Palavras-chave Cardiopatias Congênitas; Tetralogia de Fallot / cirurgia; Bloqueio Atrioventricular; Disfunção do Ventrículo Direito; Terapia de Ressincronização Cardíaca
Introdução
O bloqueio atrioventricular total (BAVT) não é uma complicação incomum após cirurgia para correção de tetralogia de Fallot (TdF). A escolha do sítio de estimulação ventricular em pacientes que necessitam de terapia com marca-passo depende de fatores como idade, peso, presença de anomalia venosa e curto-circuito intracardíaco. Os efeitos nocivos da estimulação ventricular são mais acentuados durante estimulação do ventrículo direito (VD), mas mesmo sim, a estimulação de sítios no VD foi definida como sendo ótima em alguns pacientes com e sem cardiopatias congênitas.1
Relato do caso
Um menino de 4 anos com história de TdF corrigida cirurgicamente recebeu um marca-passo de câmara única em modo de resposta (VVIR) implantado no epicárdio do ventrículo esquerdo (VE) devido a um BAVT pós-operatório (Figura 1a). Durante a estimulação do VE, o eletrocardiograma (ECG) demonstrou aumento na duração do complexo QRS e um padrão acentuado de bloqueio de ramo direito (BRD) com complexos QRS estimulados negativos em derivações inferiores (Figura 1b). Avaliações ecocardiográficas subsequentes mostraram dissincronia interventricular e intraventricular direita, associada a uma dilatação progressiva do VD. Após 1 ano de estimulação ventricular, o paciente desenvolveu disfunção do VD com uma fração de variação de área (FVA) de 28% e uma excursão sistólica do plano anular tricúspide (TAPSE) de 12 mm. Além disso, um strain bidimensional refletiu um índice de dissincronia de VD de 56 ms, com o pior retardo QS na porção médio-septal do VD (195 ms). Considerando os efeitos benéficos da estimulação septal,1,2 o paciente foi submetido a uma substituição de eletrodo e marca-passo. Um eletrodo ventricular ativo (Medtronic CapSureFix, Medtronic Limited, Watford, Reino Unido) foi fixado na região médio-septal do VD (Figura 2), obtendo limiares adequados de detecção e estimulação. Após estimulação médio-septal do VD em sítio único, um ECG de superfície de 12 derivações revelou complexos QRS com duração mais curta e um padrão de bloqueio de ramo esquerdo com complexos QRS estimulados positivos nas derivações inferiores. Além disso, houve uma redução imediata da dissincronia interventricular para 31 ms e o índice de dissincronia do VD para 27 ms. Uma avaliação ecocardiográfica mostrou um aumento no FVA (39%) e TAPSE (15 mm), com uma redução dos diâmetros do VD 3 meses após a terapia.
Eletrocardiograma de 12 derivações mostrando (A) bloqueio atrioventricular total com bloqueio de ramo direito, (B) modo de estimulação VVIR a partir do ventrículo esquerdo, com um complexo QRS amplo de 160 ms e bloqueio de ramo direito acentuado e (C) modo de estimulação VVIR a partir da região médio-septal do ventrículo direito com um complexo QRS de 120 ms e padrão de bloqueio de ramo esquerdo.
Aspecto fluoroscópico mostrando a posição final do eletrodo na localização médio-septal do ventrículo direito.
Discussão
O VE é o melhor local de estimulação na população pediátrica.3 No entanto, Karpawich et al.,1 demonstraram que o melhor local para implantação do eletrodo varia de acordo com o paciente e a cardiopatia congênita. Em nosso caso, a estimulação do VE produziu uma contração dissincrônica do VD, evidenciada por um aumento da duração do QRS e por parâmetros ecocardiográficos.
A correção da TdF é muitas vezes seguida de um atraso na condução do VD e BRD. Um estudo em um modelo animal de TdF corrigida evidenciou a sequência de ativação relacionada ao BRD, primeiro com a ativação da região VE basolateral e, por último, ativação da área da parede livre do VD.4 Além disso, a estimulação do VE intensifica um BRD basal e o atraso observado na ativação elétrica pode induzir uma contração dissincrônica do VD com um impacto negativo sobre a função ventricular direita. Este BRD pode, na realidade, responder melhor com estimulação do VD quando comparado com a do VE. Colocação do eletrodo do marca-passo em estreita proximidade com o sistema de condução normal reestabelece a sincronia intraventricular e oferece um potencial de melhora da função ventricular. Karpawich et al.,1 avaliaram as variáveis fisiológicas de contratilidade (dP/dt e dP/dt/p) em vários locais em pacientes mais jovens com e sem cardiopatia congênita. Os resultados demonstraram que o sítio de implantação médio-septal ventricular oferece a melhor contratilidade ventricular estimulada.1 Além disso, os autores recomendam que a estimulação biventricular (Biv) pode não ser necessária se o local da estimulação associado à melhor resposta contrátil puder ser estabelecido.1 Adicionalmente, dois estudos evidenciaram que tanto a estimulação do VD quanto a Biv melhoram o dP/dt do VD em pacientes com TdF corrigida e os sinais clínicos de insuficiência do VD.4,5 Estas conclusões confirmam os efeitos benéficos da estimulação do VD em indivíduos com disfunção cardíaca direita e BRD, com preferência para a estimulação Biv quando há falência ventricular esquerda concomitante.
Recomendamos a estimulação em sítio único com base na vantagem de um eletrodo ventricular único em crianças pequenas prolongar a vida útil da bateria e reduzir complicações vasculares e problemas associados ao eletrodo. Dados em crianças com insuficiência ventricular esquerda sugerem que a estimulação de um único local possa ser suficiente para a terapia de ressincronização cardíaca.6,7 A alteração do local de estimulação deve ser considerada se exames ecocardiográficos de rotina demonstrarem dilatação ou disfunção ventricular. No entanto, uma abordagem individual pode ser melhor para identificar o local ótimo de estimulação, a fim de evitar futuros efeitos negativos sobre a ativação elétrica e o desempenho cardíaco.
Estímulo a partir de um sítio médio-septal está associado com as melhores respostas hemodinâmicas e sincronia ventricular em comparação com outros sítios de estimulação do VD. Isto explica o sucesso da ressincronização cardíaca observada em nosso paciente e confirma que o local de estimulação ventricular é o principal determinante da função de bomba cardíaca.
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Fontes de FinanciamentoO presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
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Vinculação AcadêmicaNão há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
Referências bibliográficas
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Mar-Apr 2018
Histórico
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Recebido
1 Jan 2017 -
Revisado
5 Jun 2016 -
Aceito
7 Jul 2017