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Gastando mais e produzindo menos: uma análise dos tribunais regionais federais

Spending more and producing less: an analysis of federal regional courts

Gastando más y produciendo menos: un análisis de los tribunales regionales federales

Resumo

A eficiência da Administração Pública é uma discussão que, normalmente, vem atrelada a vieses ideológicos sobre o melhor modelo de Estado. Na expectativa de se manter afastado deste obstáculo (ideologia) à aproximação científica, o presente trabalho partiu da pretensão de avaliar a eficiência dos Tribunais Regionais Federais (TRF), por meio do estudo das despesas e da produtividade (de magistrados e servidores) destes Tribunais, no período de 2012 a 2016. Utilizando uma abordagem quantitativa, com análise descritiva e exploratória dos dados, foi possível concluir que, apesar do crescimento ininterrupto do dispêndio dos Tribunais, a eficiência (processos baixados) dos TRF decresceu no período avaliado. Pode-se ainda concluir que, no período avaliado, a contratação de mais juízes e funcionários reduziu os índices de produtividade específicos de magistrados e servidores dos Tribunais Regionais Federais.

Palavras-chave
Administração Pública; Tribunais Regionais Federais; eficiência; índice de produtividade de magistrados

Abstract

The efficiency of Public Administration is a discussion that is usually linked to ideological biases about the best State model. Expecting to stay away from this obstacle (ideology) to the scientific approach, the present work started aiming to evaluate the efficiency of the Federal Regional Courts (TRF) by studying the expenses and productivity (of magistrates and servants) of these Courts from 2012 to 2016. Using a quantitative approach, with descriptive and exploratory analysis of the data, it was possible to conclude that, despite the uninterrupted growth in Court spending, the efficiency (downturns) of the TRF decreased in the period evaluated. It can also be concluded that, during the period evaluated, the hiring of more judges and officials reduced the specific productivity indexes of magistrates and servants of the Federal Regional Courts.

Keywords
Public Administration; Federal Regional Courts; efficiency; magistrate productivity index

Resumen

La eficiencia de la administración pública es una discusión que generalmente está vinculada a sesgos ideológicos sobre el mejor modelo de Estado. Esperando mantenerse alejado de este obstáculo (ideología) para el enfoque científico, el presente trabajo comenzó con la intención de evaluar la eficiencia de los Tribunales Regionales Federales (TRF), mediante el estudio de los gastos y la productividad (de magistrados y servidores) de estos Tribunales, de 2012 a 2016. Utilizando un enfoque cuantitativo, con un análisis descriptivo y exploratorio de los datos, fue posible concluir que, a pesar del crecimiento ininterrumpido en el gasto judicial, la eficiencia (recesiones) del TRF disminuyó en el período evaluado. También se puede concluir que, durante el período evaluado, la contratación de más jueces y funcionarios redujo los índices de productividad específicos de los magistrados y funcionarios de los Tribunales Regionales Federales.

Palabras clave
Administración Pública; Tribunales Regionales Federales; eficiencia; índice de productividad magistrada

1 Introdução

A crise financeira internacional de 2008 acarretou maior transparência das reais condições da economia, demonstrando fragilidade na gestão dos recursos financeiros para minimizar os impactos externos. A partir de 2009, com objetivo de manutenção do crescimento econômico e, consequentemente, do governo, o planejador central brasileiro iniciou uma política anticíclica, com forte intervenção na economia via gastos públicos. O crescimento da dívida pública brasileira tem se tornado insustentável, com estimativas próximas a 80% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2018, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (IMF, 2017INTERNATIONAL MONETARY FUND. Brazil: Fiscal transparency evaluation. Report n. 17/104. Washington: IMF, 2017. Disponível em: https://www.imf.org/external/index.htm. Acesso em: 10 mar. 2020.
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). Seguindo o mesmo comportamento, os gastos públicos dos governos central e estaduais, considerando a participação das despesas com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e de pessoal (ativos e inativos) na receita líquida, saltou de 56,8% em 2010 para 77,5% em 2017, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2018INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA [IPEA]. O crescimento insustentável dos gastos com previdência e pessoal. Carta de Conjuntura n. 38, fev. 2018. [Por Ernesto Lozardo, Claudio Hamilton e Rogério Nagamine]. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/2018/02/o-crescimento-insustentavel-dos-gastos-com-previdencia-e-pessoal/. Acesso em: 10 mar. 2020.
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).

O crescimento em ritmo contínuo e acelerado dos gastos públicos, principalmente com previdência e pessoal, acaba comprimindo as demais despesas, em especial aquelas que, legalmente, são classificadas como discricionárias. O sistema judiciário é integrante deste contexto dos serviços públicos e, em 2017, participou com 448.964 pessoas (18.168 magistrados, 272.093 servidores e 158.703 auxiliares), somando uma despesa com pessoal de aproximadamente 82,2 bilhões de reais, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2018CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA [CNJ]. Justiça em números: ano-base 2017. Brasília: CNJ, 2018. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/. Acesso em: 10 mar. 2020.
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).

As pesquisas em torno do tema de gastos públicos e produtividade do sistema judiciário cresceram exponencialmente no mundo. Estudos na Itália (PEYRACHE; ZAGO, 2016PEYRACHE, A.; ZAGO, A. Large courts, small justice! – the inefficiency and the optimal structure of the italian justice sector. Omega, [s.l.], v. 64, p. 42-56, 2016. doi: https://doi.org/10.1016/j.omega.2015.11.002
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a), nos Estados Unidos da América (CHRISTENSEN; SZMER, 2012CHRISTENSEN, R. K.; SZMER, J. Examining the efficiency of the U.S. courts of appeals: pathologies and prescriptions. International Review of Law and Economics, v. 32, n. 1, p. 30-37, 2012. doi: https://doi.org/10.1016/j.irle.2011.12.004
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), em Israel (BEENSTOCK; HAITOVSKY, 2004BEENSTOCK, M.; HAITOVSKY, Yoel. Does the appointment of judges increase the output of the judiciary? International Review of Law and Economics, [s.l.], v. 24, n. 3, p. 351-69, 2004. Doi: https://doi.org/10.1016/j.irle.2004.10.006
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), na Índia (CHEMIN, 2009CHEMIN, M. Do judiciaries matter for development? – evidence from India. Journal of Comparative Economics, [s.l.], v. 37, n. 2, p. 230-50, 2009. doi: https://doi.org/10.1016/j.jce.2009.02.001
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) e, finalmente, no Brasil (CALEMAN; MONTEIRO, 2013CALEMAN, S. M. Q.; MONTEIRO, G. F. A. Should I go to court? – an assessment of the role of the judiciary in disputes between cattle raisers and meatpackers in Brazil. RAUSP Management Journal, São Paulo, v. 48, n. 2, p. 208-21, 2013. doi: http://dx.doi.org/10.5700/rausp1083
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) abordaram a eficiência do sistema judiciário, considerando os gastos e a produtividade de magistrados e tribunais. Essas evidências empíricas contribuem para a literatura de eficiência e permitem compreender a dinâmica dos recursos públicos, seus gargalos e resultados, além de implementar, em alguns casos (como no Brasil), metodologias de análise de produtividade por região.

A elaboração e, especialmente, a readequação de políticas públicas devem utilizar estudos empíricos como parâmetros, para que, em termos de efetividade, possam apresentar impactos gerados pelas decisões de policy-makers. Neste contexto, a presente pesquisa tem o objetivo de analisar a produtividade dos Tribunais Regionais Federais (TRF) brasileiros, a partir do comportamento dos magistrados e dos resultados gerados pelos serviços para a sociedade, considerando o período de 2012 a 2016. Trata-se de um estudo de caráter exploratório, mediante a utilização de método de análise quantitativo. A pesquisa apresenta ainda um modelo microeconômico de utilidade do juiz, a partir do arcabouço teórico de Posner.

2 Revisão bibliográfica

2.1 Produtividade na Administração Pública

Pesquisas sobre eficiência e produtividade vem crescendo exponencialmente desde o estudo de Farrell (1957)FARRELL, M. J. The measurement of productive efficiency. Journal of the Royal Statistical Society, [Wiley], v. 120, n. 3, p. 253-90, 1957. Doi: http://www.jstor.org/stable/2343100
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. A produtividade é um conceito abrangente e aplicável de várias formas, mas, no setor público, sua aplicação ainda é controversa e pouco explorada, principalmente no caso brasileiro, em que o servidor público conta com estabilidade de emprego, e o sistema não reflete a mesma objetividade e eficiência da iniciativa privada. Existem grandes desafios a serem superados a respeito do tema, e, para Gomes e Guimarães (2013), bens e serviços produzidos pelo setor público, por vezes, não são facilmente perceptíveis, o que implica a necessidade de utilização de indicadores intermediários. Este parece ser o caso do Poder Judiciário, em que uma parcela considerável dos resultados gerados é intangível e difícil de ser avaliada.

Nas últimas décadas, vários autores de renome – como Posner (1993)POSNER, R. What do judges and justices maximize? (The Same Thing Everybody Else Does. Supreme Court Economic Review, Chicago, v. 3, p. 1-44, 1993., Hettinger, Lindquist e Martinek (2007)HETTINGER, V. A.; LINDQUIST, S. A.; MARTINEK, W. L. Judging on a collegial court: influences on federal appellate decision making. Virginia: University of Virginia Press, 2007., Rubin (2007)RUBIN, P. The evolution of efficient common law. Cheltenham: Edward Elgar Publishing, 2007. e Cohen (2009)COHEN, J. M. Inside appellate courts: the impact of court organization on judicial decision making in the United States courts of appeals. Michigan: University of Michigan Press, 2009. – investigaram a questão do desempenho e da eficiência judiciária. A maioria dos estudos analisa a ineficiência do processo judicial, que leva à queda da produtividade e diminuição da qualidade das decisões. Um subconjunto desses estudos sugere ou crítica prescrições alternativas, que podem aumentar a eficiência (BAKER, 2008BAKER, S. Should We Pay Federal Circuit Judges More. Boston University Law Review, [s.l.], v. 88, n. 63, Boston, 2008.; BINDER; MALTZMAN, 2009BINDER, S. A.; MALTZMAN, F. Advice and dissent: the struggle to shape the federal judiciary. Washington: Brookings Institution Press, 2009. 198 p. Doi: http://www.jstor.org/stable/10.7864/j.ctt6wpgnk
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; CECIL, 1985CECIL, J. S. Administration of Justice in a large appellate court: the ninth circuit innovations project. Federal Judicial Center, Washington, v. 85, n. 9, p. 37-119, 1985.; LINDQUIST; MARTINEK; HETTINGER, 2007LINDQUIST, S. A.; MARTINEK, W. L.; HETTINGER, V. A. Split decisions: explaining mixed outcomes on the United States courts of appeals. Law and Society Review, [s.l.], v. 41, n. 2, p. 429-56. 2007.). No entanto alguns estudos foram além da eficiência e tentaram identificar de forma mais abrangente e empírica as patologias ou as causas de ineficiência, enquanto testavam simultaneamente a eficácia das várias prescrições. Sistemas jurídicos foram investigados por Marquesi (2008)MARQUESI, D. L’enforcement Delle Regole – problemi di efficienza della giustizia civile, riforme intraprese e riforme possibili. ISAE-Roma, [s.l.], v. 24, n. 3, p. 351-69, 2008., que trabalhou mais extensivamente para analisar os tribunais italianos e estimou uma função de requerimento. Castro e Guccio (2014)CASTRO, M. F.; GUCCIO, C. Searching for the source of technical inefficiency in italian judicial districts: an empirical investigation. European Journal of Law and Economics, [Springer], v. 38, n. 3, p. 369-91, 2014. analisaram os tribunais distritais, usando uma Análise por Envoltória de Dados (DEA, do inglês Data Envelopment Analysis) em dois estágios, além da técnica semiparamétrica criada por Simar e Wilson (2007)SIMAR, L.; WILSON, P. W. Estimation and Inference in two-stage, semi-parametric models of production processes. Journal of Econometrics, [Elsevier], v. 136, n. 1, p. 31-64, 2007., demonstrando que a eficiência é explicada por fatores de demanda e, assim, sustentando a visão de que o comportamento oportunista de reclamantes e advogados tem um impacto negativo sobre a demanda.

De acordo com Peyrache e Zago (2016b), o estudo de Lewin, Morey e Cook (1982)LEWIN, A. Y.; MOREY, R. C.; COOK, T. J. Evaluating the administrative efficiency of courts. Omega, [s.l.], v. 10, n. 4, p. 401-11, 1982. doi: https://doi.org/10.1016/0305-0483(82)90019-6
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é provavelmente o primeiro sobre eficiência, com lastro nos dados dos tribunais superiores criminais da Carolina do Norte, usando a medida orientada para insumos do CCR, desenvolvida por Charnes, Cooper e Rhodes (1978)CHARNES, A.; COOPER, W. W.; RHODES, E. Measuring the efficiency of decision making units. European Journal of Operational Research, [s.l.], v. 2, n. 6, p. 429-44, 1978. doi: https://doi.org/10.1016/0377-2217(78)90138-8
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. Aquele estudo considerava duas saídas – o número de casos definidos e o número de casos pendentes há menos de 90 dias – e cinco entradas, entre as quais o estoque de processos pendentes no final do ano.

Kittelsen e Førsund (1992)KITTELSEN, S. A. C.; FØRSUND, F. R. Efficiency analysis of norwegian district courts. Journal of Productivity Analysis, v. 3, n. 3, p. 277-306, 1992. doi: https://doi.org/10.1007/BF00158357
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investigaram a eficiência técnica à la Banker (1993)BANKER, R. D. Maximum likelihood, consistency and data envelopment analysis: a statistical foundation. Management Science, [s.l.], v. 39, n. 10, p. 1265-73, 1993. doi: https://doi.org/10.1287/mnsc.39.10.1265
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e calcularam um índice Malmquist de produtividade para analisar tribunais noruegueses. Embora tenham considerado apenas dois insumos (juízes e demais funcionários), eles avaliaram sete categorias de casos como saídas diferentes, levando em conta a heterogeneidade de diferentes casos em termos de complexidade e tempo gasto. Falavigna, Ippoliti e Ramello (2018)FALAVIGNA, G.; IPPOLITI, R.; RAMELLO, G. B. DEA-Based malmquist productivity indexes for understanding courts reform. Socio-Economic Planning Sciences, [s.l.], v. 62, p. 31-43, 2018. doi: https://doi.org/10.1016/j.seps.2017.07.001
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utilizaram o DEA com uma abordagem de função de distância direcional para investigar a eficiência técnica de 103 tribunais tributários, usando, como output, casos definidos.

Alguns estudos analisaram o comportamento dos magistrados e suas características, como Landes, Lessig e Solimine (1998)LANDES, W. M.; LESSIG, L.; SOLIMINE, M. E. Judicial influence: a citation analysis of federal courts of appeals judges. The Journal of Legal Studies, [s.l.], v. 27, n. 2, p. 271-332, 1988. doi: https://doi.org/10.1086/468022
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, que exploram padrões de citação nos tribunais federais, e descobriram que juízes de escolas de direito de elite escrevem opiniões que são citadas com mais frequência do que outras. Christensen e Szmer (2012)CHRISTENSEN, R. K.; SZMER, J. Examining the efficiency of the U.S. courts of appeals: pathologies and prescriptions. International Review of Law and Economics, v. 32, n. 1, p. 30-37, 2012. doi: https://doi.org/10.1016/j.irle.2011.12.004
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examinaram os atrasos, afirmando que os juízes mais experientes são mais lentos, e que os graduados das escolas de elite são mais rápidos. Choi, Gulati e Posner (2011)CHOI, S. J.; GULATI, M.; POSNER, E. A. What do Federal District judges want? – an analysis of publications, citations, and reversals. The Journal of Law, Economics & Organization, Oxford, [s.l.], v. 28, n. 3, p. 518-49, 2011. estudaram as publicações entre os juízes dos tribunais distritais dos EUA e descobriram que os graduados das faculdades de elite publicam mais. Outros trabalhos empíricos têm análise vinculada às citações, como é o caso de Klein e Morrisroe (1999)KLEIN, D.; MORRISROE, D. The prestige and influence of individual judges on the U.S. courts of appeals. The Journal of Legal Studies, Chicago, v. 28, n. 2, p. 371-91, 1999. Doi: http://www.jstor.org/stable/10.1086/468055
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, que examinara referências ao nome de um magistrado como medida de prestígio, tentando prever o prestígio com variáveis de nível hierárquico de juiz – Bhattacharya e Smyth (2001)BHATTACHARYA, M.; SMYTH, R. The determinants of judicial prestige and influence: some empirical evidence from the high court of Australia. The Journal of Legal Studies, Chicago, v. 30, n. 1, p. 223-52, 2001. Doi: http://www.jstor.org/stable/10.1086/468117
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usaram a métrica de prestígio de Klein e Morrisroe (1999)KLEIN, D.; MORRISROE, D. The prestige and influence of individual judges on the U.S. courts of appeals. The Journal of Legal Studies, Chicago, v. 28, n. 2, p. 371-91, 1999. Doi: http://www.jstor.org/stable/10.1086/468055
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para estudar as cortes australianas.

Os atrasos judiciais e seus determinantes foram investigados por vários autores, entre eles, Lindquist, Martinek e Hettinger (2007)LINDQUIST, S. A.; MARTINEK, W. L.; HETTINGER, V. A. Split decisions: explaining mixed outcomes on the United States courts of appeals. Law and Society Review, [s.l.], v. 41, n. 2, p. 429-56. 2007., Cauthen e Latzer (2008)CAUTHEN, J. N. G.; LATZER, B. Why so long? Explaining processing time in capital appeals. Justice System Journal, [s.l.], v. 29, n. 3, p. 298-312, 2008., Cecil (1985)CECIL, J. S. Administration of Justice in a large appellate court: the ninth circuit innovations project. Federal Judicial Center, Washington, v. 85, n. 9, p. 37-119, 1985. e Binford e Taylor (2007)BINFORD, P. C.; GREENE, W. W.; TAYLOR, H. A. Seeking best practices among intermediate courts of appeal: a nascent journey. Justice System Journal, [s.l.], v. 2, n. 9, p. 37-119, 2007.. E a relação entre a produtividade judicial e o número de processos nos tribunais foi examinada por Beenstock e Haitovsky (2004)BEENSTOCK, M.; HAITOVSKY, Yoel. Does the appointment of judges increase the output of the judiciary? International Review of Law and Economics, [s.l.], v. 24, n. 3, p. 351-69, 2004. Doi: https://doi.org/10.1016/j.irle.2004.10.006
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.

2.2 Comportamento dos juízes

O funcionamento dos tribunais está centrado nos magistrados, e, consequentemente, a produtividade dos juízes afeta diretamente os resultados. Com base nas contribuições seminais de Cooter (1983)COOTER, R. D. The objectives of private and public judges. Public Choice, v. 1, n. 41, p. 41-107. 1983. e Posner (1993)POSNER, R. What do judges and justices maximize? (The Same Thing Everybody Else Does. Supreme Court Economic Review, Chicago, v. 3, p. 1-44, 1993. sobre como os incentivos afetam o comportamento dos juízes em termos de esforço e escolhas, a partir da década de 1990, vários pesquisadores tentaram identificar os determinantes da produtividade em relação aos tribunais e juízes.

Beenstock e Haitovsky (2004)BEENSTOCK, M.; HAITOVSKY, Yoel. Does the appointment of judges increase the output of the judiciary? International Review of Law and Economics, [s.l.], v. 24, n. 3, p. 351-69, 2004. Doi: https://doi.org/10.1016/j.irle.2004.10.006
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aplicaram o modelo de maximização da utilidade às decisões judiciais, concentrando-se em juízes distritais federais de Israel. Os modelos de utilidade foram também utilizados por Landes, Lessig e Solimine (1998)LANDES, W. M.; LESSIG, L.; SOLIMINE, M. E. Judicial influence: a citation analysis of federal courts of appeals judges. The Journal of Legal Studies, [s.l.], v. 27, n. 2, p. 271-332, 1988. doi: https://doi.org/10.1086/468022
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e Choi, Gulati e Posner (2011)CHOI, S. J.; GULATI, M.; POSNER, E. A. What do Federal District judges want? – an analysis of publications, citations, and reversals. The Journal of Law, Economics & Organization, Oxford, [s.l.], v. 28, n. 3, p. 518-49, 2011., que analisaram os tribunais norte-americanos, especialmente quanto ao nível educacional dos juízes. A experiência dos juízes é um dos determinantes do período de decisão, e há características organizacionais que afetam o resultado geral (CHOI; GULATI; POSNER, 2011CHOI, S. J.; GULATI, M.; POSNER, E. A. What do Federal District judges want? – an analysis of publications, citations, and reversals. The Journal of Law, Economics & Organization, Oxford, [s.l.], v. 28, n. 3, p. 518-49, 2011.; PEYRACHE; ZAGO, 2016PEYRACHE, A.; ZAGO, A. Large courts, small justice! – the inefficiency and the optimal structure of the italian justice sector. Omega, [s.l.], v. 64, p. 42-56, 2016. doi: https://doi.org/10.1016/j.omega.2015.11.002
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a). Taha (2004)TAHA, A. Publish or Paris? – evidence of how judges allocate their time. American Law and Economics Review, [s.l.], v. 6, n. 11, p. 1-27, 2004. adotou o modelo de maximização da utilidade, focalizando os juízes federais dos EUA e seus hábitos de decisão editorial, com resultados que confirmam a orientação econômica das escolhas judiciais.

O artigo de Tomio e Robl Filho (2013)TOMIO, F. R. L.; ROBL FILHO, I. N. Accountability e independência judiciais: uma análise da competência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 21, n. 45, p. 29-46, 2013. analisou a competência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a partir de sua independência, autonomia e autogoverno. O estudo verifica a correlação entre independência e os mecanismos de accountabilities e controle, como forma de eficiência e gestão. Neste contento de eficiência, a Análise Econômica do Direito permitiu expandir os horizontes da pesquisa na área das ciências sociais aplicadas, em que apresenta abordagem baseada no comportamento dos indivíduos a partir de incentivos econômicos e sociais que ampliam o debate científico.

Para Silva e Staack (2017)SILVA, G. R.; STAACK, A. L., Análise econômica do direito por Richard Posner e os direitos sociais: uma abordagem cruzada. Revista de Direito, Economia e Desenvolvimento Sustentável, Florianópolis, v. 3, n. 1, 2017., a Análise Econômica do Direito desenvolvida por Richard Posner conceitua a origem e a estruturação dos Direitos Sociais em âmbito internacional e nacional. Por outro lado, Heinen (2012)HEINEN, L. R. A Análise Econômica do Direito de Richard Posner e os pressupostos irrealistas da economia neoclássica. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI/UFF, 21., 31 out., 1º a 3 nov. 2012. Anais [...]. Niterói: UFF, 2012. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=991c0955da231335. Acesso em: 15 jun. 2016.
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trata dos pressupostos teóricos da economia neoclássica e seu comportamento em razão de mudanças no cenário econômico mundial pós-crise financeira de 2008.

A partir da contribuição de Posner (1999)POSNER, R. A. The federal courts: challenge and reform. Edição revisada. Cambridge: Harvard University Press, 1999. e Beenstock e Haitovsky (2004)BEENSTOCK, M.; HAITOVSKY, Yoel. Does the appointment of judges increase the output of the judiciary? International Review of Law and Economics, [s.l.], v. 24, n. 3, p. 351-69, 2004. Doi: https://doi.org/10.1016/j.irle.2004.10.006
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, a presente pesquisa apresenta um modelo teórico de comportamento racional dos magistrados, em que os incentivos afetam o comportamento.

Nesse sentido, a pesquisa identifica duas variáveis principais que podem afetar a utilidade do juiz (esforço e estoque de casos pendentes), com objetivo de analisar as características individuais dos magistrados e as características estruturais dos tribunais, que podem apresentar as ineficiências do sistema judicial pelo tempo necessário para chegar a uma decisão. Para a elaboração dos modelos teóricos, os parâmetros foram construídos na próxima seção como apoio aos procedimentos metodológicos do artigo.

3 Procedimentos metodológicos

3.1 Modelo teórico

Para este estudo, foi definido um modelo microeconômico de agente representativo simples a partir da abordagem teórica de Posner. O modelo de agente representativo motiva a análise empírica e denota que é o estoque de casos pendentes para determinado tribunal, e a diferença entre casos novos e casos pendentes é S, ou seja, é a taxa de congestionamento. Por fim, casos finalizados se denotam por C, assumindo-se K = SC∆K.

A utilidade do juiz pressupõe que sua produtividade, medida pela conclusão dos casos, é elástica e responde a incentivos econômicos. Espera-se que a nomeação de novos magistrados reduza a produtividade dos juízes existentes, já que a carga de trabalho de cada juiz em exercício se tornaria mais leve, em média, e, no limite, os resultados podem cair de forma intensa.

A utilidade do magistrado assume U = U (E,K), em que E denota o esforço do juiz e K o estoque de casos pendentes. Assim, UE < 0 e UK < 0, ou seja, os juízes diminuem os esforços e preferem ter menor acúmulo de casos. Supõe-se que a utilidade marginal diminua em E e K, sendo UEE < 0 e UKK < 0 . E a função de produção tem forma quadrática e um ponto de máximo para as conclusões de casos C (E), em que CE > 0 e CEE . A utilidade marginal é positiva e diminui, e a utilidade do magistrado pode ser representada em função do tempo de carreira (T) e com uma taxa de desconto r, pois os juízes valorizam o lazer ou obtêm desutilidade do esforço.

U=0TU(t)ertdt+f(K(T))

A função ƒ () é especificada para garantir que os juízes não carreguem uma alta carga de casos pendentes para a aposentadoria. Uma restrição natural é K (T) = 0. A dinâmica do sistema funciona de acordo com a função (H) hamiltoniana, em que se define um sistema dinâmico que verifique as condições de máximo por meio das relações:

H=U(E,K)ert+λ(SC(E)ΔK)

Em que λ é uma variável de custo igual aos casos pendentes. S é assumido como sendo decidido exogenamente pelo presidente do Tribunal, e as condições de primeira ordem são:

UEertλCE=0˙λ=UKertλS

Com condição de transversalidade λT = ƒK (T), e a condição de segunda ordem:

2HE2=UEEertλCEECEλE<0

No estado estacionário $= = 0 $, e a restrição implica a relação entre E e K:

dEdK=δCE<0,d2EdK2=δCEECE2<0

As condições de primeira ordem implicam:

dEdK=(CE/δ)UKKUKEUEE(CE/δ)UKE(UK/δ)CEE>0

Assim, o equilíbrio inicial propõe que o juiz é alocado com esforço E0, o que implica um acúmulo de casos K0. O número de casos baixados é, portanto, C0 = S0 – δK0 = C(E0).

Para a análise empírica, foram avaliadas as cinco regiões brasileiras que os Tribunais Regionais Federais atendem; os dados de 2012 a 2016 foram analisados a partir do software R, e o banco de dados é aberto e está disponível no site do Conselho Nacional de Justiça3 3 https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/corregedoria-geral-da-justica-federal/estatisticas-da-justica-federal-1/estatisticas-dos-tribunais . A descrição dos dados está na próxima seção.

3.2 Dados

Os dados consistem em observações anuais sobre a Justiça Federal brasileira, ramo integrante da estrutura do Poder Judiciário, que é composta pelos Tribunais Regionais Federais e pelos juízes federais. Localizada nas capitais das unidades da Federação, as seções judiciárias são formadas por um conjunto de varas federais, onde atuam os magistrados federais (CNJ, 2018CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA [CNJ]. Justiça em números: ano-base 2017. Brasília: CNJ, 2018. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/. Acesso em: 10 mar. 2020.
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). O segundo grau de jurisdição da Justiça Federal é composto por cinco Tribunais Regionais Federais, com sedes em Brasília (TRF 1a Região), Rio de Janeiro (TRF 2a Região), São Paulo (TRF 3a Região), Porto Alegre (TRF 4a Região) e Recife (TRF 5a Região).

Os TRF englobam duas ou mais seções judiciárias, conforme definido a seguir:

Tabela 1
Divisão dos TRF por região e cidades.

De acordo com a CNJ (2018)CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA [CNJ]. Justiça em números: ano-base 2017. Brasília: CNJ, 2018. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/. Acesso em: 10 mar. 2020.
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, o primeiro grau do Poder Judiciário está estruturado em 16.053 unidades judiciárias, sendo 11.230 varas estaduais, trabalhistas e federais (70%); 1.751 (10,9%) juizados especiais; 3.040 (18,9%) zonas eleitorais; 13 auditorias militares estaduais; e 19 auditorias militares da União. A maioria das unidades judiciárias pertence à Justiça Estadual, que possui 10.433 varas e juizados especiais e 2.740 comarcas, ou seja, 49,2% dos municípios brasileiros são sede do Judiciário. A Justiça do Trabalho está sediada em 624 municípios, e a Justiça Federal, em 276; isto é, em, respectivamente, 11,2% e em 5% dos municípios. Os gastos do Poder Judiciário em 2016 foram de 89,5% em recursos humanos, com montante de R$ 75.948.590.205. O tempo médio de execução de processos é de sete anos e sete meses, de acordo com a CNJ (2018)CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA [CNJ]. Justiça em números: ano-base 2017. Brasília: CNJ, 2018. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/. Acesso em: 10 mar. 2020.
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.

Tabela Estatística descritiva dos dados utilizados no modelo e do Índice de Produtividade do Magistrado (IPM):

Tabela 2
Estatística dos Dados

3.3 Índices

I P M =  Baixados   Magistrados 

O presente artigo utiliza abordagem quantitativa, com análise descritiva dos dados e análise econométrica. Para cálculo do Índice de Produtividade do Magistrado, foi utilizada a seguinte fórmula:

Sendo a variável “Baixados” o número de processos concluídos no período analisado, e a variável Magistrados, que é o número de magistrados nos TRF no período analisado. Para o cálculo

IPS= Baixados  Servidores 
do IPS, foram utilizadas as variáveis de processos baixados (Baixados) e a variável Servidores, que
TC=1TP[BTCN+TCP
é o número de servidores (funcionários dos tribunais) alocados nos TRF no período analisado, excluindo servidores e magistrados aposentados.

A Taxa de Congestionamento (TC) dos TRF é medida pela equação:

Em que as variáveis são: TPJB – Total de processos judiciais baixados; TCN – Total de casos novos; e TCP – Total de casos pendentes.

Entre as diversas limitações deste trabalho, a ausência de uma análise qualitativa das sentenças e decisões colegiadas que geram os processos baixados é uma falha, indicando a necessidade de criação de estudos empíricos, com lastro em dados mensuráveis, a respeito do tema. Na pesquisa aqui realizada, o foco está na quantidade de processos baixados, indicando que, embora um número significativo dessas ações possa ter chegado ao fim sem a influência dos magistrados e servidores dos TRF (como nos casos de desistência processual, por exemplo), quanto maior o número de processos baixados, mais eficientes são os Tribunais Regionais Federais.

4 Resultados e discussão

Os resultados do presente estudo foram obtidos de acordo com o modelo teórico (seção 3.1), os dados (seção 3.2) e procedimentos metodológicos (seção 3.3) propostos. A representação de tais resultados foi distribuída da seguinte forma: Figura 1, que apresenta a correlação e o histograma de produtividade (IPM e IPS) dos Tribunais Regionais Federais; Figura 2, com as despesas e os números de processos (tramitando, pendentes e julgados) dos TRF; e Figura 3, apresentando uma relação entre o número de trabalhadores (servidores e magistrados) a serviço dos Tribunais Regionais Federais e as taxas de eficiência dos servidores (IPS) e dos magistrados (IPM).

Figura 1
Correlação e histograma da produtividade (2012-2016)

A análise dos dados indica que a correlação entre a produtividade dos juízes (IPM) e a dos servidores (IPS) é positiva e alta, evidenciando, em especial, uma dependência entre a eficiência dos magistrados e a produtividade dos Tribunais Federais Regionais. Considerando os dois grupos, as frequências e a escala de eficiência dos magistrados e demais funcionários dos TRF demonstram uma diferença fundamental, pois, apesar de haver dependência mútua, a escala de produtividade é consideravelmente maior para juízes, ou seja, o Índice de Produtividade dos Magistrados puxa para cima, em uma relação de dependência, o Índice de Produtividade dos Servidores.

A análise de correlação e histograma da produtividade indica também uma influência do IPS na produtividade dos juízes, mas esta dependência dos magistrados em relação à eficiência dos demais servidores é consideravelmente mais tênue. Na prática, caso se queira promover políticas públicas com vistas à eficiência dos TRF, a seleção e, durante o exercício da magistratura, os incentivos à produtividade de cada magistrado deveriam ser prioridade, já que o rendimento dos juízes exerce grande influência sobre Índice de Produtividade dos Servidores. No âmbito da Administração Pública, o alcance da máxima eficiência é plenamente desejável e, portanto, servidores mais produtivos constituem uma das prerrogativas para a construção de um Estado mais eficiente. Todavia, diante da escassez de recursos disponíveis à implementação de políticas públicas, considerando apenas a primeira etapa de uma modernização gradual dos TRF, seria mais adequado investir em editais de seleção e, consequentemente, de promoção de juízes mais produtivos (Figura 1).

Figura 2
Despesas e processos dos TRF (2012-2016)

Considerando o mesmo período amostral de dados relativos aos TRF, a Figura 2 traz o dispêndio (em milhões de reais) e os números de processos (tramitando, pendentes e julgados). Ano após ano, as despesas dos Tribunais Regionais Federais aumentaram vertiginosamente, enquanto o número de processos, em tramitação e pendentes, ascendeu também, apesar do ligeiro declínio entre 2014 e 2015. Em razão desses dados (mais despesas e maior número de ações tramitando), seria de se esperar uma ampliação do número de processos julgados, o que, contraintuitivamente, não ocorreu nos Tribunais Regionais Federais. Resumidamente, a análise dos dados traduzidos na forma da Figura 2 reitera uma inferência que, para a iniciativa privada, é bastante clara: majorar as despesas de produção (gastos dos TRF, no caso) não necessariamente acarreta mais resultados positivos (processos julgados, no presente estudo). Entretanto a Administração Pública brasileira, notadamente no caso dos Tribunais Regionais Federais, parece agir como se estivesse imune à escassez de recursos, regra que norteia o próprio conceito de Economia.

Como aproximadamente 90% dos gastos do Poder Judiciário de 2016 estavam atrelados a despesas com pessoal (CNJ, 2018CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA [CNJ]. Justiça em números: ano-base 2017. Brasília: CNJ, 2018. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/. Acesso em: 10 mar. 2020.
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), seria possível afirmar que, apesar de “investir” cada vez mais em recursos humanos, os TRF não têm conseguido transformar estas despesas em resultados esperados – não em termos de processos julgados.

Figura 3
Número de Magistrados e Servidores dos TRF (2012-2016)

A Figura 3 apresenta uma análise dos dados relativos à variação do número de magistrados e servidores e, respectivamente, de seus índices de produtividade, IPM e IPS. Apesar de um pequeno declínio (2014-2015) seguido por uma relativa estabilização (2015-2016), houve uma majoração significativa da quantidade de magistrados e servidores a serviço dos TRF, totalizando, em 2016, mais de 30 mil trabalhadores ativos nesses Tribunais. Paralelamente, a produtividade de magistrados (IPM) e de servidores (IPS) não seguiu o mesmo caminho, desmoronando ano após ano.

Há uma clara diferença de escala entre o número de juízes (menos de 1.700, em 2016) e demais funcionários (quase 29.000, naquele mesmo ano) à disposição dos Tribunais, mas esta diferença não é suficiente para desqualificar a relação inversa entre número de trabalhadores dos TRF e seus respectivos índices de produtividade. Embora se trate de discurso incomum no âmbito da Administração Pública, a presente análise indica que, nos Tribunais Regionais Federais, contratar mais magistrados e servidores não torna os TRF mais produtivos. Os resultados corroboram as hipóteses de Posner (1999)POSNER, R. A. The federal courts: challenge and reform. Edição revisada. Cambridge: Harvard University Press, 1999., Beenstock e Haitovsky (2004)BEENSTOCK, M.; HAITOVSKY, Yoel. Does the appointment of judges increase the output of the judiciary? International Review of Law and Economics, [s.l.], v. 24, n. 3, p. 351-69, 2004. Doi: https://doi.org/10.1016/j.irle.2004.10.006
https://doi.org/10.1016/j.irle.2004.10.0...
e Choi, Gulati e Posner (2011)CHOI, S. J.; GULATI, M.; POSNER, E. A. What do Federal District judges want? – an analysis of publications, citations, and reversals. The Journal of Law, Economics & Organization, Oxford, [s.l.], v. 28, n. 3, p. 518-49, 2011., os quais já apresentaram outras evidências de que, no âmbito dos sistemas judiciários, o aumento de trabalhadores (magistrados e servidores) diminui a produtividade.

5 Considerações finais

Fazendo uma comparação desataviada, os Tribunais Regionais Federais são como uma piscina, que – já em processo de transbordo – recebe cada vez mais água (processos em tramitação) por uma tubulação de amplo diâmetro (litigantes), enquanto contrata cada vez mais trabalhadores (magistrados e servidores) para retirar parte da água (processos baixados), sem maiores preocupações com baldes (ferramentas tecnológicas aplicáveis à solução de processos) ou com a taxa de transbordamento (deficiência na prestação jurisdicional). Faria sentido contratar mais pessoal para aumentar o ritmo de esvaziamento desta piscina imaginária, não fosse o fato de que os contratados, notadamente os magistrados, maiores influenciadores dos TRF em termos de produtividade, tivessem incentivos com vistas à produtividade, sendo recompensados em função da quantidade de água retirada (processos baixados), mas esta não é a realidade dos Tribunais Regionais Federais.

Com relação às despesas dos TRF, sempre crescentes no espaço amostral do presente estudo, há pouco espaço de manobra para os tomadores de decisão no âmbito da Administração Pública, pois a maior parte dos recursos do Judiciário está destinada ao pagamento de pessoal, o que, em termos econômicos, representa uma dificuldade adicional para a alocação eficiente dos recursos. Afinal, dadas as regras de estabilidade do funcionalismo público e diante da impossibilidade de redução salarial de magistrados e servidores, restam parcos recursos para o investimento em inovação, por exemplo, nos Tribunais Regionais Federais.

Todavia é positivo notar que, apesar de apresentarem conclusões desafiadoras, pesquisas relacionadas à eficiência (mensurável) dos serviços públicos têm invadido as publicações científicas, pois a mera discussão técnica de um assunto de tamanha relevância, como é o caso da eficiência do Poder Judiciário, pode ser o começo de um Estado mais justo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2019
  • Revisado
    17 Jul 2020
  • Aceito
    24 Jul 2020
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