Resumo:
O presente artigo traz a percepção de agentes de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), do município de Paulo Afonso, Bahia, em relação aos princípios e objetivos da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária. Realizou-se um breve histórico sobre a Extensão Rural brasileira, revisão de literatura, análise da legislação pertinente e pesquisa de campo, com aplicação de questionários a oito agentes de Ater.
Palavras-chave:
Lei de Ater; Assistência Técnica; extensionistas rurais
Abstract:
This article presents the perception of agents of Technical Assistance and Rural Extension (Ater), of the municipality of Paulo Afonso, Bahia, in relation to the principles and objectives of the National Policy of Technical Assistance and Rural Extension for Family Agriculture and Agrarian Reform. A brief history of the Brazilian Rural Extension, literature review, relevant legislation analysis and field research was carried out, with questionnaires being applied to eight Ater agents.
Keywords:
Law of Ater; Technical Assistance; rural extensionists
Resumen:
El presente artículo trae la percepción de agentes de Asistencia Técnica y Extensión Rural (Ater), del municipio de Paulo Afonso, Bahia, en relación a los principios y objetivos de la Política Nacional de Asistencia Técnica y Extensión Rural para la Agricultura Familiar y la Reforma Agraria. Se realizó un breve histórico sobre la Extensión Rural brasileña, revisión de literatura, análisis de la legislación pertinente e investigación de campo, con aplicación de cuestionarios a ocho agentes de Ater.
Palabras claves:
Ley de Ater; Asistencia Técnica; extensionistas rurales
1 INTRODUÇÃO
No Brasil, a Extensão Rural passou por diversas fases de reorganização de suas metas e finalidades, motivada pela evolução econômica, política, social e cultural e pela necessidade de implementação de políticas públicas para atender às demandas do meio rural. Nessa esteira, Barros (2016, p. 50)BARROS, Tauanna Faleiro. Assistência Técnica e Extensão Rural pública no Distrito Federal frente à proposta da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural. Orientadora: Laura Maria Goulart Duarte. 2016. 143 f. Dissertação (Mestrado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016. afirma que, enquanto prática educativa, a Extensão Rural “apresentou características diversas ao longo da história da humanidade, com papéis determinados pelo modo de produção e desenvolvimento das forças produtivas [...]”.
A Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), por seu turno, é entendida como o
[...] serviço de educação não formal, de caráter continuado, no meio rural, que promove processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e dos serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive das atividades agroextrativistas, florestais e artesanais. (Art. 1º da Lei n. 12.188/2010 [BRAIL, 2010]).
Em 2003, após um período de inexistência de políticas públicas consistentes para a Assistência Técnica e Extensão Rural, surgiu a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (Pnater), com o propósito de realizar a transição para a agricultura de base ecológica e atender às novas demandas da sociedade por um modelo produtivo pautado no desenvolvimento sustentável (LIMA; TOLEDO; OLIVEIRA, 2017LIMA, Túlio Luís Borges; TOLEDO, Carla; OLIVEIRA, Marcelo Leles Romarco. A Lei de ATER e seus princípios: uma reflexão a partir de um escritório local do INCAPER. Revista Espacios, v. 38, p. 5, 2017.).
A Pnater de 2003, tendo como suporte os princípios do desenvolvimento sustentável, propôs mudanças na Assistência Técnica e Extensão Rural brasileira, buscando romper com o difusionismo e com as práticas tecnicistas. Pautou suas orientações na agricultura de base ecológica, na perspectiva do uso racional dos recursos e da preservação ambiental, bem como na ação qualificada de agentes extensionistas (CAPORAL, 2009CAPORAL, Francisco Roberto. Bases para uma Política Nacional de Formação de Extensionistas Rurais. Brasília: 2009. 55 p.).
Dos agentes de Assistência Técnica e Extensão Rural, passou a ser exigido um novo perfil, para que atuem como facilitadores das ações e serviços de Ater, baseando-se em técnicas que fomentem a participação e o diálogo com o agricultor (BRASIL, 2010bqBRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Fundamentos teóricos, orientações e procedimentos metodológicos para a construção de uma pedagogia de ATER. Brasília: MDA/SAF, 2010b. 45 p.).
Alvo de questionamentos quanto a sua legitimidade sociopolítica, a Pnater de 2010, por seu turno, instituída pela Lei n. 12.188/2010, caracterizou-se pela reduzida participação da sociedade civil em seu processo de constituição e exclusão da Agroecologia (CAPORAL, 2011CAPORAL, Francisco Roberto. Lei de Ater: exclusão da Agroecologia e outras armadilhas. Cadernos de Agroecologia, [s.l.], v. 6, n. 2, dez. 2011.).
Em Paulo Afonso, o serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural é prestado pela iniciativa governamental e não governamental. Segundo dados do IBGE 2010, o município tem uma população rural de 14.992 habitantes, além de reconhecida presença de povos e comunidades tradicionais, sendo imprescindível o desenvolvimento de políticas públicas que apoiem a agricultura familiar, incentivem a emancipação econômica e social dessa parcela da população e valorizem os saberes empíricos.
Dentro dessa perspectiva, o presente estudo teve por finalidade refletir sobre os princípios e objetivos da Lei de Ater, a partir da percepção de agentes de Assistência Técnica e Extensão Rural do município de Paulo Afonso, Bahia (BA).
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Com vistas à consecução do objetivo proposto, foi realizado um estudo exploratório, utilizando técnicas qualitativas (análise interpretativa de conteúdo bibliográfico e documental) e quantitativas (aplicação de questionários a agentes extensionistas do município de Paulo Afonso, BA, e sistematização dos dados).
Para conferir maior significado e relevância ao trabalho, optou-se pela coleta de dados. O instrumento escolhido para essa fase da investigação foi um questionário, cuja elaboração teve como referência a pesquisa de doutorado de Pettan (2010)PETTAN, Kleber Batista. A Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER): percepções e tendências. Orientadora: Sonia Maria Pessoa Pereira Bergamasco. 2010. Tese (Doutorado em Engenharia Agrícola) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2010. e a pesquisa de mestrado de Barros (2016)BARROS, Tauanna Faleiro. Assistência Técnica e Extensão Rural pública no Distrito Federal frente à proposta da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural. Orientadora: Laura Maria Goulart Duarte. 2016. 143 f. Dissertação (Mestrado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016.. Sua aplicação permitiu conhecer a visão dos indivíduos envolvidos diretamente com a prestação de serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural.
Participaram da pesquisa um total de 8 (oito) agentes de Assistência Técnica e Extensão Rural, todos do sexo masculino. Os agentes foram recrutados para responder ao questionário na Secretaria de Agricultura e Aquicultura da Prefeitura Municipal de Paulo Afonso.
Seis questões foram apresentadas sob a forma de assertivas, em que o respondente escolheu uma opção entre cinco elencadas: Discordo totalmente (DT); Discordo parcialmente (DP); Não tenho opinião formada sobre esse assunto (NO); Concordo parcialmente (CP) e Concordo totalmente (CT). A opção escolhida foi confrontada com os pesos da Escala de Likert. Segundo Brandalise e Bertolini (2013, p. 12)BRANDALISE, Loreni Teresinha; BERTOLINI, Geysler Rogis Flor. Instrumentos de medição de percepção de comportamento - uma revisão. Revista de Ciências Empresariais, Umuarama, v. 14, n. 1, p. 7-34, jan./jun. 2013., a Escala de Likert requer que o respondente aponte seu “grau de concordância ou discordância com declarações relativas à atitude que está sendo medida”.
Adotou-se o entendimento de que declarações de concordância receberão valores positivos ou altos, e valores negativos ou baixos serão atribuídos à discordância (Tabela 1).
Foi construído um banco de dados com as informações obtidas, utilizando o programa Microsoft Excel versão 2007; e, para a realização da análise estatística, utilizou-se o programa STATA 12.0. Realizou-se uma análise descritiva e o cálculo das porcentagens das variáveis. Os resultados foram apresentados por meio de tabela e quadro.
Para verificar o alinhamento dos agentes de Assistência Técnica e Extensão Rural aos princípios/eixos temáticos da Pnater, foram analisadas as percepções desses agentes em relação aos seguintes eixos: modernização da agricultura; agricultura familiar; público-compromisso; desenvolvimento sustentável; gestão social; e agroecologia.
Confrontando-se com os pesos da Escala de Likert (Tabela 2), quanto maior o nível de concordância, maior o alinhamento com a Pnater.
3 PNATER: BREVE HISTÓRICO, PRINCÍPIOS E OBJETIVOS
Instituída pelo Governo Federal, a Pnater foi orientada pelo Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pronater), culminando na Lei n. 12.188, de 11 de janeiro de 2010, denominada de Lei de Ater.
A retomada da contribuição do governo federal à assistência técnica e extensão rural mostrou-se intimamente vinculada à institucionalização da política de desenvolvimento rural e de fortalecimento da agricultura familiar. Respondendo à demanda de movimentos sociais, estabeleceu-se um compromisso de apoio, com renovação das concepções e do formato institucional da atuação governamental nessa área. Com base em proposta de renovação construída participativamente, estabeleceu-se a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater), lançada em 2004. Desde então, observa-se um esforço pela materialização dessa proposta, que vem sendo acompanhado por intensas disputas em torno da concepção de Ater e de seu formato institucional. (DIESEL; DIAS; NEUMANN, 2015DIESEL, Vivien; DIAS, Marcelo Miná; NEUMANN, Pedro Selvino. Pnater (2004-2014): da concepção à materialização. In: GRISA, Catia; SCHNEIDER, Sergio. (Org.). Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2015. p. 107-28., p. 108).
A referida lei, em seu art. 3º, elenca os princípios que nortearão a Pnater, a saber:
Art. 3o São princípios da Pnater:
I - desenvolvimento rural sustentável, compatível com a utilização adequada dos recursos naturais e com a preservação do meio ambiente;
II - gratuidade, qualidade e acessibilidade aos serviços de assistência técnica e extensão rural;
III - adoção de metodologia participativa, com enfoque multidisciplinar, interdisciplinar e intercultural, buscando a construção da cidadania e a democratização da gestão da política pública;
IV - adoção dos princípios da agricultura de base ecológica como enfoque preferencial para o desenvolvimento de sistemas de produção sustentáveis;
V - equidade nas relações de gênero, geração, raça e etnia; e
VI - contribuição para a segurança e soberania alimentar e nutricional. (BRASIL, 2010aBRASIL. Lei n. 12.188, de 11 de janeiro de 2010. Institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária − Pnater e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária − Pronater, altera a Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, e dá outras providências. Brasília-DF, 2010a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12188.htm. Acesso em: 26 jun. 2018.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at... , s.p.).
No que diz respeito aos objetivos da Pnater, a Lei 12.118/10, em seu art. 4º, fixa o seguinte:
Art. 4o São objetivos da Pnater:
I - promover o desenvolvimento rural sustentável;
II - apoiar iniciativas econômicas que promovam as potencialidades e vocações regionais e locais;
III - aumentar a produção, a qualidade e a produtividade das atividades e serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive agroextrativistas, florestais e artesanais;
IV - promover a melhoria da qualidade de vida de seus beneficiários;
V - assessorar as diversas fases das atividades econômicas, a gestão de negócios, sua organização, a produção, inserção no mercado e abastecimento, observando as peculiaridades das diferentes cadeias produtivas;
VI - desenvolver ações voltadas ao uso, manejo, proteção, conservação e recuperação dos recursos naturais, dos agroecossistemas e da biodiversidade;
VII - construir sistemas de produção sustentáveis a partir do conhecimento científico, empírico e tradicional;
VIII - aumentar a renda do público beneficiário e agregar valor a sua produção;
IX - apoiar o associativismo e o cooperativismo, bem como a formação de agentes de assistência técnica e extensão rural;
X - promover o desenvolvimento e a apropriação de inovações tecnológicas e organizativas adequadas ao público beneficiário e a integração deste ao mercado produtivo nacional;
XI - promover a integração da Ater com a pesquisa, aproximando a produção agrícola e o meio rural do conhecimento científico; e
XII - contribuir para a expansão do aprendizado e da qualificação profissional e diversificada, apropriada e contextualizada à realidade do meio rural brasileiro. (BRASIL, 2010aBRASIL. Lei n. 12.188, de 11 de janeiro de 2010. Institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária − Pnater e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária − Pronater, altera a Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, e dá outras providências. Brasília-DF, 2010a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12188.htm. Acesso em: 26 jun. 2018.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at... , s.p.).
As mudanças implementadas pela política supramencionada também trouxeram demandas de formação, inicial e continuada, e de atuação atribuídas aos agentes extensionistas (BRASIL, 2004BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural. Versão Final: 25/05/2004. Brasília: MDA, 2004. Disponível em: http://www.mda.gov.br/sitemda/sites/sitemda/files/user_arquivos_64/Pnater.pdf. Acesso em: 26 abr. 2019.
http://www.mda.gov.br/sitemda/sites/site...
).
[...] a Formação de Extensionistas não pode parar na Formação Inicial. Uma boa entidade de Ater precisa manter um programa continuado de qualificação profissional em serviço, que contribua para a permanente atualização sobre políticas públicas e situações conjunturais que implicam no desenvolvimento rural, como, também, nas questões técnicas fundamentais para o exercício da ação extensionista - em determinada área/setor - com suas características agroecossistêmicas e diversidade de valores culturais e visões de mundo com que o extensionista precisa interagir. Não menos importante, é a necessidade de permanente qualificação exigida pelas mudanças rápidas que ocorrem na nossa época, assim como pelos novos e permanentes desafios do imperativo sócio-ambiental do desenvolvimento sustentável, que todos buscamos. (CAPORAL, 2009CAPORAL, Francisco Roberto; COSTABEBER, José Antônio. Segurança alimentar e agricultura sustentável: uma perspectiva agroecológica. In: CAPORAL, Francisco Roberto (Coord.). Extensão Rural e Agroecologia: temas sobre um novo desenvolvimento rural, necessário e possível. Brasília: [s.n.], 2009. p. 278-92., p. 14-5).
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Das sete questões apresentadas, as respostas obtidas estão contidas em resultados percentuais na Tabela 3.
Dados percentuais das respostas às afirmativas sobre o alinhamento dos extensionistas aos princípios da Pnater
De acordo com os resultados da Tabela 3, diante da afirmação de que, com a modernização da agricultura, a Extensão Rural contribuiu para o aumento da pobreza e da miséria no campo brasileiro, expulsando um grande número de agricultores familiares do campo (questão 1), 75% dos respondentes discordaram totalmente, apontando um desconhecimento sobre as consequências do processo de modernização da agricultura e sobre as práticas difusionistas.
O período da Revolução Verde, apesar de promover avanços na produtividade do campo para abastecer a indústria, provocou graves problemas de ordem ambiental, social e econômica. É sabido que “[...] a nova Ater nasce a partir da análise crítica dos resultados negativos da Revolução Verde e dos problemas já evidenciados pelos estudos dos modelos convencionais de Ater baseados no difusionismo [...]” (MDA, 2004, p. 3).
Na alternativa que trata da agricultura familiar (questão 2), 87,5% concordaram totalmente que a sua vocação é a produção de alimentos, sendo fundamental o investimento e fortalecimento dessa categoria. Tal fato indica um grau forte de alinhamento com a Pnater.
Até a década de 1990, a agricultura familiar esteve esquecida pelo Estado. A partir desse período, e considerando as exigências para o resgate de uma agricultura voltada a práticas mais sustentáveis, houve a construção de políticas públicas para abranger as novas demandas sociais no meio rural, como a agroecologia, o desenvolvimento territorial, o incentivo ao conhecimento local e à reforma agrária (DIESEL; DIAS; NEUMANN, 2015DIESEL, Vivien; DIAS, Marcelo Miná; NEUMANN, Pedro Selvino. Pnater (2004-2014): da concepção à materialização. In: GRISA, Catia; SCHNEIDER, Sergio. (Org.). Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2015. p. 107-28.).
Assim, a agricultura familiar passou a ser adotada como modelo estratégico de organização e modo de produção, e a legislação pátria avançou, com vistas a resguardá-la. Nas palavras de Caporal e Costabeber (2009, p. 282)CAPORAL, Francisco Roberto; COSTABEBER, José Antônio. Segurança alimentar e agricultura sustentável: uma perspectiva agroecológica. In: CAPORAL, Francisco Roberto (Coord.). Extensão Rural e Agroecologia: temas sobre um novo desenvolvimento rural, necessário e possível. Brasília: [s.n.], 2009. p. 278-92., “[...] o desenvolvimento rural brasileiro carece de uma vigorosa reforma da estrutura fundiária e de políticas consistentes de fortalecimento da Agricultura Familiar [...]”.
Metade dos respondentes concordaram parcialmente que o público da extensão deve ser ligado à agricultura familiar (questão 3), abrangendo proprietários, trabalhadores, posseiros, extrativistas, parceiros, meeiros, arrendatários, agregados, colonos, rendeiros, ocupantes, acampados, pescadores artesanais, ribeirinhos e caiçaras, e que é preciso reforçar as ações afirmativas com a inclusão de índios, quilombolas, mulheres, jovens e idosos, indicando um grau de alinhamento moderado com a Pnater.
Na questão que aponta que a sustentabilidade só será alcançada a partir de uma nova agricultura baseada em princípios agroecológicos (questão 4), 37,5% dos respondentes concordaram totalmente com esse entendimento, 25% concordaram parcialmente e 37,5% discordaram parcialmente. Esse cenário aponta um grau de alinhamento moderado com a Pnater.
Ressalta-se que a sustentabilidade ambiental, social e econômica deve objetivar a melhoria dos níveis de produção, reduzindo seus riscos; ser economicamente viável, garantindo a autonomia e subsistência dos grupos envolvidos na produção; preservar a biodiversidade; e ser construída coletivamente, preservando a cultura local (MDA, 2004).
O desenvolvimento sustentável seria composto de três dimensões: ambiental, econômica e social. A primeira diz respeito à capacidade de resiliência dos ecossistemas diante do modelo de produção adotado. A dimensão econômica engloba a ecoeficiência e a permanente busca pela inovação tecnológica, aprimorando-se o uso mais eficiente dos recursos naturais. Já a dimensão social ampara-se no desejo pela justiça social e por uma vida digna para todos (NASCIMENTO, 2012NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do. Trajetória da sustentabilidade: do ambiental ao social, do social ao econômico. São Paulo: Estudos Avançados, v. 26, n. 74, 2012.).
Ao avaliarem a afirmação de que o papel do extensionista e da Extensão Rural é contribuir para o estabelecimento de modos de gestão capazes de democratizar as decisões, colaborando para a construção da cidadania e facilitando o processo de controle social no planejamento, monitoramento e avaliação das atividades (questão 5), 50% dos respondentes concordaram totalmente com a questão. Esse percentual indica um forte grau de alinhamento com a política.
A Pnater reconhece a urgência de os representantes dos trabalhadores rurais, entre eles os agricultores familiares, participarem da formulação das políticas públicas de assistência, como forma de assegurar os atendimentos das reais necessidades do meio rural e o acesso ao financiamento agrário (MDA, 2004).
Nesse contexto, o modo como os agentes extensionistas refletem sobre a sua atuação e a forma como fazem a leitura da realidade vivenciada trazem implicações diretas na efetivação dos novos métodos de Extensão Rural. É preciso que o agente de Ater detenha o conhecimento técnico e da realidade, para poder transformá-la com o auxílio efetivo da população (FREIRE, 1983FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. 93 p.).
A prática do agente extensionista deve ser democrática e alinhada aos princípios e diretrizes da Pnater, envolvendo a capacidade de assessoramento da população rural; a construção do paradigma da sustentabilidade; o diálogo; a difusão de tecnologias, entre outros aspectos.
Sobre a agroecologia (questão 6), todos os participantes da pesquisa concordaram totalmente que a agroecologia é um modelo de agricultura baseado na adoção de determinadas práticas culturais, na substituição dos insumos químicos pelos naturais e em tecnologias agrícolas pouco mecanizadas, objetivando ofertar produtos “limpos” ou ecológicos e de valor social, por ser produzido por agricultores familiares. Esse alto percentual de concordância demonstra um forte alinhamento com a Pnater.
[...] Ao contrário da situação simplista da difusão de pacotes tecnológicos, nas atividades que requeiram princípios da Agroecologia, o profissional deverá ter um domínio profundo de Ecologia e relações ecológicas. Ao mesmo tempo, deverá estar preparado para conhecer e dialogar com o saber popular sobre as relações ecológicas presentes num dado agroecossistema [...]. (CAPORAL, 2009CAPORAL, Francisco Roberto; COSTABEBER, José Antônio. Segurança alimentar e agricultura sustentável: uma perspectiva agroecológica. In: CAPORAL, Francisco Roberto (Coord.). Extensão Rural e Agroecologia: temas sobre um novo desenvolvimento rural, necessário e possível. Brasília: [s.n.], 2009. p. 278-92., p. 13).
O Quadro 1 apresenta o grau de alinhamento dos agentes de Ater, evidenciando que, com exceção do eixo modernização da agricultura, há o alinhamento, em níveis moderado a forte, às diretrizes e aos princípios da Pnater, sob o prisma dos outros cinco eixos analisados.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a pesquisa realizada, foi possível verificar a percepção dos agentes de Assistência Técnica e Extensão Rural, no município de Paulo Afonso, BA, em relação aos princípios e objetivos da Pnater, buscando-se preencher a lacuna de estudos desta natureza, na localidade.
Em síntese, pode-se afirmar que, considerando os eixos temáticos abordados nas questões supramencionadas, há um forte grau de alinhamento dos agentes de Ater participantes da pesquisa, em relação à agricultura familiar, gestão social e agroecologia. Pela frequência das respostas, o grau de alinhamento é moderado em relação aos princípios do público-compromisso e do desenvolvimento sustentável. Somente em relação à modernização da agricultura há um forte não alinhamento à Pnater.
Com a Pnater, a orientação é de que o planejamento das ações extensionistas seja participativo, prezando-se pelo diálogo com a população rural, sob uma perspectiva multidisciplinar e construtivista. Deve-se garantir a gratuidade e a acessibilidade aos serviços de Ater, a fim de promover o desenvolvimento territorial e a melhoria da qualidade de vida no campo.
[...] Dentre estes outros pilares fundamentais que sustentam a Política de Ater, destaca-se o respeito à pluralidade e às diversidades sociais, econômicas, étnicas, culturais e ambientais do país, o que implica na necessidade de incluir enfoques de gênero, de geração, de raça e de etnia nas orientações de projetos e programas. Sobretudo, cabe enfatizar que a busca da inclusão social da população rural brasileira mais pobre será elemento central de todas as ações orientadas pela Política Nacional de Ater. (MDA, 2004, p. 4).
Entre as metas da Política Nacional de Ater, estão o fortalecimento da agricultura familiar no território nacional e a consolidação das estratégias de desenvolvimento rural sustentável, fomentando-se a produção de tecnologias e de conhecimentos (MDA, 2004).
Silva e Caporal (2016)SILVA, Thacya Clédina; CAPORAL, Francisco Roberto. Lei de Assistência Técnica e Extensão Rural em Alagoas - Brasil: contribuições ou descontinuidade? Extensão Rural, Santa Maria, v. 23, n. 2, p. 7-26, abr./jun. 2016. alertam que, para a consolidação da Ater no Brasil, alguns problemas precisam ser enfrentados. Nesse sentido, com a nova abordagem de desenvolvimento rural e a exigência de um novo perfil profissional, a formação do agente extensionista pode ser apontada como um fator indispensável, por serem os extensionistas elementos essenciais para a efetivação da Pnater.
Reforça-se, então, a necessidade de investimento em um programa contínuo de capacitação dos agentes de Ater e a ampliação dos quadros profissionais da Secretaria de Agricultura e Aquicultura de Paulo Afonso, BA.
A partir dos preceitos da Pnater, é possível formular cursos de aperfeiçoamento de agentes de Assistência Técnica e Extensão Rural de Paulo Afonso, BA, para que eles repensem e aperfeiçoem sua prática. Como estratégia, a Secretaria de Agricultura e Aquicultura de Paulo Afonso, BA, pode estabelecer parceria com a universidade e organizações não governamentais.
Nessa esteira, os cursos devem observar e valorizar a experiência dos extensionistas de Paulo Afonso, BA. É preciso também que as vivências da população rural sejam incorporadas ao processo, fomentando a utilização dos recursos e saberes locais.
Entre as indicações de eixos temáticos para a estruturação de cursos e programas de aperfeiçoamento e formação continuada, há: “Reflexões sobre as práticas de Ater”; “A Ater e o desenvolvimento rural sustentável”; “Agricultura familiar”; “Agroecologia” e “Metodologias participativas”.
Agentes extensionistas capacitados contribuirão para o enfrentamento das demandas atuais, fomentando o desenvolvimento rural sustentável e atuando como difusores de conhecimentos (KUMMER, 2007KUMMER, Lydia. Metodologia participativa no meio rural: uma visão interdisciplinar. Conceitos, ferramentas e vivências. Salvador: GTZ, 2007. 155 p.).
Os procedimentos metodológicos da Pedagogia de Ater pressupõem, entre outros, o acolhimento, a construção compartilhada dos compromissos do grupo (princípios de convivência); a mobilização de saberes e expectativas dos sujeitos; o conhecimento dos diferentes contextos e participantes dos processos formativos, as leituras e os relatos dos envolvidos, o compartilhamento, a sistematização de saberes e de metodologias; a exposição dialogada, os debates e a reflexão crítica; a elaboração e sistematização de propostas; a construção de instrumentais de acompanhamento, sistematização e difusão das experiências; a elaboração de material didático específico, com seleção de textos, instrumentais pedagógicos, documentos, exercícios, informações e dados sobre o conteúdo temático; a garantia de momentos de formação continuada com agricultores e lideranças para: conhecer melhor os sujeitos; socializar experiências para avaliar as metodologias de trabalho e sistematizar as práticas. (BRASIL, 2010bBRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Fundamentos teóricos, orientações e procedimentos metodológicos para a construção de uma pedagogia de ATER. Brasília: MDA/SAF, 2010b. 45 p., p. 36).
Neste sentido, os agentes extensionistas devem ter suporte institucional e se apropriar do conteúdo da política, qualificando a sua prática. As organizações governamentais e não governamentais de Extensão Rural assumem papel importante nesse processo, à medida que, observando a proposta da Pnater, passem a disponibilizar recursos e condições aos agentes de Extensão Rural, monitorem as ações de Ater e socializem experiências bem-sucedidas (BRASIL, 2010bBRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Fundamentos teóricos, orientações e procedimentos metodológicos para a construção de uma pedagogia de ATER. Brasília: MDA/SAF, 2010b. 45 p.).
REFERÊNCIAS
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- BARROS, Tauanna Faleiro. Assistência Técnica e Extensão Rural pública no Distrito Federal frente à proposta da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural Orientadora: Laura Maria Goulart Duarte. 2016. 143 f. Dissertação (Mestrado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016.
- BRASIL. Lei n. 12.188, de 11 de janeiro de 2010. Institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária − Pnater e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária − Pronater, altera a Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, e dá outras providências. Brasília-DF, 2010a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12188.htm Acesso em: 26 jun. 2018.
» http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12188.htm - BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Fundamentos teóricos, orientações e procedimentos metodológicos para a construção de uma pedagogia de ATER Brasília: MDA/SAF, 2010b. 45 p.
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- CAPORAL, Francisco Roberto; COSTABEBER, José Antônio. Segurança alimentar e agricultura sustentável: uma perspectiva agroecológica. In: CAPORAL, Francisco Roberto (Coord.). Extensão Rural e Agroecologia: temas sobre um novo desenvolvimento rural, necessário e possível. Brasília: [s.n.], 2009. p. 278-92.
- DIESEL, Vivien; DIAS, Marcelo Miná; NEUMANN, Pedro Selvino. Pnater (2004-2014): da concepção à materialização. In: GRISA, Catia; SCHNEIDER, Sergio. (Org.). Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2015. p. 107-28.
- FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. 93 p.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
14 Dez 2020 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 2020
Histórico
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Recebido
15 Set 2018 -
Revisado
14 Abr 2019 -
Aceito
29 Abr 2019