Resumo
Nas últimas décadas, o Brasil acompanhou um aumento no debate sobre a relevância da agricultura familiar, principalmente no que se refere a sua importância como agente de transformação do rural e para o desenvolvimento regional. Assim, a educação, entendida como agente transformador, ganha papel fundamental. Nesse sentido, este trabalho teve como objetivo compreender a percepção dos agricultores familiares do município de Vitorino, Paraná, sobre a educação rural e a sua importância como elemento estratégico para a manutenção dos jovens no campo. Para isso, foram realizadas entrevistas com vinte agricultores familiares do município. A partir das entrevistas, foi possível compreender que, apesar de a maioria das escolas rurais do município terem sido fechadas, as crianças e os jovens rurais têm acesso à educação, mas em escolas urbanas. Entretanto, o currículo urbano, em sua maioria, não valoriza o modo de vida rural, o que acaba contribuindo para o êxodo dos jovens rurais. Nesse sentido, é importante a criação de estratégias educacionais e políticas públicas para o fortalecimento da sucessão e permanência dos jovens no campo, assegurando a reprodução social da agricultura familiar.
Palavras-chave
educação rural; agricultores familiares; desenvolvimento rural; escola; jovens
Abstract
In the last decades, Brazil has followed an increase in the debate on the relevance of family farming, mainly concerning its importance as a transformation agent of the rural and for regional development. Thus, education, understood as a transforming agent, gains a fundamental role. In this sense, this work aimed to understand the perception of family farmers in the municipality of Vitorino, Paraná, about education in rural areas and its importance as a strategic element for the maintenance of young people in the countryside. For this, interviews were conducted with twenty family farmers in the municipality. From the interviews, it was possible to understand that although most rural schools in the municipality were closed, rural children and youth have access to education, but in urban schools. However, the urban curriculum, for the most part, does not value the rural way of life, which ends up contributing to the exodus of rural youth. In this sense, it is important to create educational strategies and public policies to strengthen the succession and permanence of young people in the countryside, ensuring the social reproduction of family farming.
Keywords
rural education; family farmers; rural development; school; young
Resumen
En las últimas décadas, Brasil ha seguido un aumento en el debate sobre la importancia de la agricultura familiar, especialmente con respecto a su importancia como agente de transformación del desarrollo rural y regional. Así, la educación, entendida como un agente transformador, adquiere un papel fundamental. En este sentido, este trabajo tuvo como objetivo comprender la percepción de los agricultores familiares en el municipio de Vitorino, Paraná, sobre la educación en las zonas rurales y su importancia como elemento estratégico para el mantenimiento de los jóvenes en el campo. Para ello, se realizaron entrevistas con veinte agricultores familiares en el municipio. A partir de las entrevistas, fue posible entender que, aunque la mayoría de las escuelas rurales del municipio estaban cerradas, los niños y jóvenes rurales tienen acceso a la educación, pero en las escuelas urbanas. Sin embargo, el plan de estudios urbano, en su mayor parte, no valora la forma de vida rural, que termina contribuyendo al éxodo de la juventud rural. En este sentido, es importante crear estrategias educativas y políticas públicas para fortalecer la sucesión y permanencia de los jóvenes en el campo, asegurando la reproducción social de la agricultura familiar.
Palabras clave
educación rural; agricultores familiares; desarrollo rural; escuela; jóvenes
1 INTRODUÇÃO
O processo de modernização na agricultura brasileira ocorreu principalmente após a 2 ª Guerra Mundial, tendo a sua consolidação na década de 1970. Esse processo se deu principalmente pela adoção dos pacotes tecnológicos pelas propriedades rurais (insumos externos, agroquímicos, sementes industriais e mecanização) (KAGEYAMA, 1997KAGEYAMA, A. O novo padrão agrícola brasileiro: do complexo rural aos complexos agroindustriais. In: DELGADO, G. C. Agricultura e políticas públicas. Brasília: IPEA, 1997. p. 113-223.; CASTRO; CHELOTTI; 2018CASTRO, H. V.; CHELOTTI, M. C. Processo de modernização tecnológica na agricultura e a disputa territorial no campo brasileiro. Espaço em Revista, Goiânia, v. 20, n. 1, jan./jun. 2018, p. 55-65.). Como resultado, houve aumento da produção agropecuária do país, mas, nesse processo, acabaram sendo excluídos os pequenos agricultores. Nesse período, podemos aferir que a sociedade brasileira se transformou, passando de rural para uma sociedade urbana e industrial. E é nessa perspectiva de sociedade urbanizada e industrializada que se constrói a percepção do que seria considerado moderno e atrasado, respectivamente, urbano e rural.
Entretanto, apesar de aumentar a produção agropecuária, esse processo de modernização acabou por gerar diversas consequências negativas, por exemplo: o endividamento dos agricultores, o êxodo rural, a perda da biodiversidade, o envelhecimento rural, a masculinização, o fechamento de escolas rurais, dentre outros (CAMARANO; ABRAMOVAY, 1999CAMARANO, A. A.; ABRAMOVAY, R. Êxodo rural, envelhecimento e masculinização no Brasil: panorama dos últimos 50 anos. Rio de Janeiro: Ipea, jan. 1999. [Texto para Discussão n. 621].; SILVA, 2003SILVA, J. G. da. Tecnologia e Agricultura Familiar. 2. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.; CRHISTEN; FRANCO NETTO, 2016CRHISTEN, R. S.; FRANCO NETTO, F. Sucessão, masculinização, envelhecimento e educação na agricultura familiar: qual a influência desses fatores no êxodo rural? 2016. Disponível em: https://publicacresol.cresolinstituto.org.br/upload/pesquisa/202.pdf. Acesso em: 4 jul. 2022.
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). E é nesse contexto que, nas últimas décadas, houve um aumento no debate e das políticas públicas para a revalorização da agricultura familiar. Nesse sentido, discorrer sobre a relevância da agricultura familiar e a importância dela para o desenvolvimento rural sustentável vai além da questão agrícola/agrária produtivista, tendo em vista que o mundo rural é composto por múltiplas dimensões que incluem: o lazer, a sucessão, a qualidade de vida, o bem-estar, o acesso às tecnologias, saúde, educação e outras (PASQUALOTTO; KAUFMANN; WIZNIEWKY, 2019PASQUALOTTO, N.; KAUFMANN, M. P.; WIZNIEWKY, J. G. Agricultura familiar e Desenvolvimento Rural Sustentável [Recurso Eletrônico]. Santa Maria: UFSM / NTE, 2019. 115p.).
Assim, é importante e necessário que sejam discutidos os rumos da educação para as populações rurais, aliás, debate que vem ganhando espaço nas políticas públicas e nas discussões acadêmicas. Os debates sobre a educação rural têm priorizado especialmente: a educação para a inserção dos agricultores no mercado globalizado e a educação como estratégia para a manutenção e permanência dos jovens no campo, possibilitando, assim, a reprodução social da agricultura familiar (BACON; FAGUNDES, 2011BACON, V. R.; FAGUNDES, M. C. V. O papel da educação do campo para o incentivo e a permanência do jovem à frente da agricultura familiar. [s.l.]: UFPR, Setor Litoral, 2011. Disponível em: https://www.acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/54371/R%20-%20E%20-%20VANIA%20ROCHA%20BACON.pdf?sequence=1. Acesso em: 2 set. 2020.
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; SOUZA; TEIXEIRA DE PINHO; MARTINS DE MEIRELES, 2012SOUZA, E. C.; TEIXEIRA DE PINHO, A. S.; MARTINS DE MEIRELES, M. Tensões entre o local e o global: ruralidades contemporâneas e docência em escolas rurais. Revista do Centro de Educação, v. 37, n. 2, p. 351-64, maio/ago. 2012.).
O ensino nas áreas rurais brasileiras começa no contexto do início da monocultura cafeeira e do fim da escravidão, pela necessidade de formação de mão de obra especializada. Contudo, ainda que os primeiros grupos escolares de ensino primário tenham se originado na década de 1890, a ampliação do ensino escolar no meio rural se amplia apenas na primeira metade do século XX, tendo em vista sua obrigatoriedade e necessidade de universalização (SOUZA, 1998SOUZA, R. F. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no estado de São Paulo (1890-1910). São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.; NEVES, 2007NEVES, E. D. Primeiras anotações sobre o ofício docente em contexto rural. In: ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO DA REGIÃO SUDESTE, 7., Desafios da Educação Básica: a pesquisa em educação. 2007, Vitória. Anais [...]. Vitória: UNESP, 2007.; STANISLAVSKI, 2011STANISLAVSKI, C. F. S. As ilustrações dos livros espelho (1928), vida na roça (1932) e alegria (1937) do autor Thales Castanho de Andrade: um estudo sobre a escola rural do Brasil no século XX. 2011. 204 f. Tese (Doutorado em Filosofia e Ciências) – Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2011. Disponível em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario8/_files/zIbQUgG8.doc. Acesso em: 12 dez. 2019.
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).
Corroborando e detalhando mais sobre esse período, De Bastiani e Strasser (2008)DE BASTIANI, T. M.; STRASSER, R. B. Permanência dos jovens no campo: para que? Santa Maria: UFSM, 2008. Disponível em: http://coral.ufsm.br/sifedocregional/images/Anais/Eixo%2008/T%C3%A2nia%20Mara%20De%20Bastiani.pdf. Acesso em: 1º ago. 2020.
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apontam que o início da colonização no Brasil foi baseado na extração e produção agrícola, primeiramente com a utilização da mão de obra indígena e posteriormente com os negros escravos. Aliás, a divisão de terras pela Coroa Portuguesa tinha como característica os latifúndios (doações aos portugueses) para cultivo de monoculturas. E é nesse contexto que as autoras contextualizam o surgimento da educação no país, sendo ela elitista e inacessível para grande parte população. Cabe lembrarmos que, nesse período histórico, os filhos dos grandes proprietários de terras iam estudar na Europa, retornando para o Brasil graduados. Silva (2011)SILVA, M. do S. Educação do campo e desenvolvimento: uma relação construída ao longo da história. [s.l.]: [s.n.], 2011. Disponível em: http://www.contag.org.br/imagens/f299Educacao_do_Campo_e_Desenvolvimento_Sustentavel.pdf. Acesso em: 2 set. 2020.
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afirma que, nesse período, mulheres, negros, trabalhadores rurais e indígenas não precisavam ler nem escrever, já que, para desempenhar o trabalho nas lavouras, isso não era essencial.
Segundo Bavaresco e Rauber (2014)BAVARESCO, P. R.; RAUBER, V. D. Educação do campo: uma trajetória de lutas e conquistas. Unoesc & Ciência -ACHS, Joaçaba, v. 5, n. 1, p. 83-92, 2014., foi somente na década de 1980 que se teve um processo mais efetivo de consolidação das escolas rurais. Por outro lado, a industrialização do país, que se iniciou no mesmo período, promoveu o êxodo rural, diminuindo a demanda escolar no campo, o que, por consequência, levou ao fechamento de muitas dessas instituições.
Para Santos e Vinha (2018)SANTOS, P.; VINHA, J. F. S. C. Educação do/no campo: uma reflexão da trajetória da educação brasileira. Araraquara: UNIARA, 2018. Disponível em: https://www.uniara.com.br/legado/nupedor/nupedor_2018/10/12_Patricia_Santos.pdf. Acesso em: 12 dez. 2019.
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, uma das alternativas criadas para manter a população no campo foram as escolas agrícolas, já que a elite agrária precisava de trabalhadores. Porém a lógica dessas escolas sempre foi a mesma das escolas urbanas, isso porque, por muito tempo, a educação do campo nunca teve uma proposta de ensino voltada para cultura e modo de vida dos seus sujeitos. Para os autores, essa educação foi consequência de uma sociedade que marginalizou o campo, estigmatizando o homem rural como aquele sujeito atrasado, trabalhador braçal e para o qual a educação escolar era desnecessária. Nessa ótica, esses cenários acabaram desvalorizando o campo, bem como seus sujeitos, interferindo nos sentidos dos próprios agricultores quanto à necessidade do ensino rural e da educação.
Dessa forma, a educação rural deve extrapolar a delimitação territorial geográfica e prezar por atender às necessidades culturais e à formação integral dos sujeitos, propondo uma escola no e do campo, construída por quem trabalha e vive nele. A escola precisa estar colada à realidade dos sujeitos e, portanto, fixada no campo (BRASIL, 2003BRASIL. Ministério da Educação. Referências para uma Política Nacional de Educação do Campo. Caderno de subsídios. Brasília, DF, 2003.; SANTOS; NEVES, 2012SANTOS, E. O.; NEVES, M. L. C. Educação do campo e desenvolvimento territorial: reflexões e proposições. Entrelaçando – Revista Eletrônica de Culturas e Educação, Caderno Temático IV, n. 6, v. 1, Ano III, p. 1-10, set./dez., 2012.).
O presente trabalho relata investigação que teve por objetivo compreender a percepção de agricultores familiares do município de Vitorino, Paraná, sobre a educação rural e a sua importância como elemento estratégico para a manutenção dos jovens no campo. Dessa forma, é imprescindível que existam discussões sobre os elementos que possam possibilitar a permanência do jovem no campo, proporcionando, assim, o desenvolvimento rural e a reprodução da agricultura familiar.
1.1 Aporte metodológico
O município de Vitorino está localizado no Sudoeste do Estado do Paraná. De acordo com o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES, 2017)INSTITUTO PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL. Perfil avançado do município de Vitorino. Portal do Ipardes, Curitiba, 2017. Disponível em: http://www.ipardes.gov.br/perfil_municipal/MontaPerfil.php?codlocal=122&btOk=ok. Acesso em: 19 dez. 2019.
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, a sua matriz econômica está baseada na agricultura e pecuária familiares e tem como principais culturas agrícolas temporárias: soja, feijão, trigo, milho e aveia. E, entre as culturas permanentes, tem destaque a erva-mate, a laranja, o pêssego e a uva, já na pecuária sobressaem a criação de bovinos e galináceos, a aquicultura e os subprodutos leite e ovos. Aliás, é justamente por essa representatividade da agricultura familiar na região que o município foi escolhido para a realização deste estudo.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019)INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Histórico Vitorino. Portal do IBGE, Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pr/vitorino/historico. Acesso em: 12 dez. 2019.
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, no ano de 2019, a população estimada do município era de 6.838 pessoas. Em relação à taxa de escolarização, o percentual era de 97,4% na faixa etária de 6 a 14 anos, de acordo com o censo do ano de 2010. Quanto ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), para os anos iniciais do Ensino Fundamental (rede pública), o valor é de 7,5 e, para os anos finais do Ensino Fundamental (rede pública), o valor é de 4,9, ambos relativos ao ano de 2017. E, em relação ao Brasil, o município encontra-se na 3.079 ª posição do IDEB, entre 5.570 municípios. Atualmente, em Vitorino, existem quatro escolas de Ensino Fundamental e uma de Ensino Médio.
A presente pesquisa teve uma abordagem qualitativa, pois seu foco de atenção era a compreensão dos sentidos e significados (MINAYO, 2012MINAYO, M. C. S. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 3, p. 621-26, mar. 2012. Disponível em: http://wwwscielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232012000300007&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 29 ago. 2020.
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) e suas percepções sobre aspectos de seu cotidiano (PATIAS; HOHENDORFF, 2019PATIAS, N. D.; HOHENDORFF, J. V. Critérios de qualidade para artigos de pesquisa qualitativa. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 24, e43536, 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722019000100236&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 28 ago. 2020.
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). Para Goméz, Florez e Jiménez (1996), a pesquisa qualitativa é o retrato de vida de um grupo social, pois é possível descrever analiticamente o caráter interpretativo de uma estrutura social ou cultura. A partir dela, podemos construir de forma teórica esquemas que consigam responder o mais fielmente possível às percepções, realidades e ações do grupo social estudado.
Dentre os diversos métodos da pesquisa qualitativa, a entrevista semiestruturada aproxima o pesquisador e o entrevistado, deixando esse último à vontade para expressar suas opiniões e percepções. Conforme Fujisawa (2000)FUJISAWA, D. S. Utilização de jogos e brincadeiras como recurso no atendimento fisioterapêutico de criança: implicações na formação do fisioterapeuta. 2000. 147 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2000., a entrevista semiestruturada é uma das técnicas que se guia a partir de um roteiro de questões e que permite ao pesquisador realizar mudanças e flexibilizações à medida que as informações vão sendo originadas, enriquecendo a pesquisa com detalhes.
O estudo ora apresentado teve por objetivo compreender a percepção de um grupo de agricultores familiares de Vitorino, acerca da educação no meio rural e sua importância como elemento estratégico para a manutenção dos jovens no campo. Nesse contexto, foram realizadas vinte entrevistas com os agricultores que estavam presentes no dia das palestras propiciadas pela Prefeitura e pelos docentes do curso de Agronomia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus Pato Branco, em novembro de 2019. A escolha foi por conveniência (PATIAS; HOHENDORFF, 2019PATIAS, N. D.; HOHENDORFF, J. V. Critérios de qualidade para artigos de pesquisa qualitativa. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 24, e43536, 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722019000100236&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 28 ago. 2020.
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), com a participação espontânea e a seleção dos entrevistados não sendo pautada em nenhum estilo de delineamento estatístico. As perguntas, constantes no roteiro de entrevistas, estavam relacionadas aos aspectos sociais, econômicos e ambientais das propriedades, tendo como objetivo apurar as opiniões dos entrevistados acerca de temas referentes à vida rural e da família.
Especificamente para este artigo, foi utilizada parte das entrevistas com os seguintes contextos: a dinâmica da propriedade rural; a existência ou não de escola na comunidade; se o atendimento da escola, caso houvesse, cobria todos os anos do Ensino Fundamental; o que as famílias faziam para as crianças estudarem no caso de não haver escola na comunidade; se havia transporte escolar e a qualidade desse serviço; qual a importância que as famílias atribuíam aos estudos; quais conteúdos achavam importantes a serem estudados; e se o ensino dado no urbano valorizava o meio rural e a permanência do jovem no campo.
Assim, o seu discurso enquanto atores sociais e suas práticas cotidianas como agricultores familiares inseridos numa sociedade que valoriza a educação formal caracterizam a matéria-prima da pesquisa (SILVA; SILVA JUNIOR, 2010SILVA, A. J.; SILVA JUNIOR, M. F. Representações sociais e agricultura familiar: indícios de práticas agrícolas sustentáveis no Vale do Bananal – Salinas, Minas Gerais. Sociedade e Natureza,, Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 525-38, dez. 2010.). Não obstante, buscou-se, ainda, identificar como os participantes da pesquisa concebem a educação escolar oferecida aos seus filhos, no sentido de se aproximar ou se afastar das premissas da educação do campo (OLIVEIRA; MONTENEGRO GÓMEZ, 2014OLIVEIRA, M. E. B. de; MONTENEGRO GÓMEZ, J. R. A educação do campo no contexto do modelo de desenvolvimento rural no Brasil: O princípio educativo do trabalho como alternativa. PEGADA – A Revista da Geografia do Trabalho, v. 15, n. 1, 2014. DOI: 10.33026/peg.v15i1.2671. Disponível em: https://revista.fct.unesp.br/index.php/pegada/article/view/2671. Acesso em: 4 jul. 2022.
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), conforme atribuído pelos autores como Arroyo, Caldart e Molina (2004)ARROYO, M. G.; CALDART, R.; MOLINA, M. C. Por uma educação do campo. Petrópolis: Vozes, 2004. e Ribeiro (2008)RIBEIRO, M. Pedagogia da alternância na educação rural/do campo: projetos em disputa. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 34, n. 1, p. 27-45, abr. 2008..
A partir das entrevistas, seguimos para a interpretação e compreensão dos dados levantados, empregando análises descritivas baseadas nas informações proferidas pelos entrevistados, e, para a tabulação desses dados, utilizamos técnicas de representação como tabelas e falas dos agricultores, além da articulação com outros estudos e pesquisas. Essa metodologia é tipicamente utilizada pelas Ciências Sociais, em que se analisa o contexto do discurso, analisando os sentidos e significados das respostas dos entrevistados.
2 A EDUCAÇÃO NA PERCEPÇÃO DOS AGRICULTORES FAMILIARES
Ao pensarmos sobre a reprodução social da agricultura familiar e no desenvolvimento rural, torna-se indispensável refletirmos sobre o acesso e a qualidade da educação voltada para a população rural. Para construir elementos debatedores para o que nos propomos, partimos primeiramente para a constituição da unidade familiar. Consideramos a unidade familiar composta por todos os indivíduos que moram nas propriedades rurais entrevistadas, como pode ser visualizado na Tabela 1. Para uma maior compreensão, tabulamos os dados encontrados da seguinte forma: número de domicílios entrevistados; número total de pessoas nas unidades familiares; faixa etária; gênero; e escolaridade.
Dessa forma, foi possível constatar 78 pessoas residentes nas propriedades, sendo a predominância do gênero masculino (53,8%). A faixa de idade prevalecente está entre os 46 e 55 anos, com 14 pessoas; ainda que com frequência próxima, 13 pessoas estão na faixa de idade entre 15 e 25 anos e 56 e 65 anos.
Quanto à escolaridade, teremos: 5 analfabetos registrados, 2 são idosos e 3 são crianças que ainda não foram escolarizadas. Apesar de a taxa de analfabetismo ser baixa (0,6%), ainda existem pessoas com ensino fundamental incompleto, que, mesmo anulando o número de crianças (10), ainda frequentam ou podem frequentar o ensino fundamental, restando 20 pessoas de outras faixas etárias que não concluíram o Ensino Fundamental – uma quantidade expressiva, portanto. Entre outras faixas de escolaridade, encontram-se as pessoas com Ensino Fundamental completo (20%), pessoas com Ensino Médio ou Técnico completo (15%) e pessoas com Ensino Superior em andamento ou completo (16%) (Tabela 1).
Dos participantes da pesquisa, quando questionados sobre a temática da existência de escolas nas comunidades, apenas um agricultor afirmou haver uma escola rural em sua comunidade, sendo essa de ensino Fundamental I (o Fundamental I é dividido em turmas de 1 º a 5 º ano, envolvendo alunos a partir dos 6 anos de idade); os outros 19 entrevistados relataram a inexistência dessas no meio rural. De acordo com os agricultores, as escolas se localizam apenas “no município” ou “na cidade”, e as que haviam foram “fechadas”, “demolidas” ou “abandonadas”.
Em relação aos motivos que levaram à extinção e ao fechamento dessas escolas (relatada a existência delas entre 25 e 40 anos atrás), os agricultores apontaram como principal motivo a baixa presença de crianças na área rural, ou seja, a falta de alunos, o que tornava inviável manter as escolas e a criação de turmas nas comunidades. O motivo relatado pelos entrevistados vem ao encontro dos dados apresentados, isto é, o pouco número de crianças e jovens em idade escolar nas unidades familiares (maior número de pessoas acima dos 36 anos, fora da idade escolar).
Entre os problemas sociais vividos pela agricultura familiar, está justamente o êxodo dos jovens rurais para os centros urbanos, ocasionando o envelhecimento da população rural. Ao retomarmos os dados da Tabela 1, podemos perceber que as faixas etárias mais expressivas são de 15 a 25 anos, 46 a 55 anos e 56 a 65 anos, o que nos leva a aferir que existe certo envelhecimento da população, achados que são corroborados pela literatura da área, a exemplo das pesquisas de Costa (2013)COSTA, C. Contornos do celibato no espaço rural: solteirões do sul do Brasil. Extensão Rural, Santa Maria, v. 21, n. 3, p. 22-51, 2013. e Costa e Froehlich (2014)COSTA, C.; FROEHLICH, J. M. Políticas públicas e masculinização rural no Rio Grande do Sul: uma abordagem a partir das condições regionais. Campo-Território, Uberlândia, v. 9, p. 27, 2014.. Com consonância, Pereira e Santos (2008, p. 159) afirmam que “é comum ocorrer migração de apenas parte da família. Neste caso, geralmente os indivíduos em idade produtiva vão tentar a vida na cidade, e os parentes mais idosos permanecem em seus locais de origem [...]”. Dessa forma, o êxodo rural da população mais jovem influencia no índice de população idosa no campo.
Essas afirmações compactuam com os dados nacionais do IBGE (2017)INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Agro 2017: população ocupada nos estabelecimentos agropecuários cai 8,8%. Agência IBGE Notícias, Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/25789-censo-agro-2017-populacao-ocupada-nos-estabelecimentos-agropecuarios-cai-8-8. Acesso em: 12 dez. 2019.
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, que apontam para 15.105.125 o número de pessoas que ocupam estabelecimentos agropecuários, dos quais 1.171.767 são maiores de 65 anos. Cenário consequente da descapitalização dos agricultores familiares e do êxodo de grande parte da população jovem entre as décadas de 1960 e 1970, no caso brasileiro, fruto da modernização da agricultura e que favoreceu apenas as grandes propriedades, gerando, hoje, uma população rural cada vez mais envelhecida e que sobrevive pelos benefícios previdenciários e da Assistência Social (DELGADO; CARDOSO JR., 2001DELGADO, G. C.; CARDOSO JR., J. C. Condições de reprodução econômica e combate à pobreza das famílias dos aposentados rurais. Brasília: IPEA, 2001. 21 p. (Os desafios da pobreza rural).).
De acordo com Santos e Silva (2016)SANTOS, F. R.; SILVA, A. M. Fechamento das escolas rurais e transporte escolar no município de Morrinhos/ GO. Interfaces da Educação, Paranaíba, v. 7, n. 21, p. 23-42, 2016., ainda que o acesso e a universalização à educação no Brasil sejam definidos como direito garantindo na Constituição, é possível verificar desigualdade no acesso e na permanência de crianças e jovens, principalmente em certas regiões geográficas e entre as áreas rurais e urbanas. E é nesse contexto de diferenças entre urbano e rural que nos últimos anos o país vem assistindo a um sistemático processo de fechamento das escolas rurais. Para Costa, Etges e Vergutz (2016)COSTA, J. P. R.; ETGES, V.; VERGUTZ, C. L. B. A educação do campo e o fechamento das escolas do campo. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO,6., 2016, Santa Cruz do Sul. Anais [...]. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2016., o fechamento dessas instituições tem sido justificado pela redução da população em fase de escolarização, devido principalmente à migração para os centros urbanos. Portanto, a oferta das escolas rurais está diretamente relacionada à permanência de crianças e jovens nas áreas rurais.
Ainda, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2017)INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. INEP divulga dados inéditos sobre fluxo escolar na educação básica. Portal Inep, Brasília. Noticias, jun. 2017. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/inep-divulga-dados-ineditos-sobre-fluxo-escolar-na-educacao-basica/21206. Acesso em: 12 dez. 2019.
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, mais de 37 mil escolas do e no campo foram fechadas nos últimos quinze anos. O fechamento dessas escolas pode ter ainda mais um motivo acrescido, além do êxodo rural e do alto índice de população idosa, que é a descentralização da educação ocorrida no país, consequência das atribuições aferidas aos entes federativos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, da qual os municípios são responsáveis pela Educação Infantil e pelo Ensino Fundamental; os Estados, pelo Ensino Fundamental e Médio; e a União, pela Educação Superior (BRASIL, 1996BRASIL Lei n. 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 21 dez. 1996.).
Dessa forma, vários estados passaram a direcionar a Educação Fundamental como responsabilidade aos seus munícipios, e esses, em várias contrapartidas, recebem parte das verbas para o transporte escolar por meio do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE). O PNATE foi instituído no ano de 2004 pelo governo federal, por meio da Lei n. 10.880, tendo como objetivo garantir o acesso e a permanência nos estabelecimentos escolares de ensino fundamental público aos estudantes residentes em área rural. Já com a publicação da Lei de n. 11.947, de 16 de julho de 2009, o Programa foi ampliado para toda a educação básica, que corresponde às etapas da educação infantil e ao ensino médio (BRASIL, 2009BRASIL Lei n. 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica; altera as Leis n. 10.880, de 9 de junho de 2004, 11.273, de 6 de fevereiro de 2006, n. 11.507, de 20 de julho de 2007; revoga dispositivos da Medida Provisória n. 2.178-36, de 24 de agosto de 2001, e a Lei n. 8.913, de 12 de julho de 1994; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 17 de jun. 2009.).
Deste modo, a inviabilidade econômica para a manutenção da escola do e no campo direciona os alunos pelo oferecimento de transporte para os centros urbanos (SANTOS; VINHA, 2018SANTOS, P.; VINHA, J. F. S. C. Educação do/no campo: uma reflexão da trajetória da educação brasileira. Araraquara: UNIARA, 2018. Disponível em: https://www.uniara.com.br/legado/nupedor/nupedor_2018/10/12_Patricia_Santos.pdf. Acesso em: 12 dez. 2019.
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). Assim, perguntamos aos agricultores se, com a retirada das escolas rurais das comunidades, foram afetados a qualidade e o acesso das crianças e jovens, e como seria o transporte realizado pelo município. As respostas que obtivemos foram de que, como as escolas haviam sido fechadas há vários anos e com o transporte garantido pelo município, a educação e o acesso não haviam sido alterados ou prejudicados, conforme afirmam vários entrevistados:
O município já dá o transporte e tem professores bons na cidade, não tem porque se descolar, não compensa, muito antigo, não tem capacidade, uma sala só. (Entrevistado 19).
As escolas são na cidade e passam na porta de casa para estudar. (Entrevistado 14).
O ônibus da prefeitura passa buscar crianças do pré até o segundo grau. (Entrevistado 15).
Ruim não seria, mas como tem transporte. (Entrevistado 18).
Detalhadamente, o transporte mencionado pelos entrevistados também se refere à política e investimento educacional criado no ano de 2017, nomeado como Programa Caminho da Escola, fruto do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), tendo como um dos objetivos “renovar a frota de veículos escolares (ônibus e embarcações), garantir a segurança e a qualidade do transporte dos estudantes e contribuir com a redução da evasão escolar” (FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO [FNDE], 2019FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO. Apresentação. FNDE, Cidade, 2019. Disponível em: http://www.fnde.gov.br/portaldecompras/index.php/produtos/onibus-escolar-rural. Acesso em: 12 dez. 2019.
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). Assim, há o fácil acesso à escola promovido pela qualidade dos veículos de transporte, porém, para uma escola na cidade. Embora haja escolas no meio rural, as condições e os investimentos para seu funcionamento são remanejados para escolas urbanas (SILVA FILHO; DA SILVA; OLIVEIRA, 2014SILVA FILHO, J. A.; DA SILVA, A. J. L; OLIVEIRA, M. L. dos S. Breve relato histórico sobre educação no campo: reflexos no município de Encanto-RN. In: SETEPE – Semana de Estudos, Teorias e Práticas Educativas, 5., 15-17 out. 2014, Pau dos Ferros, RN. Anais [...]. [ S.l. ]: Plataforma Espaço Digital. Disponível em: https://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/8116. Acesso em: 12 dez. 2019.
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).
Segundo Santos e Silva (2016)SANTOS, F. R.; SILVA, A. M. Fechamento das escolas rurais e transporte escolar no município de Morrinhos/ GO. Interfaces da Educação, Paranaíba, v. 7, n. 21, p. 23-42, 2016., esse fechamento de escolas rurais tem sido executado de forma sistemática desde a década de 1980 (intensificado na década de 1990), sendo o transporte escolar uma medida para garantir o acesso dos estudantes rurais para a continuação dos seus estudos. Entretanto, essa estratégia acaba gerando algumas consequências negativas, tais como: tempo de deslocamento para ida-retorno/casa-escola; redução do tempo de estudo em casa e concentração; aumento da evasão escolar, já que uma das características da agricultura familiar é a participação de todos os membros da família nas atividades da propriedade; e o aprendizado com uma realidade diferente do rural, voltado às práticas industriais.
Ao questionarmos sobre a qualidade do ensino fornecido pelas escolas urbanas, podemos perceber que os agricultores relacionam a qualidade do ensino não ao local em que a escola se situa (urbano/rural), e sim ao currículo de ensino e à formação e capacidade didática dos professores. Trazemos algumas falas para exemplificar: “Tanto faz, desde que os professores sejam bons” (Entrevistado 12); outra fala nos chama atenção, quando o entrevistado relata a importância da existência de uma escola na comunidade: “Seria e não seria [...] Lá na comunidade são poucos alunos, seria bom para ter mais ideias e debates” (Entrevistado 20). Essa fala revela a necessidade de espaços que permitam o diálogo de ideias e debates e que estejam ao encontro do modo de vida e dos anseios da população rural, que, em alguns aspectos, diferencia-se do urbano.
A partir desses cenários, retomamos as análises dos questionamentos sobre a percepção dos agricultores em relação à importância do estudo e ao ensino fornecido pela escola urbana, no que tange à valorização do modo de vida rural. Porém, antes de analisarmos as respostas dos agricultores, resgatamos o estudo de Peres (2011)PERES, M. A. C. Velhice e analfabetismo, uma relação paradoxal: a exclusão educacional em contextos rurais da região Nordeste. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 26, n. 3, p. 631-61, 2011., que reafirma a divergência entre a educação formal rural e urbana. Para o autor, a partir da industrialização do século XVIII, o conhecimento válido ficou relacionado às cidades e à habilitação do trabalho industrial, no qual o rural não faz parte. Nesse sentido, a educação estaria relacionada com uma utilidade para o meio capitalista industrializado (ALCÂNTARA, 2017ALCÂNTARA, A. O. Vivê e Morrê no Sertão. In: JORNADA INTERNACIONAL POLÍTICAS PÚBLICAS, 8., 2017, São Lui s. Anais [...] São Luiz: UFMA, 2017. Disponível em: http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2017/pdfs/mesas/velhiceruralentreogeograficoeosocial.pdf. Acesso em: 12 dez. 2019.
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).
Deste modo, teremos a sociedade moderna baseada na perspectiva dos conhecimentos e saberes construídos pelo urbano e pela indústria, ou seja, a velha dicotomia do moderno versus atrasado; urbano versus rural; e saber técnico versus saber popular. Ao analisarmos as respostas obtidas, podemos perceber justamente essa diferenciação nas falas, sendo bem pautada a importância do estudo para conquistar algo melhor, sendo esse mais bem vinculado aos trabalhos urbanos, menosprezando, assim, o trabalho rural. Trazemos algumas falas para exemplificarmos essa análise:
Quem não acompanha acaba ficando desempregado. (Entrevistado 1).
Para estudar e conseguir emprego com mais renda. (Entrevistado 2).
Para ter profissão [...] para enfrentar a cidade grande e o comércio. (Entrevistado 4).
Se tivesse estudado, estaria em outro lugar. (Entrevistado 5).
Hoje é para tudo, depende de tudo as consequências vêm depois. (Entrevistado 13).
Hoje tudo depende do estudo para ter formação. (Entrevistado 16).
[...] quem não tiver estudo só carpindo o barranco, com o estudo já é difícil. (Entrevistado 18).
[...] consegue emprego melhor dependendo da formação, pelo conhecimento consegue o que seus pais não conseguiram. (Entrevistado 19).
Como já refletimos, para os agricultores, a educação está ligada ao emprego, à renda, a outro lugar, a “conseguir o que os pais não conseguiram”. Trata-se, pois, de discursos conectados a um sentido de educação como necessária para o meio urbano, justamente o que Peres (2011)PERES, M. A. C. Velhice e analfabetismo, uma relação paradoxal: a exclusão educacional em contextos rurais da região Nordeste. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 26, n. 3, p. 631-61, 2011. defende. E, ainda, mais ligado a uma mudança de vida que favorece mais do que “só carpindo o barranco”, como referência a um trabalho menosprezado, excludente e pouco rentável, isso na voz dos próprios participantes e vivenciadores do rural.
A migração para centros maiores partiu do ideal que foi construído em torno do urbano, pela proposição de um salário, uma infraestrutura que comportaria uma boa vida, quando se compara com o meio rural, o que acaba trazendo muitas transformações na estrutura social (RAMOS; VERAS; KALACHE, 1987RAMOS, L. R.; VERAS, R. P.; KALACHE, A. Envelhecimento populacional: uma realidade brasileira. Revista Saúde Pública, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 211-24, jun. 1987.; TONEZER; TRZCINSKI; DAL MAGRO, 2017TONEZER, C.; TRZCINSKI, C.; DAL MAGRO, M. L. P. D. As vulnerabilidades da velhice rural: um estudo de casos múltiplos no Rio Grande do Sul. Desenvolvimento em Questão, Ijuí, v. 15, n. 40, p. 7-38, 2017.). Em estudo realizado por Carneiro (1998)CARNEIRO, M. J. O ideal urbano: campo e cidade no imaginário de jovens rurais. In: DA SILVA, F. C. T.; SANTO, R.; COSTA, L. F. C.; CASTRO, A. C. Mundo rural e política: ensaios interdisciplinares. Rio de Janeiro: Campus, 1998. com jovens rurais de Nova Pádua, RS, 83% dos entrevistados não gostariam de continuar nas atividades rurais, por considerarem essas sem futuro, sem recompensas, pesadas e sujas.
Nesse sentido, refletimos que, apesar de a agricultura familiar ser atualmente considerada de extrema importância para a produção de alimentos e para o desenvolvimento sustentável, os agricultores ainda não se percebem como protagonistas desses processos e acabam reproduzindo a velha dicotomia (moderno/atrasado; urbano/rural), desvalorizando o trabalho na agricultura. Em contrapartida, quando questionados sobre a existência da valorização do campo pelo ensino urbano, a maioria relatou a necessidade da sucessão e da permanência dos jovens na área rural como reprodução de suas propriedades, mas nem sempre isso acontece quando os jovens vão para a escola urbana. A justificativa está centrada no fato de que a escola urbana e o currículo escolar não valorizam a vida e o trabalho rural, indo na contramão da ideia da universalização do ensino. Ora, essa percepção também se torna contraditória, quando analisamos a visão construída por eles sobre si mesmos e a valorização do trabalho rural, o que torna a análise do modo de vida rural muito mais complexa do que apenas o elemento econômico.
Ao analisarmos as respostas, podemos verificar diversas percepções sobre essa realidade. Para o entrevistado 3, a escola urbana é uma das responsáveis por impulsionar o desejo do aluno sair do campo: quando o ensino urbano “[...] despreza o campo e o aluno quer sair do campo. Deveria valorizar, pois produz a base da vida, que é o alimento”. Já para o agricultor 6 a problemática do êxodo rural não está no ensino, mas sim no deslocamento do estudante até o centro urbano. Para ele: “Deveria estudar na cidade e morar no interior para segurar as pessoas no interior” (Entrevistado 6).
Em diversas falas, os agricultores aproximaram a necessidade de uma educação voltada para o rural como estratégia para a permanência do jovem no campo. Esse ensino seria principalmente por meio de escolas que valorizassem esse meio e o agricultor. Para exemplificar, trazemos algumas falas:
A escola rural é bem melhor, também faz com que o jovem permaneça no campo, e tem emprego garantido quando estuda no colégio agrícola. (Entrevistado 7).
[...] Auxilia que o jovem permaneça no campo [...] segura a terra, o capital [...]. (Entrevistado 15).
[...] Hoje a pessoa que fica no campo é difícil, é o pessoal mais de idade que fica, os mais jovens não ficam. (Entrevistado 16).
[...] Na cidade é só o teórico. Importante o teórico e o prático. (Entrevistado 19).
Os entrevistados 7 e 19 relacionaram o ensino rural com o Colégio Agrícola e a oportunidade pedagógica existente nesses colégios em relacionar a teoria com a prática. Tais afirmações ganham sentido na medida em que se pressupõe que a escola urbana não proporciona aos alunos uma prática das atividades existentes nas propriedades rurais. Já os colégios agrícolas ressaltam a coletividade, por meio da criação de grêmios, clubes e cooperativas, sem deixar de lado os métodos científicos modernos como propulsores de dignidade, melhoria de vida e progresso pessoal e social (STANISLAVSKI, 2011STANISLAVSKI, C. F. S. As ilustrações dos livros espelho (1928), vida na roça (1932) e alegria (1937) do autor Thales Castanho de Andrade: um estudo sobre a escola rural do Brasil no século XX. 2011. 204 f. Tese (Doutorado em Filosofia e Ciências) – Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2011. Disponível em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario8/_files/zIbQUgG8.doc. Acesso em: 12 dez. 2019.
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).
Porém uma das falas expôs um lado não tão atraente da realidade dos estudos e sucessão na propriedade. Ao entrevistarmos o agricultor 10, ele não retira a importância do estudo, desde que não interfira na permanência no meio rural. Para ele, se o filho que colabora com as atividades rurais tivesse ido além do segundo grau, ele estaria sozinho para desempenhar tais atividades. Para esse agricultor, portanto, um maior nível de estudo gera um sentido de emancipação, o qual, para sua realidade familiar, não seria benéfico. Entretanto, podemos considerar como uma visão fatalista, pois um maior grau de estudos poderia ser compreendido como uma capacitação de qualidade para a propriedade, sem necessariamente esse jovem evadir do campo.
Ao analisarmos as percepções dos agricultores sobre a educação rural, podemos encontrar dois pontos principais: a necessidade de haver relação do ensino da teoria com a prática; e de quanto maior o nível de conhecimento, maior será o afastamento do jovem do campo, o que nos traz a necessidade de remeter à discussão da proposta educacional da Pedagogia da Alternância como uma ação efetiva diante do cenário destacado.
A Pedagogia da Alternância, de acordo com Cordeiro, Reis e Hage (2011)CORDEIRO, G. N. K.; REIS, N. S.; HAGE, S. M. Pedagogia da Alternância e seus desafios para assegurar a formação humana dos sujeitos e a sustentabilidade do campo. Em Aberto, Brasília, v. 24, n. 85, p. 115-25, abr. 2011., surgiu pelo movimento de camponeses franceses, justamente para propiciar uma educação diferenciada para seus filhos, promovendo a permanência desses jovens no campo por meio de ensino e qualidade voltados ao desenvolvimento rural. A Pedagogia da Alternância vem sendo utilizada na formação de jovens e adultos rurais, por meio da articulação entre o tempo de escolarização e o trabalho na propriedade, de forma a permitir aos educandos o acesso ao conhecimento científico e tecnológico, problematizando e experimentando esse conhecimento em suas propriedades, além da possibilidade de diálogo entre gerações.
Em outras palavras, o ensino/educação não afastaria o jovem do campo; ao contrário, deixaria indivíduos altamente capacitados para o rural, retirando o estigma de atrasado e de que o agricultor não tem conhecimento/educação. Para Zimmermann, Vendruscolo e Dorneles (2013)ZIMMERMANN, A.; VENDRUSCOLO, R.; DORNELES, S. B. Educação do campo: o processo de implementação da Casa Familiar Rural do Vale do Jaguari (CFR/VJ). Geografia Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 17, n. 3, [s.p.], set./dez. 2013., a Pedagogia da Alternância acaba incentivando os jovens rurais a interagirem em suas propriedades, a participarem nas tomadas de decisões, na geração de trabalhos e ideias e na renda, bem como auxilia na permanência do jovem.
Dessa forma, a escola rural não deixa de atender a formação de uma educação integral, o diferencial dessa é de levar em conta um ensino que assista as necessidades e características da região, isto é, não urbaniza o meio, mas transforma o ambiente (SILVA, 1957SILVA, R. I. T. A escola primária rural. 2. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1957.; STANISLAVSKI, 2011STANISLAVSKI, C. F. S. As ilustrações dos livros espelho (1928), vida na roça (1932) e alegria (1937) do autor Thales Castanho de Andrade: um estudo sobre a escola rural do Brasil no século XX. 2011. 204 f. Tese (Doutorado em Filosofia e Ciências) – Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2011. Disponível em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario8/_files/zIbQUgG8.doc. Acesso em: 12 dez. 2019.
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). Cabe salientar a necessidade da educação rural voltada às necessidades e características de cada região. Como afirma Stanislavski (2011)STANISLAVSKI, C. F. S. As ilustrações dos livros espelho (1928), vida na roça (1932) e alegria (1937) do autor Thales Castanho de Andrade: um estudo sobre a escola rural do Brasil no século XX. 2011. 204 f. Tese (Doutorado em Filosofia e Ciências) – Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2011. Disponível em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario8/_files/zIbQUgG8.doc. Acesso em: 12 dez. 2019.
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, a educação brasileira ainda está voltada para uma educação elitista e urbana, com interesse dominante que persuade por meio de um discurso voltado ao transformador, mas que busca atingir objetivos hegemônicos de poder.
Dessa forma, é necessário um processo educacional voltado à realidade, uma educação real e significativa para cada contexto, levando em conta as diferentes culturas e vivências. Nesse contexto, não se deve simplesmente viabilizar transporte para uma escola mais próxima, retirando a criança do seu contexto ou ainda a criação e manutenção de escolas de ensino básico ou técnico, como no caso dos colégios agrícolas. É necessário que o aprendizado possa ser um instrumento para o desenvolvimento rural.
É essencial, ainda, o despendimento de atenção à educação não formal, aquela em que o ensino não se restringe aos bancos escolares, mas que permeia nas práticas de construção de relações humanas e tem sido introjetado no discurso dos agricultores. Nesse sentido, a educação só tem um papel utilitarista, no qual se aprende o básico para sobrevivência, o viável para utilizar tecnologias na produção e para gerar sobrevivência. E que tudo o que é ensinado, além disso, afasta o jovem do campo e produz o isolamento, distanciamento e precariedade social aos que não tiveram a mesma oportunidade de educação (PACHECO, 2015PACHECO, L. M. D. Educação do campo: valorização da cultura e promoção da cidadania? Quaestio, Sorocaba, SP, v. 17, n. 2, p. 425-40, nov. 2015.).
Ainda, três entrevistados comentaram a importância do aprendizado e da educação para o domínio e a compreensão das tecnologias. Para exemplificar, trazemos algumas falas: “Tem que estudar para dominar a tecnologia, capacidade técnica, emprego. (Entrevistado 6); [...] estar por dentro da tecnologia, que evoluiu muito. (Entrevistado 10)”.
Cenário ocasionado pela fomentação da produção agropecuária, que promoveu o estímulo e aumento das atividades acrescidas de novas técnicas de produção, o que acaba trazendo a necessidade de uma reestruturação dos elementos sociais, de trabalho e de métodos que infundiam a necessidade da tecnologia (BALSADI, 2001BALSADI, O. V. Mudanças no meio rural e desafios para o desenvolvimento sustentável. São Paulo Perspectiva, São Paulo, v. 15, n. 1, p. 155-65, jan. 2001.), e o qual o entrevistado 6 correlaciona com a capacidade técnica e o emprego.
Santos e Silva (2016)SANTOS, F. R.; SILVA, A. M. Fechamento das escolas rurais e transporte escolar no município de Morrinhos/ GO. Interfaces da Educação, Paranaíba, v. 7, n. 21, p. 23-42, 2016. concordam ao afirmarem que a formação escolar para os sujeitos que vivem na área rural é de extrema importância para a inserção no mercado de trabalho, já que, com o mundo globalizado, as atividades produtivas rurais devem acompanhar o desenvolvimento e avanço tecnológico mundial. Além disso, a formação educacional melhora a qualificação e a compreensão de mundo. Assim, novamente, retomamos nossa reflexão: a educação para o homem do campo não deve servir para afastá-lo do rural; ao contrário, deve qualificar e proporcionar um desenvolvimento humano (igual ou melhor que o urbano). Isso, pois, as transformações do mundo contemporâneo exigem o acompanhamento e a adaptação dessa nova realidade por parte dos agricultores, independentemente da escolaridade, o que, para muitos agricultores, pode levar à exclusão e gerar limitações (MORAIS, 2007MORAIS, E. P. Envelhecimento no meio rural: condições e vida, saúde e apoio dos idosos mais velhos de Encruzilhada do Sul-RS. 2007. 215 f. Tese (Doutorado em Enfermagem Fundamental) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 2007.). Uma modernização conservadora no campo atenua a exclusão do homem pela forte ligação com a indústria e exige aprofundamento de técnicas e a introdução de insumos industriais e maquinário, o que pode acabar dificultando a permanência e reprodução social do campo, pois pode deixá-los à margem da modernização industrial (SANTOS; VINHA, 2018SANTOS, P.; VINHA, J. F. S. C. Educação do/no campo: uma reflexão da trajetória da educação brasileira. Araraquara: UNIARA, 2018. Disponível em: https://www.uniara.com.br/legado/nupedor/nupedor_2018/10/12_Patricia_Santos.pdf. Acesso em: 12 dez. 2019.
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).
Nesse contexto, o entrevistado 15, com 55 anos, refere-se à importância do estudo para saber “Ligar os tratores, as máquinas”, relatando que possui dificuldade. Dessa forma, para ele, estudar promoveria maior adaptabilidade no contato com o que o seu trabalho na agricultura exige, embora, para muitos, o trabalho rural ainda esteja aliado a um sofrimento.
A educação voltada para o rural deve ser pensada como estratégia para valorização e reprodução da agricultura familiar, consequentemente contribuindo para o desenvolvimento rural e regional. Nesse sentido, faz-se necessário que sejam ofertados projetos pedagógicos que propiciem espaços de participação e qualificação dessa população, sem que esses necessitem migrar para os centros urbanos para obterem uma educação de qualidade ou que os currículos de ensino das escolas urbanas contemplem a dinâmica existente na área rural.
3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
O objetivo deste estudo em compreender a percepção dos agricultores familiares do município de Vitorino, Paraná, sobre a educação rural e a sua importância como elemento estratégico para a manutenção dos jovens no campo possibilitou apreender que, apesar de a maioria das escolas rurais do município ter sido fechada, as crianças e os jovens rurais têm acesso à educação nos centros urbanos. Os agricultores apontaram que os serviços de transporte (garantido pelo município) para deslocamento até as escolas urbanas, a educação e o acesso não sofreram alteração ou foram prejudicados. Entretanto, as escolas urbanas, no que se referem ao elemento pedagógico dos currículos, acabam excluindo e desvalorizando o modo de vida rural, atraindo cada vez mais os jovens para as cidades.
Em relação à qualidade do ensino fornecido pelas escolas urbanas, os agricultores percebem que ela não está relacionada ao local, mas sim aos currículos, à formação e à capacidade didática dos professores. Já sobre a importância do estudo, os agricultores a atrelaram ao domínio e à compreensão das tecnologias, bem como à conquista de uma melhor vida (proporcionada pela cidade), desvalorizando assim o rural e o trabalho na agricultura. Dessa forma, o trabalho rural fica referenciado como excludente e pouco rentável, e, por que não, como algo para pouco estudo.
Por outro lado, em relação à valorização do campo pelo ensino urbano, grande parte dos entrevistados afirmou que ela não existe, o que acaba influenciando os jovens ao êxodo, implicando diretamente sobre a sucessão e continuidade das propriedades, o que, por consequência, é evocado pelos agricultores, a necessidade de uma educação voltada para o rural como elemento para a permanência desses jovens, sendo uma estratégia os Colégios Agrícolas, por exemplo. Contudo, um dos participantes contraditoriamente relatou que um maior nível de estudo geraria um sentido de emancipação dos jovens, o qual não seria benéfico, pois perderiam mão de obra e sucessão nas propriedades.
Desse modo, a fim de pensarmos e assegurarmos a reprodução social da agricultura familiar e a permanência da juventude no meio rural, é importante que haja estratégias e políticas públicas que compreendam a complexidade desse segmento, além da questão agrícola/agrária produtivista. Por fim, cientes de que não esgotamos o debate sobre a temática, sugerimos a ampliação dos estudos sobre os rumos da educação para as populações rurais, principalmente para a capacitação do jovem rural e do seu retorno qualificado às propriedades. Assim, por meio da valorização e capacitação da agricultura familiar, podemos pensar em uma construção do desenvolvimento rural e regional.
REFERÊNCIAS
- ALCÂNTARA, A. O. Vivê e Morrê no Sertão. In: JORNADA INTERNACIONAL POLÍTICAS PÚBLICAS, 8., 2017, São Lui s. Anais [...] São Luiz: UFMA, 2017. Disponível em: http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2017/pdfs/mesas/velhiceruralentreogeograficoeosocial.pdf Acesso em: 12 dez. 2019.
» http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2017/pdfs/mesas/velhiceruralentreogeograficoeosocial.pdf - ARROYO, M. G.; CALDART, R.; MOLINA, M. C. Por uma educação do campo. Petrópolis: Vozes, 2004.
- BACON, V. R.; FAGUNDES, M. C. V. O papel da educação do campo para o incentivo e a permanência do jovem à frente da agricultura familiar. [s.l.]: UFPR, Setor Litoral, 2011. Disponível em: https://www.acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/54371/R%20-%20E%20-%20VANIA%20ROCHA%20BACON.pdf?sequence=1 Acesso em: 2 set. 2020.
» https://www.acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/54371/R%20-%20E%20-%20VANIA%20ROCHA%20BACON.pdf?sequence=1 - BALSADI, O. V. Mudanças no meio rural e desafios para o desenvolvimento sustentável. São Paulo Perspectiva, São Paulo, v. 15, n. 1, p. 155-65, jan. 2001.
- BAVARESCO, P. R.; RAUBER, V. D. Educação do campo: uma trajetória de lutas e conquistas. Unoesc & Ciência -ACHS, Joaçaba, v. 5, n. 1, p. 83-92, 2014.
- BRASIL. Ministério da Educação. Referências para uma Política Nacional de Educação do Campo. Caderno de subsídios. Brasília, DF, 2003.
- BRASIL Lei n. 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 21 dez. 1996.
- BRASIL Lei n. 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica; altera as Leis n. 10.880, de 9 de junho de 2004, 11.273, de 6 de fevereiro de 2006, n. 11.507, de 20 de julho de 2007; revoga dispositivos da Medida Provisória n. 2.178-36, de 24 de agosto de 2001, e a Lei n. 8.913, de 12 de julho de 1994; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 17 de jun. 2009.
- CAMARANO, A. A.; ABRAMOVAY, R. Êxodo rural, envelhecimento e masculinização no Brasil: panorama dos últimos 50 anos. Rio de Janeiro: Ipea, jan. 1999. [Texto para Discussão n. 621].
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
29 Ago 2022 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 2022
Histórico
-
Recebido
10 Mar 2020 -
Revisado
13 Ago 2020 -
Aceito
16 Set 2020