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PERMANECER COM O PROBLEMA: OUTROS MODOS DE HABITAR O MUNDO EM “SALMO PARA UM ROBÔ PEREGRINO”, DE BECKY CHAMBERS

STAYING WITH THE TROUBLE: OTHER WAYS OF INHABITING THE WORLD IN “A PSALM FOR THE WILD-BUILT”, BY BECKY CHAMBERS

Resumo

A partir de uma leitura do romance Salmo para um robô peregrino (2022), de Becky Chambers, o presente trabalho busca refletir sobre a capacidade da ficção científica de criar outras formas de habitar o mundo e como essa literatura pode nos auxiliar a pensar alternativas para vivermos – e morrermos – melhor neste momento marcado por crises. Para desenvolver tal reflexão, o estudo será pautado pela discussão de Donna Haraway (2016) sobre SF e irá explorar as questões de vulnerabilidade de Judith Butler (2019; 2021), de ficção como bolsa de Ursula Le Guin (1989) e a discussão sobre o cuidado, como desenvolvida por Maria Puig de la Bellacasa (2012; 2017), a fim de entender como o gênero da ficção científica pode nos ajudar a permanecer com o problema e nos auxiliar a pensar em maneiras mais harmônicas, inclusivas e cuidadosas de habitar o mundo.

Palavras-Chave
SF ; vulnerabilidade; cuidado; crise climática

Abstract

This paper, through a reading of the novel A Psalm for the Wild-Built (2022), by Becky Chambers, argues for the ability of science fiction to create other ways of inhabiting the world, and examines the ways in which this genre can help us come up with alternative ways to live – and die – better in a world in crisis. In order to understand how the genre of science fiction can help us “stay with the trouble” and think about more harmonic, inclusive and caring ways of inhabiting the world, we engage with Donna Haraway's (2016) reflections on SF and explore the issues of vulnerability as described by Judith Butler (2019; 2021), as well as the notions of fiction in Ursula Le Guin's “The Carrier Bag Theory of Fiction” (1989) and the discussion about care in Maria Puig de la Bellacasa's work (2012; 2017).

Keywords
SF; vulnerability; care; climate crisis

Em Staying with the trouble, publicado em 2016, a filósofa e bióloga Donna Haraway nos coloca que é urgente que, em vista da crise climática atual, nós “permaneçamos com o problema” se desejamos que a vida humana na terra seja viável. Permanecer com o problema significa pensar, significa teorizar sobre as contradições complexas e densas do nosso presente para que vivamos o hoje e caminhemos em direção ao futuro que queremos. “Think we must” (HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna J., Staying with The Trouble: Making Kin in the Chthulucene. Durham: Duke University Press, 2016., p. 34), Haraway nos diz: pensar é inegociável.

Permanecer com o problema também significa não sucumbir nem ao futurismo tecnocrata que espera que tudo seja resolvido pelo avanço da tecnologia, e nem ceder a uma falta de esperança que acomete muitos cientistas – bem como parte da população em geral – fazendo-os crer que é tarde demais para se fazer qualquer coisa, o que leva ao que Haraway chama de “sublime indiferença” (HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna J., Staying with The Trouble: Making Kin in the Chthulucene. Durham: Duke University Press, 2016., p. 4). Uma das formas mais potentes de uma teorização que permanece com o problema é o que a filósofa chama de SF, que é uma sigla para Science Fiction (“ficção científica”, em inglês), mas que, para Haraway, se torna um amálgama de estratégias de pensar: ficção científica é também “fabulação especulativa”, “feminismo especulativo”, “fato científico”, “até então” ou “por enquanto” (“so far”, em inglês) e o que ela se refere como “string figures”, passível de ser traduzido como “cama de gato”.

A “cama de gato”, aquele jogo de quebra-cabeça no qual utilizamos um barbante e as nossas mãos, é um convite à continuidade e à interdependência. Eu crio uma figura e estendo as minhas mãos, e essa extensão exige uma resposta; uma resposta baseada naquelas formas que eu entrego, que são sempre transformadas nas mãos de outra pessoa. Fazer SF é carregar ideias de mãos em mãos; ideias conectadas por um cordão e pelo toque.

Salmo para um robô peregrino (2022), de Becky Chambers, publicado em 2021, aceita esse chamado, e faz SF: science fiction, speculative feminism, string figures, so far. A novela, que se passa em uma lua chamada Panga, apresenta um lugar onde as pessoas se reorganizaram de modo não apenas a repensar sua forma de lidar com a tecnologia e com as invenções humanas, mas de rever sua forma de ser e agir no mundo. Nessa narrativa, houve um movimento de reconfiguração da organização social em nível ético, a partir de um exercício feito pelos habitantes de Panga de imaginar um futuro diferente – e mais acolhedor – que o futuro para o qual parecemos nos encaminhar. Ao construir esse mundo a partir de semelhanças e diferenças com o nosso presente e o nosso mundo, Chambers parece refutar a ideia de que é tarde demais para que algo seja feito, nos mostrando que ainda é possível imaginar configurações sociais, políticas e tecnológicas para além do sistema que conhecemos. Panga nos apresenta, assim, exemplos de mudanças pequenas que são plenamente aplicáveis ao nosso próprio planeta (ainda) verdejante e que, se imaginadas e adotadas em larga escala, podem mudar a história que vem sendo traçada sobre a Terra. Nesse sentido, os habitantes de Panga escolheram “ficar com o problema”. Isso quer dizer que a sociedade se organiza com o valor fundamental de se “viver e morrer bem uns com os outros em um presente denso”1 1 No original: “[...] to live and die well with each other in a thick present”. As demais traduções são nossas. (HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna J., Staying with The Trouble: Making Kin in the Chthulucene. Durham: Duke University Press, 2016., p. 1, tradução nossa), guiando-se a partir do reconhecimento da vulnerabilidade e da realidade inescapável da interdependência.

Partindo dessa reflexão, pensaremos, neste trabalho, a potencialidade da ficção científica para criar novas formas de viver no mundo a partir da novela Salmo para um robô peregrino, primeira parte da duologia Monk and Robot, de Becky Chambers, que também é composta por A Prayer for the Crown-Shy (2022), ainda não traduzido para o português. Para fazermos essa discussão, além da reflexão de Donna Haraway (2016)HARAWAY, Donna J., Staying with The Trouble: Making Kin in the Chthulucene. Durham: Duke University Press, 2016. sobre SF, recorreremos também a Judith Butler (2019BUTLER, Judith. Vida precária: os poderes do luto e da violência. Tradução Andreas Lieber. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.; 2021)BUTLER, Judith. A força da não violência: um vínculo ético-político. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2021. com sua discussão acerca da vulnerabilidade e da ética da precariedade, a Ursula Le Guin (1989)LE GUIN, Ursula K. “The Carrier Bag Theory of Fiction" (1986). In: LE GUIN, Ursula. Dancing at the Edge of the World. New York: Grove Press, 1989. e sua ideia de ficção como uma bolsa, e a Maria Puig de la Bellacasa (2012PUIG DE LA BELLACASA, Maria Puig de la. “Nothing comes without its world”: thinking with care. The Sociological Review, n. 60:2, p. 197-216, 2012.; 2017)PUIG DE LA BELLACASA, Maria. Matters of Care: Speculative Ethics in More Than Human Worlds. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2017. e às questões de cuidado.

Um dos mantras que perpassa a novela de Chambers é o seguinte: “Encontre a força para fazer as duas coisas” (CHAMBERS, 2022CHAMBERS, Becky. Salmo para um robô peregrino. Tradução Fábio Fernandes. São Paulo: Morro Branco, 2022., p. 21). Presente desde o início da jornada de Dex, a reflexão nos convida a pensar para além das divisões binárias entre força e fraqueza, independência e interdependência, vulnerabilidade e proteção, colocando a vulnerabilidade como um dos temas centrais dessa história de construção de um mundo que parece ter encontrado formas de lidar com desafios que nos são familiares, mesmo que retratados em um planeta completamente outro.

De acordo com Judith Butler (2019)BUTLER, Judith. Vida precária: os poderes do luto e da violência. Tradução Andreas Lieber. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019., a vulnerabilidade é o princípio constitutivo de toda vida, porque somos feitos e desfeitos uns pelos outros, porque nossos corpos dependem, desde o início, de cuidados, e porque estamos sempre expostos à violência e ao dano. Essa vulnerabilidade, que é uma exigência física do corpo, também nos coloca em uma rede de interdependências e obrigações: laços ético-políticos com humanos e não humanos que tornam possível a nossa existência. Dessa forma, a vulnerabilidade é uma realidade física inegável, mas também é uma cama de gato: duas mãos estendidas com um formato desenhado em cordão. Mas que formas podemos criar da forma que nos foi dada? Que histórias e imagens podemos tecer a partir do reconhecimento do chamado da vulnerabilidade?

Em diálogo com a frase que abre um dos capítulos de Realismo Capitalista (2019), de Mark Fisher – frequentemente atribuída a Frederic Jameson e Slavoj Zizek –, que diagnostica que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo, em A Força da Não Violência (2021) Butler nos convida – estende as mãos com uma cama de gato – a imaginar um mundo onde a violência, a dominação, os muros e os sonhos de invulnerabilidade não sejam a norma. Contra aquilo que é colocado como Verdade – a saber, que a violência é parte inerente do humano – Butler sugere a importância das contranarrativas, de narrar de outra forma, de suspender a descrença quanto aos mundos que queremos para que possamos imaginá-los e, então, torná-los possíveis.

A novela de Chambers, publicada depois de quase um ano de pandemia de COVID-19 – durante a qual toda a nossa vulnerabilidade e interdependência foi exacerbada, quando nos foi deixado claro que a nossa vida está entregue sempre aos cuidados de outros sobre os quais não temos controle – retrata uma lua com um único continente, que tem como a grande mácula em sua história o período que ficou conhecido como a “Era das Fábricas”, no qual as fábricas funcionavam durante todas as 20h do dia de Panga através da mão de obra automatizada pelo uso de robôs. Um dia, como que por um milagre de Chal, deus dos construtos nesse mundo, ou Bosh, deus dos ciclos da natureza, esses robôs adquiriram consciência e decidiram deixar a sociedade humana, isolando-se no pouco que restou das matas do planeta.

Pelo trabalho constante das fábricas e o ócio improdutivo dos humanos que não levou a um bem-viver, o planeta havia chegado à beira do colapso. Assim, após o Despertar e a partida dos robôs, instaurou-se o período de transição, e o único continente de Panga foi dividido ao meio: 50% para o uso humano, e os outros 50% permaneceriam intocados.

Era uma divisão louca, se você parasse e refletisse sobre isso. Metade da terra para uma única espécie, metade para as centenas de milhares de outras. Mas os humanos tinham o dom de desequilibrar as coisas. Encontrar um limite ao qual eles obedecessem já era vitória suficiente.

(CHAMBERS, 2022CHAMBERS, Becky. Salmo para um robô peregrino. Tradução Fábio Fernandes. São Paulo: Morro Branco, 2022., p. 29).

Temos, assim, nessa divisão imperfeita, o desequilíbrio ao qual espécies e seres que convivem com humanos estão sempre vulneráveis, e o melhor que podemos fazer parece ainda muito pouco. Mas, como nos diz o narrador onisciente, todo o pouco que conseguimos obedecer é melhor do que nada. Começam aqui as contradições, os problemas com os quais precisamos permanecer. Em meio a esse novo status quo, Chambers descreve um mundo onde a vulnerabilidade de toda a vida é reconhecida e acolhida ao invés de apagada, e apresenta uma sociedade que escolheu, de fato, permanecer com o problema: decidiu viver e morrer bem com os seres e elementos com os quais compartilham o seu planeta sem tentar dominá-los.

No mundo criado por Chambers, recursos derivados de petróleo deixaram de ser uma realidade e são completamente substituídos por energia fotovoltaica e outras soluções sustentáveis. Da mesma forma, recursos impressos são extremamente raros, e documentos escritos são todos consumidos através de um computador de bolso que é feito para durar uma vida inteira e ser consertado quando necessário, ao invés de trocado a cada ano e a cada novo lançamento. Assim, para os habitantes de Panga, nenhum objeto é descartável: o cuidado aplicado aos membros da comunidade é também estendido aos bens materiais. Da mesma maneira, o comércio é realizado tanto através da troca de créditos quanto pela troca de objetos e serviços em si. Ninguém acumula mais do que precisa, pois as necessidades de todos são atendidas. A cultura da escassez aqui é substituída por uma cultura de abundância, mas não uma abundância exagerada: através de uma organização social que tem o cuidado e a interdependência em mente, é possível que os recursos sejam produzidos a partir das possibilidades e necessidades de cada pessoa.

Esse cuidado também é observado na forma como as cidades e vilarejos se organizam. Na única grande cidade dessa lua, as necessidades alimentares são, em sua maioria, supridas pelo cultivo de alimentos em fazendas verticais ou por pomares em telhados verdes. O transporte se dá a pé, de bicicletas elétricas fotovoltaicas – como a que Dex utiliza durante a sua peregrinação – e, para distâncias mais longas, monotrilhos magnéticos.

As cidades-satélites que circundam a capital colaboram para produzir alimentos e recursos para essa cidade maior e são organizadas, geralmente, em três anéis: No anel externo estão as terras para cultivo, onde a policultura garante que as diferentes plantas cultivadas, na descrição de Dex, trabalhem “em conjunto para criar magia química no solo abaixo” (CHAMBERS, 2021CHAMBERS, Becky. Salmo para um robô peregrino. Tradução Fábio Fernandes. São Paulo: Morro Branco, 2022. p. 31). O anel residencial tem casas que abrigam famílias individuais ou coletivas, de acordo com a preferência de quem “faz parentes” de forma diversa nessa sociedade, para usar os termos de Haraway (2016)HARAWAY, Donna J., Staying with The Trouble: Making Kin in the Chthulucene. Durham: Duke University Press, 2016., abrindo espaço para o afeto alegre e a experimentação. O anel central, por sua vez, abriga o coração das cidades, o mercado, onde Dex encontra tudo o que precisa e, além disso, “delícias agrárias” (CHAMBERS 2021CHAMBERS, Becky. Salmo para um robô peregrino. Tradução Fábio Fernandes. São Paulo: Morro Branco, 2022., p. 32) de todo o tipo.

Nos assentamentos florestais, por sua vez, é estabelecida uma relação de cuidado e respeito com o solo, fazendo com que as pessoas usem de sua engenhosidade para projetar suas vidas de forma a limitar ao máximo seu impacto naquele ambiente.

Um chão de floresta (...) é uma coisa viva. Vastas civilizações jazem dentro do mosaico de terra (...). Ali era possível encontrar os recursos da podridão, a integridade dos fungos. Perturbar aquelas vidas escavando era uma violência - embora às vezes necessária, conforme demonstrado pelos pássaros e pelos gambás brancos que impetuosamente chutavam o húmus para longe na busca necessária de uma barriga cheia. Ainda assim, os residentes humanos daquele lugar eram criteriosos sobre o que constituía uma verdadeira necessidade, e, assim, perturbavam o solo o mínimo possível.”

(CHAMBERS, 2021CHAMBERS, Becky. Salmo para um robô peregrino. Tradução Fábio Fernandes. São Paulo: Morro Branco, 2022., p. 36, grifos da autora).

Apesar do aparente equilíbrio que Panga consegue atingir, a vida que toma forma naquele universo não é desprovida de fricção ou fracassos e tristezas – até porque se esses sentimentos não existissem, não haveria necessidade de existirem monges do chá, profissão escolhida por Dex. Temos aqui outra forma de permanecer com o problema, e mais: permanecer coletivamente no que temos até agora e no que poderá vir a ser – como o “so far” de Haraway. SF aqui se estabelece como continuidade.

A função social de monges como Dex é uma função de cuidado, e a forma como eles, elas e elus exercem esse cuidado é relembrando as pessoas de que descanso é necessário e de que pequenos confortos fazem toda a diferença. Sabendo que permanecer com o problema não é algo fácil de se fazer, monges como Dex auxiliam a sociedade de Panga acolhendo e ajudando cada um a ver o mundo de uma maneira que se distancia do excepcionalismo que quase os destruiu no passado: não somos à parte da natureza, mas sim parte dela. Como tal, nossas necessidades físicas e fisiológicas por atenção, cuidado, conforto e comunidade não podem nem precisam ser ignoradas, desde que nossas necessidades sejam atendidas com o reconhecimento de que estamos imbricados a outras formas de vida humanas e mais que humanas. Através dos monges do chá, o cuidado e o autocuidado são contados de uma forma diferente: não se referem ao bem-estar de um indivíduo monádico e impenetrável, mas ao bem-viver como medida do quão saudável e em equilíbrio se encontra uma sociedade. No universo de Chambers, essa imagem é como a cama de gato de Haraway – forma-se uma figura que exige uma resposta – de forma que, como a ideia de ficção como bolsa desenvolvida por Ursula K. Le Guin (1986)LE GUIN, Ursula K. “The Carrier Bag Theory of Fiction" (1986). In: LE GUIN, Ursula. Dancing at the Edge of the World. New York: Grove Press, 1989., carrega significados, carrega histórias para mudar a História.

No artigo intitulado “The Carrier Bag Theory of Fiction” (1989), Le Guin propõe a substituição da história do herói, baseada no conflito, por outras histórias que falem de vida, nas quais ainda pode existir conflito, mas sem que ele uma pré-condição para a existência da narrativa. Para Le Guin, contar histórias é uma maneira de configurar e reconfigurar mundos, e uma forma de fazer isso é fugir da estrutura canônica da literatura ao privilegiar uma ideia de continuidade. A suposição dela de que algo para coletar, como uma bolsa, deve ter surgido antes dos objetos usados para caçar, com uma lança, contribui com um trabalho ideológico bastante significativo de transformar a forma que olhamos para própria fundação da humanidade, se afastando da ideia de dominação e indo ao encontro de uma ideia de coleta e de compartilhamento. No entanto, não devemos ignorar o fato de que nessa bolsa, embora sejam guardados itens variados a partir de um princípio de acolhimento, tudo pode se misturar, se emaranhar e essa história não é fácil de ser contada – ou pelo menos não tão fácil e atrativa quanto a do herói. O conflito e a bagunça – ou seja, o problema – fazem parte desse coletar, carregar e compartilhar. Para Le Guin:

É difícil contar uma história realmente emocionante de como arranquei uma semente de aveia selvagem da sua casca, e depois outra, e depois outra, e depois outra, e depois outra, e então eu cocei minhas picadas de mosquito, e então Ool disse algo engraçado e nós fomos para o riacho e tomamos uma bebida e observamos salamandras por um tempo, e depois encontramos mais aveia2 2 No original: “It is hard to tell a really gripping tale of how I wrested a wild-oat seed from its husk, and then another, and then another, and then another, and then another, and then I scratched my gnat bites, and Ool said something funny, and we went to the creek and got a drink and watched newts for a while, then I found another patch of oats”.

(LE GUIN, 1989LE GUIN, Ursula K. “The Carrier Bag Theory of Fiction" (1986). In: LE GUIN, Ursula. Dancing at the Edge of the World. New York: Grove Press, 1989., p. 165)

Na novela de Chambers, a trama gira em torno das viagens de Dex e Chapéu de Musgo – robô e improvável companheiro de viagem –, das paradas nas cidades, das refeições, das conversas, das perguntas sem respostas, do cuidado que um tem com o outro, com o mundo e os outros seres, com a escolha de vocação de Dex – que nada mais é que cuidar dos outros com uma xícara de chá –, e na atitude de Chapéu de Musgo de checar se os humanos estavam se saindo bem sem os robôs séculos depois de sua separação. Dessa forma, a história que Chambers escolhe contar serve como uma espécie de “bolsa de medicamentos” da qual Le Guin fala ao se referir ao fato de as palavras armazenarem e conterem em si “(...) coisas. [delas carregarem] significados”3 3 No original: “(...) things. They bear meaning”. (Le Guin, 1989LE GUIN, Ursula K. “The Carrier Bag Theory of Fiction" (1986). In: LE GUIN, Ursula. Dancing at the Edge of the World. New York: Grove Press, 1989., p. 169). É na continuidade de ações que não necessariamente levam a algum clímax, mas que apenas nos dão o descanso prometido por Chambers na epígrafe do livro – “para quem precisa dar um tempo” (CHAMBERS, 2022CHAMBERS, Becky. Salmo para um robô peregrino. Tradução Fábio Fernandes. São Paulo: Morro Branco, 2022., p. s/p) –, que a novela se assemelha à própria ideia de colher sementes de aveia, de Le Guin, e depois colher outra e mais outra. É de semente em semente que a vida, emaranhada, bagunçada e misturada, acontece, e, assim, damos continuidade à nossa jornada na terra.

A ideia de continuidade, que de certa maneira vai contra toda a lógica de crescimento exponencial e produção constante que guia a forma como pensamos o progresso tecnológico ao modo capitalista, também surge na obra já citada de Donna Haraway, que nos chama atenção para a necessidade de contarmos outras histórias sobre o nosso mundo. Como ela comenta: “[i]mportam quais mundos mundeiam mundos. Importam quais histórias contam histórias”4 4 No original: “[i]t matters what worlds world worlds. It matteres what stories tell stories”. (HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna J., Staying with The Trouble: Making Kin in the Chthulucene. Durham: Duke University Press, 2016., p. 35) e precisamos tentar imaginar outras formas de viver para sobrevivermos à catástrofe climática iminente que afeta simultaneamente todas as comunidades de pessoas, animais, plantas – e no caso da novela de Chambers, construtos selvagens também. Para Haraway, as histórias não precisam progredir em uma linha reta, temporalmente falando, com início, meio e fim. No lugar disso, podemos pensar em histórias com múltiplas linhas temporais, trazendo ações do passado e do futuro para o presente. Para pensar nesse movimento, Haraway utiliza a palavra “ongoingness” ao longo de Staying with the trouble (2016), uma palavra que daria conta do que sempre esteve lá, o que está sempre aqui e o que pode continuar amanhã conosco ou sem.

Em Salmo para um robô peregrino, depois da Era das Fábricas, durante a qual sabemos que boa parte do ecossistema havia sido destruído e que os robôs haviam abandonado as cidades, o planeta entra na já citada Era da Transição, onde os humanos parecem ter conseguido encontrar formas mais harmônicas e menos destrutivas de viver. Segundo Dex: “o mundo que fizemos lá fora, [...] não é nada parecido com o que seus originais deixaram” (CHAMBERS, 2022CHAMBERS, Becky. Salmo para um robô peregrino. Tradução Fábio Fernandes. São Paulo: Morro Branco, 2022., p. 138). Panga deixou para trás a Idade das Fábricas e foi em direção a uma forma de vida sustentável e espiritualizada que busca harmonia com os outros seres ao seu redor e ocupa agora apenas metade do planeta. Como afirma Dex, “é um mundo bom, um mundo bonito. Não é perfeito, mas corrigimos tanta coisa” (CHAMBERS, 2022CHAMBERS, Becky. Salmo para um robô peregrino. Tradução Fábio Fernandes. São Paulo: Morro Branco, 2022., p. 138). Elu, assim como Chapéu de Musgo, tem consciência de que não existe uma maneira de recuperar o ecossistema perdido. O próprio robô comenta que, “[à]s vezes, o dano é inevitável” e acrescenta ainda “[m]uitas vezes, na verdade” (CHAMBERS, 2022CHAMBERS, Becky. Salmo para um robô peregrino. Tradução Fábio Fernandes. São Paulo: Morro Branco, 2022., p. 101), mas a novela, com sua nova organização de Panga, traz a possibilidade de pensarmos outras maneiras de viver, o que exige um exercício de imaginação potente.

Com a consciência de que a perfeição não é possível, Dex começa sua jornada por sentir falta de algo que nunca teve: grilos. A quase completa extinção dos grilos em Panga é sentida durante toda a narrativa, na medida em que Dex deixa seus deveres como monge do chá para entrar na área de mata selvagem, proibida aos humanos, atrás desse cantar. Esse desejo pelo que se foi, o luto pelos danos irrecuperáveis causados pela sociedade que precedeu Dex, é algo com o qual somos e seremos sempre confrontados, nós mesmos, na terra. Cada dia de inação, é mais uma espécie que enlutaremos, mais um parente que deixamos de fazer.

Esse luto leva Dex a entrar, então, em contato com a área intocada de Panga, ambiente que não é hostil e violento em si, mas é sim perigoso para humanos, sensíveis como nós. A vulnerabilidade do corpo de Dex surge, aqui, em contraste com a invulnerabilidade de Chapéu de Musgo, e essa vulnerabilidade chama atenção para o fato de que, para que sobrevivamos, nós humanos precisamos, em certa medida, adaptar o ambiente que nos cerca para que estejamos protegidos e confortáveis, e para que a vida humana seja capaz de florescer. Nos concebermos como parte da natureza, como também animais, não quer dizer ignorar a nossa vulnerabilidade corpórea aos perigos da fauna, flora e elementos que nos cercam.

No entanto, o sonho aqui em Panga não é o de invulnerabilidade, mas de tornarmo-nos-com outras criaturas, construir materialidades onde a nossa vida seja possível sem impossibilitar outras, na qual possamos cuidar uns dos outros. Pode ser que a “violência” de perturbar o solo ou caçar animais ainda seja necessária para uma espécie de corpo flácido e desengonçado como o nosso, mas precisamos ser, como os moradores dos assentamentos florestais, extremamente criteriosos quanto ao que constitui uma verdadeira necessidade: pensar é indispensável, think we must.

Não podemos e nem devemos querer habitar e domesticar todos os lugares, mas nos lugares que habitarmos, precisamos aprender a construir-com outras criaturas sempre. E aqui Chambers faz SF, nos estende as mãos com um desenho de uma sociedade que escolheu viver de forma diferente, descrevendo possibilidades de existências compartilhadas que não eliminam o nosso conforto nem a nossa subjetividade, mas permitem uma teorização alegre e esperançosa sobre os futuros que queremos.

Para Haraway, contar histórias de bolsa é contar histórias de “tornar-se-com, de indução recíproca, de espécies companheiras cujo trabalho em viver e morrer não é acabar a narrativa, a criação de mundos.”5 5 No original: “(...) of becoming-with, of reciprocal induction, of companion species whose job in living and dying is not to end the storying, the worlding”. (HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna J., Staying with The Trouble: Making Kin in the Chthulucene. Durham: Duke University Press, 2016., p. 119). De acordo com ela, “[e]xiste espaço para conflito na história de Le Guin, mas suas narrativas de bolsa estão cheias de muito mais, em fabulações incríveis, mas também confusas”6 6 No original: “[t]here is room for conflict in Le Guin's story, but her carrier bag narratives are full of much else in wonderful, messy tales”. (HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna J., Staying with The Trouble: Making Kin in the Chthulucene. Durham: Duke University Press, 2016., p. 119) e em Salmo para um robô peregrino, as personagens escolhem permanecer com o problema. Elas sabem que não existe chance de se recuperar o que foi perdido, mas existem maneiras de seguir vivendo melhor. Como Dex comenta em certo momento:

Grilos [...] estavam extintos na maior parte de Panga. Enquanto numerosas espécies em todos os filos haviam se recuperado após a Transição, muitas outras ficaram num estado frágil demais para serem recuperadas. Nem todas as feridas eram capazes de cicatrizar

(CHAMBERS, 2022CHAMBERS, Becky. Salmo para um robô peregrino. Tradução Fábio Fernandes. São Paulo: Morro Branco, 2022., p. 49).

E essa consciência de que uma forma de vida melhor que a nossa não significa exatamente uma forma de vida sem problemas é uma maneira importante para pensarmos em outros mundos sem que esse processo seja idealizado e sem falhas, concebendo um utopismo que admite conflitos, contradições e problemas, ao invés de ser desencorajado por eles.

Dessa forma, a narrativa de Chambers é o que Haraway vai chamar também de “sf mode”, inspirada no trabalho de Joshua/Sha LaBare (2010)LABARE, Joshua (Sha). Farfetchings: On and in the sf Mode. PhD diss., History of Consciousness Department, University of California at Santa Cruz, 2010., que argumenta que a ficção científica não seria fundamentalmente um gênero literário, mas sim um modo de atenção. Para LaBare, a ficção científica “oferece uma forma de focar a atenção, de imaginar e criar alternativas para o mundo”7 7 No original: “What I call the 'sf' mode offers one way of focusing that attention, of imagining and designing alternatives to the world". . (LABARE, apud HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna J., Staying with The Trouble: Making Kin in the Chthulucene. Durham: Duke University Press, 2016., p. 213). Assim, ler obras como as de Chambers seria uma maneira de enchermos nossas bolsas de imaginações regenerativas – as bolsas de remédio das quais nos fala Le Guin – antes do apocalipse e não depois, como nos diz Haraway (2016, p. 213)HARAWAY, Donna J., Staying with The Trouble: Making Kin in the Chthulucene. Durham: Duke University Press, 2016..

A história que Chambers nos apresenta, portanto, existe em função de uma regeneração da imaginação, e de uma imaginação capaz de regenerar o mundo. Temos aqui uma narrativa que não apenas abraça a noção de ficção como bolsa de Le Guin e se constitui de diálogos e processos fluidos – a ongoingness da qual nos fala Haraway, com seu presente, passado e futuro sempre imbricados e misturados –, mas também evidencia a potência de se contar histórias agora para tentar, de alguma forma, “reunir os povos humanos e não humanos em um tipo de vivir bien agora, quer funcione ou não, para resolver um certo tipo de problema” (HARAWAY, 2022HARAWAY. Donna J. “Habitar a barriga do monstro”. In: DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo; SALDANHA, Rafael. Os mil nomes de gaia: do Antropoceno à Idade da Terra. Rio de Janeiro: Machado Editora, 2022., p. 419). Para fazer esse movimento, Chambers retrata e, portanto, regenera um tipo de organização ética pautada no cuidado; cuidado, este, que, por sua vez, está intrinsecamente conectado tanto à bolsa de Le Guin como também na discussão sobre vulnerabilidade de Butler, as quais se fazem presentes em boa parte da obra de Haraway. É o cuidado que conecta a imaginação regenerativa de Chambers a essas três pensadoras, e que também nos leva à Maria Puig de la Bellacasa (2012)PUIG DE LA BELLACASA, Maria Puig de la. “Nothing comes without its world”: thinking with care. The Sociological Review, n. 60:2, p. 197-216, 2012..

Longe de conceber o cuidado como uma questão moralista ou idealizada, e sabendo que o tema não pode ser abordado de forma inocente, mas aceitando as várias camadas que o conceito carrega, Puig de la Bellacasa expande o pensamento sobre o cuidado ao “mover a investigação dos seus significados para um terreno na maior parte não mapeado: o que aborda o significado de cuidado para saber (knowing) e pensar (thinking) com mundos mais que humanos”8 8 No original: “(...) moving the investigation of its meanings into a mostly unchartered terrain: the meaning of care for knowing and thinking with more than human worlds”. (PUIG DE LA BELLACASA, 2017PUIG DE LA BELLACASA, Maria. Matters of Care: Speculative Ethics in More Than Human Worlds. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2017., p. 12). Partindo da proposição de Donna Haraway em “Saberes Localizados” (1995), Puig de la Bellacasa explica, em suas reflexões sobre o tema, que pensar em termos de saberes localizados significa que “saber e pensar são inconcebíveis sem a multidão de relações que também tornam possíveis os mundos com os quais pensamos”9 9 No original: “(...) knowing and thinking are inconceivable without a multitude of relations that also make possible the worlds we think with”. (PUIG DE LA BELLACASA, 2012PUIG DE LA BELLACASA, Maria Puig de la. “Nothing comes without its world”: thinking with care. The Sociological Review, n. 60:2, p. 197-216, 2012., p. 198). A premissa de seu argumento é, desta forma, que relações de saber e pensamento requerem cuidado, o que implica também que, embora essa prática seja muitas vezes vista com descaso – em grande medida, pelo fato de recair, geralmente, sobre as mulheres –, tudo que tem sua existência continuada é aquilo que, de alguma forma, é cuidado.

Essa prática, no livro da Chambers, parece levar em consideração as implicações éticas e afetivas que irão proporcionar a parceria entre humano e não humano que, por sua vez, em muito dialogam com o que Puig de la Bellacasa defende ao falar sobre “uma visão feminista do cuidado”, que não deve “ser baseada em uma busca por um mundo tranquilo e harmonioso, mas em fazeres práticos diários ético-afetivos que se comprometam com os inevitáveis incômodos das existências interdependentes.”10 10 No original: “(...) cannot be grounded in the longing for a smooth harmonious world, but in vital ethico-affective everyday practical doings that engage with the inescapable troubles of interdependent existence”. (PUIG DE LA BELLACASA, 2012PUIG DE LA BELLACASA, Maria Puig de la. “Nothing comes without its world”: thinking with care. The Sociological Review, n. 60:2, p. 197-216, 2012., p. 199). Por que, afinal, permanecer com o problema é o que, de fato, importa, e os desdobramentos podem nem sempre tornar a vida mais fácil – como o fato de os robôs abandonarem as cidades não faz. Contudo, decisões como a dos robôs, que acabaram com o modo de produção que havia causado danos irreversíveis a Panga, têm a consequência imprevista de ajudar os humanos em uma readaptação e reestruturação de sua sociedade, algo que, por sua vez, os leva a habitar o mundo de maneira mais sustentável e harmônica, onde o “pensar-com” os outros seres é o que predomina e não uma suposta busca por um mundo ideal.

Da mesma maneira, a decisão dos robôs de não viver para sempre, mas de emular o ciclo da morte – pois só assim eles conseguiriam, de fato, fugir da lógica que eles abandonaram quando saíram das cidades com o objetivo de entender a vida natural que tanto os fascinava11 11 Conforme: “se os originais tivessem apenas se consertado, estariam se comportando em oposição à própria coisa que procuravam tanto compreender” (CHAMBERS, 2022, p. 111) –, mostra que o cuidado está conectado com o cotidiano, com escolhas feitas todos os dias e que, muitas vezes, sequer são as mais fáceis de serem feitas, mas são parte do que devemos cultivar se quisermos manter os mundos com os quais nos importamos. Essa ideia explicita, de certa maneira, não apenas a questão do cuidado, mas também da vulnerabilidade tal como discutida neste trabalho. Para tanto, as personagens escolhem “pensar-com” e “viver-com”, em uma prática que em muito dialoga também com a proposta de fazer parentes (make kin), que está dentro da discussão de SF de Haraway (2016)HARAWAY, Donna J., Staying with The Trouble: Making Kin in the Chthulucene. Durham: Duke University Press, 2016., na qual defende que uma das formas de semear mundos é justamente através da prática de fazer parentes, ou seja, é a partir de práticas de afeto e cuidado que é possível pensar e garantir a continuidade da espécie humana.

Desta forma, Salmo para um robô peregrino, assim como a bolsa de Le Guin, quebra a lógica excepcionalista e de progresso do nosso sistema atual e mostra que, em meio às constantes crises, podemos aprender a permanecer com o problema e criar uma história de vida. Como Dex explica para Chapéu de Musgo “[e]stamos mais do que sobrevivendo agora. Estamos prosperando. Cuidamos uns dos outros, e o mundo cuida de nós, e nós cuidamos dele, e por aí vai.”. Contudo, como elu acrescenta, tudo isso “claramente não é o bastante” (CHAMBERS, 2022CHAMBERS, Becky. Salmo para um robô peregrino. Tradução Fábio Fernandes. São Paulo: Morro Branco, 2022., p. 160).

De fato, o que podemos fazer ainda é muito pouco, no entanto, é melhor do que nada, e o desconforto que a consciência desse fato traz, de certa forma, surge como uma precondição da esperança – sentimento necessário para implementar as transformações que desejamos. A ficção científica de Chambers, assim, nos chama atenção para o fato de que a crise, nossa vulnerabilidade, nossos conflitos e nossos descontentamentos não se opõem às ideias de vida e de continuidade, mas podem – e devem – fazer parte do exercício urgente de pensar outras formas mais cuidadosas de habitar o mundo.

Notas

  • 1
    No original: “[...] to live and die well with each other in a thick present”. As demais traduções são nossas.
  • 2
    No original: “It is hard to tell a really gripping tale of how I wrested a wild-oat seed from its husk, and then another, and then another, and then another, and then another, and then I scratched my gnat bites, and Ool said something funny, and we went to the creek and got a drink and watched newts for a while, then I found another patch of oats”.
  • 3
    No original: “(...) things. They bear meaning”.
  • 4
    No original: “[i]t matters what worlds world worlds. It matteres what stories tell stories”.
  • 5
    No original: “(...) of becoming-with, of reciprocal induction, of companion species whose job in living and dying is not to end the storying, the worlding”.
  • 6
    No original: “[t]here is room for conflict in Le Guin's story, but her carrier bag narratives are full of much else in wonderful, messy tales”.
  • 7
    No original: “What I call the 'sf' mode offers one way of focusing that attention, of imagining and designing alternatives to the world".
  • 8
    No original: “(...) moving the investigation of its meanings into a mostly unchartered terrain: the meaning of care for knowing and thinking with more than human worlds”.
  • 9
    No original: “(...) knowing and thinking are inconceivable without a multitude of relations that also make possible the worlds we think with”.
  • 10
    No original: “(...) cannot be grounded in the longing for a smooth harmonious world, but in vital ethico-affective everyday practical doings that engage with the inescapable troubles of interdependent existence”.
  • 11
    Conforme: “se os originais tivessem apenas se consertado, estariam se comportando em oposição à própria coisa que procuravam tanto compreender” (CHAMBERS, 2022CHAMBERS, Becky. Salmo para um robô peregrino. Tradução Fábio Fernandes. São Paulo: Morro Branco, 2022., p. 111)

Referências

  • BUTLER, Judith. Vida precária: os poderes do luto e da violência. Tradução Andreas Lieber. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.
  • BUTLER, Judith. A força da não violência: um vínculo ético-político. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2021.
  • CHAMBERS, Becky. Salmo para um robô peregrino Tradução Fábio Fernandes. São Paulo: Morro Branco, 2022.
  • HARAWAY, Donna J., Staying with The Trouble: Making Kin in the Chthulucene. Durham: Duke University Press, 2016.
  • HARAWAY. Donna J. “Habitar a barriga do monstro”. In: DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo; SALDANHA, Rafael. Os mil nomes de gaia: do Antropoceno à Idade da Terra. Rio de Janeiro: Machado Editora, 2022.
  • LABARE, Joshua (Sha). Farfetchings: On and in the sf Mode. PhD diss., History of Consciousness Department, University of California at Santa Cruz, 2010.
  • LE GUIN, Ursula K. “The Carrier Bag Theory of Fiction" (1986). In: LE GUIN, Ursula. Dancing at the Edge of the World New York: Grove Press, 1989.
  • PUIG DE LA BELLACASA, Maria Puig de la. “Nothing comes without its world”: thinking with care. The Sociological Review, n. 60:2, p. 197-216, 2012.
  • PUIG DE LA BELLACASA, Maria. Matters of Care: Speculative Ethics in More Than Human Worlds. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2017.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    17 Dez 2022
  • Aceito
    01 Jun 2023
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