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Velejar e observar: percepções sobre os serviços ecossistêmicos culturais de acordo com os participantes do projeto “Escolinha de Vela Rio São João” (RJ)

Sail and observe: perceptions of cultural ecosystem services according to the participants of the social project “Escolinha de Vela Rio São João” (RJ)

Navegar y observar: percepciones sobre los servicios ecosistémicos culturales de acuerdo con los participantes del proyecto “Escolinha de Vela Rio São João” (RJ)

Resumo

Em 2015, foi criado o projeto socioesportivo “Escolinha de Vela Rio São João”, com o objetivo de introduzir o esporte náutico como ferramenta educativa para crianças e adolescentes em risco social da região. O objetívo deste trabalho foi avaliar os serviços ecossistêmicos culturais do Rio São João na ótíca dos integrantes do projeto social. O estudo se deu na sede do projeto por meio de entrevistas semiestruturadas com os participantes, seguidas da análise das entrevistas. Os resultados mostraram que existe correlação positiva entre os serviços culturais ecossistêmicos estéticos e os de lazer e turismo. Entre os serviços estéticos, destacam-se a beleza cênica do pôr do sol, o visual do Morro de São João e a Ponte Quebrada; enquanto os de Herança Cultural, baseados no aprendizado associado aos rios, também se destacaram. A percepção dos (des)serviços culturais ecossistêmicos também apresentaram uma alta frequência entre os entrevistados, principalmente aqueles (des)serviços associados à poluição e periculosidade de alguns locais do Rio São João. Conclui-se que os serviços ecossistêmicos culturais relevantes para os participantes deste projeto social são aqueles ligados ao lazer, à estética, e aos aprendizados de herança cultural. Projetos sociais são criados com o objetivo de mudar a realidade de crianças, adolescentes e até de adultos em situação de vulnerabilidade social. Assim, a preservação do ambiente em que este projeto desempenha as suas atividades é crucial para cumprir sua função.

Palavras-chave
bacia hidrográfica; projeto social; sustentabilidade; esporte

Abstract

In 2015, the socio-sports project “Escolinha de Vela Rio São João” was created to introduce water sports as an educational tool for children and teenagers at social risk in the region. The objective of this work was to evaluate the cultural ecosystem services of Rio São João from the perspective of the members of the social project. The study took place at the project headquarters through semi-structured interviews with the participants, followed by an analysis of the interviews. The results showed a positive correlation between aesthetic ecosystem cultural services and leisure and tourism services. Among the aesthetic services, the scenic beauty of the sunset, the view of Morro de São João, and the broken bridge stood out, while those of cultural heritage, based on learning associated with rivers, also stood out. The perception of ecosystem cultural (dis)services also showed a high frequency among respondents, especially those (dis)services associated with pollution and dangerousness in some places on the São João River. This study concluded that the cultural ecosystem services relevant to the project participants are those related to leisure, aesthetics, and cultural heritage learning. Social projects are created to change the reality of children, adolescents, and even adults in situations of social vulnerability. Thus, the preservation of the environment in which this project carries out its activities is crucial to fulfilling its function.

Keywords
hydrographic basin; social project; sustainability; sport

Resumen

En 2015, se creó el proyecto socio-deportivo “Escolinha de Vela Rio São João”, con el objetivo de introducir deportes acuáticos como herramienta educativa para niños y adolescentes en riesgo social en la región. El objetivo de este trabajo fue evaluar los servicios culturales del ecosistema del río São João desde la perspectiva de los miembros del proyecto social. El estudio se llevó a cabo en la sede del proyecto a través de entrevistas semiestrueturadas con los participantes, seguido del análisis de las entrevistas. Los resultados mostraron una correlación positiva entre los servicios culturales del ecosistema estético y los servicios de ocio y turismo. Entre los servicios estéticos, se destacan la belleza escénica de la puesta del sol, la vista del Morro de São João y el puente roto; mientras que también se destacaron los servicios de herencia cultural, basados en aprendizajes asociados a los ríos. La percepción de los (des)servicios culturales de los ecosistemas también mostró una alta frecuencia entre los encuestados, especialmente aquellos (des)servicios asociados con la contaminación y la peligrosidad en algunos lugares del río São João. Se concluye que los servicios del ecosistema cultural relevantes para los participantes del proyecto son aquellos relacionados con el ocio, la estética y aprendizaje de la herencia cultural. Los proyectos sociales se crean con el objetivo de cambiar la realidad de niños, niñas, adolescentes e incluso adultos en situación de vulnerabilidad social, por lo que preservar el entorno en el que este proyecto desarrolla sus actividades es fundamental para cumplir su función.

Palabras clave
cuenca hidrográfica; proyectos sociales; sostenibilidad; deporte

1 INTRODUÇÃO

Na década de 1970, iniciou-se. com o ciclo do petróleo, uma nova fase do desenvolvimento no estado do Rio de Janeiro, especialmente nas regiões dos Lagos e Norte Fluminense. Com a descoberta do primeiro poço em águas profundas da Bacia de Campos, que se estende das imediações da cidade de Vitória (ES) até Arraial do Cabo. no litoral norte do Rio de janeiro, a economia do petróleo vem exercendo, desde então, uma grande influência sobre o desenvolvimento econômico, social e ambiental nesta região (Esteves, 2011ESTEVES, Francisco. Do índio Goytacá à economia do petróleo: uma viagem pela História e ecologia da maior restinga protegida do Brasil. Campos dos Goytacazes: Essentia Editora. 2011.).

Neste contexto, o petróleo trouxe o desenvolvimento econômico de forma acelerada para a Região dos Lagos e Norte Fluminense, assim como outras economias o fizeram em períodos passados, como. por exemplo, o ciclo do açúcar, no século XIX. que aqueceu a região diante da exploração em escala ampla de grandes áreas de fitofisionomias nativas, desmatadas por grandes fazendeiros para viabilização do cultivo (Sofiatti, 2005SOFFIATI, Arthur. História das ações antrópicas sobre os ecossistemas vegetais nativos das regiões norte e noroeste do estado do Rio de Janeiro. Perspectivas, Campos dos Goytacazes, v. 4, n. 7, p. 67-79, 2005.). assim como a exploração do sal. que impulsionou a economia desta região, por meio da Companhia Nacional de Álcalis, entre as décadas de 1940 e 1960 (Pereira, 2010PEREIRA, Walter Luiz de Mattos. Vagas da modernidade: a Companhia Nacional de Álcalis em Arraial do Cabo (1943-964). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 23, n. 46, p. 321-43, 2018. [Programa de Educação Ambiental PEA- Bacia de Campos]. Disponível em: http://peabc.ibp.org.br/index.php?viewHinha-acao. 2010. Acesso em: 20 maio 2022.
http://peabc.ibp.org.br/index.php?viewHi...
). Desta forma, como ocorre em parte das atividades humanas baseadas na exploração dos ecossistemas, todos os períodos econômicos mencionados foram sucedidos pela desvalorização e perda de muitos recursos naturais, o que desencadeou sérios prejuízos socioambientais.

No entanto, ao longo da história, nenhuma atividade econômica atraiu tantos trabalhadores para a região como a economia do petróleo, que trouxe muitas consequências negativas, como o chamado “inchaço populacional” nos municípios próximos à Bacia de Campos. Isto se deu. em grande parte, pela instalação de uma complexa cadeia de empresas prestadoras de serviços. inicialmente no município de Macaé. causando o aumento populacional e. consequentemente. um processo desorganizado de urbanização dos municípios próximos, o que causou uma série de impactos negativos ao meio ambiente. Podemos ressaltar a ocupação de áreas naturais para construção de imóveis, estradas, indústrias, entre outras obras que ocorreram às custas do desmatamento da mata nativa e do aterro de diferentes corpos hídricos, assim como o lançamento de esgoto doméstico e industrial in natura nos corpos aquáticos e a acumulação de lixo em aterros ao ar livre, o que levou à contaminação e degradação dos solos e corpos de água superficial e subterrânea da região (Esteves, 2011ESTEVES, Francisco. Do índio Goytacá à economia do petróleo: uma viagem pela História e ecologia da maior restinga protegida do Brasil. Campos dos Goytacazes: Essentia Editora. 2011.).

Entre os municípios afetados pelos processos mencionados anteriormente, encontra-se Casimiro de Abreu, com população estimada em pouco mais de 44 mil habitantes (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2019INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA [IBGE]. Portal IBGE, Riode Janeiro, 2019. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/casimiro-de-abreu/panorama. Acesso em: 20 fev. 2020.
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/ca...
). De acordo com informações da Prefeitura. o município composto pelo Centro e por outros três distritos, sendo estes Barra de São João. Professor Souza e Rio Dourado, perdeu parte significativa da sua receita devido à queda de arrecadação dos royalties de petróleo. Devido ao fato de que a economia local está em grande parte vinculada aos royalties do petróleo, ocorreram demissões em massa por parte das empresas e de cargos comissionados da prefeitura de Casimiro de Abreu, aumentando a quantidade de desempregados na região, o que contribui para o aumento do número de pessoas em risco social.

No entanto, apesar deste panorama de crescimento populacional acelerado, existe um ponto positivo oriundo das atividades da cadeia produtiva do petróleo para a região. Este consiste na Lei n. 9.478. aprovada em 1997. mais conhecida como a Lei do Petróleo, que desde então passou a estabelecer novos critérios de cálculo e de distribuição de royalties para os municípios produtores ou afetados pela cadeia produtiva da indústria petrolífera (Postali, 2007POSTALI, Fernando. Efeitos da distribuição de royalties do petróleo sobre o crescimento dos municípios no Brasil: utilizando a lei do petróleo como um experimento natural. Campinas: PDPETRO, 2007.). Em teoria, tal medida ajudaria a mitigar os impactos da atividade do petróleo em cada lugar sob sua influência. auxiliando o desenvolvimento da região. Porém, apesar de estabelecer a forma de distribuição dos royalties entre seus beneficiários, a Lei do Petróleo não especifica em quais setores esses recursos devem ser aplicados, deixando a necessidade de uma efetiva fiscalização sobre a sua aplicação, para a utilização adequada destes recursos (Esteves, 2011ESTEVES, Francisco. Do índio Goytacá à economia do petróleo: uma viagem pela História e ecologia da maior restinga protegida do Brasil. Campos dos Goytacazes: Essentia Editora. 2011.).

Entretanto, para além da restrição orçamentária e dos problemas sociais, este município apresenta riquezas naturais e culturais com grande potencial para servir de atividades de sustento econômico. Dentre estas riquezas, destaca-se a Bacia Hidrográfica do Rio São João. a qual consiste em um berço de biodiversidade que favorece a população em inúmeros serviços ecossistêmicos. tais como o abastecimento público, a irrigação, o consumo industrial, a extração de areia, a psicultura. a maricultura. a dessedentação de animais, a manutenção da biodiversidade, a pesca. a recreação e a navegação (Bidegain; Michael, 2004BIDEGAIN, Paulo; VÖLCKER, Claudio Michael. Bacias hidrográficas dos rios São João e das Ostras: águas, terras e conservação ambiental. Rio de Janeiro: Consórcio Intermunicipal para Gestão das Bacias Hidrográficas da Região dos Lagos, Rio São João e Zona Costeira, 2003.).

Na bacia do Rio São João encontra-se o principal reservatório de água doce da região, a represa de Juturnaíba. construída na década de 1980 pelo Governo Federal para o abastecimento de zonas urbanas e de grandes projetos agrícolas na região, e consiste em um dos maiores reservatórios de água do estado do Rio de Janeiro. Também existem inúmeras áreas protegidas pelas leis ambientais vigentes, tais como áreas de Mata Atlântica, restingas, manguezais. dunas e topos de morro. Porém, o crescimento populacional da região (com o início das atividades de extração de petróleo) levou à ocupação irregular das áreas marginais dos corpos hídricos, sem o preparo adequado das redes de água e esgoto, ocasionando consequências ambientais trágicas. principalmente nas águas das lagoas e dos rios da região. Além disso, particularmente no distrito de Barra de São João. é possível observar invasões populacionais nas áreas de manguezais da foz do Rio São João. e a entrada de esgoto in natura oriundo do Canal dos Medeiros, já que este distrito não dispõe de nenhum sistema de tratamento (Consórcio Intermunicipal LAGOS São João, 2013CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL LAGOS SÃO JOÃO. Relatório de Situação Ano III (2012-2013) Região Hidrográfica VI. Lagos São João, 2013).

Devido à realidade econômica da região, especialmente a Região dos Lagos, e ao alto índice de desemprego registrado nos últimos anos. crianças e adolescentes desta região têm se tornado altamente vulneráveis às consequências do problema socioeconômico local. Durante períodos de crise, é comum que aumentem os índices de criminalidade e o envolvimento com drogas destas faixas etárias, devido, em grande parte, à pouca estabilidade financeira dos pais. Esta situação também pode ser caracterizada como de vulnerabilidade socioambiental.

De acordo com Acselrad (2004)ACSELRAD, Henri. Justiça ambiental - ação coletiva e estratégias argumentativas. In: ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto. Justiça Ambiental e Cidadania. RiodeJaneiro: Relume Dumará/ Fundação Ford, 2004. p. 23-39.. podemos considerar a vulnerabilização como um processo e a vulnerabilidade como uma condição intrínseca à uma relação urbana e ambiental historicamente determinada e desigualmente distribuída (Acselrad, 2006ACSELRAD, Henri. Vulnerabilidade ambiental, processos e relações. In: ENCONTRO NACIONAL DE PRODUTORES E USUÁRIOS DE INFORMAÇÕES SOCIAIS, ECONÔMICAS E TERRITORIAIS, 2., Rio de Janeiro, 2006. Anais [...]. Rio de Janeiro: FIBGE, 2006.). Para o autor, os processos de vulnerabilização social estão inerentemente relacionados a conflitos ambientais, e sempre que houver um conflito ambiental, haverá grupos mais suscetíveis aos modos de apropriação, uso e significação do território (Acselrad, 2004, p. 26ACSELRAD, Henri. Justiça ambiental - ação coletiva e estratégias argumentativas. In: ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto. Justiça Ambiental e Cidadania. RiodeJaneiro: Relume Dumará/ Fundação Ford, 2004. p. 23-39.).

Podemos complementar esta linha de raciocínio com os argumentos de Loureiro. Azaziel e Nahyda (2008)LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo; AZAZIEL, Marcus; NAHYDA, Franca. Educação ambiental e gestão participativa em Unidades de Conservação. 3. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Ibama/NEA/Rio de Janeiro, 2008.. que associam ao termo vulnerabilidade socioambiental grupos específicos que se encontram nas seguintes situações: (1) em maior grau de dependência direta dos recursos naturais para produzir, trabalhar e melhorar as condições objetivas de vida; (2) excluídos do acesso aos bens públicos socialmente produzidos; e (3) ausentes de participação legítima em processos decisórios no que se refere à definição de políticas públicas que interferem na qualidade do ambiente em que se vive (Loureiro; Azaziel; Nahyda, 2008. p. 18LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo; AZAZIEL, Marcus; NAHYDA, Franca. Educação ambiental e gestão participativa em Unidades de Conservação. 3. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Ibama/NEA/Rio de Janeiro, 2008.).

Devemos ressaltar que é necessário estabelecer novas formas de lidar com esta realidade intrínseca aos problemas econômicos, sociais e ambientais, oriundos do contexto mencionado anteriormente. Nesta perspectiva, os projetos socioesportivos se fazem de grande importância. pois procuram, através de diferentes modalidades esportivas, auxiliar crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, buscando diminuir o tempo livre deles na rua. abrindo uma visão alternativa e positiva ao oferecer oportunidades de conhecimento e aprendizado esportivo, bem como atividades profissionalizantes, complementares à escolarização tradicional (Guedes et al., 2006GUEDES, Simoni L; DAVIES, Júlio D.; RODRIGUES, Michele; SANTOS, Rafael. Projetos sociais esportivos: notas de pesquisa. In: BARBOZA, E. S.; SOUZA, L D.; LEAL, V .A.; CAVICHIOLLI, R. F. Projetos sociais esportivos: quais os objetivos de quem oferta e de quem participa? Revista Digital, Buenos Aires, año 14, n. 138, 2006.).

Em sua maioria, os projetos desta natureza têm como foco crianças e adolescentes. atribuindo extrema importância a contribuir para a formação da cidadania e consciência crítica sobre a situação social, econômica e ambiental do país. assim como ajudar no desenvolvimento de atividades em tempo integral como fator de melhoria da qualidade de vida. prioritariamente em áreas de vulnerabilidade social. Também investem em incentivar hábitos saudáveis, senso criativo e socialização daqueles que participam deste tipo de projeto.

Inspirado nestas perspectivas, no ano de 2015. ressurgiu, no distrito de Barra de São João. o projeto socioesportivo “Escolinha de Vela Rio São João” (Escolinha de Vela RSJ). Os fundadores aproveitaram a localização propícia, às margens do Rio São João. e viram a possibilidade de introduzir o esporte náutico como ferramenta para ajudar crianças e adolescentes da região em risco social a desenvolverem valores ambientais e sociais, por meio do projeto de vela. O projeto ocorre de forma gratuita e tem por objetivo diminuir a ociosidade dos jovens de comunidades em risco de Barra de São João e região. A criação do projeto parte do princípio de que ações ambientais, quando alinhadas ao esporte, apresentam o potencial de se tornarem mais efetivas. Um bom exemplo é o Projeto Grael. um dos projetos socioesportivos náuticos mais famosos do Brasil, por integrar estes esportes ao resgate da cultura e à preservação do meio ambiente (Projeto Grael, 2018).

Devido à Escolinha de Vela RSJ não ter apoio financeiro de origem governamental e dispor de poucos patrocinadores, a receita da Escolinha é reduzida e insuficiente, o que dificulta a manutenção dos barcos e a aquisição do material necessário para a realização das aulas de vela. Além disso, o Rio São João encontra-se em situação ambiental crítica, devido ao aumento de entrada de esgoto in natura no sistema, à destruição do mangue, à pesca ilegal, à introdução de espécies exóticas, e à destruição de habitat das espécies que vivem no rio. perdendo, cada vez mais. o seu valor natural, cultural e recreativo.

Desta forma, podemos afirmar que se faz de grande importância avaliar os serviços ecossistêmicos culturais do Rio São João. a fim de contabilizar, de forma mais precisa e abrangente, as contribuições do ecossistema ao bem-estar humano, para uma melhor compreensão da relevância destes serviços para as partes interessadas locais, assim como proporcionar reconhecimento e sensibilidade em relação a estes serviços entre diferentes grupos sociais (Chan et al., 2012CHAN, Kai et al. Where are Cultural and Social in Ecosystem Services? A Framework for Constructive Engagement. BioScience, Oxônia, v. 62, n. 8, p. 744-56, 2012.).

Considerando o contexto anterior, devido à necessidade de estudos que apresentem os potenciais benéficos proporcionados pelos serviços ecossistêmicos do Rio São João à população. assim como a necessidade de ações e atitudes ambientais que ressaltem sua importância, o objetivo deste trabalho foi avaliar os serviços ecossistêmicos culturais do Rio São João sob a perspectiva dos participantes do projeto “Escolinha de Vela Rio São João” e da comunidade do entorno do local.

2 METODOLOGIA

2.1 Área de estudo

Esta pesquisa apresenta dois enfoques: avaliações biofísicas e exercícios de avaliação econômica/monetária. O estudo foi desenvolvido na sede do projeto de vela “Escolinha de Vela Rio São João”, localizada na parte baixa da Bacia Hidrográfica do Rio São João. no distrito de Barra de São João. no município de Casimiro de Abreu. Rio de Janeiro (Figura 1).

Figura 1
Bacia Hidrográfica do Rio São João. município de Cassimiro de Abreu, estado do Rio de Janeiro. Brasil

A Bacia do Rio São João tem 2.160 km2 e encontra-se localizada na zona intertropical. em latitudes baixas, com radiação solar intensa e grande influência do Oceano Atlântico. Apresenta, predominantemente, um clima tropical úmido (Takizawa. 1995TAKIZAWA. Levantamento Pedológico e Zoneamento Ambiental da Reserva Biológica de Poço das Antas. Monografia (Graduação em Residência de Engenharia Florestal) -Escola Superior de Agricultura Luis de Queiroz/Universidade de São Paulo, Piracicaba, 1995.) e é dividida em quatro compartimentos: o alto São João (os primeiros 5 km após as nascentes); o médio São João (desde este ponto até a lagoa de Juturnaíba); a lagoa de Juturnaíba e seus afluentes. Capivari e Bacaxá; e o baixo São João. a jusante da lagoa de Juturnaíba.

No geral os usos dentro da Bacia do Rio São João são para: abastecimento público, irrigação. consumo de água industrial, extração de areia, criação de peixes e pitus, dessedentação de animais, pesca, maricultura. recreação e navegação. Além disso, historicamente, a Bacia do Rio São João sofre com o uso e a ocupação inadequados do solo e o desmatamento da região, que ocorre desde o século XVII.

2.2 Desenho do Estudo

O desenho metodológico para avaliar os serviços ecossistêmicos culturais do baixo Rio São João. de acordo com a ótica dos integrantes do projeto socioesportivo “Escolinha de Vela do Rio São João”, foi realizado através de entrevistas semiestruturadas com os participantes da escolinha, agrupados em 4 categorias: instrutores, alunos, apoiadores e familiar de alunos.

Os dados de (des)serviços culturais foram coletados individualmente a cada entrevista e analisados coletivamente, a fim de obter o entendimento acerca dos valores culturais para o projeto socioesportivo quanto comunidade. A técnica utilizada para representar os serviços ecossistêmicos culturais do baixo Rio São João foi pré-identificar e enumerar sites, locais ou atividades especiais e anotá-los em um questionário de uma entrevista (Lindholst; Caspersen; Van Den Bosch, 2015LINDHOLST, Andrej; CASPERSEN, Ole; VAN DEN BOSCH, Konijnendijk. Methods for mapping recreational and social values in urban green spaces in the Nordic countries and their comparative merits for urban planning. Journal of Outdoor Recreation and Tourism, Elsevier, [s.l.], v. 12, p. 71-81, 2015.; Tyrväinen; Mäkinen; Schipperijn, 2007TYRVÄINEN, Liisa;MÄKINEN, Kirsi;SCHIPPERIJN, Jasper. Tools for mapping social values of urban woodlands and other green areas. Landscape and Urban Planning, v. 79, n. 1, p. 5-19, 2007.).

2.3 Classificação e Identificação dos Serviços Culturais

O presente trabalho, que teve o objetivo de identificar os serviços culturais do Rio São João. começou com as dez categorias estabelecidas pela Avaliação Ecossistêmica do Milênio (Millennium Ecosystem Assessment, 2015MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT. Ecosystem and human well-beingEcosystems and Human Well-being: Synthesis. 2015.). Após análise de cada uma destas categorias, foram retiradas da análise as categorias de “diversidade cultural” e “sistema de conhecimento”, por considerar que não há um claro indicador para avaliá-las. Além disso, foram introduzidos os potenciais desserviços culturais, como. por exemplo: lugares onde há poluição, barulho ou são perigosos. Foi utilizada uma pergunta indicativa por cada serviço, cujo objetivo foi apresentar as categorias de serviços ecossistêmicos culturais de uma forma que possibilitasse a simples compreensão pelos entrevistados que não se encontram familiarizados com a estrutura dos serviços ecossistêmicos.

2.4 Amostragem dos dados

Os dados foram coletados no mês de novembro de 2018. Cada entrevista foi conduzida por uma pessoa, levando em média 15 minutos. O questionário foi formado por 10 perguntas sobre informações específicas quanto aos (des)serviços culturais na área de estudo.

As entrevistas foram iniciadas por uma introdução, por parte do entrevistador, sobre os serviços ecossistêmicos e o propósito do estudo. Logo. o entrevistado respondia às perguntas em diálogos com o entrevistador. Em seguida, foi solicitado que os entrevistados indicassem, a partir de uma lista pré-definida. os serviços ecossistêmicos culturais do Rio São João de acordo com a sua percepção. E. finalmente, os entrevistados responderam às perguntas gerais sobre frequência de visitação às margens do rio ou ao corpo aquático, tempo médio gasto em cada visita, sexo. idade, escolaridade e local de residência. No total, foram realizadas 36 entrevistas entre os 4 grupos focais, entre as quais: 19 foram realizadas a apoiadores do projeto, 12 a alunos do projeto, 3 a instrutores e 3 a familiares de alunos (Figura 2).

Figura 2
Quantidade de entrevistas realizadas em relação aos grupos focais identificados no Projeto socioesportivo “Escolinha de Vela Rio São João”

2.5 Análise de dados

Foi realizada uma análise descritiva das entrevistas e dos serviços culturais ecossistêmicos relevados, calculando a quantidade de entrevistados de cada grupo focal. Para analisar a correlação da frequência dos diferentes serviços culturais ecossistêmicos. foi utilizada a análise de Spearman. Para identificar se existem grupos de serviços culturais ecossistêmicos entre os grupos focais, foi realizada uma análise de Escalonamento Multidimensional Não Métrico (NMDS). baseada numa matriz de correlação da frequência dos serviços culturais ecossistêmicos para cada grupo focal.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A diferença entre a quantidade de entrevistados por grupo focal foi em relação às pessoas presentes nos dias de entrevista e de acordo com o consentimento em realizá-la. Do total de entrevistas realizadas, os valores estéticos foram os serviços culturais ecossistêmicos mais mencionados entre os entrevistados (n=95). Entre estes, foram destacados as belezas cênicas do pôr do sol (n=28). o visual do Morro de São João (n=27). a Ponte Quebrada (n=13) e o visual do mangue (n=11). Em segundo lugar, estão os serviços classificados como Herança Cultural (n=84). denotando os aprendizados culturais dos participantes associados ao rio. como. por exemplo, conhecimentos de pesca (21). coleta de guaiamu e caranguejo do mangue (2). coleta de ostras (11). e navegação (29). Em terceiro lugar, foram destacados os serviços de lazer e turismo (n=74). especificamente as atividades de velejar (n=27). fazer piquenique (n=15) e caminhar (n=12). Atividades de lazer como nadar (n=2). mergulhar (n=1). correr (n=1) e ioga (n=3) tiveram percentagens muito baixas de ocorrência (Figura 3).

Figura 3
Percepções dos serviços culturais e desserviços pelos participantes do projeto socioesportivo “Escolinha de Vela Rio São João”. O eixo X indica o número de entradas específicas para cada serviço ou desserviço cultural avaliados pelos 36 entrevistados

Os (des)serviços culturais ecossistêmicos também apresentaram uma alta frequência de menções nas entrevistas, principalmente aqueles associados à poluição e periculosidade de alguns locais (n=56 e 27. respectivamente). Do total de entrevistados que responderam a estas perguntas, houve destaque para pelo menos um ou dois locais com alto potencial poluidor no baixo Rio São João (chamados de “saídas de esgoto” e “canal Medeiros”), e ao menos um local perigoso às beiras do Rio (identificado geralmente como “Vila do Arroz” ou outros lugares que os entrevistados não conhecem ou não sabem o nome).

A correlação de Spearman entre a frequência dos serviços culturais ecossistêmicos mostrou que existe uma correlação positiva ente os serviços culturais ecossistêmicos estéticos e os de Lazer e Turismo (Tabela 1). Entrevistados que mais utilizam a beleza estética do baixo rio São João são os que também desenvolvem ou praticam mais atividades de lazer na mesma região.

Tabela 1
Análise de Correlação de Spearman entre os serviços culturais ecossistêmicos

A análise NMDS não identificou diferença marcada entre os padrões de serviços culturais ecossistêmicos utilizados pelos diferentes grupos focais analisados, evidenciando que há uma certa homogeneidade entre as atividades desenvolvidas e apreciadas no baixo rio São João entre todos os envolvidos no projeto socioesportivo “Escolinha de Vela Rio São João”. independentemente da idade, função que desempenham dentro do projeto, envolvimento com o esporte etc. (Figura 4).

Figura 4
Análise de escalonamento multidimensional não métrico (NMDS) entre os grupos focais e os serviços culturais ecossistêmicos relevados na entrevista

O presente estudo teve como objetivo avaliar os serviços ecossistêmicos culturais do baixo Rio São João pela perspectiva dos participantes do projeto “Escolinha de Vela Rio São João”. Desta forma, foi confirmada uma forte ligação dos participantes do projeto com o ambiente aquático e seus arredores, em que é possível observar a utilização de forma extensiva da parte baixa do Rio São João para atividades de bem-estar individual e em grupo. Isso pode ser justificado pelo contato constante dos participantes do projeto com o ecossistema hídrico, ao realizarem as atividades referentes à prática da vela.

Das diferentes categorias de serviços ecossistêmicos culturais apresentadas para o grupo de envolvidos nas atividades de vela. quase todos os entrevistados foram capazes de indicar atividades de lazer e turismo, belezas cênicas de destaque no baixo Rio São João. e aprendizados sobre o rio de grande importância cultural e ambiental. Entre os serviços recreativos listados. velejar, caminhar, fazer piquenique e reuniões sociais foram destacados por quase todos os participantes, e mais da metade mencionou outras atividades. A maioria desses serviços culturais não é relevada por ações convencionais de avaliação de serviços ecossistêmicos e é subestimada quando comparada com outros serviços ecossistêmicos mais fácies de avaliar (Chan et al., 2012CHAN, Kai et al. Where are Cultural and Social in Ecosystem Services? A Framework for Constructive Engagement. BioScience, Oxônia, v. 62, n. 8, p. 744-56, 2012.; Norton et al., 2012NORTON, Lisa; INWOOD, H.; CROWEA, A.; BAKER, A. Trialling a method to quantify the “cultural services” of the English landscape using Countryside Survey data. Land Use Policy, [s.l.], v. 29, n. 2, p. 449-55, 2012.; Plieninger et al., 2013PLIENINGER, Tobias; DIJKS, Sebastian; OTEROS-ROZAS, Elisa; BIELING, Claudia. Assessing, mapping, and quantifying cultural ecosystem services at the community level. Land Use Policy, Elsevier, v. 33, p. 118-29, 2013.), porém a importância destes serviços para determinados grupos sociais é evidenciada.

Este trabalho foi desenvolvido com pessoas pertencentes a um projeto social, portanto é natural que a maioria destas pessoas tenham baixa renda, e não surpreende que estejam sujeitas a situações de vulnerabilidade socioambiental. Diante disso, fica evidente a necessidade de apoio e ajuda de partes interessadas (governamentais ou particulares), o que possibilitaria um melhor atendimento da Escolinha de Vela RSJ para com as crianças e os adolescentes da região. No entanto, fazer piqueniques, velejar e caminhar são atividades recreativas de baixo custo e uma boa possibilidade para o grupo focal desfrutar de forma agradável dos serviços culturais. Um exemplo disto é a comparação com os bares à beira do Rio São João. onde pessoas frequentam para se reunir com amigos e aproveitar as belezas paisagísticas do rio. Uma alternativa desta atividade é fazer piqueniques às margens, onde os participantes desfrutam das mesmas belezas que as pessoas frequentadoras um restaurante, porém sem grandes custos. Isso explica o porquê de as atividades recreativas destacadas serem aquelas que não demandam um viés econômico forte.

Os resultados mostraram que a atividade “velejar” recebeu o maior destaque, pois este é o esporte em que o projeto tem sua base. É reconhecido que o esporte da vela é um dois mais caros no mundo, pois requer vários itens dispendiosos para o seu desenvolvimento. Porém. neste caso. velejar foi a atividade mais destacada porque o projeto é mantido por doações que permitem que os envolvidos aprendam e desfrutem desta atividade sem custo. Este serviço ecossistêmico cultural também engloba outros grupos que realizam outras atividades náuticas no baixo Rio São João. através de barcos de turismo e embarcações privadas, como jet-ski e lanchas ou canoas de pescadores (Bidegain; Volcker, 2003BIDEGAIN, Paulo; VÖLCKER, Claudio Michael. Bacias hidrográficas dos rios São João e das Ostras: águas, terras e conservação ambiental. Rio de Janeiro: Consórcio Intermunicipal para Gestão das Bacias Hidrográficas da Região dos Lagos, Rio São João e Zona Costeira, 2003.; Ministério de Meio Ambiente/ Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade [MMA/ICMBIO], 2008MINISTÉRIO DE MEIO AMBIENTE; INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE [MMA/ICMBIO]. Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado. Brasília-DF, 2008.). que denota a importância do uso do rio neste quesito.

As atividades de lazer e turismo estiveram positivamente relacionadas com os serviços estéticos da paisagem. Esta relação pode ser explicada pela associação deste grupo à natureza. As belezas cénicas do Rio São João são as que motivam encontros e atividades de lazer à beira do rio. Os lugares de encontro que foram mencionados frequentemente pelos participantes do projeto foram o cais. a árvore tombada, e a casa do poeta Cassimiro de Abreu, à beira do rio. Estes lugares conseguem conjugar as atividades de lazer como nadar, mergulhar, stand-up paddle ou velejar, enquanto oferecem o visual de um pôr do sol no Morro São João. Como observado por Plieninger et al., (2013)PLIENINGER, Tobias; DIJKS, Sebastian; OTEROS-ROZAS, Elisa; BIELING, Claudia. Assessing, mapping, and quantifying cultural ecosystem services at the community level. Land Use Policy, Elsevier, v. 33, p. 118-29, 2013.. isto pode ser uma evidência da natureza holística e interligada dos serviços culturais ecossistêmicos.

Segundo Von Döhren e Haase (2015)VON DÖHREN, Peer; HAASE, Dagmar. Ecosystem disservices research: a review of the state of the art with a focus on cities. Ecological Indicators, [s.l.], v. 52, p. 490-97, 2015.. a abordagem de (des)serviços ecossistêmicos é relativamente nova. porém, a ideia de que processos naturais possam prejudicar o ser humano ou causar incõmodo não é. Os (des)serviços ecossistêmicos sugerem a percepção negativa do ser humano sobre a natureza ou da percepção de distúrbios. O presente estudo relevou (des) serviços ecossistêmicos do baixo Rio São João. principalmente aqueles associados à poluição por esgoto e a lugares perigosos na beira do rio. O local caracterizado como de maior poluição foi a entrada do canal dos Medeiros, porém, mais da metade dos entrevistados afirmaram saber de diferentes entradas de esgoto dentro do rio. distribuídas por toda a extensão do baixo Rio São João.

Especificamente, o canal dos Medeiros é responsável por receber o esgoto de uma grande parte da cidade de Rio das Ostras e Barra de São João. e seu destino final é o Rio São João (Bidegain; Michael 2004BIDEGAIN, Paulo; VÖLCKER, Claudio Michael. Bacias hidrográficas dos rios São João e das Ostras: águas, terras e conservação ambiental. Rio de Janeiro: Consórcio Intermunicipal para Gestão das Bacias Hidrográficas da Região dos Lagos, Rio São João e Zona Costeira, 2003.). Muitas destas entradas ficam expostas durante a maré baixa, permitindo sua fácil visualização quando se navega pelo rio. Possivelmente, o tempo que os participantes deste projeto passam nas cercanias do rio faz com que esses desserviços ecossistêmicos sejam mais notórios para este grupo.

Segundo Plieninger et al. (2013)PLIENINGER, Tobias; DIJKS, Sebastian; OTEROS-ROZAS, Elisa; BIELING, Claudia. Assessing, mapping, and quantifying cultural ecosystem services at the community level. Land Use Policy, Elsevier, v. 33, p. 118-29, 2013.. a poluição ambiental e os lugares perigosos não seriam considerados um desserviço ecossistêmico. e sim um mal uso do ambiente pelo ser humano. Porém os desserviços ecossistêmicos podem ser causados pela natureza (incômodo, escuridão etc.), por ações humanas (por exemplo, por danos ao ambiente) ou mudanças nos ecossistemas (por exemplo, espécies invasoras) (Helka, 2016HELKA, Josephine. The importance of cultural ecosystem services and their evaluation in the context of ecosystem service assessment frameworks. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável) -Utrecht University, Leipzig, Germany, 2016.). o que justificaria os dados relevados neste estudo, que indicam que a poluição do rio. devido à entrada de esgoto e os lugares perigosos na beira do mesmo, seja considerada desserviço ecossistêmico.

Ainda na lógica de Plieninger et al. (2013)PLIENINGER, Tobias; DIJKS, Sebastian; OTEROS-ROZAS, Elisa; BIELING, Claudia. Assessing, mapping, and quantifying cultural ecosystem services at the community level. Land Use Policy, Elsevier, v. 33, p. 118-29, 2013. sobre a interpretação obtida acerca dos desserviços ecossistêmicos. foram relatados (mas não quantificados), durante as entrevistas. alguns outros (des)serviços ecossistêmicos. como a grande quantidade de ostras na beira e no fundo do rio. que podem causar feridas graves e levar a infeções decorrentes dos ferimentos. possíveis doenças por causa da entrada de esgoto nas proximidades da Escolinha, problemáticas com agrotóxicos pelo escoamento desde as áreas de plantação para dentro do rio. nos períodos chuvosos, e a forte correnteza do rio quando baixa a maré.

Sobre a percepção dos serviços ecossistêmicos culturais pelos diferentes grupos focais deste estudo, a hipótese inicial era a de que a percepção seria diferente para cada grupo, devido às suas diferentes características. Por exemplo, diferença de idade (os alunos são. em maioria, crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos. e os apoiadores são. em maioria, maiores de idade), diferença de ingressos monetários, nível de estudo etc. Plieninger et al. (2013)PLIENINGER, Tobias; DIJKS, Sebastian; OTEROS-ROZAS, Elisa; BIELING, Claudia. Assessing, mapping, and quantifying cultural ecosystem services at the community level. Land Use Policy, Elsevier, v. 33, p. 118-29, 2013.. Suckall et al. (2009)SUCKALL, Natalie; FRASER, Evan; COOPER, Thomas; QUINN, Claire. Visitor perception of rural landscapes: a case study in the Peak District National Park, England. Journal of Environmental Management, [s.l.], v. 90, n. 2, p. 1195-203, 2009.. e Van Berkel e Verburg (2012)VAN BERKEL, Derek B.; VERBURG, Peter. Combining exploratory scenarios and participatory backcasting: using an agent-based model in participatory policy design for a multi-functional landscape. Journal Landscape Ecology, [Elsevier], [s.l.], v. 27, n. 5, 2012, p. 641-58. DOI: http://dx.doi.org/10.1007/s10980-012-9730-7
http://dx.doi.org/10.1007/s10980-012-973...
observaram que diferentes indivíduos percebem os serviços culturais de maneiras diferentes, de acordo com suas origens, mesmo em escalas locais homogêneas. Porém, os resultados do presente trabalho mostram uma grande homogeneidade em relação à percepção dos serviços ecossistêmicos culturais por parte dos participantes deste projeto.

Além de aprender o esporte de vela. o projeto também engloba outras atividades, como palestras sobre meio ambiente, cuidado da horta sustentável, rotina de limpeza diária da área da Escolinha, aulas de marcenaria, aulas de conserto de barcos com fibra de vidro, limpeza de lixo no rio utilizando os veleiros, reforços escolares ou bolsas de estudo, entre outras ações. Instrutores e apoiadores são os encarregados de fiscalizar os alunos em relação a estas atividades e ao desempenho dentro da Escolinha, indicando erros, direcionando diante de dúvidas e pregando valores e cuidados aos alunos.

O esporte como ferramenta educacional é um formador de cidadania e valores como solidariedade, respeito, cuidado etc. Além disso, é importante destacar que as pessoas são adaptativas, dependendo do ambiente que os envolve (Araújo Ladentim, 2014ARAÚJO LADENTIM, Danilo. Mudanças comportamentais em adolescentes de 12 a 15 anos atendidos por projeto social na região metropolitana de Curitiba. Curitiba: Universidade Tecnológica Federal do Paraná, 2014.). Dessa forma, a família, os amigos e a escola passam a ter papel fundamental dentro da formação do indivíduo (Verbena; Romero, 2003VERBENA, Carmo Garcia; ROMERO, Eliete. As relações de gênero no esporte por discentes na rede pública de Juiz de Fora. Movimento, Porto Alegre, v. 9, n. 2, p. 113-25, 2003.). Isso poderia explicar a homogeneidade em relação aos valores ecossistêmicos culturais dentro do projeto “Escolinha de Vela Rio São João”. Os alunos, a maioria desfavorecida socialmente e carente de referencial, envolvem-se com o ambiente que os rodeia (apoiadores e professores), que transmitem os valores e as crenças nas quais se apoia a Escolinha. além de gerarem uma grande empatia entre os diferentes grupos focais, independentemente de sexo. idade e condição social.

Isso também pode explicar a importância da percepção do serviço ecossistêmico “Herança Cultural” para os participantes deste grupo que desenvolvem ou aprenderam atividades de cultura do rio, como a coleta de guaiamu e caranguejo na área de mangue do rio, a pesca e a navegação. Antes do crescimento da economia do petróleo na região, estas atividades eram desenvolvidas como formas de subsistência e não foram perdidas totalmente, mantendo-se nas gerações mais jovens.

4 CONCLUSÕES

Conclui-se que os serviços ecossistêmicos culturais mais usados e percebidos entre os participantes do projeto “Escolinha de Vela Rio São João” são aqueles ligados ao lazer, à estética, e aos aprendizados de herança cultural. A importância da manutenção desses serviços ecossistêmicos culturais, para este grupo de estudo, radica na necessidade das boas condições do ambiente onde ocorrem as atividades deste projeto.

Projetos sociais são criados com o objetivo de mudar a realidade de crianças, adolescentes e até adultos em situação de vulnerabilidade social. A preservação do ambiente em que o projeto está localizado é crucial para seu bom desenvolvimento. Além do mais, deve ser considerado que o número crescente de crianças e adolescentes em risco social na cidade de Barra de São João, e em toda a região dos lagos, é uma realidade, e estratégias que ajudem a modificar esta situação são de grande importância para a região.

Portanto, o presente trabalho buscou, através do levantamento de dados de um grupo característico de Barra de São João, gerar subsídios que ajudem a alta direção governamental na tomada de decisões, para o cuidado e desenvolvimento dos serviços ecossistêmicos do baixo Rio São João, melhorando a qualidade ambiental e das atividades que nele ocorrem, que, juntas, promovem o desenvolvimento humano e os bons valores cidadãos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    27 Maio 2022
  • Revisado
    02 Jun 2023
  • Aceito
    08 Jun 2023
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