Resumos
O que pode ser considerado comunicação de qualidade para a promoção da saúde e da prevenção de ISTs entre jovens? Este artigo apresenta uma proposta de metodologia de pesquisa para avaliar a qualidade de peças produzidas no contexto de campanhas de comunicação pública, tais como vídeos, cartazes, folhetos, mídias sonoras e impressas, postagens em redes sociais on-line etc. Os indicadores utilizados para determinar parâmetros de qualidade foram extraídos da literatura especializada e sistematizados em um roteiro de avaliação, com sete blocos temáticos articulados em torno de proposições normativas. Neste artigo, caracterizamos tal roteiro, sua fundamentação e sua forma de aplicação, que buscam responder ao desafio de determinar o que é qualidade em teoria e prática na comunicação promotora da saúde. Trata-se de um instrumento objetivo sobre corpora extensos que pode ser aplicado por pesquisadores individuais ou equipes.
Palavras-chave
Comunicação em saúde; Prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs); Campanhas de saúde pública
What constitutes effective communication for health promotion and the prevention of STI among young people? This article proposes a methodology for evaluating the effectiveness of public publicity campaign pieces, such as videos, posters, leaflets, audio and print media, and social media posts. The indicators used to determine effectiveness were taken from the specialist literature and systematized in the form of an evaluation guide consisting of seven thematic blocks structured around normative propositions. This article describes the guide, the rationale behind it, and its application as a health communication tool for determining effectiveness in theory and practice. The guide provides an objective tool that can be applied by individual researchers or teams to a broad range of corpora.
Keywords
Health communication; STI prevention; Public health campaigns
¿Qué es lo que puede considerarse comunicación de calidad para la promoción de la salud y de la prevención de ITSs entre jóvenes? Este artículo presenta una propuesta de metodología de investigación para evaluar la cantidad de piezas producidas en el contexto de campañas de comunicación pública, tales como videos, carteles, folletos, medios sonoros e impresos, posteos en redes sociales online etc. Los indicadores utilizados para determinar parámetros de calidad se extrajeron de la literatura especializada y se sistematizaron en un guion de evaluación, con siete bloques temáticos articulados alrededor de propuestas normativas. En este artículo, caracterizamos ese guion, su fundamentación y forma de aplicación, que buscan responder al desafío en la comunicación promotora de la salud, de determinar lo que es calidad en teoría y práctica. Se trata de un instrumento objetivo y que pueden aplicarlo investigadores individuales o equipos sobre corpus extensos.
Palabras clave
Comunicación en salud; Prevención de ITSs; Campañas de salud pública
Introdução
A produção de comunicação promotora da saúde para prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), HIV/Aids e hepatites virais entre jovens exige qualidade. É preciso criar interlocuções e respeitar as aspirações desse público-alvo. Mas o que pode ser considerado comunicação de qualidade no contexto? Como os comunicadores podem diferenciar conteúdos pertinentes e estabelecer abordagens adequadas em peças produzidas no contexto de campanhas de comunicação pública, sobretudo provenientes do poder público, tais como vídeos, cartazes, folhetos, mídias sonoras, anúncios de mídia impressa, postagens em redes sociais on-line etc.?
Este artigo apresenta uma proposta metodológica original, que desenvolvemos com o objetivo de oferecer parâmetros de avaliação da comunicação promotora da saúde de qualidade para prevenção de ISTs entre jovens (de 15 a 24 anos). Nossa proposta se encontra consubstanciada na formulação de um instrumento de pesquisa que permite avaliar a qualidade de peças de comunicação de forma objetiva. Os indicadores que utilizamos para determinar parâmetros de qualidade foram extraídos da literatura especializada e sistematizados no instrumento de pesquisa construído como um roteiro de avaliação, com sete blocos temáticos articulados em torno de proposições normativas. Tal roteiro se apresenta na forma de um questionário que pode ser aplicado em análises de conteúdo por pesquisadores individuais ou em equipes, seguindo as instruções que fornecemos nas próprias questões, a fim de facilitar a concordância entre codificadores e aumentar a confiabilidade das análises. O instrumento foi desenvolvido e aplicado no âmbito do projeto “Comunicação promotora de saúde: estratégias de enfrentamento de epidemias de ISTs, HIV/Aids e hepatites virais em população jovem”, financiado pelo CNPq.
A construção do instrumento de pesquisa ocorreu com base em revisão sistemática da literatura especializada. Nessa etapa, identificamos núcleos teóricos considerados pertinentes para fundamentar a formulação de questões apropriadas, que foram então aglutinadas em torno de sete blocos temáticos. Julgamos adequado esse número de blocos para viabilizar a correspondência entre as teorizações selecionadas e a prática da avaliação de qualidade da comunicação promotora da saúde.
A comunicação em saúde, salienta Mendonça11 Mendonça AVM. Informação e comunicação para o Sistema Único de Saúde no Brasil: uma política necessária. In: Sousa F, Franco MS, Mendonça AVM, organizadores. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes; 2014. p. 701-719., implica afirmação de direitos, empoderamento e humanização em abordagens que suscitem reflexões necessárias. Campos et al.22 Campos HM, Paiva CGA, Mourthé ICA, Ferreira YF, Fonseca MC. Direitos humanos, cidadania sexual e promoção de saúde: diálogos de saberes entre pesquisadores e adolescentes. Saude Debate. 2017; 41(113):658-669. sugerem que os jovens raramente têm espaços para expressar temáticas relacionadas à sexualidade, o que gera a necessidade de criação de caminhos para a expressão livre. A construção da conscientização da saúde sexual do jovem deve considerar seus saberes, anseios e curiosidades.
Torna-se, assim, importante trazer à tona as situações do cotidiano dos jovens, contextualizar seu ambiente e trazer narrativas que ilustrem seus dilemas, a fim de propiciar identificação com a comunicação e criar espaços de troca, segundo Rios33 Rios RR. Minorias, direitos de crianças e adolescentes: notas sobre o reconhecimento, proteção e promoção nas perspectivas do direito da sexualidade e do direito da antidiscriminação. Hendu Rev Lat Am Direitos Human. 2015; 6(2):16-24.. A comunicação aos jovens deve antecipar as necessidades deles e colocá-los como centrais a fim de encorajar sua autonomia. Campos et al.44 Campos HM, Schall VT, Nogueira MJ. Saúde sexual e reprodutiva de adolescentes: interlocuções com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE). Saude Debate. 2013; 37(97):336-346. salientam que o jovem é um sujeito pertencente a determinado momento histórico e características sociais, e desse modo deve ser compreendido. Assim como destacado pelo Ministério da Saúde brasileiro55 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento Nacional de DST/Aids e Hepatites Virais. A mídia brasileira enfocando os jovens como atores centrais na prevenção de DST/Aids e hepatites virais: relatório final. Brasília: Ministério da Saúde; 2014., as especificidades das juventudes influenciam a maneira como tratam e lidam com a saúde sexual.
Tal preocupação é relevante no contexto da sexualidade, atravessado por padrões morais e com frequência circunscrito a abordagens biomédicas e estatísticas no espaço público. Interdições e silenciamentos afetam a experiência dos jovens, tanto no exercício e na compreensão de sua sexualidade quanto no acesso a meios de prevenção e controle de situações de vulnerabilidade.
Metodologia da formulação do instrumento de pesquisa
O instrumento de pesquisa que elaboramos é composto por um questionário elaborado na plataforma de uso aberto Google Forms, de tabulação automatizada, que propõe, ao analista de conteúdo, assertivas indicando atributos que podem ou não ser detectados em peças de comunicação pública dirigidas à promoção da saúde sexual de jovens(e) (e) O instrumento de pesquisa em sua forma final pode ser acessado em https://forms.gle/pKiJK9MANqKsY8Sf7. Pesquisadores interessados em sua aplicação ou uso como base para adaptações e aperfeiçoamentos podem contatar os autores para obter acesso. . O analista codificador deve assinalar ‘sim’ ou ‘não’ quanto à presença ou à ausência dos atributos indicados pelas assertivas, seguindo as instruções de preenchimento que esclarecem o contexto das assertivas. A organização em blocos temáticos obedeceu a metodologia usual de formulação de questionários e roteiros de pesquisa66 Marconi MA, Lakatos EM. Fundamentos de metodologia científica. 5a ed. São Paulo: Atlas; 2003.. A construção das assertivas seguiu a metodologia de análise de conteúdo, orientando-se por diferenciação em termos de exclusão mútua, homogeneidade, pertinência e objetividade77 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2016.. São três assertivas aglutinadas em cada um dos sete blocos temáticos, número que julgamos adequado em função da lógica que adotamos para manter cada bloco orientado em torno de uma proposição normativa específica, por sua vez ancorada em teorizações fundamentais, conforme revisado na seção anterior.
Buscamos formular com objetividade as assertivas em relação às quais o codificador deve assinalar a presença ou a ausência de atributos correspondentes. Esse procedimento objetivou preservar padrões de validade, replicabilidade e confiabilidade da pesquisa científica, evitando que a análise de conteúdo permaneça refém de impressões subjetivas, dependentes de julgamentos pessoais, indicam Sampaio e Lycarião88 Sampaio R, Lycarião D. Eu quero acreditar! Da importância, formas de uso e limites dos testes de confiabilidade na Análise de Conteúdo. Rev Sociol Polit. 2018; 26(66):31-47..
As 21 assertivas foram submetidas a testes de confiabilidade entre codificadores (inter-coder reliability test) que avaliaram a concordância entre as codificações e forneceram, sucessivamente, indicações para o aperfeiçoamento de sua formulação. Os testes de confiabilidade são usualmente aplicados para avaliar a quantidade de acertos não aleatórios entre aplicadores de um roteiro ou questionário de análise de conteúdo, gerando índices como o alpha de Krippendorff.
As assertivas do questionário e as correspondentes instruções de preenchimento foram aprimoradas em reuniões sucessivas entre o grupo de pesquisadores de maio a novembro de 2020 (autores deste artigo e demais bolsistas do CNPq). Para determinar a aplicabilidade e a coerência das assertivas, assim como o nível de entendimento compartilhado entre os pesquisadores sobre elas, foram realizados quatro testes de aplicação, com a geração de índices de confiabilidade entre codificadores em cada um deles, à luz de Lombard et al.99 Lombard M, Snyder-Duch J, Bracken CC. Content analysis in mass communication: assessment and reporting of intercoder reliability. Hum Commun Res. 2002; 28(4):587-604.. O índice alpha de Krippendorff pode variar entre -1 e 1, sendo -1 a total discordância não aleatória, 0 a incapacidade de afirmar se há concordância ou discordância, e 1 a perfeita concordância não aleatória entre os codificadores. Os índices que sinalizam resultados satisfatórios variam de acordo com os objetivos e a complexidade de uma pesquisa e suas categorias de análise. Um quociente aceito equivale a resultados acima de 0,6, de acordo com Neuendorf1010 Neuendorf KA. The content analysis guidebook. 2a ed. Londres: Sage; 2017..
No último dos quatro testes que conduzimos, 15 assertivas obtiveram alpha de Krippendorff superior a 0,6. Três assertivas obtiveram índice entre 0,5 e 0,6; e três estiveram abaixo de 0,5. As seis questões que pontuaram abaixo de 0,6 foram mantidas no instrumento em função de sua importância para a exploração do tema, o que é justificável conforme a literatura.
Adicionalmente, determinamos pesos diferenciados entre as assertivas de cada bloco temático, a fim de possibilitar a atribuição de pontos a cada peça de comunicação avaliada e o consequente estabelecimento de um ranking entre as peças avaliadas. Nesse procedimento, buscamos coerência com a literatura especializada à medida que determinados aspectos das proposições normativas subjacentes a cada bloco obtêm preeminência entre os autores utilizados. Cada assertiva foi valorada com um nível de relevância dentro de cada bloco temático: a primeira assertiva possui peso 3, ou seja, vale três pontos; a segunda, peso 2 (dois pontos); e, a terceira, peso 1 (um ponto). Das 21 assertivas, foram sete com peso 3; sete com peso 2; e sete com peso 1, levando a uma pontuação máxima de 42 pontos para cada peça avaliada. O processo de tabulação automatizada da plataforma de uso aberto Google Forms fornece planilhas que podem ser facilmente manipuladas para gerar um ranking de peças de comunicação avaliadas por meio do instrumento.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília, processo CAAE 29854020.0.0000.0030.
Resultados: as características do instrumento
No primeiro bloco temático do instrumento de pesquisa, a primeira assertiva foi: “os contextos de vida dos jovens são representados no cenário ou em elementos sonoros da peça de comunicação”. A instrução para o codificador foi preencher ‘sim’ (três pontos) se a peça se referisse à realidade concreta das juventudes por meio de cenário ou elementos sonoros.
A segunda assertiva avaliou se “as juventudes representam na peça um dos papéis centrais (mesmo que trazidos à tona por elementos gráficos)”. A instrução ao codificador foi preencher ‘sim’ (dois pontos) se a peça trouxesse representações gráficas ou verbais do protagonismo das juventudes na narrativa ou no primeiro plano da ação.
Segundo a mesma lógica, mas com o sinal invertido, a terceira assertiva foi: “O especialista representa na peça um dos papéis centrais (mesmo que indiretamente)”. A instrução foi preencher ‘sim’ (não pontua) se a peça priorizasse abordagens médicas e científicas baseadas na autoridade de profissionais ou órgãos de saúde, estivesse presente na narrativa ou referida por representações gráficas ou verbais, ou seja, com atores representando autoridades da saúde expressando de forma imperativa quais hábitos e comportamentos devem ser seguidos.
A situação considerada mais adequada pelo segundo bloco temático do instrumento é a que apresenta os próprios jovens se dirigindo a outros jovens. Assim, a primeira assertiva desse bloco foi: “A peça de comunicação exibe jovens falando sobre ISTs para jovens em linguagem informal”. A instrução ao codificador foi preencher ‘sim’ (três pontos) se a peça exibisse uma situação em que jovens se dirigissem a jovens abordando prevenção, testagem ou tratamento de ISTs, com expressões e gírias típicas da oralidade do cotidiano.
Menos adequada, embora ainda relevante, seria a presença de influenciadores, celebridades e outras figuras de destaque entre os jovens, que poderiam inserir uma discussão com familiaridade e abordagem já conhecida por eles. Tal aspecto foi tratado na segunda assertiva: “A peça de comunicação exibe outras fontes de credibilidade, reputação e idoneidade (como artistas e celebridades) falando sobre ISTs para jovens em linguagem informal”. A instrução foi preencher ‘sim’ (dois pontos) se a peça apresentasse pessoas que tivessem exibido, em sua trajetória pessoal e profissional, inequivocamente, posturas e atitudes coerentes com a afirmação de direitos sexuais e o respeito a minorias, diversidade e identidades de gênero.
A terceira assertiva buscou apurar a presença de profissionais de saúde e de especialistas expressando-se de maneira acessível: “A peça de comunicação exibe profissionais de saúde falando sobre ISTs para jovens em linguagem informal”. A instrução foi preencher ‘sim’ (um ponto) se a peça apresentasse profissionais de saúde com abordagem que não explorasse unicamente termos e expressões médicos.
No terceiro bloco temático do instrumento, a primeira assertiva apurou a presença do incentivo à consciência do próprio direito, da escolha e da autonomia do jovem: “A peça de comunicação traz estratégias de incentivo à consciência do próprio direito, da escolha e da sua autonomia”. A instrução foi preencher ‘sim’ (três pontos) se a peça situasse os jovens como capazes de fazer suas escolhas e indicasse várias possibilidades de prevenção.
A segunda assertiva buscou apurar a presença de elementos conexos aos direitos sexuais. Se a peça reconhecesse “a importância das relações afetivas, considerando a responsabilidade sobre si e sobre o outro na vivência da sexualidade”, o ‘sim’ deveria ser preenchido (dois pontos).
A terceira assertiva buscou verificar se a peça “apresenta relações além da heteronormatividade”, abordagem necessária conforme a literatura revisada1111 Seffner F. Sigam-me os bons: apuros e aflições nos enfrentamentos ao regime da heteronormatividade no espaço escolar. Educ Pesqui. 2013; 39(1):145-159.. A instrução foi preencher ‘sim’ (um ponto) se a peça apresentasse relações não apenas entre gêneros considerados conforme padrões culturais tradicionais. Também deveriam ser classificadas como ‘sim’ peças que fizessem menção a práticas além da heteronormatividade.
A primeira assertiva do quarto bloco temático do instrumento de pesquisa trouxe à tona aspectos centrais: “A peça de comunicação caracteriza negativamente comportamentos e estilo de vida dos jovens, recorrendo a estereótipos de gênero e comportamento”. A instrução foi “preencher ‘sim’ (não pontua) se a peça discriminasse comportamentos, recorresse a estereótipos ou contivesse julgamentos velados que desqualificassem liberdades e comportamentos usuais da experiência sexual, de lazer e vida social.
A segunda assertiva verificou se “a peça recorre a palavras de ordem como simplificações da prevenção de ISTs”. A instrução foi “preencher ‘sim’ (não pontua) se a peça empregasse imperativos simplificados como ‘use camisinha’, ‘faça o teste’, ‘deve’, ‘não deve’ ou ‘não pode’, fosse na mensagem principal ou em elementos secundários”.
A terceira assertiva valorizou peças que trouxessem o relato do próprio jovem acerca de suas experiências com ISTs, determinando ‘sim’ (um ponto) se a peça exibisse “relatos, depoimentos ou impressões de jovens em primeira pessoa sobre sua experiência com ISTs”.
No quinto bloco, a primeira assertiva buscou verificar se “a peça de comunicação aborda as ISTs como uma ameaça, culpabilizando individualmente os jovens por contraí-las”. A instrução foi preencher ‘sim’ (não pontua) se, na peça, determinados comportamentos sexuais individuais fossem representados como potenciais responsáveis pela ocorrência das ISTs, por meio de termos como ‘pegar’, ‘risco’, ‘vacilar’ e ‘proteger’. ‘Sim’ deveria ser usado também para peças que sugerissem abstinência como forma de prevenção.
A segunda assertiva buscou apurar a existência de abordagens dirigidas a causar medo: “A peça contém elementos que sugerem que a prevenção se justifica por medo da infecção, dos sintomas ou do tratamento”. A instrução foi preencher ‘sim’ (não pontua) se a peça motivasse a adoção de formas de prevenção como reação ao medo em relação às ISTs. Também deveriam ser preenchidas com ‘sim’ as peças que recorressem à apresentação de nomes de ISTs, detalhes de sintomas, consequências da infecção, dados alarmantes e risco de morte e incapacitação.
A terceira assertiva valorizou iniciativas de uso do humor de maneira adequada: “A peça de comunicação busca empregar, adequadamente, humor como forma de abordar questões acerca da prevenção, testagem e tratamento”. A instrução foi preencher ‘sim’ (um ponto) se a peça buscasse empregar humor de maneira adequada para abordar a prevenção, testagem e tratamento. Ainda segundo a instrução, exemplos adequados de humor estariam em peças que tivessem, por exemplo, um final surpreendente e associações inesperadas, como a referência a elementos sem ligação direta com ISTs, como memes e emojis.
No sexto bloco do instrumento, a primeira assertiva determinou que o codificador deveria apurar se “a peça de comunicação aborda questões além do aspecto biomédico, abrangendo aspectos comportamentais e estruturais”. A instrução foi preencher ‘sim’ (três pontos) se a peça incluísse orientações e incentivo à testagem rotineira e regular, indicação da rede de testagem, aconselhamento e tratamento no serviço público de saúde e redução de danos, aspectos socioeconômicos ou legais.
A segunda e a terceira assertivas buscaram detectar se as peças faziam referência às populações prioritárias e às populações-chave. A segunda assertiva foi: “A peça de comunicação refere-se em seus elementos a uma ou mais populações prioritárias (população negra, indígena e em situação de rua)”. A instrução foi preencher ‘sim’ (dois pontos) se a peça incluísse um ou mais grupos da população prioritária entre os protagonistas ou elementos visuais centrais.
A terceira assertiva foi: “A peça de comunicação refere-se em seus elementos a uma ou mais populações-chave (gays e outros homens que fazem sexo com homens, trans, pessoas que usam álcool e outras drogas, pessoas privadas de liberdade, trabalhadoras/es sexuais)”. O ‘sim’ corresponderia a um ponto.
A primeira assertiva do sétimo e último bloco temático do instrumento de pesquisa verificou se “a peça de comunicação faz referência ao uso de preservativos em sua mensagem”. A instrução foi preencher ‘sim’ (três pontos) se a peça indicasse o preservativo como uma opção de prevenção.
A segunda assertiva abordou a testagem: “A peça de comunicação faz referência a testes de diagnóstico de HIV e ISTs em sua mensagem”. O ‘sim’ corresponderia a dois pontos.
A terceira assertiva valorizou as peças que fazem menção a técnicas disponibilizadas pelo sistema público de saúde brasileiro: “A peça de comunicação faz referência a tratamentos como PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV) e PEP (Profilaxia Pós-Exposição) em sua mensagem”. O ‘sim’ valeria um ponto.
Discussão
O primeiro bloco temático do instrumento teve o objetivo de identificar se as peças analisadas possuíam a característica de valorizar o saber compartilhado pelo jovem, enfatizando a centralidade da sua representação e do seu contexto de vida, conforme apontado por Campos et al.44 Campos HM, Schall VT, Nogueira MJ. Saúde sexual e reprodutiva de adolescentes: interlocuções com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE). Saude Debate. 2013; 37(97):336-346. e Rios33 Rios RR. Minorias, direitos de crianças e adolescentes: notas sobre o reconhecimento, proteção e promoção nas perspectivas do direito da sexualidade e do direito da antidiscriminação. Hendu Rev Lat Am Direitos Human. 2015; 6(2):16-24.. O bloco foi construído sobre a proposição normativa de que “a comunicação não deve se limitar a transmitir informação, mas sim levar em conta os saberes e os contextos da juventude em busca do diálogo”. Essa premissa está em linha com a literatura especializada, apontando que um aspecto importante para peças que visem levar em conta os saberes da população jovem acerca da prevenção é a presença de personagens jovens como protagonistas em espaços de interlocução22 Campos HM, Paiva CGA, Mourthé ICA, Ferreira YF, Fonseca MC. Direitos humanos, cidadania sexual e promoção de saúde: diálogos de saberes entre pesquisadores e adolescentes. Saude Debate. 2017; 41(113):658-669..
O segundo bloco temático do instrumento de pesquisa conteve a seguinte proposição normativa: “A comunicação apresenta caráter didático, em abordagem horizontal, não medicalizada”. O objetivo do segundo bloco temático foi verificar se a peça estava assentada sobre uma perspectiva biomédica, que pode ser de difícil compreensão pelos jovens, conforme as evidências reunidas por Carrara1212 Carrara S. Moralidades, racionalidades e políticas sexuais no Brasil contemporâneo. Mana. 2015; 21(2):323-345., que sublinha que o paradigma da sexualidade, como dispositivo biomédico, tem sido substituído por uma visão que privilegia consentimento, liberdade e direitos. A construção dessa visão deve afirmar o direito sexual, entendido como direito humano.
“A maioria dos analistas concorda que a perspectiva teórica e sociopolítica de garantia e afirmação dos direitos sexuais e reprodutivos aos adolescentes e jovens […] deve prevalecer como parâmetro de respeito aos direitos humanos”, reiteram Brandão e Cabral1313 Brandão ER, Cabral CS. Juventude, gênero e justiça reprodutiva: iniquidades em saúde no planejamento reprodutivo no Sistema Único de Saúde. Cienc Saude Colet. 2021; 26(7):2673-2682.
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A abordagem sociojurídica da sexualidade, pautada por igualdade, liberdade e respeito à dignidade, combatendo inclusive o preconceito e a discriminação, torna-se a via capaz de responder aos desafios advindos da busca por justiça reprodutiva nas sociedades plurais e democráticas contemporâneas, indicam Rios1414 Rios RR. Para um direito democrático da sexualidade. Horiz Antropol. 2006; 12(26):71-100. e Valdez & Deomampo1515 Valdez N, Deomampo D. Centering race and racism in reproduction. Med Anthropol. 2019; 38(7):551-559.. Assim, as três assertivas do segundo bloco temático valorizaram peças que situaram o protagonismo dos jovens, com a premissa de que o reconhecimento de sua centralidade como sujeitos de direitos afirma justamente valores de igualdade, liberdade e dignidade33 Rios RR. Minorias, direitos de crianças e adolescentes: notas sobre o reconhecimento, proteção e promoção nas perspectivas do direito da sexualidade e do direito da antidiscriminação. Hendu Rev Lat Am Direitos Human. 2015; 6(2):16-24.,55 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento Nacional de DST/Aids e Hepatites Virais. A mídia brasileira enfocando os jovens como atores centrais na prevenção de DST/Aids e hepatites virais: relatório final. Brasília: Ministério da Saúde; 2014..
As intervenções biomédicas não devem ser descartadas, já que ainda possuem papel fundamental nas políticas de prevenção, em particular em um cenário no qual se verifica a “diminuição da iniciação sexual e do uso de preservativo entre adolescentes, maior vulnerabilidade às infecções sexualmente transmissíveis nos meninos e à gravidez entre as adolescentes de escolas públicas” (p. 1), conforme dados analisados por Felisbino-Mendes et. al.1616 Felisbino-Mendes MS, Paula TF, Machado IE, Oliveira-Campos M, Malta DC. Análise dos indicadores de saúde sexual e reprodutiva de adolescentes brasileiros, 2009, 2012 e 2015. Rev Bras Epidemiol. 2018; 21(1):e180013.. Mas é preciso que sejam exploradas adequadamente, porque senão podem eventualmente contribuir para limitar a abordagem preventiva a perspectivas que têm sido questionadas. Castro et al.1717 Castro MG, Abramovay M, Silva LB. Juventudes e sexualidade. Brasília: UNESCO; 2004. destacam, por exemplo, que o enfoque no uso de preservativo tende a predominar, enquanto outros métodos também importantes não conseguem espaço.
Além disso, Castro et al.1717 Castro MG, Abramovay M, Silva LB. Juventudes e sexualidade. Brasília: UNESCO; 2004. destacam que a ênfase na utilização do preservativo masculino continua dividindo papéis entre homens e mulheres jovens, conferindo a elas a responsabilidade sobre a fecundidade e, para eles, a preocupação com a prevenção em relação a ISTs. Trata-se de uma divisão a ser enfrentada inclusive por políticas de saúde e comunicação: “é necessário desconstruir a dicotomia de que a esfera da sexualidade é de domínio/interesse dos homens enquanto a da reprodução concerne apenas às mulheres” (p. 1), reforçam Borges et al.1818 Borges ALV, Duarte LS, Cabral CS, Lay AAR, Viana OA, Fujimori E. Uso de preservativo masculino e dupla proteção por homens adolescentes no Brasil. Rev Saude Publica. 2021; 55(109):1-11..
O terceiro bloco temático do instrumento de pesquisa buscou verificar se as peças analisadas retratavam o jovem como sujeito de direitos sexuais e capazes de exercer sua cidadania sexual, conforme Carrara1111 Seffner F. Sigam-me os bons: apuros e aflições nos enfrentamentos ao regime da heteronormatividade no espaço escolar. Educ Pesqui. 2013; 39(1):145-159. e Rios1313 Brandão ER, Cabral CS. Juventude, gênero e justiça reprodutiva: iniquidades em saúde no planejamento reprodutivo no Sistema Único de Saúde. Cienc Saude Colet. 2021; 26(7):2673-2682.. A proposição normativa desse bloco sustentou que “a comunicação deve dialogar com seus públicos, buscando alcançá-los por meio de apelos à prevenção como direito humano (incluindo direitos sexuais/cidadania sexual, direito ao afeto e ao prazer)”, considerando definição do Ministério da Saúde brasileiro1919 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Direitos sexuais, direitos reprodutivos e métodos anticoncepcionais. Brasília: Ministério da Saúde; 2009., segundo a qual os direitos sexuais incluem a expressão da sexualidade sem violência, discriminações, imposições, medo, vergonha, culpa ou falsas crenças; a experiência de sexo seguro para prevenção da gravidez indesejada e de ISTs; e o acesso a serviços de saúde de qualidade.
Nesse âmbito, não se pode ignorar a assimetria de gênero como problema a ser enfrentado, aspecto que a primeira e a segunda assertivas do terceiro bloco buscaram contemplar, à luz de Cabral2020 Cabral CS. Articulações entre contracepção, sexualidade e relações de gênero. Saude Soc. 2017; 26(4):1093-1104., que salienta: o “cenário cultural de maior responsabilização das mulheres pela contracepção e a correlata minimização da participação dos homens evidencia as assimetrias de gênero na esfera da reprodução” (p. 1.095).
O quarto bloco temático do instrumento de pesquisa buscou apurar se as peças objeto de análise representavam os jovens de modo a considerar vulnerabilidades e violências, sem recorrer a estereótipos, em consonância com a literatura revisada22 Campos HM, Paiva CGA, Mourthé ICA, Ferreira YF, Fonseca MC. Direitos humanos, cidadania sexual e promoção de saúde: diálogos de saberes entre pesquisadores e adolescentes. Saude Debate. 2017; 41(113):658-669.,77 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2016.,1717 Castro MG, Abramovay M, Silva LB. Juventudes e sexualidade. Brasília: UNESCO; 2004.. Um desafio da comunicação promotora de saúde para os jovens é percebê-los como grupo sujeito a vulnerabilidades, preconceitos e violências. Campos et al.22 Campos HM, Paiva CGA, Mourthé ICA, Ferreira YF, Fonseca MC. Direitos humanos, cidadania sexual e promoção de saúde: diálogos de saberes entre pesquisadores e adolescentes. Saude Debate. 2017; 41(113):658-669. reforçam quão benéfico é o reconhecimento de dores, prazeres, alegrias, medos, relações afetivas e sexuais, uma vez que isso contribui para encorajar a autorreflexão sobre suas próprias vidas.
Dessa forma, a proposição normativa do quarto bloco temático sustentou que “a comunicação deve considerar que seus públicos podem estar sujeitos a vulnerabilidades, preconceitos e violências, que devem de alguma forma ser endereçados nas estratégias de comunicação”. Tais vulnerabilidades atingem, particularmente, jovens situados para além dos padrões culturais da heteronormatividade, bem como mulheres.
A utilização de uma abordagem que trata as ISTs como punição e culpabiliza o jovem ou cria um cenário amedrontador em relação a elas é contraproducente, segundo a literatura especializada2121 Gagnon M, Jacob JD, Holmes D. Governing through (in)security: a critical analysis of a fear-based public health campaign. Crit Public Health. 2010; 20(2):245-256.. Diante das dificuldades de os jovens encontrarem interlocução na sociedade, a disseminação de informação de qualidade deve respeitar suas individualidades, sem caracterizar negativamente seus comportamentos nem recorrer a estereótipos. Apesar disso, é comum, em muitas peças de comunicação, a utilização de uma abordagem que trata as ISTs como fonte de medo e ameaça, a fim de alegadamente alertar sobre a gravidade das infecções. Gagnon et al.2121 Gagnon M, Jacob JD, Holmes D. Governing through (in)security: a critical analysis of a fear-based public health campaign. Crit Public Health. 2010; 20(2):245-256., ao estudarem a provocação baseada no medo em campanhas de comunicação de prevenção de ISTs, sugerem que o retrato construído acerca das infecções as situa como punição, e o comportamento daqueles que as contraem é visto como desviante, apesar de as evidências indicarem que tais abordagens tendem a ser ineficientes. “As campanhas baseadas no medo podem muito bem ser vistas como uma babá repreendedora que nos faz sentir mal, mas não consegue nos ajudar a mudar” (p. 1.185), sintetizam Fairchild et al.2222 Fairchild AL, Bayer R, Green SH, Colgrove J, Kilgore E, Sweeney M, et al. The two faces of fear: a history of hard-hitting public health campaigns against tobacco and AIDS. Am J Public Health. 2018; 108(9):1180-1186..
O retrato dos jovens como subgrupo problemático é uma forma de transferir a responsabilidade da questão. Esse tipo de “reparo rápido”, segundo Gagnon et al.2121 Gagnon M, Jacob JD, Holmes D. Governing through (in)security: a critical analysis of a fear-based public health campaign. Crit Public Health. 2010; 20(2):245-256., é mais fácil de ser elaborado e mais confortável para as autoridades sanitárias do que, de fato, discutir formas eficazes e humanizadas de prevenção. O problema reforçado por essa visão é que a motivação para uso da prevenção tende a ser dissociada do reconhecimento da saúde como direito. IST representada simbolicamente como punição não informa, mas sim controla, amedronta e inibe comportamentos saudáveis.
Já em uma abordagem diferenciada, estão as narrativas que exploram o humor. Assim, a proposição normativa do quinto bloco sustentou que “a comunicação deve evitar explorar medo ou culpa; ao invés, pode empregar humor como estratégia de incentivo à reflexão”. Uma abordagem baseada no humor pode ser um diferencial facilitador, se realizada de maneira adequada. Yoon2323 Yoon HJ. Humor effects in shame-inducing health issue advertising: the moderating effects of fear of negative evaluation. J Advert. 2015; 44(2):126-139. sugere que o humor pode ser uma estratégia adequada para lidar com a vergonha e minimizar resistências diante da temática. O alívio proporcionado pelo humor pode facilitar o surgimento de otimismo e confiança. Mas se usado de forma controversa, sem cuidado ao transitar por assuntos sensíveis ligados à intimidade, o humor pode contribuir para aumentar a ansiedade e gerar constrangimento.
O sexto bloco temático considerou que a inserção de uma perspectiva ampla que leve em conta questões para além da medicina e das instruções técnicas é um dos preceitos da Prevenção Combinada (PC). A PC oferece estratégias que consideram o contexto da inserção social e cultural das juventudes em abordagens comportamental e estrutural, segundo o Ministério da Saúde do Brasil2424 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Prevenção combinada do HIV: bases conceituais para profissionais, trabalhadores(as) e gestores(as) de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2017..
As intervenções comportamentais da PC envolvem estratégias pensadas para serem aplicadas em consideração a segmentos sociais específicos. O planejamento envolve o incentivo para que o público adquira conhecimento sobre os meios de prevenção disponíveis e, assim, possa agir com autonomia. Já as intervenções estruturais buscam diminuir as vulnerabilidades das populações-chave e prioritárias por meio de políticas públicas que garantam acesso a direitos básicos como moradia, educação e renda.
Assim, o sexto bloco do instrumento analisou se as peças de comunicação estavam de acordo com as linhas preconizadas pela PC, e sua proposição normativa buscou apurar se a peça analisada “é coerente com a abordagem de prevenção combinada, que ‘conjuga intervenções biomédicas, comportamentais e estruturais aplicadas no nível dos indivíduos e de suas relações e dos grupos sociais a que pertencem, mediante ações que levem em consideração suas necessidades e especificidades e as formas de transmissão do vírus’”2424 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Prevenção combinada do HIV: bases conceituais para profissionais, trabalhadores(as) e gestores(as) de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2017.. O objetivo foi valorizar peças de comunicação que levassem em consideração as populações-chave e prioritárias determinadas pela PC, abordagem necessária segundo a literatura especializada1919 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Direitos sexuais, direitos reprodutivos e métodos anticoncepcionais. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.,2525 Lermen HS, Mora C, Neves ALM, Azize RL. Aids em cartazes: representações sobre sexualidade e prevenção da Aids nas campanhas de 1º de dezembro no Brasil (2013-2017). Interface (Botucatu). 2020; 24:e180626. Doi: https://doi.org/10.1590/Interface.180626.
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O sétimo e último bloco temático do instrumento de pesquisa buscou detectar a presença de elementos fundamentais. Sua proposição normativa afirmou que “a comunicação deve abranger diversos aspectos da prevenção, incluindo diagnóstico e tratamentos, de forma simplificada”, em linha com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) publicado pelo Ministério da Saúde do Brasil em 20202626 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV, sífilis e hepatites virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2019.. Sob esse bloco, esteve a premissa de que informações abrangentes são importantes para compor um contexto amplo das situações de risco. “Uma adequada abordagem da sexualidade deve envolver orientações sobre a prevenção e identificação dos fatores de risco e vulnerabilidades, práticas e comportamentos sexuais que favoreçam o contágio por IST” (p. 2), resumem Araujo et al.2727 Araujo MAL. Protocolo Brasileiro para infecções sexualmente transmissíveis 2020: abordagem às pessoas com vida sexual ativa. Epidemiol Serv Saude. 2021; 30 (spe1):e2020628.. Dessa forma, a aplicação do instrumento de pesquisa é encerrada com uma série de três questões que buscam caracterizar a profundidade e a abrangência da abordagem da peça de comunicação examinada.
Considerações finais
Este artigo descreveu a criação de uma proposta de instrumento de pesquisa para avaliação de peças de comunicação de prevenção de ISTs, HIV/Aids e hepatites virais entre jovens. O instrumento coloca-se como um dos resultados de nossa pesquisa, proposto como um roteiro de análise de conteúdo, aqui apresentado no formato de um questionário com sete blocos temáticos ancorados em proposições normativas, com três assertivas cada, que identifica a presença ou a ausência de características que a literatura especializada considera necessárias para a qualidade da comunicação promotora da saúde. As implicações de nossa proposta podem ser relevantes para outras pesquisas dirigidas a avaliar a comunicação da saúde em campanhas específicas, determinar parâmetros de avaliação ou, sobretudo, orientar a produção de peças com qualidade, em sintonia com as recomendações teóricas e constatações empíricas da literatura especializada.
O questionário, de aplicação on-line e tabulação automatizada pela plataforma de uso aberto Google Forms, torna possível identificar se uma peça atinge parâmetros de qualidade, tais como abordagem compreensível, respeito ao protagonismo do jovem e apresentação de variados métodos de prevenção e tratamento. Também é possível perceber qualidades negativas de uma peça, como enfoque técnico, uso de imperativos e abordagem descontextualizada. O Quadro 1 sintetiza as qualidades verificadas pelo instrumento de pesquisa proposto em relação a cada um dos sete blocos temáticos adotados.
Conforme sintetizado pelo Quadro 1, a complexidade da temática foi enfrentada em nossa tarefa de pesquisa aplicada na adaptação de assuntos multifacetados para o formato de assertivas, que podem ser apuradas por um instrumento objetivo de análise pronto para ser aplicado em tarefas de análise de conteúdo por pesquisadores individuais ou em equipes. Nossa pesquisa se beneficia da literatura especializada e contribui com ela por meio do desenho de uma inovação metodológica significativa, pronta para ser compartilhada e incrementada. Adaptações e aperfeiçoamentos também são possíveis por quaisquer analistas ou equipes, dado que está hospedado em plataforma de uso aberto. A facilidade de sua operação permite que seja aplicado sobre corpus extenso, de centenas de peças de comunicação. A tabulação automatizada permite a geração de rankings, o que deve facilitar a identificação das peças que apresentem mais ou menos qualidade, segundo os critérios utilizados.
Consideramos, assim, que o formato do instrumento se equilibra entre a necessidade de viabilizar análises de conteúdo com objetividade e confiabilidade, e a exigência de lidar com temas que requerem profundidade, como diversidade, gênero, representatividade dos vários públicos e caracterização dos métodos de prevenção.
No entanto, uma limitação importante advém do fato de que qualquer instrumento de pesquisa, por melhor que busque validação, pode não contemplar todos os aspectos que pretende investigar em função das especificidades de seu objeto. Assim, apesar de nosso instrumento ser potencialmente aplicável a uma diversidade de peças, cada suporte – impresso, áudio, audiovisual etc. – adquire implicações distintas na própria mensagem que se quer fazer chegar, não necessariamente perceptíveis pelo protocolo que propusemos.
Além disso, pesquisas futuras podem explorar outros temas não contemplados no instrumento adicionando novos blocos, além de propor processos complementares de avaliação qualitativa, o que deve suscitar desafios não pensados no desenho de pesquisa que adotamos.
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(e)
O instrumento de pesquisa em sua forma final pode ser acessado em https://forms.gle/pKiJK9MANqKsY8Sf7. Pesquisadores interessados em sua aplicação ou uso como base para adaptações e aperfeiçoamentos podem contatar os autores para obter acesso.
Agradecimentos
A Estela Cavalheiro Lobo, Geovana de Arruda Merlo e Isabele Scavassa, que como bolsistas ATP-B do CNPq contribuíram com a pesquisa, e ao CNPq e à Capes pelo financiamento.
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Rothberg D, Ferreira VL, Muniz AJ, Mendonça AVM. Qualidade da comunicação promotora da saúde: como avaliar? Proposta de instrumento de avaliação de campanhas de prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis(ISTs). Interface (Botucatu). 2022; 26: e220004 https://doi.org/10.1590/interface.220004
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Financiamento
O projeto “Comunicação promotora de saúde: estratégias de enfrentamento de epidemias de ISTs, HIV/Aids e Hepatites Virais em população jovem” foi aprovado no âmbito da Chamada CNPq/MS-DCCI Nº 24/2019 Pesquisas em Ações de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, HIV/Aids e Hepatites Virais, processo 443228/2019-1. Adicionalmente, a produção deste texto recebeu o apoio e financiamento de Bolsa de Produtividade do CNPq (processo 305689/2019-3) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes, Código de Financiamento 001, processo 88887.371422/2019-00, Programa Probral).
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24Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Prevenção combinada do HIV: bases conceituais para profissionais, trabalhadores(as) e gestores(as) de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2017.
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25Lermen HS, Mora C, Neves ALM, Azize RL. Aids em cartazes: representações sobre sexualidade e prevenção da Aids nas campanhas de 1º de dezembro no Brasil (2013-2017). Interface (Botucatu). 2020; 24:e180626. Doi: https://doi.org/10.1590/Interface.180626.
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26Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV, sífilis e hepatites virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2019.
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27Araujo MAL. Protocolo Brasileiro para infecções sexualmente transmissíveis 2020: abordagem às pessoas com vida sexual ativa. Epidemiol Serv Saude. 2021; 30 (spe1):e2020628.
Editado por
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
29 Jul 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
01 Fev 2022 -
Aceito
11 Maio 2022