Resumos
Este artigo descreve a experiência do projeto Pró-Ensino na Saúde (Capes-Edital 024/2010) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Entre 2011 e 2016 o projeto formou quatro mestres e cinco doutores, além de criar disciplinas abordando tópicos de ensino-aprendizagem na saúde. Nesse período, consolidou-se grupo de pesquisa em educação na saúde, que vem desenvolvendo projetos específicos e publicando artigos inéditos e revisões sobre temas relevantes à docência na saúde. Todos os objetivos do edital Capes foram alcançados, apesar das dificuldades enfrentadas, como a pouca flexibilidade da pós-graduação na universidade, o que restringiu a admissão de pós-graduandos e o credenciamento de novos orientadores. Mesmo após o término do projeto, manteve-se o grupo de ensino e pesquisa, que continua contribuindo para a valorização da formação docente na pós-graduação e da pesquisa na área de ensino na saúde.
Ensino; Recursos humanos; Educação; Ocupações em Saúde; Ensino superior
This article describes the experience of the Capes Pro-Ensino na Saude project (Capes notice 024/2010) at the School of Medicine, University of Sao Paulo, Ribeirao Preto, Brazil. Between 2011 and 2016 the project provided the degrees of four masters and five doctors, in addition to creating subjects approaching topics on teaching-learning in health. In this period, there was the consolidation of the research group in health education, which has been developing specific projects and publishing original articles and reviews on subjects relevant to teaching in health. All objectives of the Capes notice were met, despite the difficulties faced such as little flexibility on the part of the graduate program in the university, which restricted the admission of graduate students and the accreditation of new advisors. The teaching and research group was kept even after the end of the project, and it still contributes to adding value to the teacher education in graduate studies and research in the health education area.
Teaching; Human resources; Education; Health occupations; Higher education
Este artículo describe la experiencia del proyecto Capes Pró-Ensino na Saúde (Capes-Pliego de Condiciones 024/2010) de la Facultad de Medicina de Ribeirão Preto, Universidad de São Paulo. Entre 2011 y 2016 se graduaron en el proyecto cuatro alumnos de maestría y dos de doctorado, además de crear asignaturas abordando tópicos de enseñanza-aprendizaje en salud. En ese período se consolidó el grupo de investigación en educación en salud que ha desarrollado proyectos específicos y publicado artículos inéditos y revisiones sobre temas relevantes a la docencia en salud. Todoslos objetivos del edicto Capes se alcanzaron, a pesar de las dificultades enfrentadas, tales como la poca flexibilidad del postgrado en la universidad, lo que restringió la admisión de alumnos de postgrado y la acreditación de nuevos orientadores. Aún después del final del proyecto, se mantuvo el grupo de enseñanza e investigación que continúa contribuyendo con la valorización de la formación docente en el postgrado y de la investigación en el área de enseñanza en salud.
Enseñanza; Recursos humanos; Educación; Ocupaciones en salud; Enseñanza superior
Introdução
O conceito que ainda prevalece em muitas instituições é que o único requisito para exercer a docência universitária é o domínio do conteúdo a ser ensinado ou a detenção de expertise no campo de atuação do professor 1 . Porém, uma nova visão vem se contrapondo a esse conceito, sobretudo no campo da educação superior nas profissões da saúde 2-4 . Essa visão congrega dois elementos: a necessidade de formação específica em princípios e estratégias educacionais, daquele que assume o papel de educador, visando a uma atuação docente mais efetiva, e o reconhecimento da educação das profissões da saúde como campo de investigação científica.
O primeiro dos elementos acima mencionados implica em maior investimento na formação docente, durante a pós-graduação, para os futuros professores dos cursos de graduação. O segundo elemento abre espaço para medidas de fomento à pesquisa em temas relacionados à educação nas profissões da saúde. Esses dois tipos de ação constituíram a base do Edital no 024/2010 (Pró-Ensino na Saúde) 5 da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em parceria com a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde do Governo Federal brasileiro. Os objetivos gerais desse edital eram:
[...] estimular no País a realização de projetos de pesquisa e apoio ao Ensino na Saúde, utilizando-se de recursos humanos e de infraestrutura disponíveis em diferentes instituições... possibilitando a produção de pesquisas científicas e tecnológicas e a formação de mestres, doutores e estágio pós-doutoral na área do Ensino na Saúde 5 . (p. 1)
A contribuição pretendida era:
[...] desenvolver e consolidar esta área de formação, considerada estratégica para a consolidação do Sistema Único de Saúde, por meio da análise das prioridades e das competências existentes, visando à melhoria do ensino de pós-graduação e graduação em Saúde 5 . (p. 1)
É importante considerar que, na origem dessa iniciativa da Capes, e justificando a participação do Ministério da Saúde, estava a convicção da necessidade de criação de massa crítica de educadores qualificados para reorientar a formação de recursos humanos para o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, bem como de estimular a produção de conhecimento para a consolidação desse sistema e para a otimização das ações de cuidado integral à saúde 2,4,6 .
Na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), um grupo de professores e de servidores não docentes de nível superior ( quadro 1 ), que já trabalhavam em atividades de ensino, desenvolvimento docente ou de pesquisa na área abrangida pelo referido edital, reuniram-se para gerar o projeto Formação em Educação Superior nas Profissões da Saúde. Esse projeto foi submetido à Capes em meados de 2010, foi aprovado em outubro do mesmo ano e iniciado em março de 2011. Seu encerramento formal aconteceu cinco anos depois, em março de 2016, mas, na prática, o projeto permanece ativo.
Este artigo descreve o contexto em que essa iniciativa, conhecida na instituição como Projeto FMRP-CAPES Pró-Ensino na Saúde, foi elaborada, as suas principais características, as atividades mais marcantes desenvolvidas, os avanços conseguidos e as dificuldades enfrentadas. Além dessa divulgação, apresentam-se reflexões que podem ser úteis para os membros da comunidade acadêmica envolvidos com ensino e pesquisa na área da educação nas profissões da saúde.
Contexto
A Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) é uma instituição de ensino superior que conta com sete cursos de graduação diferentes: Medicina; Ciências Biomédicas; Fisioterapia; Fonoaudiologia; Terapia Ocupacional; Nutrição e Metabolismo; e Informática Biomédica. Contava, na época da publicação do Edital 024/2010, com 18 programas de pós-graduação formando mestres e doutores em diferentes áreas do conhecimento. Há décadas desenvolve iniciativas para preparação didática dos professores e dos pós-graduandos. No ensino de graduação, tem implementado readequações curriculares em seus cursos visando à modernização das práticas de ensino/aprendizagem e avaliação do estudante, incluindo maior e mais precoce inserção dos estudantes nos cenários de prática do SUS. Esses movimentos, em especial o que ocorreu no curso de graduação em Medicina 7 nos anos 1990, sempre garantiram que a instituição fosse contemplada em projetos de fomento do Governo Federal, como o Promed, Pró-Saúde e PET-Saúde. Esteve também entre as primeiras instituições a implantar o Programa Especial de Treinamento (PET) da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação, hoje denominado de Programa de Educação Tutorial, uma iniciativa da Capes nos anos 1970 para cursos de graduação, que desenvolve diversificadas ações de ensino, pesquisa e extensão universitária 8 . Para instrumentalizar as iniciativas de apoio ao ensino, a FMRP-USP conta com diferentes organismos internos, como o Centro de Atenção Primária, Centro de Tecnologia Educacional, Centro de Apoio Psicológico e Educacional, Laboratório de Habilidades e Simulação, além da adesão à Rede Universitária de Telemedicina (Rute). Adicionalmente, seus colegiados de gestão da graduação e da pós-graduação priorizam a qualidade do ensino. A instituição sempre contou com professores com interesse, formação específica e produção científica e intelectual considerável nas áreas da Educação Médica e Educação nas Profissões da Saúde e formava esporadicamente mestres e doutores nestas áreas. Identifica-se, também, a preocupação específica com a formação didático-pedagógica dos pós-graduandos dos diversos programas, expressa pela existência de 15 disciplinas de pós-graduação voltadas à temática educacional, além do Programa de Aperfeiçoamento do Ensino (PAE), ação institucional da Universidade de São Paulo (Pró-Reitoria de Pós-Graduação) que envolve estágios formais dos pós-graduandos em disciplinas dos cursos de graduação.
Características do projeto
O projeto elaborado na FMRP-USP tinha objetivos bem amplos. Tendo em vista a diversificação da formação dos seus componentes e a diversidade dos seus interesses, optou-se por não concentrar as atividades propostas em somente uma área temática, mas adotar todas aquelas que estavam indicadas no edital 5: currículo e processo ensino-aprendizagem; avaliação do estudante; formação e desenvolvimento docente; integração universidades e serviços de saúde; políticas de integração entre saúde, educação, ciência e tecnologia; e tecnologias presenciais e a distância.
Solicitaram-se recursos para equipar uma sala multimídia dotada de meios audiovisuais para a transmissão e a recepção à distância e para acomodar diferentes atividades formativas. Adicionalmente, solicitaram-se recursos para a execução de diferentes subprojetos de pesquisa específicos, bem como para a divulgação dos resultados esperados, em eventos nacionais e internacionais.
Estabeleceu-se como meta formar, ao menos, seis mestres e dois doutores, solicitando-se as correspondentes bolsas de pós-graduação.
Adicionalmente, propôs-se a criação de diferentes disciplinas formais de pós-graduação, ligadas às várias áreas temáticas do projeto, de modo a aumentar a oferta de oportunidades para exposição dos pós-graduandos dos diferentes programas a tópicos de natureza educacional.
Aprovado o projeto e recebidos os primeiros recursos em março de 2011, iniciou-se a montagem da sala multimídia.
Retomaram-se também os contatos com as instâncias administrativas da pós-graduação na instituição, incluindo a coordenação do programa de pós-graduação em Clínica Médica da FMRP-USP, ao qual o projeto foi vinculado, em função de ter este programa o maior número de membros da equipe técnica do projeto ( quadro 1 ). Quando o projeto foi elaborado e submetido à Capes, tanto a coordenação do citado programa quanto a presidência da Comissão de Graduação e a direção da unidade haviam sido informadas sobre o que se pretendia e deram a sua anuência formal no documento de encaminhamento da submissão àquela agência federal. Após a aprovação do projeto, foi então solicitado ao programa que, dentro das normas regimentais da universidade, fosse criada a opção em Educação em Saúde, bem como feito o registro da correspondente linha de pesquisa neste programa. Pretendia-se, a partir da criação desta opção e da linha de pesquisa a ela relacionada, credenciar como orientadores os docentes e membros da equipe técnica que ainda não eram vinculados ao programa de Clínica Médica da FMRP-USP. A partir de então, seria realizada a seleção de pós-graduandos, após a divulgação de editais específicos.
Iniciou-se, também, o desenvolvimento de diferentes subprojetos de pesquisa, abordando diferentes temas previsto no projeto maior.
Resultados alcançados
Inserção no sistema de pós-graduação
As propostas de criação da opção de Educação em Saúde e do estabelecimento da correspondente linha de pesquisa no programa de Clínica Médica da FMRP-USP tramitaram por vários anos. Ao cabo de três anos, conseguiu-se somente a criação da linha de pesquisa específica, sendo que a opção de Educação em Saúde somente foi aprovada em 2016, já com o projeto concluído. Esse ritmo lento de desenvolvimento das providências administrativas desencorajou a formulação de pedidos de credenciamento, como orientadores, dos membros do projeto que não eram vinculados ao programa de Clínica Médica da FMRP-USP. Mais importante que isso, durante a vigência do projeto, não foi possível publicar editais e fazer a seleção de pós-graduandos, com regras e provas distintas daquelas do programa de Clínica Médica da FMRP-USP, que tem forte caráter biomédico, nem sempre adequado ao perfil de candidatos interessados no Pró-Ensino na Saúde.
Recrutamento, matrícula e titulação de pós-graduandos
Não obstante essas dificuldades, conseguiu-se recrutar continuamente um pequeno número de candidatos e, graças à compreensão da nova Comissão Coordenadora do Programa de Clínica Médica da FMRP-USP, foi possível realizar, a partir de 2014, a seleção dos pós-graduandos com provas específicas na linha de pesquisa de Educação em Saúde.
Com isso, ao longo da vigência do projeto, efetivaram-se as matrículas de quatro estudantes de mestrado e cinco estudantes de doutorado (quatro dos nove com bolsas concedida pelo projeto) ( quadro 2 ). Desses estudantes, cinco (três mestrados e dois doutorados) encontram-se com suas dissertações e teses ainda em andamento.
Criação e oferecimento de disciplinas formais
Foram criadas duas disciplinas nucleares de longa duração, denominadas Tópicos em Educação Superior nas Profissões da Saúde I e II, que abordam aspectos fundamentais relacionados às diferentes áreas temáticas do projeto ( quadros 3 e 4 ) e passaram a ser oferecidas regularmente, ao longo de cada um dos dois semestres letivos, a grupos de 25 a trinta pós-graduandos. Ambas as disciplinas ( quadros 3 e 4 ) foram credenciadas para serem consideradas como preparação pedagógica formal dos pós-graduandos aprovados no PAE da Pró-Reitoria de Pós-Graduação, que visa “aprimorar a formação de alunos de pós-graduação para a atividade didática de graduação” 9 (p. 1).
Foram também criadas três outras disciplinas para abordar, em maior profundidade, tópicos relevantes da Educação na Saúde: Planejamento e Gestão Curricular; Métodos Ativos de Aprendizado; e Avaliação das Habilidades Clínicas do Estudante e do Profissional em Formação.
Com isso, foi possível configurar um currículo específico de disciplinas, a ser trilhado por pós-graduandos eventualmente interessados em obter formação mais sólida no campo da Educação nas profissões da saúde.
Crescimento e consolidação de grupo interdisciplinar e multiprofissional
Não obstante o desestímulo para solicitar credenciamento de novos orientadores, em função das normas estritas da pós-graduação na universidade, conseguiu-se a adesão de mais cinco professores, quatro deles já credenciados no programa de Clínica Médica da FMRP-USP ( quadro 1 ), fortalecendo, de modo substancial, as ações do projeto e possibilitando novas interações entre os membros do grupo.
A congregação do elenco de 16 docentes pesquisadores e mais três profissionais da equipe técnica têm permitido desenvolver subprojetos individuais de pesquisa, acolhendo estudantes de graduação em iniciação científica, pós-graduandos e estagiário de pós-doutorado. Com isso, vem se consolidando um grupo interdisciplinar de ensino e pesquisa, com atividades acadêmicas variadas, gerando conhecimento nos diversos temas do projeto.
Os integrantes desse grupo de pesquisa estabeleceram conexões com centros de outros países (Argentina, Estados Unidos, Portugal, Espanha e Reino Unido), propiciando visitas técnicas e estágios de curta duração. Dessas interações, surgiram convênios amplos com a Universidade do Porto e com a Universidade do Minho, em Portugal, tendo membros docentes do projeto como coordenadores. Esses convênios têm propiciado intercâmbio de estudantes e de professores, bem como a realização de projetos de pesquisa cooperativos. No âmbito dessa interação internacional, foi também atribuída à posição de Visiting Professor (período de 2014 a 2018), em uma universidade do Reino Unido, ao coordenador do projeto (autor principal deste artigo).
Produção intelectual e científica
As atividades desenvolvidas propiciaram considerável produção divulgada e publicada dos integrantes do projeto, compreendendo uma dissertação de mestrado, três teses de doutorado, 48 artigos completos publicados (cinco em revistas editadas no exterior) e organização de três livros de natureza educacional, sendo que um deles teve edições traduzidas para o espanhol e para o inglês. Adicionalmente, apresentaram-se de 46 comunicações em congressos (25 no exterior).
Os integrantes do projeto participaram também da autoria de 13 capítulos de livros de natureza educacional e da produção, como material didático em disciplinas variadas, de dois livros e 10 capítulos de livros.
Parte relevante da produção do projeto consistiu de dois conjuntos de 12 e dez textos, respectivamente, sobre temas relevantes para a atuação na docência na área da saúde, publicados como simpósios em revista eletrônica nacional aberta (Revista Medicina da FMRP-USP). Esses textos foram produzidos não só por integrantes do projeto, mas também por especialistas de outras instituições, o que contribuiu para o estreitamento de laços interinstitucionais. Alguns dos textos tiveram também a participação de pós-graduandos matriculados nas disciplinas criadas pelo projeto, em interação produtiva com os docentes.
A produção desses textos foi motivada pela constatação da carência de fontes bibliográficas que considerassem as particularidades do ambiente educacional do ensino superior brasileiro na área das profissões da Saúde, que se desenhou com maior nitidez ao se iniciar a oferta das disciplinas formais aos pós-graduandos. O material produzido passou a ser recomendado como leitura obrigatória para os pós-graduandos matriculados nessas disciplinas. Além disso, esses textos vêm tendo grande número de acessos, como mostra a tabela 1 .
Outras atividades acadêmicas
Estas incluíram assessoria a coordenadores de cursos de graduação e de disciplinas e estágios, no âmbito da instituição, bem como atividades de consultoria a colegiados da FMRP-USP, responsáveis pela gestão dos seus sete cursos de graduação. Os integrantes do projeto prestaram também assessoria às instâncias do hospital universitário ligado à FMRP-USP na elaboração de exames de seleção e na organização de procedimentos de avaliação do desempenho de médicos residentes. Organizaram e ministraram oficinas de capacitação e desenvolvimento docente em estratégias de ensino-aprendizagem e de avaliação na própria unidade e em outras instituições de ensino superior em vários estados brasileiros. Participaram também de organismos nacionais e internacionais de desenvolvimento educacional e da orientação de projetos de intervenção desta natureza em outras instituições de várias regiões do país.
O projeto veio também fortalecer iniciativas já existentes, como o Laboratório de Habilidades e Simulação, coordenado por um dos membros da sua equipe, que foi ampliado e equipado com novos simuladores, utilizando recursos da universidade.
Discussão
Os resultados conseguidos ao longo do desenvolvimento desse projeto mostram que os objetivos previstos no Edital no 024/2010 (“Pró-Ensino na Saúde”) 5 da Capes foram atingidos, total ou parcialmente. Isto aconteceu devido às adequadas condições de trabalho, ao contexto favorável e à sólida infraestrutura disponíveis na instituição que sediou o projeto, bem como ao empenho dos seus integrantes. Em especial, iniciou-se a formação de número considerável de profissionais “em nível de pós-graduação stricto sensu capacitados para atuar no ensino de graduação e pós-graduação em Saúde” 5 (p. 2), representados, no fim de cinco anos, por quatro mestres e cinco doutores. Esse número não foi maior pelas dificuldades burocráticas oferecidas pelo programa de pós-graduação em Clínica Médica da FMRP-USP, que impediu a publicação de editais específicos para a seleção de novos pós-graduandos. Isso impossibilitou o conhecimento da demanda real pelas oportunidades de formação possíveis de serem oferecidas pelos integrantes do projeto. As dificuldades oferecidas ao credenciamento de novos orientadores contribuíram especialmente para que não se conseguisse a titulação de número maior de pós-graduandos. De fato, somente seis dos 16 integrantes da equipe docente, que já eram credenciados no programa de Clínica Médica da FMRP-USP, ocuparam-se de encargos de orientação.
Com efeito, os critérios de credenciamento do programa de Clínica Médica da FMRP-USP – baseados exclusivamente no desempenho científico 10 , considerando que o “docente será avaliado por sua capacidade de conduzir um projeto de pesquisa e gerar publicações em periódicos com arbitragem” 10 , e desconsiderando formalmente a maturidade acadêmica geral e a atuação dos docentes candidatos ao credenciamento nas áreas de ensino, formação de recursos humanos para a docência e a extensão universitária – desestimularam fortemente a apresentação de pedidos por parte dos membros da equipe do projeto. Com isso, reduziram-se ainda mais as condições para receber, formar e titular número maior de pós-graduandos.
Interessa comentar que o projeto concluiu a titulação de maior número de doutores do que de mestres, o que pode ser atribuído às características atuais da pós-graduação da instituição, incluindo o programa de Clínica Médica da FMRP-USP, que tem privilegiado essa modalidade formativa. Por outro lado, esse fato foi interpretado pelos integrantes do projeto como indicativo de menor demanda local pelo mestrado, o que os desestimulou a buscar continuidade das ações, como a criação de programa de mestrado profissionalizante 11 .
Entre as ações do âmbito do projeto, merece destaque a criação de disciplinas de cunho educacional, visando à formação para a docência ( quadros 3 e 4 ). Além de procurar estabelecer um currículo nuclear para os mestrandos e doutorandos recrutados pelo projeto, procurou-se oferecer aos pós-graduandos de todos os programas da instituição a oportunidade de curs á -las, o que efetivamente vem ocorrendo e se manteve mesmo após o encerramento formal do projeto. Essa preocupação específica com a formação para a docência busca resgatar as justificativas que constavam no Parecer no 977/1965, documento primordial para a fundação do sistema brasileiro de pós-graduação 12 . Porém, constata-se que o funcionamento desse sistema após várias décadas ocorre em bases distantes da finalidade de formar educadores. Esse resgate vem sendo também feito pelos programas de mestrado profissional em Ensino na Saúde, que também enfrentam grandes dificuldades nas instituições que os sediam 13 , dada a prevalência atual da visão hegemônica da pós-graduação acadêmica como formação exclusiva para a pesquisa científica. Essas dificuldades referem-se à ausência de financiamento, reduzida valorização da modalidade e indefinição sobre os critérios de avaliação dos programas 13 .
As limitações ao desenvolvimento pleno do projeto proposto, que foram mencionadas nos parágrafos anteriores, dão exemplo da principal dificuldade enfrentada, que foi o relacionamento com o sistema de pós-graduação da Universidade de São Paulo. Trata-se de um sistema excessivamente centralizado, administrativamente moroso e inflexível. Essa apreciação é consubstanciada pelo tempo de tramitação da proposta de criação de linha específica de pesquisa em Educação nas Profissões da Saúde, que foi solicitada em março de 2011 e somente veio a ser aprovada em meados de 2015. Do mesmo modo, a proposta de criação de opção denominada Ensino na Saúde somente foi aprovada e implementada ao longo de 2016, quando a vigência do projeto já havia se encerrado.
Merece também menção uma dificuldade específica, representada pelas repetidas negativas da coordenação do programa de Clínica Médica da FMRP-USP às solicitações feitas no início do projeto, de suspensão da obrigatoriedade dos poucos candidatos selecionados em cursar disciplinas relevantes à formação em Clínica Médica (exemplo: Métodos de Investigação em Clínica Médica), mas de pertinência discutível para a formação em “Ensino na Saúde”. A flexibilização do currículo de disciplinas para os pós-graduandos ligados ao projeto somente foi superada em 2015, no último ano de vigência do projeto. De fato, havia o entendimento por parte dos envolvidos no projeto que este teria autonomia para definir as atividades acadêmicas dos pós-graduandos, dentro das normas regimentais gerais da universidade, mas não necessariamente nas particularidades do programa que o hospedava. No entanto, essa concepção somente foi adotada pela nova coordenação do programa, que substituiu a anterior, já na etapa final da vigência do projeto.
É plausível que as dificuldades locais e institucionais enfrentadas ao longo do desenvolvimento do projeto derivem da percepção, consciente ou inconsciente, por parte dos dirigentes universitários, do pouco valor das atividades propostas pelo projeto. Essas englobaram, em níveis equivalentes de prioridade, o ensino para a formação docente e a pesquisa em temas educacionais na área da Saúde. Isso se contrapõe à ênfase quase exclusiva na pesquisa, cujos resultados devem ser publicados em veículos internacionais, que constitui a tônica da pós-graduação acadêmica brasileira, sobretudo na grande área das Ciências da Saúde. O reduzido valor atribuído ao conjunto das atividades de formação docente, por parte do sistema brasileiro de pós-graduação, tem sido discutido por outros autores que examinaram a questão dos mestrados profissionalizantes 13-16 . Quanto à ênfase na pesquisa, de fato, ainda que nos cinco anos de vigência do projeto seus integrantes tenham participado da autoria de 48 artigos completos publicados, apenas cinco desses artigos foram veiculados em revistas editadas no exterior. Além disso, a edição e organização de três livros de natureza educacional não é habitualmente considerada nos critérios de valor na pós-graduação acadêmica ligada às grandes áreas da Saúde. Isso se contrapõe à grande demanda por esse tipo de bibliografia, ilustrada pelo elevado número de acessos aos textos publicados pelos membros do projeto em revista eletrônica aberta ( tabela 1 ), o que também reforça a necessidade de serem modificadas as métricas para a valorização da produção na área do Ensino em Saúde no Brasil.
Por outro lado, a produção intelectual associada ao projeto satisfaz plenamente a um dos objetivos do Edital Capes 024/2010, de: “[...] ampliar e qualificar a produção científica, tecnológica e de inovação sobre o tema do Ensino na Saúde, a partir da investigação de situações relacionadas à prática do Ensino na Saúde na sua interface com os serviços de saúde” 5 (p. 2).
A criação da linha de pesquisa em Educação na Saúde e, mais recentemente, a da opção de mesmo nome, têm permitido que, mesmo ao término da vigência do projeto, continue a admissão de pós-graduandos, dando sequência às ações de formação de recursos humanos nos níveis de mestrado e de doutorado acadêmicos. Isso configura o pleno preenchimento de uma das finalidades do Edital Capes 024/2010, dando assim sustentabilidade às ações previstas por mais longo tempo.
No mesmo sentido, mais da metade do elenco de docentes participantes do projeto continua engajada nas ações nele previstas, não só se disponibilizando para orientação de estudantes de mestrado e de doutorado e mantendo a oferta das disciplinas criadas no projeto como também envolvida em novos projetos de investigação científica em temas da área da Educação nas Profissões da Saúde, aumentando, assim, as probabilidades de cumprimento do objetivo do Edital 024/2010 5 . Este é, sem dúvida, o principal legado dessa iniciativa inovadora para a FMRP-USP, seus docentes e estudantes.
Considerações finais
Os resultados apresentados demonstram que a iniciativa patrocinada pela Capes no Edital 024/2010 Pró-Ensino na Saúde foi claramente bem-sucedida. Não só as atividades propostas nesse projeto específico que são aqui descritas foram desenvolvidas a contento, como também se criaram condições para a sua manutenção em longo prazo.
Não obstante essa percepção de desfecho exitoso, faz-se necessário refletir sobre as dificuldades experimentadas, que exemplificam como um sistema educacional estabelecido, no caso o da pós-graduação acadêmica brasileira, oferece resistência a propostas de mudanças, mesmo quando elas constituam iniciativas que partem do seu principal órgão regulador e financiador. Interessante pontuar que o referido sistema brasileiro de pós-graduação, que se liga de modo quase universal à universidade, cria dificuldades para o desenvolvimento de atividades eminentemente universitárias, como é o caso da formação de educadores e a investigação científica, que se situam em uma área não hegemônica, como é o caso da Educação na Saúde. Essas dificuldades são potencializadas por entraves de natureza burocrática e administrativa, que são tanto maiores quanto maior é a instituição que sedia a iniciativa.
No entanto, apesar dos desafios enfrentados no desenvolvimento do projeto descrito neste artigo, o grupo de docentes e servidores não docentes nele envolvidos acredita ter avançado, mesmo que de modo incipiente, nas tentativas de revalorizar a formação docente na pós-graduação e de caracterizar a área de ensino na graduação e na pós-graduação como campo legítimo de investigação científica.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
21 Jun 2018 -
Data do Fascículo
2018
Histórico
-
Recebido
31 Jan 2017 -
Aceito
27 Fev 2018