedade do Programa de Pós-Graduação em Bioética da UnB; 2020. [Acesso em Dez 2021]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VgcSZmwn8I4.
https://www.youtube.com/watch?v=VgcSZmwn...
afirma que os processos coloniais essencializaram os corpos a partir da ideia de raça e da binarização e biologização dos gêneros, colocando gesso nestes corpos, essencializados na lógica do corpo vencedor e do corpo perdedor. Quais são e o que podem as fissuras produzidas nesse “gesso”? É isso que nos interessa olhar, re-conhecer, afirmar, sustentar e ampliar. Maneiras de existir que enfrentam o essencialismo fundante da colonialidade; que resistem na afirmação de suas existências, por isso (r)existem; que inventam, ainda que por alguns instantes, outras maneiras de ser, outros mundos, provocando abalos e rupturas nas estruturas hegemônicas, opressoras e dominantes.
Nesse sentido, urge investir em sensibilidades e inteligibilidades atentas às intensidades e aos sentidos produzidos nos movimentos do desejo - um “corpo sensível aos efeitos dos encontros dos corpos e suas reações”77 Rolnik S. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. 2a ed. Porto Alegre: Sulina; 2014. (p.31), na pergunta constante sobre se e como os afetos encontram passagem. Desta forma, um corpo sensível às relações de poder e seus efeitos, e por isso, na produção de uma crítica atenta às cadeias e constelações em que o poder opera.
Consider.ações finais
Apresentamos reflexões sobre o processo de criação e produção da instalação artística “Fissuras que curam: do silenciamento às urgências do gênero que sangra”, como maneira possível de responder questões presentes, mas nem sempre dizíveis na academia e na vida. Mobilizadas pela intencionalidade do exercício de colocar corpo para a ação constante de des(colonizar)patriarcalizar a nós mesmos e nossas vidas, possibilitando a passagem e expressão de memórias, marcas e forças que compõem nossos corpos femininos na relação com o patriarcado e demais eixos sociais hegemônicos de poder e dominação articulados.
Nesse processo nos perguntamos - onde e como diversas narrativas de mulheres se conectam? Onde e como se contradizem? Que redes de opressão e de resistência tecem? Que redes de cooperação criam e podem expandir? Estas questões mobilizam a necessidade de continuidade da proposta artística relatada. Nessa direção, as interseccionalidades têm muito a nos dizer sobre a diversidade das formas de opressão, dominação, assim como nos ajudam a pensar a potência das maneiras de resistir na criação cotidiana de modos de vida que contam sobre uma estética da existência.
Diante disso, somos convocadas a assumir um compromisso com a afirmação, o cultivo e a ampliação das (r)existências de mulheres na invenção constante de si e na germinação de mundos. Isto porque cremos que estas expressões, criações e práticas abalam, produzem fissuram e podem romper com saberes e poderes coloniais e patriarcais que normatizam e controlam os corpos e os cotidianos de mulheres em diferentes contextos. Entendemos que é fundamental pensar o mundo em sua diversidade, pluralidade, na compreensão de que a defesa da diferença é uma prática política.
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes).
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(d)
A proposta teve sua germinação no contexto da disciplina “Terapia Ocupacional e cultura: perspectiva crítica decolonial”, ofertada pela professora Carla Regina Silva, no Programa de Pós-Graduação em Terapia Ocupacional da UFSCar (segundo semestre de 2020), em consonância com as questões sociopolíticas e culturais vivenciadas no Brasil.
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Cardoso PT, Silva CR, Ribeiro FC. Poder, patriarcado e (r)existência: notas sobre uma experiência sensível e crítica entre mulheres na academia. Interface (Botucatu). 2022; 26: e210570 https://doi.org/10.1590/interface.210570
Referências
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6Deleuze G, Guattari, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. 2a ed. São Paulo: Editora 34; 2012 (Coleção Trans, vol. 3).
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7Rolnik S. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. 2a ed. Porto Alegre: Sulina; 2014.
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8Guatarri F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. 12a ed. Petropólis, RJ: Vozes; 2013.
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9Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus HL, Rabinow P, organizadores. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 1995. p. 231-249.
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10Santos BS. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 14a ed. São Paulo: Cortez; 2013.
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11Santos BS. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 8a ed. São Paulo: Cortez; 2011.
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12Santos BS. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes. In: Santos BS, Meneses MP, organizadores. Epistemologias do Sul. São Paulo; Editora Cortez; 2010. p. 31-83.
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13Foucault M. Vigiar e Punir. 29a ed. Petrópolis: Editora Vozes; 2004.
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14Solano XL. Poner el cuerpo para des(colonizar)patriarcalizar nuestro conocimiento, la academia, nuestra vida. In: Solano XL, Icaza R, organizadoras. En tiempos de muerte: cuerpos, rebeldías, resistências. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales; San Cristóbal de Las Casas, Chiapas: Cooperativa Editorial Retos; La Haya, Países Bajos: Institute of Social Studies; 2019. p. 339-362.
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22Rolnik S. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. 2a ed. São Paulo: n-1 edições; 2019.
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23Machado R. Introdução: Por uma genealogia do poder. In: Foucault, M. Microfísica do Poder. 13a ed. Rio de Janeiro: Edição Graal; 1998. p. VIII-XXIII.
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24Alvim DM. Foucault e Deleuze: deserções, micropolíticas e resistências. São Paulo. Tese [Doutorado em Filosofia] - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2011.
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25Kraemer C. Michel Foucault: o governo de si e dos outros. História Revista. 2010; 15(1): 199-211.
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26Tedeschi LA, Tedeschi SL. A História das Mulheres (séc. XX - XXI): entre poder, resistência e subjetivação. Tempo e Argumento. 2019; 11(26): p. 508-529.
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27Mansano SRV. Sujeito, subjetividade e modos de subjetivação na contemporaneidade. Revista de Psicologia da Unesp. 2009; 8(2): 110-117.
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28Deleuze G. Espinosa: filosofia prática. São Paulo: Escuta; 2002.
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29Quarentei MS. Criações contemporâneas: novos olhares, produções teóricas e ousadias práticas (mimeo). In: Seminário aberto - Estudos coletivos de Terapia Ocupacional e Produção de Vida; 2006; Botucatu, Brasil. Botucatu: Coletivo de Terapia Ocupacional como Produção de Vida; 2006.
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30Segato R. Aula Pública sobre Gênero e Colonialidade [internet]. In: Holanda M, Gontijo D. Disciplina Direitos Humanos, Cultura e Sociedade do Programa de Pós-Graduação em Bioética da UnB; 2020. [Acesso em Dez 2021]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VgcSZmwn8I4
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Maio 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
21 Ago 2021 -
Aceito
14 Dez 2021