Resumos
A presente revisão sistemática da literatura procura identificar as evidências disponíveis em relação à maneira como a sexualidade humana figura nos currículos de Graduação em Enfermagem. A busca foi realizada em publicações datadas de janeiro de 2013 a setembro de 2022. Com abordagem qualitativa, descritiva e exploratória, após a análise, em face dos elementos comuns observados, foram criadas cinco categorias de conteúdo: formas de abordagem; conteúdo; construção coletiva do currículo; cultura cis-heteronormativa e seus reflexos; e propostas de intervenção. Tais categorias foram descritas e, por meio delas, se tornou possível traçar um panorama que indica os principais resultados de pesquisas produzidas com foco no escopo proposto.
Palavras-chave Enfermagem; Currículo; Sexualidade; Revisão; Ensino
The present systematic review of the literature seeks to identify the evidence available in relation to the way in which human sexuality figures in undergraduate nursing curricula. The search was carried out in publications dated from January 2013 to September 2022. With a qualitative, descriptive and exploratory approach, after the analysis, in view of the common elements observed, five categories of content were created: forms of approach; content; collective construction of the curriculum; cis-heteronormative culture and its reflections; and intervention proposals. Such categories were described, and through them it became possible to draw an overview that indicates the main results of research produced with a focus on the proposed scope.
Palabras clave Enfermería; Currículo; Sexualidad; Revisión; Enseñanza
La presente revisión sistemática de la literatura busca identificar las evidencias disponibles con relación a la manera como la sexualidad humana figura en los currículos de graduación en Enfermería. La búsqueda se realizó en publicaciones con fecha de enero de 2013 a septiembre de 2022. Con abordaje cualitativo, descriptivo y exploratorio, después del análisis, considerando los elementos comunes observados, se crearon cinco categorías de contenido: formas de abordaje, contenido, construcción colectiva del currículo, cultura cis-heteronormativa y sus reflejos y propuestas de intervención. Se describieron esas categorías y por medio de ellas fue posible trazar un panorama que indica los principales resultados de investigaciones producidas con enfoque en el alcance propuesto.
Keywords Nursing; Curriculum; Sexuality; Review; Teaching
Introdução
A Organização Mundial da Saúde (OMS) expressa a sexualidade humana como uma interação de diferentes aspectos, que podem abranger “sexo, identidades e papéis de gênero, orientação sexual, erotismo, prazer intimidade e reprodução”1 (p. 25), que se faz presente em todas as fases de vida do ser humano. Muito além de elementos biológicos, também compreende constructos “psicológicos, sociais, econômicos, políticos, culturais, jurídicos, históricos, religiosos e espirituais”1 (p. 25).
Com base nos princípios de que o enfermeiro é responsável por um cuidado holístico2-5 e a sexualidade está presente em todas as etapas do viver humano, pode-se inferir que ela perpassa o cuidado em saúde. Tal perspectiva consta nas recomendações da OMS, que desde a década de 1970 enfatiza a importância de que educadores de Enfermagem incluam a temática da sexualidade nos currículos de Graduação, sobretudo no que tange às questões de conhecimento, habilidades, atitudes e valores6. Essa visão figura também nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda de Saúde Global de 20307, que abrange questões relativas a gênero e saúde sexual, ressaltando a necessidade de a temática ser abordada nos cursos de Enfermagem.
No entanto, a despeito de todas essas indicações, percebem-se lacunas na formação desses profissionais para a assistência em sexualidade, podendo acarretar omissão de atendimentos, atrasos no tratamento, dificuldade de acesso da população aos serviços de saúde e condutas discriminatórias2,8. Embora seja antigo o reconhecimento da importância do papel do enfermeiro na promoção da saúde sexual, a falta de abordagem adequada dessa temática nos currículos de Enfermagem pode significar o reflexo de uma omissão histórica, conservadora e tradicionalista em relação à compreensão da sexualidade, que contribui para perpetuar a formação de enfermeiros despreparados para atender os indivíduos de maneira integral, acarretando consequências para a Saúde Pública2.
Diante desse cenário, o presente estudo tem por objetivo identificar as evidências disponíveis na literatura. Por meio de uma revisão sistemática da literatura (RSL), busca-se responder à seguinte questão: Quais são as evidências disponíveis na literatura em relação à maneira pela qual a sexualidade humana figura nos currículos de Graduação em Enfermagem?
Método
Com o intuito de visualizar um panorama em torno do objetivo proposto, optou-se pelo método da revisão sistemática da literatura por entendermos ser o que melhor poderia conduzir o trabalho investigativo. De acordo com Sampaio e Mancini9, a RSL, ao reunir trabalhos que possuam aproximações teóricas e empíricas, culmina em uma ótica ampliada que permite aos pesquisadores perceber hiatos, congruências ou, em alguns casos, discrepâncias, favorecendo o refinamento do campo de pesquisa e gerando resultados que contribuam, cada vez mais, para a orientação da práxis. Desse modo, a pesquisa define-se como qualitativa, no que concerne à abordagem, e caracteriza-se como descritiva e exploratória.
Para que o processo de revisão possa ocorrer de maneira adequada, é necessário que seja construído um protocolo de pesquisa tornando possível o cadenciamento dos dados que retornarão durante sua execução10. Portanto, organizou-se um protocolo de pesquisa adaptado de Paranhos, Willerding e Lapolli11, o qual é apresentado no Quadro 1.
Definiu-se que a busca seria realizada em quatro bases de dados distintas: Scopus, Web of Science (WoS), Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e PubMed, tendo-se em conta suas características específicas. A base de dados Scopus(e) é considerada o maior repositório científico do mundo, além de multidisciplinar. A Web of Science(f) também apresenta essa característica ligada à interdisciplinaridade, fornecendo dados abrangentes que são coletados em diversas disciplinas acadêmicas e campos do conhecimento. A Lilacs(g), por sua vez, é um repositório científico da América Latina e do Caribe na área da Saúde. Disponibilizada pela Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, a PubMed(h) é uma base de dados de busca livre, com acesso a citações e resumos de artigos de investigação científica em saúde.
O recorte temporal foi definido em virtude da quantidade de pesquisas que, somente no ano de 2013, atingiu um quantitativo igual ou superior a uma publicação em cada um dos repositórios escolhidos, conforme pode-se observar na Figura 1. De 1971 até 2012, pelo menos uma entre as quatro bases não identificou nenhum tipo de artigo publicado, e nos últimos cinco anos percebeu-se em todas elas um aumento significativo de publicações no escopo da temática, evidenciando o crescente interesse por ela.
Os termos principais escolhidos para o processo de busca foram: “graduação”, “enfermagem”, “currículo” e “sexualidade”, os quais passaram por tradução idiomática. Além disso, com o auxílio de uma profissional de Biblioteconomia, buscou-se a variação de termos, além da adaptação deles de acordo com a base pesquisada, visando à ampliação de dados.
O Quadro 2, a seguir, apresenta as estratégias de busca e o resultado encontrado em cada base de dados.
Como pode ser observado, a base de dados Scopus obteve 181 registros; a base Web of Science, 166 registros; a Lilacs, dez registros; e a PubMed, 78 estudos. Os artigos foram incluídos no software Rayyan®, que auxiliou a condução do trabalho de revisão sistemática.
Das 435 publicações selecionadas, 135 pesquisas eram duplicadas, resultando em trezentos registros que tiveram seus títulos, resumos e palavras-chave lidos, a fim de perceber sua relação com o escopo da pesquisa, perfazendo um total de 72 artigos lidos em sua totalidade, buscando identificar as evidências disponíveis na literatura em relação à maneira pela qual a sexualidade humana figura nos currículos de Graduação em Enfermagem. É importante salientar que o presente estudo se debruçou sobre a formação em Enfermagem generalista, excluídos da amostra os artigos oriundos de especialidades, como Enfermagem Obstétrica, Enfermagem da Família, Enfermagem Avançada e outras. Por fim, foram escolhidos 37 registros, sendo 17 da base Scopus, nove da Web of Science, cinco da base Lilacs e seis da base PubMed.
Para a construção da análise, optou-se pelo método da análise de conteúdo que, segundo Willerding12, possibilita uma leitura global dos dados, permitindo uma análise comparativa eficaz. Ao final, foram reunidos os dados similares e construídas cinco categorias de conteúdo, com base na pesquisa de Paranhos e Costa13, sendo elas: formas de abordagem; conteúdos relacionados ao tema; construção coletiva do currículo; cultura cis-heteronormativa e seus reflexos; e propostas de intervenção.
Apresentação e análise das contribuições dos estudos
Após a aplicação do protocolo de pesquisa, tornou-se possível a análise de dados com base nos 37 artigos, apresentados no Quadro 3, dispostos em ordem alfabética por autoria.
A seguir, são apresentadas as categorias de conteúdo constituídas durante o processo de análise dos dados, nas quais se aglutinam as principais evidências encontradas com base nos estudos oriundos da RSL.
Formas de abordagem
Orientações da OMS estabelecem a necessidade de a sexualidade ser contemplada na formação em Enfermagem40. Desse modo, percebemos que os estudos que retornaram de nosso processo de revisão se concentram, primordialmente, na indicação de três abordagens: transversal, extracurricular/optativa/eletiva e pontual.
A abordagem transversal é aquela que possui uma perspectiva interdisciplinar15,20,22,26 composta de temas que perpassam as mais diferentes áreas do conhecimento, o que contribui para a formação de um profissional contextualizado quanto à realidade, com conhecimento científico e técnico qualificado15,26. Essa abordagem traz um risco na medida em que afirma que a temática da sexualidade é transversal no currículo e pode favorecer a responsabilização do outro, ou seja, docentes e disciplinas esperam que o tema figure em outros momentos do curso e, em decorrência, acabam não o abordando37.
Pensar em um currículo que considere a sexualidade de maneira extracurricular pode trazer inúmeros resultados, sejam eles positivos ou negativos. No instante em que aparecem como eletivos e optativos18,20,21,24, os projetos de pesquisa ou extensão8,15, as disciplinas e/ou as atividades extracurriculares sobre a sexualidade acabam limitando a participação de alguns estudantes, tendo em vista atrair majoritariamente aqueles que se identificam com o tema20,34,35. Por outro lado, abrem-se possibilidades para um maior diálogo com outras áreas15 além da Saúde, fornecendo instrumentos cada vez mais amplos aos estudantes para que possam adquirir conhecimentos variados em torno daqueles que não integram os currículos18,34.
Por fim, temos a abordagem pontual da temática da sexualidade, que se torna periférica mesmo quando efetivada dentro de disciplinas consideradas tradicionais no campo da Enfermagem, tais como Avaliação em Saúde, Ética, Saúde da Mulher, Diversidade em Saúde, Fundamentos de Enfermagem, Enfermagem Médico-Cirúrgica, Farmacologia, Anatomia e Fisiologia, Saúde do Adulto, Saúde da Criança e do Adolescente, Saúde Sexual e Reprodutiva, Saúde Mental e Saúde Pública3,8,21,23,28,30,31. Nessa abordagem, as discussões do assunto, em algumas instituições, não passam de reflexões bastante superficiais34 diante de uma trama tão complexa e importante para a formação do enfermeiro, apontando uma possível fragilidade15,20,22,26. As motivações para tal ocorrência são variadas, com proeminência dos “comportamentos morais [...] que acabam influenciando no ensino e na aproximação [com o] tema à relação aluno-professor”34 (p. 4), aspecto esse que direciona para a próxima categoria de conteúdo.
Cultura cis-heteronormativa e seus reflexos
Pensar em um currículo que perceba, em nível global, o contexto social cis-heteronormativo e que discorra a respeito dos vieses inconscientes é uma maneira de desvendar o currículo oculto33. Como uma instância viva, o currículo interfere diretamente no cotidiano acadêmico, seja por meio do que está expresso seja ainda por aquilo que não está, criando lacunas para que os vieses se estabeleçam39. Havendo esses espaços, os julgamentos morais passam a fazer parte do ambiente acadêmico37, tendo em vista a existência de uma autonomia docente que, no mesmo instante em que se apresenta como um aspecto positivo, também pode se sobressair negativamente.
Ainda que haja consenso em afirmar que a ausência da sexualidade no currículo de formação em Enfermagem pode acarretar problemas para a Saúde Pública, são as barreiras atitudinais e inconscientes que culminam na exclusão de suas diretrizes curriculares, por vezes expressas na forma de justificativas como falta de tempo, falta de prioridade, falta de professor qualificado, falta de conforto para abordar o assunto, bem como o discurso de que a sexualidade é muito específica para fazer parte do currículo de Enfermagem3,8,15,27.
Essa cultura também se relaciona à pedagogia do armário, em que todas as pessoas que compõem o contexto educacional acabam, por medo de represálias, escondendo suas concepções em torno da sexualidade, afetando as potencialidades existentes no contato intergrupal33. Outrossim, deve-se perceber a existência de docentes que discursam em prol da inclusão da sexualidade nas bases curriculares, mas que adotam posturas completamente avessas na prática16. Além disso, por terem consciência de que o tema representa um tabu, muitos professores justificam a não abordagem da sexualidade em suas aulas por conta do receio de movimentos reativos por parte dos alunos e da gestão8,36.
Dentro desse escopo, aparecem como possíveis soluções a formação docente na temática da sexualidade34, possibilitando a inclusão desse tema como componente curricular45, e o desenvolvimento de um trabalho focado na autonomia e na singularidade do aluno34, o que pode ser conquistado por meio de práticas e recursos didáticos, tais como: simulação3,19,33; aprendizagem baseada em problemas20,23; fórum de discussões18; estudos de caso19,24,27; discussão sobre competência e/ou humildade cultural que contemplem o treinamento de habilidades e uma linguagem adequada para a população LGBTIAP+ e queer(i)3,5,17,19,28,31; estratégias extracurriculares que objetivem a conscientização e a redução dos vieses32; e a reflexão “sobre a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade de um currículo que atenda a todas as necessidades de saúde da população”36 (p. 8).
Ainda que haja desconforto na abordagem por parte de alguns docentes, é possível acolher a emoção e utilizá-la como meio para o aprendizado. Assim como em qualquer outra temática, não se espera que os professores tenham total conhecimento, mas que seja possível ensinar os principais conceitos, sendo criativos nas estratégias de ensino, coloquem-se disponíveis e flexíveis para aprender com os próprios alunos e saibam minimamente quais recursos são viáveis para as questões que eles estejam inaptos a responder4.
Conteúdos relacionados ao tema
Os conteúdos são componentes curriculares de extrema relevância na formação técnica de futuros enfermeiros, pois fornecem um direcionamento nas discussões em torno dos mais variados temas. Os estudos oriundos da presente RSL oferecem inúmeros indícios do que pode vir a ser definido como conteúdo nos cursos de Graduação em Enfermagem, bem como de outras formações em Saúde. Tais conteúdos são apresentados no Quadro 4.
Com esse olhar, os currículos devem prever uma construção que se aproxime da vivência da comunidade acadêmica, possibilitando que as singularidades sejam percebidas e instituindo o respeito às diferenças. Além disso, há de se criar uma interlocução com especialistas, a fim de que eles possam contribuir com seus níveis distintos de conhecimento em torno do tema43,44.
Construção coletiva do currículo
Construir currículo é um processo que passa pela superação da falta de interesse20, em que o trabalho coletivo indica a possibilidade de potências únicas que são conquistadas por meio de um exercício que abarca os diferentes atores do contexto escolar, bem como o contato com outros campos do conhecimento. Assim, pensar em um currículo de Enfermagem que aborde o tema da sexualidade em sua complexidade e a compreenda como necessidade de saúde é tarefa difícil que pode ser mais bem executada na coletividade.
Essa é uma necessidade que parte, inclusive, dos próprios alunos29,35, abrindo espaço para o surgimento de uma liderança que motive toda a equipe, podendo ser os estudantes, bem como um membro LGBTIAP+ e queer do corpo docente com experiências externas à docência. Há que atentar para o fato de que centralizar a responsabilidade em um único docente pode desestimular outros a serem corresponsáveis pela construção de um currículo que compreenda e trabalhe as diferenças4,36,37.
Além de constituir um espaço que resguarda a pluralidade, a construção coletiva possibilita a criação de vínculos que protegem tanto estudantes quanto professores e instituição, reforça sua sustentabilidade e diminui os vieses entre o currículo formal e o oculto38. Merece destaque o fato de uma construção conjunta, que prevê a interação entre diversos contextos acadêmico-científicos, oportunizar que temáticas como a da sexualidade façam parte de um currículo comum, o que impactará positivamente a formação e a atuação profissional de futuros enfermeiros39.
Propostas de intervenção
Pensar em intervenções, em seus mais variados formatos, é criar pontes entre o currículo e as mudanças que ocorrem na sociedade, consistindo em um “desafio para o Ensino Superior tradicional em instituições de ensino com currículos fixos”34 (p. 7, tradução nossa). Nesses processos de ligação, unem-se o macro e o micro, além dos contextos externos e internos às instituições, não se podendo desconsiderar efeitos político-organizacionais, seja pela federação, seja dos estados ou dos municípios, que também perfazem a conjuntura sociopolítica38.
Construir um diálogo entre corpo docente, discentes e experiências externas, contando com a participação de especialistas, pacientes e organizações, como as LGBTIAP+ e queer – por meio de painéis, palestras, seminários e rodas de conversa –, pode funcionar como um grande catalisador, transformando o ambiente educacional com base nos conhecimentos e nas vivências práticas3,19,38,45.
O apoio institucional na dissolução do chamado currículo oculto também é de extrema importância, haja vista sustentar-se em uma ação de reconfiguração da cultura acadêmica. Tal exercício prevê o desenvolvimento contínuo de planejamento estratégico, em que as variáveis relacionadas possam ser observadas e controladas em conjunto. Os recursos financeiros também são necessários para que se desenvolvam projetos específicos relacionados à sexualidade, como as pesquisas na área20,38.
A revisão curricular aparece como a indicação mais proeminente nos achados do presente estudo, a fim de avaliar os conteúdos obrigatórios e necessários para a formação dos estudantes de Graduação8,24,35,37,38,40,45, criando um currículo inclusivo e acolhedor, movimento que deve ser contínuo e renovado periodicamente à medida que as dinâmicas de turmas e semestres letivos se modificam, tornando necessária a formação constante das equipes educacionais em torno da sexualidade e dos seus desdobramentos18,20,40.
Considerações finais
Apesar de constituir um aspecto estrutural do viver humano e, por tal razão, ser indicada sua inclusão nos currículos de Graduação em Enfermagem, a sexualidade ainda é um tema circundado de tabus, os quais produzem reflexos diretos na maneira pela qual ela é abordada no contexto acadêmico. Por meio do presente estudo, buscou-se mostrar caminhos para que a temática possa ser efetivamente inserida na formação de enfermeiros.
A abordagem pontual da temática da sexualidade foi mais evidenciada, apontando uma dificuldade de pensá-la de maneira interdisciplinar em virtude dos vieses inconscientes, por mais que sua presença seja garantida pelos currículos. Os conteúdos, por sua vez, indicam as múltiplas possibilidades de inserção da temática no currículo. A construção coletiva do currículo seria uma alternativa para essa questão, visto que faz docentes, alunos e gestores participarem do processo de elaboração e de revisão constante, comprometendo-se com a temática.
É imprescindível que o ambiente do curso de Enfermagem seja um espaço para abordar tópicos relacionados a estigma social, saúde sexual, preconceito, violência estrutural, disparidades de saúde e estresse de minorias, pois a negligência em relação à inserção curricular da temática da sexualidade repercute no desempenho profissional de enfermeiros no atendimento à saúde global. Mesmo que os profissionais demonstrem atitudes positivas, despreparados, acabam por se omitir nas questões relacionadas à sexualidade e, pelo desconhecimento, em vez de atuar como facilitadores, adotam posturas discriminatórias, levando a uma conduta iatrogênica nos ambientes de saúde.
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(f)Disponível em: https://clarivate.com/products/scientific-and-academic-research/research-discovery-and-workflow-solutions/webofscience-platform/ (Acesso em: 4 abril de 2023).
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(g)Disponível em: https://lilacs.bvsalud.org/ (Acesso em: 4 abril de 2023).
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(h)Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/ (Acesso em: 4 abril de 2023).
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(i)Para a construção deste texto, decidimos utilizar a sigla LGBTIAP+ e queer, em referência a pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, pessoas transgênero, intersexuais, assexuais, pansexuais e queer – com posicionamento/reconhecimento social e político –, conforme indicam Manzoni de Almeida e Paranhos46.
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FinanciamentoO presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001.
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Editado por
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EditoraRoseli Esquerdo LopesEditora associadaJosefina Leonor Brown
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Maio 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
30 Jun 2023 -
Aceito
01 Dez 2023