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Governança por múltiplos atores sociais e engajamento da comunidade no verde urbano

Simone Borelli é líder da Divisão Florestal da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO-ONU). É um dos idealizadores do Programa Tree Cities of the World e foi convidado para ministrar uma conferência no “Congresso Brasileiro e Ibero-Americano de Arborização Urbana. Arborização Urbana na Década da Restauração dos Ecossistemas”, em setembro-outubro de 2021. O evento aconteceu na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e foi promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais (PGRN-UFMS), em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local, da Universidade Católica Dom Bosco (PGDL-UCDB) e da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU), o Capítulo Brasil da International Society of Arboriculture (ISA). A entrevista foi realizada após o término do evento e reflete seu compromisso com o tema Infraestrutura Verde e envolvimento de comunidades.

Guaraldo: Quais são, em sua opinião, os principais obstáculos para a inclusão da infraestrutura verde (GI) nos modelos de governança e agendas de governo?

Borelli: Um primeiro e importante obstáculo da GI (infraestrutura verde) nos modelos e nas agendas de governança é a percepção geral de que ela (por exemplo, florestas urbanas, parques, mas também outros tipos de GI) é um custo, e não um investimento. É importante, então, construir casos de negócios para investimento público, demonstrando que a GI, em muitos casos, é mais eficiente do que a infraestrutura cinza e tem uma ampla gama de cobenefícios. A falta de diálogo entre diferentes departamentos em níveis de administração é, muitas vezes, também um obstáculo, e todos os esforços devem ser feitos para assegurar que todos os parceiros relevantes estejam sentados à mesma mesa. Esse diálogo deve, é claro, estender-se além da administração para envolver a sociedade civil. GI é investimento de longo prazo e é também importante para desenvolver uma visão de longo prazo de que, uma vez estabelecida, qualquer tipo de intervenção seja mantido adequadamente além do ciclo eleitoral.

Guaraldo: Em sua análise, quais as políticas locais mais eficientes das últimas décadas? Que modelos podem ser adotados em uma escala maior?

Borelli: Entre as cidades mais conhecidas pela sua visão e pelas políticas locais efetivas, eu incluiria Singapura, Melbourne, New York e Vancouver. Todas as cidades desenvolveram visões inclusivas sobre como a infraestrutura verde poderia melhorar a saúde e o bem-estar de seus cidadãos e desenvolveram seu planejamento de floresta urbana de acordo com elas. É claro que há muitas outras cidades que desenvolveram planos eficientes. “Um tamanho não serve para todos”, e é importante fomentar intercâmbios por meio de redes como a Tree Cities of the World, para aprender umas com as outras e compartilhar o conhecimento de abordagens possíveis que podem ser adaptadas às realidades locais.

Guaraldo: Em países em desenvolvimento, onde encontramos situações de grande vulnerabilidade e desigualdade social, como a infraestrutura verde poderia ser incluída e o que elas teriam a responder para reduzir esses mesmos problemas (desigualdades e vulnerabilidades)?

Borelli: Antes de tudo, é importante adotar abordagens inovadoras para promover engajamento dos cidadãos. Ferramentas como Block by Block (quarteirão por quarteirão) poderiam ser utilizadas para assegurar que os mais vulneráveis possam ser ouvidos e envolvidos nos processos de coprojeto. Uma ênfase importante deveria ser dada à distribuição de espaços verdes públicos por toda a cidade, para assegurar que todos tenham acesso igual aos serviços ecossistêmicos. De acordo com o item 7 do ODS 11, em 2020, as cidades devem oferecer acesso universal a espaços verdes públicos seguros, inclusivos e acessíveis, especialmente para mulheres e crianças, pessoas idosas e pessoas com deficiência. A escolha de espécies é também importante, e os diferentes grupos poderiam ter interesse em diferentes tipos de árvores em sua vizinhança. Por exemplo, poderia ser importante incluir uma boa porcentagem de árvores frutíferas em áreas de população mais vulnerável.

Guaraldo: Como você vê o papel atual das universidades na promoção de ações/reações e protagonismo das comunidades?

Borelli: As universidades deveriam promover Pesquisa-Ação em questões relacionadas à GI, dentro de um espírito de colaboração e coinvestigação, envolvendo o pesquisador e os atores sociais, promovendo aprendizado organizacional, melhoria dos sistemas e gerando conhecimento válido. Esta abordagem também deve ser usada para estabelecer o valor “real” da infraestrutura verde, incluindo os diferentes valores sociais, econômicos e ambientais gerados pelas diferentes intervenções. Finalmente, as universidades podem exercer um papel importante no pacote de resultados da pesquisa para prover mensagens simples e claras aos tomadores de decisão.

Guaraldo: Quais são suas recomendações para os elaboradores de políticas e cidadãos locais para melhorar os espaços urbanos com a infraestrutura verde?

Borelli: Primeiro, as decisões sobre GI devem estar completamente integradas ao planejamento urbano. A indicação clara sobre onde e como preservar GIs existentes ou novas GIs desenvolvidas deve se tornar parte integral dos Masterplans).

Como o zoneamento é provavelmente incluído em muitos desses planos, é importante assegurar que ele possa evitar a invasão em áreas verdes existentes e reduzir os conflitos de uso do solo.

Em vista das limitações dos orçamentos públicos, é importante também explorar parcerias público-privadas possíveis que possam contribuir para criar e manter espaços verdes e outras GI.

Finalmente, como eu já mencionei algumas vezes, o diálogo entre atores sociais deve ser contínuo, com uma visão de assegurar que as decisões de planejamento, projeto e manejo de intervenções em GI são compartilhadas e que as diferentes partes entendam perfeitamente por que as decisões são tomadas (exemplo: corte de algumas árvores em um bairro), qual será o impacto dessa decisão e como esse impacto será mitigado.

Referências

  • 1
    BORELLI, S.; CONIGLIARO, M.; TRAPANI, I.; MAROCCHINO, C.; SANTINI, G.; HODZIC, H.; FERRARI, C. Z. Integrating agriculture, forestry, and food systems into urban planning: a key step for future resilient and sustainable cities. In: BREARS, R. C. (Ed.). The Palgrave Encyclopedia of urban and regional futures Palgrave Macmillan, Cham, 2022. Doi: https://doi.org/10.1007/978-3-030-87745-3_233
    » https://doi.org/10.1007/978-3-030-87745-3_233
  • 2
    KONIJNENDJK, C. C.; RODBELL, P.; SALBITANO, F.; SAYERS, K.; VILLAPARDO, S. J.; YOKOHARI, M. The Changing governance of urban fiorests. Unasylva – International Journal of Urban Forestry and Industries, v. 69, n. 250 [Forests and sustaninable cities], p. 37–42, 2018.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2023
  • Aceito
    26 Maio 2023
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