Há algumas décadas, o turismo sustentável e as práticas culturais têm se firmado significativamente no cenário nacional e local. Surge, por essa dimensão, um espaço de destaque no desenvolvimento econômico e social de várias localidades e nos meios de projeção de políticas públicas. A ideia da agregação da cultura, em contraponto com a vivência dos centros urbanos, tem sido amplamente considerada nos entremeios do turismo. Os municípios passaram a ser “explorados” e “comercializados”, sendo unidos por características tidas em comum.
Dessa forma, é imprescindível que qualquer atividade turística sustentável se inicie na comunidade local. É importante uma maior participação entre os órgãos públicos e a definição dos interesses, a saber, a aceitação em colaborar para permitir a abertura de espaço para a entrada de novas pessoas de variadas e distantes identidades. Somente, então, pode-se passar a receber e trocar experiências, de maneira a contribuir para a inserção de desenvolvimentos econômico, social e cultural nos sujeitos dispostos aos novos contatos.
No entanto, a relação entre o turismo e o desenvolvimento sustentável deve estar bem alinhada com a comunidade, a qual valoriza seu ambiente, é reconhecida pelo trabalho que desempenha e reflete a possibilidade de executar variados investimentos que podem ampliar o desenvolvimento econômico e social. Dessa forma, apenas por intermédio da comunidade é que existem condições satisfatórias de manter e preservar, de forma sustentável, todo o legado cultural que precisa ser resguardado para o melhor aproveitamento.
O turismo sustentável com ênfase nas práticas culturais precisa de políticas públicas com diretrizes, no intuito de promover o desenvolvimento sustentável na interação cultural entre as comunidades e a sociedade como um todo. O que se percebe, no entanto, é que as políticas públicas, muitas vezes, partem de cima, invertidas do desenvolvimento local, sem tipo algum de preparação na esfera local e sem a participação da comunidade e seus habitantes. Ressaltam-se as identidades de puro apelo comercial em detrimento de características próprias das comunidades.
De acordo com Neves (2003), lugares, apresentações de manifestações artísticas, degustação de pratos peculiares regionais e compartilhamento, com nativos, das experiências locais, são um exercício que experimenta a condição do outro e que deve ser forma cotidiana proporcionada fortuitamente aos turistas.
O turismo sustentável apresenta uma relevante contribuição para a geração do conhecimento, para a formação cidadã e para o desenvolvimento da sustentabilidade das atividades turísticas, por meio de práticas culturais. Casqueira (2007) reforça esta discussão ao ponderar que os espaços culturais são híbridos e reflexos de influências diferenciadas e pelo revival das memórias culturais tradicionais e pela afirmação de expressões culturais minoritárias e urbanas. É importante reafirmar, então, que o turismo sustentável com olhares às práticas culturais permite vários acessos: à cultura, ao modo de viver, à história de cada comunidade, povo, região, a partir da compreensão e comunicação entre estas diferentes populações. “Esta motivação atrai turistas em conhecer regiões ou localidades, sendo que seu alicerce está baseado na história de um determinado povo, nas suas manifestações culturais, religiosas e históricas” (MARUJO; SERRA; BORGES, 2013, p. 3).
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Beni (2001) alerta, no entanto, para a falta de conhecimento sobre a complexa relação entre turismo, cultura e meio ambiente e a ausência de uma coordenação entre as políticas de desenvolvimento local. Constata-se, assim, a necessidade de uma maior integração da comunidade com os interesses político-ideológicos e com o desenvolvimento sustentável local, por meio da atividade turística. São imprescindíveis, então, a preservação e a salvaguarda da cultura e do patrimônio, aliadas ao desenvolvimento sustentável local.
O desenvolvimento sustentável, nas palavras de Van Bellen (2005), forçosamente leva a sociedade a repensar o reconhecimento do seu lugar identitário diante de um mundo cada vez mais uniformizado.
Novas perspectivas de observação do mundo e de comportamentos humanos que não são adequados, diante das novas perspectivas em direção à sustentabilidade, são desafios a serem enfrentados.
O objetivo da revista Interações, da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), é o de contribuir com o desenvolvimento científico e com a visibilidade dos artigos publicados ao longo de 22 anos de existência. Neste contexto, neste número, assim como nos anteriores, os trabalhos trouxeram contribuições sobre o desenvolvimento local e suas interfaces, como é de praxe neste periódico. O artigo que abre esta edição n. 3/2022, intitulado “Educação Ambiental e museus: janelas epistemológicas do passado, presente e futuro”, é um convite ao mergulho no mundo museal, a partir de uma abordagem crítica e transformadora de Educação Ambiental e sobre as questões epistemológicas que envolvem a produção de saberes ambientais, assim como da museologia social. Em seguida, este número nos traz “Culinária típica da fronteira Brasil-Paraguai: o reconhecimento da chipa como patrimônio alimentar”, a partir da análise da chipa como elemento alternativo à geração de renda e como potencial para indicação geográfica, no fortalecimento do turismo local.
O artigo “Do fumo ao fluxo turístico – Construções rurais como signo da oferta turística no Sul do Brasil” apresenta-nos uma nova ressignificação ambiental desse patrimônio industrial remanescente, pois, em Santa Catarina, muitos resquícios dessa história vêm sendo reconvertidos para uso turístico, criando-se, assim, novas possibilidades para o uso de edificações que estão sendo – ou possam vir a ser – revitalizadas para finalidades turísticas, contando a história dos tempos áureos da fumicultura catarinense. Em “Novas formas de fazer turismo: desde a prática às políticas públicas na construção do Plano de Turismo Criativo do Recife (Pernambuco-Brasil)”, o artigo trata do turismo criativo como elemento para o desenvolvimento de novas formas de produção e consumo, ao destacar os esforços dos gestores públicos e do grupo de trabalho em tornar o processo horizontal, com a participação de vários setores, os produtos criativos utilizados, o uso da criatividade e da cocriação como elementos-chave e a criação de uma instância responsável pelo monitoramento e pela revisão das ações do plano.
O artigo “Análise estatística multivariada para estudo da percepção socioambiental em um núcleo metropolitano” objetiva analisar a percepção dos moradores de uma comunidade no Rio de Janeiro, a fim de constatar as relações das ações envolvendo os serviços de saneamento com os possíveis impactos ocasionados na área. A falta de acesso à rede de esgotamento sanitário influencia diversos problemas na concepção da população, principalmente problemas de alagamentos em períodos chuvosos. No artigo “Território e políticas públicas: um percurso de Educação Permanente”, a pesquisa tornou-se espaço de significação, pois o percurso possibilitou a produção de uma reflexão nos participantes a partir daquilo que emergiu entre esses sujeitos e a discussão sobre território, compreendendo-o como um dos conceitos fundamentais nas políticas públicas.
Em “Reterritorialização em pequenas cidades universitárias no Nordeste brasileiro: reflexões a partir da Praça do Obelisco em Redenção, Ceará”, são analisadas as dinâmicas territoriais na cidade de Redenção, com foco na Praça do Obelisco, envolvendo juventudes universitárias emergentes e a população local já anteriormente residente, entre o segundo semestre de 2017 e fevereiro de 2020. A análise revela novas dinâmicas territoriais, por meio das ocupações criativas realizadas pelas juventudes universitárias, e, mais do que isso, a emergência dessas juventudes como agentes políticos e urbanos significativos. O artigo “Feira da produção familiar: perfil do consumidor do Empório Lago Oeste no Distrito Federal” busca caracterizar o perfil de 20 consumidores com relação à comercialização da produção familiar, a partir de uma pesquisa de campo na aplicação de entrevista, revelando-se, assim, a diversificação socioeconômica e a pluriatividade local.
Já em “O uso do QR Code para uma gestão inclusiva na arborização urbana de Bagé, RS”, foram desenvolvidas ferramentas voltadas ao atendimento das necessidades especiais, objetivando a interação de grupos com deficiência auditiva e visual com as informações levantadas no inventário arbóreo, sobre as espécies ocorrentes na Praça do Coreto, localizada na região central da cidade.
Em “Empreendedorismo e desenvolvimento endógeno: um estudo bibliométrico”, o empreendedorismo configura-se em importante instrumento de desenvolvimento de uma região. O artigo “Fire performance in buildings: academic insights and perspective analysis” aponta uma possibilidade de evolução da tendência em pesquisa de metodologias e sistemas inteligentes de controle aplicados ao gerenciamento de emergências de incêndio.
Em “Limitações no processo de desenvolvimento e manutenção de cooperativas rurais do Vale do Arinos, Mato Grosso”, o trabalho apresenta os principais entraves a serem superados para que as cooperativas rurais do norte de Mato Grosso se mantenham e se desenvolvam no mercado. O artigo “Nutricionistas na Atenção Primária à Saúde e o cuidado nutricional à população adulta no município de São Paulo, SP, Brasil” demonstra que a presença do nutricionista mostrou-se estratégica, favorecendo a parceria entre instituições de ensino superior e serviços, agendamento de consultas por critério de vulnerabilidade, elaboração de Projetos Terapêuticos Singulares, acompanhamento em grupos, planejamento, divulgação e avaliação de ações coletivas. Em “Participação e dialogicidade na casa familiar rural de Cametá, Pará”, o autor analisa a participação e dialogicidade na gestão de organizações privadas, sem fins lucrativos e com objetivos socioeducacionais na área rural.
O artigo “Análise da expansão urbana de Marília, São Paulo: um olhar sobre os remanescentes florestais ciliares periurbanos” analisa temporalmente a paisagem nas regiões de interesse hídrico, com vistas a avaliar o potencial de conservação dos fragmentos florestais responsáveis por este recurso. Em “Dinâmica de circulação de pedestres como indicativo de locais prioritários para arborizar em uma via comercial de centro urbano”, o artigo determina a dinâmica de circulação de pedestres em uma rua comercial, em área central urbana, em razão da insolação, e descobrir se a arborização pode influenciar no traçado desejado e na intensidade do fluxo de pessoas. No artigo “Das ruas para a mesa: espécies vegetais alimentícias utilizadas na arborização urbana de Mato Grosso do Sul, Brasil” , apresenta-se um diagnóstico sobre as espécies alimentícias ou com potencial de uso aliment좩o por humanos que são utilizadas na arborização urbana de municípios de Mato Grosso do Sul. Finalmente, em “Inteligência geográfica na construção de políticas públicas: rumo à plataforma de monitoramento de áreas verdes urbanas do Estado de São Paulo”, a temática apresenta o estado da arte da plataforma de monitoramento de áreas verdes urbanas - UrbVerde - para municípios do Estado de São Paulo e pretende, com o apoio de uma tecnologia disruptiva, estimular conjuntamente o processo de suporte à decisão para a retomada verde na Década da Restauração de Ecossistemas (2021-2030), viabilizando o processo de transformação dos municípios em cidades inteligentes e sustentáveis.
Este número traz importantes reflexões sobre os temas: políticas públicas; planejamento urbano; desenvolvimento local, regional, territorial; sistema regional de inovação; nutrição; gastronomia; entre outros. Aproveitamos para agradecer a contribuição de todos os autores e avaliadores da nossa revista.
O nosso agradecimento especial para a nossa equipe editorial, que, ainda nestes tempos de pós-pandemia, de perdas irreparáveis, de trabalho remoto, não tem medido esforços para a publicação dos números da Interações. O nosso agradecimento também especial aos nossos avaliadores do Comitê Editorial e aos nossos avaliadores ad hoc, pelo pronto atendimento e pela qualidade de suas avaliações.
Arlinda Cantero Dorsa
Editora-chefe da Interações
REFERÊNCIAS
- BENEDICT, R. Padrões de cultura Lisboa: Edição “Livros do Brasil”, 1972.
- BOAS, F. Antropologia cultural [Org. Celso Castro]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. 109 p.
- BONNEMAISON, J.; CAMBRÈZY, L. Le lien territorial: entre frontères et identités. Géographies et Cultures, Paris, n. 20, 1996.
- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil Promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988.
- ORTIZ, R. Cultura brasileira e identidade nacional 5. ed., 9. reimp. São Paulo: Brasiliense, 2006.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Dez 2022 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 2022