Resumo
Fundamento:
A hipertensão arterial é o principal fator de risco cardiovascular. A qualidade técnica dos esfigmomanômetros é condição fundamental para obtenção da correta medida da pressão arterial.
Objetivos:
Avaliar o perfil dos esfigmomanômetros disponíveis nos serviços de urgências de Belo Horizonte, Minas Gerais.
Métodos:
Realizamos um estudo transversal, observacional e não intervencionista para avaliar o perfil dos esfigmomanômetros disponíveis nos prontos atendimentos de adultos de hospitais públicos e privados do município de Belo Horizonte. Avaliamos 337 aparelhos de 25 hospitais, sendo 15 públicos (do total de 16) e 10 privados (do total de 12).
Resultados:
Foram observadas inadequações dos equipamentos em relação à validação pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia - INMETRO, em 26% (88/337) dos equipamentos; calibração vencida em 39% (132/337) e não correspondência de marca aparelho/braçadeira em 54% (188/337). Em 13 dos 25 hospitais (52%), não havia disponibilidade de manguitos para braços de diferentes tamanhos além do padrão. Houve superioridade de adequação dos aparelhos aneroides e de mercúrio dos hospitais privados (p = 0,038 e p < 0,001, respectivamente) e dos eletrônicos nos públicos (p < 0,001).
Conclusão:
Conclui-se que 78% dos esfigmomanômetros disponíveis nos serviços de urgência/emergência de uma das maiores capitais brasileiras apresentavam inadequações técnicas, e em metade dos serviços não havia manguitos de diferentes tamanhos. Tal fato representa um alerta para a situação dos equipamentos disponíveis para atendimento da população no país.
Palavras-chave:
Hipertensão; Esfigmomanômetros; Serviços Médicos de Emergência; Hospitais Públicos; Hospitais Privados; Falha de Equipamento
Abstract
Background:
Hypertension is the main risk factor for cardiovascular diseases. Technical quality of sphygmomanometers is a prerequisite for the correct measurement of arterial pressure.
Objectives:
To evaluate sphygmomanometers available in emergency services in the city of Belo Horizonte, Brazil.
Methods:
We performed a cross-sectional, observational, non-interventional study to evaluate characteristics of the sphygmomanometers available in adult emergency services of public and private hospitals in the city of Belo Horizonte, Brazil. We evaluated 337 sphygmomanometers of 25 hospitals - 15 (of 16) public hospitals and 10 (of 12) private hospitals.
Results:
Twenty-six percent (88/337) of devices were considered inadequate regarding the INMETRO (National Institute of Metrology, Quality and Technology) standards, 39.2% (132/337) for calibration dates, and 54% (188/337) for the mismatching between cuff's and device's brands. In 13 of 25 hospitals (52%), there were no spare cuffs in different sizes for different arm circumferences. Higher adequacy was found for aneroid and mercury sphygmomanometers used in private hospitals (p = 0.038 and p < 0.001, respectively) and electronic devices used in public hospitals (p < 0.001) compared with others.
Conclusion:
Seventy-eight percent of sphygmomanometers available in emergency services had technical inadequacies, and half of these services had no spare cuffs in different sizes available. These findings serve as a warning of the conditions of the equipment used in healthcare services provided to the general population in Brazil.
Keywords:
Hypertension; Sphygmomanometers; Emergency Medical Services; Hospitals, Public; Hospitals, Private; Equipment Failure
Introdução
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma condição clínica multifatorial caracterizada e diagnosticada por níveis elevados e sustentados de pressão arterial (PA).11 Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de Hipertensão; Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Rev Bras Hipertens. 2010;17(1):4-64. A HAS acomete cerca de 30% da população adulta,22 Cesarino CB, Cipullo JP, Martin JF, Ciorlia LA, Godoy MR, Cordeiro JA, et al. Prevalence and sociodemographic factors in a hypertensive population in São José do Rio Preto, São Paulo, Brazil. Arq Bras Cardiol. 2008;91(1):29-35.,33 Rosário TM, Scala LC, França GV, Pereira MR, Jardim PC. Prevalence, control and treatment of arterial hypertension in Nobres - MT. Arq Bras Cardiol. 2009;93(6):622-8, 672-8. e é considerada como o principal fator de risco para as doenças cardiovasculares que, por sua vez, são a maior causa de mortes no Brasil e no mundo.44 Mendis S, Puska P, Norrving B. Global atlas on cardiovascular disease prevention and control. Geneva: World Health Organization. (WHO); 2011. Estima-se que 3% de todas as consultas em salas de emergências decorram de elevações significativas da PA.55 Marik PE, Varon J. Hypertensive crises: challenges and management. Chest. 2007;131(6):1949-62. Erratum in: Chest. 2007;132(5):1721.
Um dos requisitos para se considerar o paciente hipertenso é, quando em sua visita inicial, uma medida casual da PA revelar um quadro de urgência ou emergência hipertensiva.66 Stern RH. The new hypertension guidelines. J Clin Hypertens (Greenwich). 2013;15(10):748-51. A medição da PA deve ser realizada em toda avaliação clínica por médicos ou demais profissionais da saúde.11 Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de Hipertensão; Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Rev Bras Hipertens. 2010;17(1):4-64. Os procedimentos para a sua realização são simples e de fácil execução, mas nem sempre realizados da forma preconizada. A obtenção da correta medida da pressão arterial, necessária ao diagnóstico e decisão clínica, é determinada pelas condições adequadas de funcionamento do esfigmomanômetro e o emprego de técnica apropriada.11 Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de Hipertensão; Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Rev Bras Hipertens. 2010;17(1):4-64. Entre as recomendações para a medição da PA, deve-se obter a circunferência do braço e selecionar o manguito de tamanho mais adequado.11 Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de Hipertensão; Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Rev Bras Hipertens. 2010;17(1):4-64.,77 Puig AO, Dalfó-Pibernat A, Rosàs NJ, Isaac EM, Pérez-Romero L, Llorach EG, et al. Determination of arm circumference for correct measurement of blood pressure. Results of an intervention study. Hipertens Riesgo Vasc. 2015;32(1):6-11. A razão circunferência do braço/largura do manguito deve ser de 0,40. O comprimento da braçadeira deve circundar de 80 a 100% a circunferência braquial.11 Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de Hipertensão; Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Rev Bras Hipertens. 2010;17(1):4-64.,88 Pickering TG, Hall JE, Appel LJ, Falkner BE, Graves J, Hill MN, et al; Subcommittee of Professional and Public Education of the American Heart Association Council on High Blood Pressure Research. Recommendations for blood pressure measurement in humans and experimental animals part 1: blood pressure measurement in humans: a statement for professionals from the Subcommittee of Professional and Public Education of the American Heart Association Coun. Hypertension. 2005;45(1):142-61. O manguito padrão deve ter 12 a 13 cm de largura e 35 cm de comprimento, sendo necessária a disponibilidade de braçadeiras maiores e menores para braços de maior e menor circunferência, respectivamente.99 O'Brien E, Pickering T, Asmar R, Myers M, Parati G, Staessen J, et al; Working Group on Blood Pressure Monitoring of the European Society of Hypertension. Working Group on Blood Pressure Monitoring of the European Society of Hypertension International Protocol for validation of blood pressure measuring devices in adults. Blood Press Monit. 2002;7(1):3-17,1010 Mancia G, Fagard R, Narkiewicz K, Redán J, Zanchetti A, Böhm M, et al; ESH/ESC Task Force for the Management of Arterial Hypertension. 2013 practice guidelines for the management of arterial hypertension of the European Society of Hypertension (ESH) and the European Society of Cardiology (ESC): ESH/ESC Task Force for the Management of Arterial Hypertension. J Hypertens. 2013;31(10):1925-38. A medição pode ser realizada pelo método indireto, com técnica auscultatória e uso de esfigmomanômetro aneroide, ou pela técnica oscilométrica, com uso de um aparelho semi-automático.1010 Mancia G, Fagard R, Narkiewicz K, Redán J, Zanchetti A, Böhm M, et al; ESH/ESC Task Force for the Management of Arterial Hypertension. 2013 practice guidelines for the management of arterial hypertension of the European Society of Hypertension (ESH) and the European Society of Cardiology (ESC): ESH/ESC Task Force for the Management of Arterial Hypertension. J Hypertens. 2013;31(10):1925-38.,1111 Parati G, Asmar R, Stergiou GS. Self blood pressure monitoring at home by wrist devices: a reliable approach? J Hypertens. 2002;20(4):573-8. Os equipamentos devem ser validados e calibrados.1010 Mancia G, Fagard R, Narkiewicz K, Redán J, Zanchetti A, Böhm M, et al; ESH/ESC Task Force for the Management of Arterial Hypertension. 2013 practice guidelines for the management of arterial hypertension of the European Society of Hypertension (ESH) and the European Society of Cardiology (ESC): ESH/ESC Task Force for the Management of Arterial Hypertension. J Hypertens. 2013;31(10):1925-38.,1212 Weber MA, Schiffrin EL, White WB, Mann S, Lindholm LH, Kenerson JG, et al. Clinical practice guidelines for the management of hypertension in the community a statement by the American Society of Hypertension and the International Society of Hypertension. J Hypertens. 2014;32(1):3-15. O presente estudo foi idealizado para avaliar a qualidade dos equipamentos de medição da PA utilizados nos serviços de Pronto Atendimento do município de Belo Horizonte, Minas Gerais, cidade de mais de 2,5 milhões de habitantes,1313 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (IBGE). [Internet]. [Citado em 2016 dez 10]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2015/estimativa_tcu.shtm
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
considerada a sexta cidade mais populosa do Brasil. O objetivo deste estudo foi avaliar esfigmomanômetros disponíveis nos serviços de pronto atendimento de adultos no município de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, com ênfase nos elementos implicados na qualidade da medição da PA: validação pelo INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), disponibilidade de diferentes tamanhos de manguitos, conservação geral de seus componentes (pêra, borracha, velcro ou pinos, manômetro, coluna de mercúrio, válvula), calibração e adequação entre a marca do esfigmomanômetro e a da braçadeira. Ainda, comparar esfigmomanômetros disponíveis nos serviços de pronto atendimento de adultos dos hospitais da rede pública em relação aos hospitais da rede privada.
Métodos
Trata-se de um estudo observacional e não intervencionista. Um questionário sobre os quesitos avaliados no estudo (Tabela 1) foi aplicado aos responsáveis, enfermeiros ou médicos dos diferentes prontos atendimentos de adultos de hospitais públicos e privados de Belo Horizonte. Antes da aplicação dos questionários, foram obtidas concordância e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos participantes, e autorização dos diretores técnicos ou clínicos de cada instituição. Este estudo foi aprovado pelo CEP - Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, CAAE: 35484614.9.0000.5134; número do parecer: 846.017, de 19/10/2014.
Após o preenchimento do questionário pelos participantes, era realizada, pelos autores, a inspeção direta de todos os aparelhos disponíveis nos hospitais participantes. Em relação à calibração, foi considerado adequado o prazo de até 1 ano da data da inspeção impressa no aparelho ou disponível no pronto atendimento. As pêras e borrachas foram consideradas adequadas quando não apresentavam dificuldade em seu manuseio e não estavam danificadas. Os manômetros e colunas de mercúrio deveriam estar com os números e/ou ponteiros íntegros, iniciando com o marcador no zero e não apresentando anormalidades durante a fase de insuflação e desinsuflação. Os pinos deveriam estar em bom estado de uso, íntegros, e os velcros com boa adesividade. As válvulas deveriam estar íntegras e facilmente manuseáveis nas fases de insuflação e desinsuflação. O selo do INMETRO deveria estar presente em cada aparelho avaliado. Os dados foram coletados entre janeiro e agosto de 2015.
Critério de inclusão
Hospitais públicos ou privados que possuíam serviço de Pronto Atendimento aberto à população adulta.
Critérios de exclusão
A não aceitação do hospital em participar da pesquisa, hospitais com pronto atendimento não destinados à população de forma geral, e hospitais especializados, tais como maternidades, hospitais pediátricos, psiquiátricos, urgências otorrinolaringológicas, oftalmológicas e ortopédicas.
Análise estatística
A partir de informações fornecidas pelo Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, foram identificados 16 hospitais da rede pública e 12 da rede privada com os perfis de pronto atendimento desejados para o estudo no referido município.
Para o cálculo amostral utilizamos a seguinte fórmula:
De acordo com o cálculo amostral, deveria ser selecionado, aleatoriamente, um mínimo de 14 hospitais, sendo 6 da rede privada e 8 da rede pública, de acordo com a proporcionalidade. Para o cálculo, usamos um nível de significância de 5% (z = 1,96), a estimativa da proporção, por ser desconhecida, 0,5 e a probabilidade do erro tipo II (β) de 20% (z = 0,84).
Em um primeiro momento, usamos os recursos da estatística descritiva para caracterização da amostra. Na avaliação das características dos esfigmomanômetros, as variáveis qualitativas foram apresentadas em frequência absoluta e relativa. A amostra foi estratificada por tipo de hospital (público/privado). Para comparar as características dos esfigmomanômetros disponíveis nos hospitais da rede pública daqueles disponíveis em hospitais da rede privada, utilizamos o teste qui-quadrado. Para todos os testes estatísticos utilizados consideramos um nível de significância de 5%. As análises foram realizadas no software estatístico SPSS (Statistical Package for Social Sciences), versão 20.0, 2012.
Resultados
Foram avaliados 337 esfigmomanômetros de 25 serviços de Pronto Atendimento hospitalares do município de Belo Horizonte, MG, sendo 15 da rede pública (do total de 16) e 10 da rede privada (do total de 12). Do total, 197 aparelhos eram aneroides (120 na rede pública e 77 na rede privada), 134 eletrônicos (98 na rede pública e 36 na rede privada) e 6 de coluna de mercúrio (1 na rede pública e 5 na rede privada) (Tabela 2).
Em relação à qualidade de seus componentes, encontramos altas taxas de adequação para as pêras e borrachas (96,4%, 325/337), válvulas (98,8%, 333/337), velcros ou pinos (92%, 310/337); manômetros e coluna de mercúrio (97,5%, 198/203). Para esse último item, foram excluídos aparelhos eletrônicos. O selo do INMETRO foi evidenciado em 74% (249/337) dos aparelhos, sendo que sua ausência foi observada principalmente nos eletrônicos.
A data de calibração, com intervalo máximo inferior a um ano da data de inspeção, estava presente em 60,8% (205/337) dos aparelhos e houve adequação da marca da braçadeira usada em relação à marca do esfigmomanômetro em 45,7% (154/337) (Tabela 3). Quando consideramos, simultaneamente, todos os componentes e parâmetros de qualidade analisados, observa-se que apenas 21,6% (73/337) estavam adequados, ou seja, 78,4% (264/337) apresentavam pelo menos um parâmetro ou componente do conjunto do esfigmomanômetro inadequado (Tabela 4).
Esfigmomanômetros de hospitais públicos e privados, que, simultaneamente, apresentavam adequação de todos os componentes e parâmetros de qualidade avaliados
Cinquenta e dois por cento (13/25) dos hospitais não possuíam braçadeiras extras de diferentes tamanhos disponíveis, além do padrão, para uso no setor de urgências e emergências (Tabela 5). Quando comparamos os aparelhos disponíveis nos serviços de pronto atendimento de hospitais públicos e privados, observamos diferenças significativas. Os aparelhos aneroides e de mercúrio dos hospitais privados apresentaram maior combinação de marcas das braçadeiras e esfigmomanômetros que os equipamentos dos serviços públicos (Tabela 6). Além disso, os hospitais privados apresentaram maior índice de adequação em relação à data de calibração dos aparelhos aneroides (p < 0,001). Neste quesito, não houve diferença em relação aos aparelhos eletrônicos e de mercúrio (Tabela 7). Evidenciamos a presença do selo do INMETRO em apenas 41% (55/134) dos aparelhos eletrônicos. Ainda assim, nesse parâmetro, os hospitais privados tiveram superioridade, com relevância estatística em relação aos hospitais da rede pública (p =0,002) (Tabela 7). Ao agruparmos os componentes pera, borracha, válvula, manômetro ou coluna de mercúrio, velcro ou pinos dos aparelhos aneroides, eletrônicos e de mercúrio, não observamos diferença estatisticamente significante entre os hospitais públicos e privados (Tabela 8). Ao analisarmos simultaneamente todos os requisitos de qualidade e componentes dos esfigmomanômetros avaliados neste estudo, constatamos uma grande inadequação em todos os tipos de aparelhos (78,4%, 264/337), tanto nos hospitais públicos quanto nos privados. Os hospitais da rede privada, entretanto, mostraram maior adequação que os hospitais da rede pública na análise dos aparelhos aneroides (p = 0,038) e nos aparelhos de mercúrio (p < 0,001); os hospitais públicos mostraram maior adequação na análise dos aparelhos eletrônicos (p < 0,001) (Tabela 4).
Adequação dos esfigmomanômetros em relação a calibração e presença de selo do INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia)
Adequação da qualidade dos diferentes componentes dos esfigmomanômetros e relação entre os hospitais públicos e privados
Havia disponibilidade de braçadeiras extras, para diferentes tamanhos de braços, em 60% (6/10) dos hospitais privados e 40% (6/15) dos hospitais públicos, porém essa diferença não alcançou relevância estatística (p = 0,428) (Tabela 5). Quanto à mobilidade, 84% (165/197) dos equipamentos estavam instalados sobre rodízios (pedestal), 10% (20/197) eram fixos (de parede) e 6% (12/197) eram portáteis (manuais). Em relação aos aparelhos eletrônicos, 98,5% (132/134) eram monitores multiparâmetros usados nos leitos dos prontos atendimentos e somente 1,5% (2/134) eram aparelhos eletrônicos móveis sobre rodízios. Avaliamos 6 esfigmomanômetros de mercúrio, sendo 67% (4/6) sobre rodízios e 33%(2/6) fixos em paredes.
Discussão
Nosso estudo revelou que 78,4% (264/337) dos esfingmomanômetros disponíveis nos serviços de atendimento às urgências e emergências de adultos do município de Belo Horizonte, MG apresentavam inadequações de um ou mais componentes e/ou parâmetros avaliados. Além disso, 52% (13/25) dos referidos serviços não disponibilizavam manguitos extras para diferentes tamanhos de circunferência de braços. A qualidade técnica dos esfigmomanômetros é condição fundamental para a correta medição da PA. Nossa pesquisa demonstrou que 39,2% (132/337) dos aparelhos estudados não apresentavam a data de calibração de até 1 ano, sendo essa situação ainda pior nos hospitais públicos em relação aos serviços privados. Em estudo de simulação computadorizada utilizando-se protocolo de três medições, esfigmomanômetros não calibrados deixaram de diagnosticar 20% das hipertensões sistólicas e 28% das hipertensões diastólicas, sendo também responsáveis pelo diagnóstico equivocado de hipertensão sistólica em 15% e de hipertensão diastólica em 31% das pressões aferidas.1414 Turner MJ, Irwig L, Bune AJ, Kam PC, Baker AB. Lack of sphygmomanometer calibration causes over-and under-detection of hypertension: a computer simulation study. J Hypertens. 2006;24(10):1931-8. Um estudo realizado por Serafim et al,1515 Serafim TS, Toma GA, Gusmão JE, Colósimo FC, Silva SS, Pierin AM. Evaluation of the conditions of use of sphygmomanometers in hospital services. Acta Paul Enferm. 2012;25(6):940-6. em nosso meio, que avaliou 162 esfigmomanômetros, mostrou que 56,2% dos aparelhos testados estavam descalibrados. Turner et al.1616 Turner MJ, Speechly C, Bignell N. Sphygmomanometer calibration: why, how and how often? Aust Fam Physician. 2007;36(10):834-8. já indicavam a necessidade de calibração anual dos aparelhos, e sugeriam a calibração semestral dos equipamentos aneroides, diminuindo assim os erros de diagnóstico da hipertensão arterial. Estudo realizado em um grande hospital de ensino no Reino Unido,1717 De Greeff A, Lorde I, Wilton A, Seed P, Coleman AJ, Shennan AH. Calibration accuracy of hospital-based non-invasive blood pressure measuring devices. J Hum Hypertens. 2010;24(1):58-63. com análise de 127 aparelhos, sendo 18 de mercúrio, 62 aneroides e 47 automáticos, mostrou que 25% estavam descalibrados. A portaria do INMETRO n.º 46, de 22 de janeiro de 2016,1818 Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Portaria nº. 46, de 22 de janeiro de 2016. Diário Oficial da União. 26 jan 2016(17);Seção 1. estabelece que os esfigmomanômetros devem ser verificados uma vez por ano por um órgão da Rede Brasileira de Metrologia Legal e Qualidade, sendo esta peridiocidade também a recomendada pela VI Diretriz Brasileira de Hipertensão.11 Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de Hipertensão; Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Rev Bras Hipertens. 2010;17(1):4-64.
Em nosso estudo, 54,3% (183/337) dos conjuntos aparelho/braçadeira não apresentavam correspondência entre as marcas e não havia indicativos de que a combinação utilizada apresentava aprovação do INMETRO. Vimos, ainda, que os aparelhos aneroides dos hospitais públicos apresentavam pior adequação neste quesito em relação aos hospitais privados. Em 2013, Shaw et al.,1919 Shaw KC, McEniery CM, Wilkinson IB, Brown MJ. Unsafe health and safety: sphygmomanometer cuffs are not interchangeable. J Hum Hypertens. 2013;27(7):434-6. comprovaram que a troca das braçadeiras originais por de outras marcas levava à subestimação das medidas da PA. Embora um terço dos pacientes do estudo fosse constituído por hipertensos mal controlados, os mesmos foram erroneamente considerados como normotensos quando utilizadas braçadeiras substitutas. Os autores concluíram que as braçadeiras não são intercambiáveis entre aparelhos de diferentes marcas. O INMETRO aprova o uso de braçadeiras específicas para marca e modelo de manômetro e determina que, nos aparelhos eletrônicos, se a braçadeira já for utilizada em outros modelos aprovados de esfigmomanômetros automáticos, a combinação de marcas/modelos deve ser claramente informada.1818 Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Portaria nº. 46, de 22 de janeiro de 2016. Diário Oficial da União. 26 jan 2016(17);Seção 1.,2020 Brasil. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Considera que os esfignomanômetros de medição não invasiva devem atender às especificações metrológicas, de forma a garantir a sua confiabilidade. Diário Oficial da União, Brasília, de 26/01/2016 (nº 17, Seção 1, pag. 31). Existe uma forte recomendação2121 Brasil. Ministério do Trabalho e Previdência Social. NR 15 - Norma Regulamentadora 15. Atividades e Operações Insalubres. Diário Oficial da União, Brasília, de 15 de setembro de 2015. para a substituição dos esfigmomanômetros de coluna fechada de mercúrio, em razão do risco de toxicidade e contaminação ambiental por este metal, embora seu uso ainda seja permitido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). No presente estudo, 1,7% (6/337) dos aparelhos avaliados eram de coluna de mercúrio.
Além disso, em nosso estudo, cerca de metade dos hospitais, tanto os públicos quanto os privados, não possuíam braçadeiras extras de diferentes tamanhos para uso nos setores de pronto atendimento. A importância do uso da braçadeira adequada à circunferência do braço já foi demonstrada por diversos autores2222 Tomlinson BU. Accurately measuring blood pressure: factors that contribute to false measurements. Medsurg Nurs. 2010;19(2):90-4.
23 Palatini P, Frick GN. Cuff and bladder: overlooked components of BP measurement devices in the modern era? Am J Hypertens. 2012;25(2):136-8.-2424 McVicker JT. Blood pressure measurement-Does anyone do it right? an assessment of the reliability of equipment in use and the measurement techniques of clinicians. J Fam Plann Reprod Health Care. 2001;27(3):163-4. e constitui condição básica para a correta medição da pressão arterial, segundo as diferentes diretrizes.11 Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de Hipertensão; Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Rev Bras Hipertens. 2010;17(1):4-64.,66 Stern RH. The new hypertension guidelines. J Clin Hypertens (Greenwich). 2013;15(10):748-51.,1010 Mancia G, Fagard R, Narkiewicz K, Redán J, Zanchetti A, Böhm M, et al; ESH/ESC Task Force for the Management of Arterial Hypertension. 2013 practice guidelines for the management of arterial hypertension of the European Society of Hypertension (ESH) and the European Society of Cardiology (ESC): ESH/ESC Task Force for the Management of Arterial Hypertension. J Hypertens. 2013;31(10):1925-38. Uma braçadeira menor que a adequada para a circunferência do braço irá superestimar a medida da PA, enquanto uma braçadeira muito larga irá subestimar essa medida.2424 McVicker JT. Blood pressure measurement-Does anyone do it right? an assessment of the reliability of equipment in use and the measurement techniques of clinicians. J Fam Plann Reprod Health Care. 2001;27(3):163-4.,2525 Pickering TG, Hall JE, Appel LJ, Falkner BE, Graves JW, Hill MN, et al; Council on High Blood Pressure Research Professional and Public Education Subcommittee, American Heart Association. Recommendations for blood pressure measurement in humans: an AHA scientific statement from the Council on High Blood Pressure Research Professional and Public Education Subcommittee. J Clin Hypertens (Greenwich). 2005;7(2):102-9. Uma análise de artigos científicos de periódicos nacionais, envolvendo a medida da PA, mostrou que em 64% deles não eram mencionadas as dimensões das braçadeiras utilizadas e suas adequações às circunferências dos braços.2626 Holanda HE, Mion Junior D, Pierin AM. [Blood pressure measurement. Criteria employed in scientific articles published in Brazilian journals]. Arq Bras Cardiol. 1997;68(6):433-6. Um estudo realizado em hospital escola do interior do Estado de São Paulo mostrou que com o uso da razão de 0.40 entre a circunferência braquial e a largura do manguito, mais de 50% dos indivíduos precisavam de manguito menor que 12 cm e 22,2% precisavam de manguitos maiores. O mesmo estudo revelou que a braçadeira padrão estava apropriada para apenas 17.3% dos participantes.2727 Veiga EV, Arcuri EA, Cloutier L, Santos JL. Blood pressure measurement: arm circumference and cuff size availability. Rev Lat Am Enfermagem. 2009;17(4):455-61. Em outro estudo realizado em cidade do interior paulista, Freitas et al.,2828 Freitas CC, Pantarotto RF, Costa LR. Relation arm circumference and the cuffs size used in Basic Health Units in São Paulo countryside. J Health Sci Inst. 2013;31(3):48-52. observaram que em apenas 50% dos pacientes foi utilizado o manguito de tamanho adequado, uma vez que só estava disponível o tamanho padrão nas unidades básicas de saúde pesquisadas. A falta de disponibilidade de braçadeiras de diferentes tamanhos continua sendo um desafio para os profissionais de saúde e esta inadequação também foi observada no ambiente de urgência e emergência dos hospitais de Belo Horizonte.
O INMETRO também recomenda que toda braçadeira adquirida separadamente, mesmo se não estiver em uso, deve ser submetida à verificação periódica uma vez por ano, contado a partir da data de aquisição pelo detentor final.2929 Brasil. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Portaria Inmetro nº 153, de 12 de agosto de 2005. Considera que os esfignomanômetros mecânicos, de medição não invasiva, devem atender as especificações de forma a garantir a sua confiabilidade metrológica. Diário Oficial da União de 12 de agosto de 2005. Vimos que em 26% (88/337) dos aparelhos não constava o Selo do INMETRO, exigência do Regulamento Técnico Metrológico.1818 Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Portaria nº. 46, de 22 de janeiro de 2016. Diário Oficial da União. 26 jan 2016(17);Seção 1.,2020 Brasil. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Considera que os esfignomanômetros de medição não invasiva devem atender às especificações metrológicas, de forma a garantir a sua confiabilidade. Diário Oficial da União, Brasília, de 26/01/2016 (nº 17, Seção 1, pag. 31).,2929 Brasil. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Portaria Inmetro nº 153, de 12 de agosto de 2005. Considera que os esfignomanômetros mecânicos, de medição não invasiva, devem atender as especificações de forma a garantir a sua confiabilidade metrológica. Diário Oficial da União de 12 de agosto de 2005. Na Europa e Estados Unidos, os aparelhos só estão aptos para o uso se submetidos e aprovados por estudos de validação, de acordo com protocolos como os preconizados por entidades como a British Hypertension Society,3030 O'Brien E, Petrie J, Littler W, de Swiet M, Padfield PL, Altman DG, et al. The British Hypertension Society protocol for the evaluation of blood measuring devices. J Hypertens. 1993;11(Suppl 2):543-62. Association for the Advancement of Medical Instrumentation3131 Association for the Advancement of Medical Instrumentation. (AAMI). American National Standard for Electronic or Automated Sphygmomanometers (ANSI). Arlington, VA; 1993. e European Society of Hypertension,3232 O'Brien E, Atkins N, Stergiou G, Karpettas N, Parati G, Asmar R, et al; Working Group on Blood Pressure Monitoring of the European Society of Hypertension. Society of Hypertension International Protocol revision 2010 for the validation of blood pressure measuring devices in adults. Blood Press Monit. 2010;15(1):23-38. Erratum in: Blood Press Monit. 2010;15(3):171-2. cujos resultados encontram-se disponíveis em http://www.dableducational.org/sphygmomanometers/devices_2_sbpm. html) e http://www.bhsoc.org/bp_monitors/automatic.stm.
Como norma para aprovação dos esfigmomanômetros, o INMETRO exige que o fabricante apresente uma investigação clínica realizada conforme um dos protocolos das referidas entidades internacionais, configurando assim mais respaldo para os aparelhos de uso no Brasil.1818 Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Portaria nº. 46, de 22 de janeiro de 2016. Diário Oficial da União. 26 jan 2016(17);Seção 1.,2020 Brasil. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Considera que os esfignomanômetros de medição não invasiva devem atender às especificações metrológicas, de forma a garantir a sua confiabilidade. Diário Oficial da União, Brasília, de 26/01/2016 (nº 17, Seção 1, pag. 31). Em busca realizada no site da dableducational.org, não identificamos dados de avaliação de nenhum dos modelos disponíveis em nosso estudo. Considerando os componentes e parâmetros de qualidade avaliados, constatamos o elevado percentual de inadequação (78%) dos aparelhos, principalmente devido à falta de calibração regular, ausência do selo do INMETRO e falta de correspondência entre a marca da braçadeira e a marca do aparelho.
Este trabalho apresentou limitações. Por ser um estudo observacional, não pudemos atestar a falta de calibração ou a inadequação do conjunto braçadeira/ esfigmomanômetro, usando a data da última calibração (ou sua ausência) e as marcas dos componentes como referências, respectivamente. Além disso, o pequeno número de aparelhos de mercúrio foi um fator limitante para posterior comparação entre os grupos.
Conclusão
A maioria dos esfigmomanômetros disponíveis nos serviços de urgências e emergências de adultos dos hospitais de Belo Horizonte avaliados está inadequada. Em relação às condições dos esfigmomanômetros, muito há que se melhorar, sobretudo na observância à calibração anual, disponibilidade de braçadeiras de diferentes tamanhos e compatíveis com os manômetros utilizados.
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Fontes de financiamentoO presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
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Vinculação acadêmicaEste artigo é parte de dissertação de Mestrado de Kleisson Antonio Pontes Maia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Mar-Apr 2017
Histórico
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Recebido
04 Jul 2016 -
Revisado
30 Nov 2016 -
Aceito
02 Dez 2016