Open-access A teoria de redes de Mark Granovetter e o debate sobre o fenômeno migratorio

Mark Granovetter's theory of networks and the debate on the migratory phenomenon

La teoría de las redes de Mark Granovetter y el debate sobre el fenómeno migratorio

Resumo

O presente artigo faz um ensaio teórico sobre movimentos migratórios a partir da Teoria de Redes Sociais de Mark Granovetter. Dentre os estudos do autor, teoria da imersão e a força dos laços fracos são o aporte teórico escolhido para a discussão. O objetivo é buscar entender como as redes sociais podem influenciar na tomada de decisão e no processo de migração dos indivíduos. Indo mais além, intenta-se mostrar que essa teoria também pode ser utilizada para compreender o fenômeno migratório em sentido mais amplo, percebendo as migrações internas, tendo em vista que a literatura se debruça primordialmente sobre a escala internacional. Pautada pela metodologia qualitativa, com método descritivo associado a uma pesquisa bibliográfica, pode-se verificar a relevância dos estudos de Granovetter sobre redes para os estudos migratórios, contrapondo-se às teorias neoclássicas e estruturalistas no sentido de que os sujeitos não são atomizados, isto é, a tomada de decisão leva em consideração a aprovação do círculo mais próximo. Além disso, dispõem de uma rede de contatos com outros emigrantes, e é primordialmente por meio destes que ocorre a disseminação das informações que o indivíduo precisa para o movimento, fazendo com que ele se autoperpetue.

Palavras-chave Mark Granovetter; migrações; teoria de redes sociais; teoria da força dos laços fracos

Abstract

This article makes a theoretical essay on migratory movements based on Mark Granovetter's Theory of Social Networks. Among the author's studies, the theory of embeddedness and the strength of weak ties are the theoretical contribution chosen for the discussion. The objective is to seek to understand how social networks can influence decision-making and the migration process of individuals. Going further, it is intended to show that this theory can also be used to understand the migratory phenomenon in a broad sense, internal migration, given that the literature focuses primarily on the international scale. Guided by the qualitative methodology, with a descriptive method associated with a bibliographic research, it is possible to verify the relevance of Granovetter's studies on networks for migratory studies, opposing neoclassical and structuralist theories in the sense that subjects are not atomized, that is the decision-making takes into account the approval of the closest circle. In addition, they have a network of contacts with other emigrants, and it is primarily through them that the information that the individual needs for the movement is disseminated, making it self-perpetuating.

Keywords Mark Granovetter; migrations; social network theory; the strength of weak ties theory

Resumen

Este artículo realiza un ensayo teórico sobre los movimientos migratorios a partir de la Teoría de las Redes Sociales de Mark Granovetter. Entre los estudios del autor, la teoría de la inmersión y la fuerza de los lazos débiles son el soporte teórico elegido para la discusión. El objetivo es buscar comprender cómo las redes sociales pueden influir en la toma de decisiones y el proceso migratorio de los individuos. Yendo más allá, se pretende mostrar que esta teoría también puede ser utilizada para comprender el fenómeno migratorio en un sentido amplio, percebendo las migraciones internas, considerando que la literatura se enfoca principalmente en la escala internacional. Guiados por una metodología cualitativa, con un método descriptivo asociado a una investigación bibliográfica, se puede constatar la pertinencia de los estudios de Granovetter sobre redes para los estudios migratorios, contraponiéndose a las teorías neoclásicas y estructuralistas en el sentido de que los sujetos no están atomizados, es decir, la toma de decisiones toma en cuenta la aprobación del círculo más cercano. Además, tienen una red de contactos con otros emigrantes, y es principalmente a través de ellos que se difunde la información que el individuo necesita para el movimiento, haciéndolo autoperpetuable.

Palabras clave Mark Granovetter; migraciones; teoría de las redes sociales; teoría de la fuerza del lazo débil

1 INTRODUÇÃO

Os deslocamentos populacionais entre países (migrações internacionais) e entre regiões (migrações internas) estão arraigados nas origens históricas do homem. Porém, somente nos últimos anos o tema ganhou espaço na academia e também maior atenção dos Estados nacionais pelo mundo. Os estudos sobre o fenômeno migratório são relativamente recentes, cujas primeiras pesquisas foram desenvolvidas no fim do século XIX, ainda muito embrionárias (Bandeira et al., 2014). Seus efeitos têm impactos políticos, sociais e econômicos – ainda que estes mesmos fatores sejam algumas das causas dos movimentos migratórios – e seguem desafiando os cientistas sociais, geógrafos, demógrafos e gestores políticos (Almeida; Rosenfield, 2018). De acordo com Santos et al. (2010), mesmo havendo um grande quantitativo de teorias sobre migrações, existe pouca interlocução entre ambas.

Massey et al. (1993, p. 432, tradução nossa) mencionam que “atualmente, não existe uma teoria única e coerente da migração internacional, apenas um conjunto fragmentado de teorias que se desenvolveram em grande parte isoladas umas das outras, e por vezes, mas nem sempre, segmentadas por fronteiras disciplinares”1. Ainda de acordo com os autores, para que se tenha plena compreensão dos processos migratórios atuais, é necessário que a análise abranja ferramentas de diversos níveis, tendo em vista que a natureza complexa e multiforme do tema exige uma teoria aprimorada e que agregue uma variedade de perspectivas e concepções.

Os deslocamentos populacionais estão diretamente associados à busca por melhores condições de vida, além do acesso a emprego e renda (Deschamps, 2014), e as teorias migratórias não abrangem em sua totalidade as diversas situações acerca das migrações (Massey et al., 1993). Considerando esse contexto, mas sem a pretensão de esgotar o assunto, o presente artigo propõe uma discussão teórica trazendo os estudos sobre redes sociais realizados por Mark Granovetter (1973; 2007) enquanto uma ideia completiva às teorias migratórias, visto que existem, nelas, importantes instrumentos para compreensão sobre as escolhas dos indivíduos e suas relações no âmbito econômico, fato que pode se refletir na decisão sobre empreender o ato migratório.

A teoria da imersão (embeddedness) e a força dos laços fracos (The Strength of Weak Ties) serão utilizadas neste trabalho como fundamento da discussão realizada, no sentido de atear luzes sobre a noção de redes no fenômeno migratório, buscando entender como tais relações podem influenciar neste processo e na decisão dos indivíduos de migrar. A ideia aqui é evidenciar uma correlação teórica entre as correntes migratórias e os estudos de Granovetter. Portanto, esta pesquisa é de natureza qualitativa, cujos métodos utilizados foram o descritivo e o bibliográfico, para embasar a discussão proposta.

Além desta introdução, o texto está dividido em mais três itens, versando sobre a escolha metodológica da pesquisa, os estudos de Granovetter, a análise de algumas teorias sobre as migrações e algumas considerações com base no que foi colhido a partir da literatura.

2 METODOLOGIA

Em âmbito geral, as pesquisas nas Ciências Sociais visam produzir interpretações do mundo a partir da interação entre ideias e evidências, ou seja, entre a teoria e o empirismo, investigando fenômenos significativos em vista do seu potencial teor singular, extraordinário ou por sua relevância (Schettini; Cunha; Araújo, 2018). Por seu turno, o processo de pesquisa pode ser definido como uma atividade que, por meio de questionamentos e da reconstrução científica do mundo, fomenta ações de ensino e o revoluciona diante da realidade (Lima; Mioto, 2007).

Dito isso, o presente artigo é um estudo de natureza qualitativa, tendo em vista que esta abordagem é capaz de descrever a complexidade do fenômeno ao qual se destina a compreender. Ele busca, em maior profundidade, o entendimento das especificidades das práticas e dinâmicas dos indivíduos e grupos sociais (Diehl; Tatim, 2004). Os estudos qualitativos são também um meio de identificar o valor dado por determinada sociedade a um problema social. O ato de pesquisar a partir dessa abordagem exige do investigador um grande envolvimento e participação no ambiente onde o fenômeno se desdobra, assim como uma construção interpretativa dos dados coletados no decorrer da ação. Nesse sentido, essa metodologia se aproxima das concepções construtivista e participativa de pesquisa (Creswell, 2007).

Seguindo nessa linha, a pretensão é de fazer um encadeamento das teorias de Ganovetter e de teorias migratórias com base na discussão proposta neste artigo. Portanto, a pesquisa é descritiva e fundamentada por um estudo bibliográfico contendo a literatura pertinente. A pesquisa bibliográfica vem sendo aplicada com grande regularidade nos estudos descritivos ou exploratórios, e a sua utilidade para esses estudos está associada ao fato de que a afinidade com o objeto de pesquisa pode ser estabelecida com base em fontes bibliográficas existentes, possibilitando um largo alcance de informações, além de possibilitar o uso de dados apresentados em pesquisas diversas, auxiliando na construção e definição do arcabouço teórico-conceitual do estudo em questão (Lima; Mioto, 2007).

3 TEORIA DE REDES SOCIAIS

Para a Teoria Econômica Neoclássica, os indivíduos são seres com capacidade de hierarquizar as suas preferências e interesses por meio de cálculos racionais, visando maximizar os ganhos (Santos et al., 2010). Granovetter (2007), a partir da abordagem das redes sociais, busca explicar os mais variados processos, como os econômicos e administrativos. No artigo intitulado Economic Action and Social Structure: the problem of embeddedness, publicado em 19852, o autor traz o conceito de embeddedness, traduzido como “imersão”, no sentido de que os fenômenos econômicos estão imersos em uma estrutura social, e que as decisões não são tomadas apenas tendo em vista a racionalidade econômica, mas também com base em processos sociais, já que o indivíduo não é um ser atomizado e isolado de interações.

Antes de abordar sobre a imersão, Granovetter alude sobre duas perspectivas; a primeira é a visão dos sociólogos, referente à concepção supersocializada do indivíduo, “em que a sociedade tem grande peso para o ator, pois os valores, normas são interiorizados, assim o indivíduo será influenciado por aquilo que acredita, existindo uma razão social para poder tomar suas decisões”, enquanto que a concepção subsocializada é a visão dos economistas, “em que o indivíduo não leva os outros em consideração na sua decisão, ele só se preocupa consigo mesmo” (Machado; Nascimento, 2010, p. 71). Nesse sentido, ambas as percepções concernem à atomização humana. A partir disso, Granovetter (2007) estabelece uma terceira via como uma alternativa a esses dois aspectos, no sentido de que os atores não fazem suas escolhas de forma atomizada, isolada do contexto das suas interações; ao contrário, eles estão imersos em uma rede de relações sociais que não são desvinculadas do comportamento e da tomada de decisões. Isto é, as ações econômicas dos indivíduos sofrem influência dos seus ideais, das suas vontades e dos seus laços.

Granovetter critica a obra Markets and Hierarchies, de Oliver Williamson (1975), em que argumenta que as relações entre os agentes nos procedimentos econômicos necessitam de um poder hierarquizado e centralizado para que não haja conflitos, desconfiança, má-fé e oportunismo. Ao interligar as redes sociais à imersão e à análise da tese de Williamson, Granovetter ratifica que a rede pode tolher possíveis comportamentos oportunistas, a desconfiança e a má-fé, devido ao risco de disseminação dos eventos na rede pressionar os integrantes, principalmente por meio da vergonha, aspecto que favorece ações cooperativas e baseadas na confiança. O autor contrapõe esse aspecto, afirmando que a cooperação, o trabalho conjunto e a instituição de relações de confiança se difundem sem a essencialidade de um poder hierarquizado e rígido (Granovetter, 2007; Bovo, 2014).

Acrescenta, ainda, que a percepção de Williamson ignora a relevância dos laços sociais como facilitadores de processos associativos, alegando ser possível organizar um sistema de mercado apoiado na confiança, sem prejuízo à eficiência dos indivíduos em questão. Granovetter busca evidenciar as relações entre os atores sob a lente da imersão, que, juntamente com as instituições, esclarecem os processos sociais e econômicos sob perspectivas as quais a análise econômica tradicional não abrange e que se encaixam em um sistema mais amplo de interações sociais (Bovo, 2014).

Atrelada à teoria da imersão está a pesquisa do autor no que diz respeito às redes sociais, no sentido de elucidar alguns adventos, bem como preencher os espaços vazios deixados pela teoria econômica sobre o funcionamento dos mercados e as interações entre atores econômicos. Tal abordagem inicia-se a partir do artigo The Strenght of Weak Ties (Granovetter, 1973). Com base em Bovo (2014), uma rede social pode ser caracterizada como um grupo de atores que estabelecem um vínculo ao iniciarem uma relação, denominado como laço; são interações que ocorrem com certa frequência e por alguma razão, e a rede transparece o sistema dessas relações. Nesse sentido, primordiais para o progresso dos membros nas redes sociais são as informações, pois estas viabilizam o acesso às oportunidades, que, posteriormente, levarão ao desenvolvimento de seus membros em diversas frentes. A rapidez e propriedade das informações são fundamentais para caracterizar a rede.

De acordo com Granovetter (1973), no que concerne às redes que circundam relações interpessoais, a profundidade da interação, além do tempo no qual tal relação existe, a reciprocidade, a confiança e a conexão emocional são importantes aspectos para traçar a natureza desse laço, que pode ser classificado como forte ou fraco. O laço forte é definido como aquele que dispõe de maior intensidade, como, por exemplo, as amizades, as relações entre familiares e círculos mais restritos; os grupos ancorados em laços fortes são denominados redes de ego ou egocêntricas. Os laços fracos são aqueles de menor intensidade e aproximação, como colegas de trabalho, conhecidos etc. Dessa forma, Granovetter (1973) dá um exemplo utilizando um grupo fictício composto por três indivíduos: A, B e C, em que A e B têm laços fortes, isto é, são amigos, enquanto B e C também têm laços fortes. A e C não são amigos, mas, ainda assim, por meio de B, eles poderão desenvolver um laço, sendo este caracterizado como fraco. Dessa maneira, existe a possibilidade de outros grupos com laços fortes e fracos entre os integrantes se interligarem, criando pontes, sendo estas imperiosas para ampliar a rede social e que agora passa a abranger mais grupos.

Aparentemente os laços fundamentais para os membros das redes sociais são os fortes (que impressionam pela intensidade da relação e dão uma ideia de consistência e continuidade). A tese de Granovetter aponta para a direção contrária: os laços fracos é que são fundamentais. O argumento do autor é que se as redes sociais ficassem apenas centradas no ego, isto é, nos laços fortes, as informações se manteriam restritas em pequenos círculos, e não se difundiriam, o que limitaria as oportunidades e o desenvolvimento de seus membros, vale dizer, novas informações não chegariam. As pontes que se estabelecem entre grupos, basicamente por meio dos laços fracos, expandem a rede e possibilitam a reciclagem das informações. Aqueles com quem temos laços fracos se movem em mais e diferentes círculos do que o nosso (Bovo, 2014, p. 143).

Dito isso, os laços fracos são de fundamental importância para a propagação da inovação, justamente por serem redes formadas por sujeitos advindos de áreas e formações distintas. Nas redes de laços fortes, existe uma identidade comum, e as ações ali desenvolvidas não ultrapassam aquele vínculo; diante disso, são nessas relações que os indivíduos buscam informações e sugestões antes de tomar alguma decisão, já que tais redes são dotadas de influência, confiança e credibilidade. Indivíduos com poucos laços fracos possivelmente terão uma base de informações externas ao seu sistema social mais restrita e, por consequência, estarão circunscritos às informações oriundas de amigos próximos, permanecendo isolados em sua rede de laços fortes (Kaufman, 2012).

Entretanto, mesmo demonstrando a significância dos laços fracos na disseminação de inovações e/ou informações, Granovetter explica que as redes de laços fortes detêm um papel determinante na aceitação de tais ideias. Para que os indivíduos acolham as inovações, é importante que se estabeleça uma relação de confiança e a identificação entre os membros em questão, e isso se torna possível a partir das redes de laços fortes. Assim, supõe-se que, por meio dos laços fracos, os sujeitos terão maiores possibilidades e maior acesso às oportunidades e inovações, mas, para de fato adotá-las, é necessário o consentimento dos seus vínculos de laços fortes (Kaufman, 2012).

Granovetter (1973), além de analisar as redes interpessoais de relações, demonstra que as redes estabelecidas entre as organizações também podem ser observadas dentro dessa mesma perspectiva, levando em consideração que atores e organizações estão correlacionados. Os contatos dentro do âmbito das redes sociais são interessantes para obter informações profissionais sobre negócios, oportunidades de emprego ou até mesmo sobre o perfil dos funcionários atuantes em uma empresa.

Portanto, pode-se dizer que os estudos de Granovetter sobre redes (1973; 2007) são extremamente relevantes no entendimento de como se dá o funcionamento dos mercados e das organizações econômicas, considerando a importância das relações sociais, como elas se constituem e de que forma podem surgir novas formas de cooperação a partir destas (Bovo, 2014). Tais pesquisas podem ser aplicadas não somente na Economia ou na Nova Sociologia Econômica, mas em frentes das mais variadas ordens, devido à flexibilidade da teoria em se encaixar nas análises sobre os fenômenos sociais, como é o caso das migrações, tema que será abordado no tópico a seguir.

4 AS MIGRAÇÕES

A migração é um processo que dispõe de dinâmica própria. É percebida enquanto um fenômeno que abrange um conjunto de variáveis importantes no sistema de integração global. Diversos estudos apontam que a década de 1990 foi crucial para a ampliação dos fluxos migratórios, demonstrando maior intensidade, frequência e origens distintas, revelando ser um reflexo do sistema de divisão do trabalho e de questões de ordem política e religiosa (Lucena, 2019).

As teorias sobre migrações têm buscado acompanhar as diversas mudanças que estão ocorrendo com o passar do tempo, mas as interpretações decorrentes dessas análises são contraditórias. De um lado, alguns teóricos destacam o aumento dos movimentos migratórios e a sua condição irrevogável; de outro, algumas perspectivas ressaltam as limitações dessas teorias pelo falo de não considerarem as diversas situações que envolvem a relação ser humanoterritório, bem como ignorarem as dificuldades quanto à mobilidade social e espacial, produto de políticas restritivas e das desigualdades sociais (Peixoto, 2019).

A discussão sobre as teorias das migrações durante muito tempo esteve dividida entre a visão neoclássica e a estruturalista. Os estudos sobre deslocamentos populacionais vêm se tornando foco de interesse das mais variadas áreas do conhecimento, podendo ser examinado sob diversas lentes. Entretanto, é consenso entre os autores no que diz respeito às abordagens: são muito diversas e fragmentadas, não abrangendo o conhecimento necessário para compreender com maior concretude os fenômenos migratórios (Oliveira, 2011).

Algumas correntes trabalham em cima do papel da agência, ressaltando a relevância das decisões individuais no ato de migrar, assim como outras sublinham a influência da estrutura, destacando questões históricas e estruturais que justificam os movimentos (Peixoto, 2019). Entretanto, neste espaço não serão aprofundadas as teorias em sua integralidade, mas apenas brevemente as que consideramos mais significativas para a discussão proposta.

A perspectiva neoclássica, como mencionado no tópico anterior, enxerga os indivíduos como seres atomizados, racionais e capazes de hierarquizar seus interesses, a fim de aumentar os seus ganhos. Com base nisso, parte-se da premissa que os sujeitos dispõem de informações sobre as distinções de renda entre o seu país ou sua região e demais localidades; assim, o migrante é um indivíduo que toma a decisão de migrar com base no cálculo das suas preferências e de custobenefício que o faz esperar um retorno positivo, principalmente no sentido financeiro, por meio do deslocamento. Os migrantes optarão por localidades onde suas habilidades profissionais e pessoais podem ser mais bem aproveitadas, considerando a remuneração e os custos atrelados ao ato da migração (Santos et al., 2010).

De acordo com esta teoria e as suas extensões, a migração internacional, tal como a sua contraparte interna, é causada por diferenças geográficas na oferta e na procura de trabalho. Os países com uma grande dotação de trabalho em relação ao capital têm um salário de mercado de baixo equilíbrio, enquanto os países com uma dotação limitada de trabalho em relação ao capital são caracterizados por um elevado salário de mercado [...]. O diferencial salarial resultante faz com que os trabalhadores do país com salários baixos se mudem para o país com salários elevados. Como resultado deste movimento, a oferta de trabalho diminui e os salários aumentam no país pobre em capital, enquanto a oferta de trabalho aumenta e os salários caem no país rico em capital, conduzindo, no equilíbrio, a um diferencial salarial internacional que reflete apenas os custos do movimento internacional, pecuniários e psíquicos (Massey et al., 1993, p. 433, tradução nossa)3.

De acordo com Simmons (1991), as teorias desenvolvidas sobre migrações sofreram forte influência do mundo industrial e do desenvolvimento econômico, sendo baseadas na teoria da modernização ou debruçadas na visão estruturalista. No mais, tais teorias direcionavam seu foco nos grandes deslocamentos populacionais, como as migrações internacionais e a urbanização. Dessa forma, fica claro que a crise identificada nas produções teóricas sobre os fenômenos migratórios é oriunda, em parte, da aplicação de elementos e referências advindas do paradigma de acumulação fordista, que é insuficiente para compreender todas as transformações que seguem ocorrendo no padrão de acumulação do capital.

Já a teoria formulada pelos novos economistas da migração traz um novo pressuposto, afirmando que a tomada de decisão sobre migrar não é feita apenas por um indivíduo, mas por um grupo maior de pessoas que têm algum tipo de relação. O foco da análise muda, deixando de ser centralizada em um único sujeito, mas no domicílio ou na comunidade. A decisão de migrar normalmente é tomada em conjunto com um grupo de pessoas que não irão migrar, em que os custos e ganhos advindos do movimento serão divididos. Outra questão é que os indivíduos agem não somente buscando maximizar os seus lucros, mas também em reduzir os riscos; sendo assim, os domicílios ou a comunidade controlariam as possibilidades de modificação negativa no padrão de vida, podendo até mesmo aumentar a força de trabalho e dinamizando a destinação dos recursos. Tais economistas percebem a existência de um mercado de trabalho desigual que, mesmo na inexistência de mudanças salariais, as migrações tenderiam a ocorrer, uma vez que todos ou um dos membros do grupo poderiam acabar migrando para não correr o risco de baixar o padrão de vida (Santos et al., 2010).

Há outros trabalhos referentes à teoria mencionada acima que utilizam tipologias de análise com ênfase na família do indivíduo. Nesse contexto, as relações familiares são fundamentais na decisão de migrar, já que tal ação afetará todos os membros. O pressuposto é que os ganhos são de toda a família, e não apenas de um único membro; e essa questão é um determinante nas migrações de toda a prole. Quando uma família resolve fazer o movimento, os ganhos passam a ser calculados a partir dos gastos e retornos que todos os integrantes terão. Como o retorno pelo ato de migrar é muitas vezes menor que os custos, as famílias estão propensas a se deslocar menos (Santos et al., 2010).

Entretanto, com base em Oliveira e Ervatti (2015), pensar que os deslocamentos populacionais já estejam definidos em um sistema comandado pela economia mundial deixa de considerar uma questão importante acerca deles, principalmente os movimentos internos identificados nos países em desenvolvimento, ainda mais aqueles que dispõem de grandes centros urbanos para os pequenos e médios municípios. Tais deslocamentos não exatamente estariam subordinados à globalização, tendo em vista que seguiriam a lógica da economia interna do país ou região, sem estarem diretamente associados ao contexto do capital internacional.

Na perspectiva estruturalista, são observadas as relações e papéis que os elementos desenvolvem dentro de um sistema. Todos estes elementos são interdependentes, não podendo verificá-los isoladamente. Para os teóricos que se debruçam nessa abordagem, não se deve visualizar apenas os aspectos que atraem ou expulsam os indivíduos de um dado território, mas também as suas condições culturais e sociais, sendo a migração vista como um processo de mobilização social. A partir da informação sobre o local para o qual se pretende migrar, cria-se esperança sobre a mudança, o que vem a motivar o sujeito a migrar. Ainda de acordo com tal abordagem, se houver migração, há também isolamento social. De acordo com Singer (1980), as migrações são um processo de mudança em sentido global e condicionadas pela história. Os movimentos migratórios estão atrelados ao desenvolvimento do capitalismo, mais especificamente com a industrialização causada por ele.

Ainda de acordo com essa perspectiva, as desigualdades regionais seriam o grande impulsionador das migrações. Com o advento da industrialização, as atividades econômicas se concentraram em grandes polos – tanto nos países desenvolvidos como em algumas regiões dos países em desenvolvimento – causando assimetrias regionais que desencadeariam os deslocamentos. Alguns dos principais motivos que atraem os migrantes, elencados pelos teóricos estruturalistas, são referentes ao maior acesso ao mercado de trabalho nas cidades, grande demanda por mão de obra, ao passo que a razão incentivadora da migração seria a possibilidade de melhorar o padrão de vida, com remunerações melhores do que as do local de origem (Santos et al., 2010).

Lucena (2019) complementa tal perspectiva, explicando que os processos associados à globalização econômica e às novas configurações de relações de poder estabelecidas com o fim da Guerra Fria significaram uma mudança drástica no sistema mundial como um todo. Essa mudança causou uma reestruturação da dinâmica do trabalho no interior das cidades, dos estados e dos países, mas principalmente em questões de ordem cultural, social e identitária. A migração é, portanto, um elemento essencial dos processos de transformação social.

As migrações estão definidas a partir de termos abrangentes, que incluem diversos fenômenos muito diferentes entre si. Por isso, apesar de não existir uma única teoria que preencha todas as lacunas explicativas sobre os deslocamentos, uma opção possível seria a utilização de tipologias descritivas, na intenção de isolar o fenômeno e analisá-lo a partir de um marco interpretativo que seja ajustável a cada caso. As teorias clássicas são pontos de partida fundamentais para o aprimoramento das análises acerca das migrações. Conforme as dinâmicas migratórias foram se modificando, surgiram algumas tipologias, a fim de classificar para melhor estudar os deslocamentos populacionais.

Nesse sentido, Tilly (1978, apud Truzzi, 2008) buscou elencar tipologias migratórias com base em duas dimensões que considera significativas: a distância entre a origem e o destino, assim como o nível de ruptura com a sua origem, sua família, seus amigos, seu trabalho etc. Tais variáveis indicam os limites, ainda que muito incipientes, entre um mero deslocamento e uma experiência migratória. Destarte, pequenos deslocamentos, como uma viagem de curta duração e/ou distância, de cunho turístico, não se enquadram no âmbito de um fenômeno migratório, mas sim como mobilidade temporária e de curta duração (Peixoto, 2019). Ainda de acordo com Tilly, as migrações podem ser classificadas em:

  • a) Locais: quando o indivíduo se desloca a um mercado (seja este de trabalho, de terras, seja mesmo matrimonial) geograficamente contíguo, que normalmente já lhe é familiar.

  • b) Circulares: quando o indivíduo se desloca a um mercado por um determinado intervalo de tempo definido, ao cabo do qual retorna a sua origem.

  • c) De carreira: em que o indivíduo se desloca respondendo a oportunidade de ocupação de postos oferecidos por uma organização a que pertence ou associados a uma profissão que já exerce.

  • d) Em cadeia: que envolve o deslocamento de indivíduos motivados por uma série de arranjos e informações fornecidas por parentes e conterrâneos já instalados no local de destino (Tilly, 1978 apud Truzzi, 2008, p. 200).

E já que foram abordadas as tipologias migratórias, é interessante mencionar que, pelo fato de os Estados estarem mais preocupados com o controle territorial e de soberania, as migrações transnacionais são costumeiramente mais estudadas do que as migrações internas. Contudo, enquanto a primeira é fortemente monitorada política e administrativamente pelos governos, a segunda recebe menos atenção e acaba sendo por vezes ignorada. Claro que a mobilidade interna é vista como problemática pelos estudiosos e analistas, principalmente no que tange às questões de desigualdades regionais; mas a fonte de preocupação está no monitoramento das fronteiras internacionais. Por isso, “não é casual que, no campo das estatísticas migratórias, o volume reduzido de números disponíveis sobre os movimentos internacionais pareça generoso, quando comparado com uma ainda maior escassez sobre movimentos internos” (Peixoto, 2019, p. 144).

Seja no âmbito histórico acerca do recebimento de imigrantes oriundos de outros países ou regiões, seja nas emigrações, o fenômeno em cadeia é o que interessa neste trabalho. Na literatura sobre as migrações de grupos, o episódio das cadeias migratórias e das redes sociais que dão sustentação a elas vem chamando atenção dos estudiosos. A teoria das redes sociais tem sido bastante utilizada nos estudos dessa natureza, considerando que percebe o migrante como um indivíduo racional que está em busca dos seus objetivos e mobiliza recursos para chegar aonde deseja. Tais recursos podem ser laços pessoais ou profissionais nos quais se poderia captar informações sobre o local que pretende migrar, bem como obter acesso ao mercado de trabalho por meio de indicações e/ou intermediários (Oliveira; Ervatti, 2015, p. 89–90).

Massey et al. (1993, p. 448, tradução nossa) conceituam as redes como “conjuntos de laços interpessoais que conectam migrantes, ex-migrantes e não migrantes nas áreas de origem e destino através de laços de parentesco, amizade e origem comunitária compartilhada”4. Os autores ainda complementam afirmando que tais conexões se traduzem em uma forma de capital social que as pessoas podem utilizar para ganhos profissionais, isto é, a conquista de uma vaga de emprego. Essa forma de capital social pode ser também associada ao tipo de capital descrito por Pierre Bourdieu (1986), que corresponde a uma rede de relacionamentos duráveis entre indivíduos, que envolve laços de confiança, solidariedade e reciprocidade. Essas relações podem existir apenas para trocas simbólicas ou materiais, assim como podem ser instituídas socialmente e receberem uma denominação, como o nome de um partido ou uma associação etc. Tais redes sociais conferem aos indivíduos uma identidade comum a todos, aproximando-os ainda mais e fomentando o sentimento de pertença àquele grupo. O volume de capital social de um agente individual depende do tamanho da sua rede de relações e também do volume global de capital que este possui, ou seja, a distribuição das outras formas de capital (econômico e cultural).

Essa rede é fruto de uma estratégia de investimento, coletiva ou individual, designada a criar interações que poderão ser benéficas a curto e longo prazo. A manutenção e reprodução deste capital também exige esforço contínuo de socialização, trocas e reconhecimento por parte dos membros (Bourdieu 1986). Nesse sentido, quanto mais migrantes fizerem parte da rede, mais os custos e os riscos reduzem, ampliando as possibilidades de mais migrações acontecerem, e assim por diante. Ramella (1995) explica que o conceito de redes sociais caminha na direção de superar os hiatos deixados pela teoria neoclássica, tendo em vista que o centro da abordagem permanece o mesmo – que é a racionalidade –, só que, nesse momento, o indivíduo não tomaria suas decisões apenas sozinho ou com familiares, mas também a partir da busca por relações que aumentem as chances de êxito no movimento migratório.

Deve-se destacar também o papel crucial que os indivíduos emigrados da sociedade de origem desempenham, principalmente para com aquele sujeito que ainda não migrou. Os primeiros migrantes em um novo destino não possuem laços naquele local e, para estes, a migração envolve maior custo, principalmente se for de forma ilegal – caso se trate de deslocamento internacional. Dito isso, a partir do momento que os primeiros migrantes se movimentam, os possíveis custos de migração para amigos e parentes deixados no local de origem reduzem consideravelmente. Assim, a cada indivíduo que migra, estabelece-se um grupo de pessoas que criam laços sociais com a área a que se destina; portanto, os migrantes estão impreterivelmente ligados aos não migrantes, que recorrem às suas relações de amizade e parentesco para terem a possibilidade de acesso a emprego e assistência no local de destino. No momento em que o número de vínculos de rede em uma determinada localidade de origem atinge um alto patamar, as migrações passam a se autoperpetuar pois, a cada ação migratória, fortalece a estrutura social que sustenta esse sistema. Qualquer novo indivíduo migrante reduz ainda mais os custos para o próximo, e assim por diante (Massey et al., 1993).

Estas ponderações levam diretamente às pesquisas de Granovetter (1973; 2007). Diversos autores passaram a utilizar tais reflexões teóricas sobre redes sociais para tentar explicar de que maneira as relações interpessoais influenciam nos processos migratórios. Uma das variáveis apontadas por Granovetter se refere à disseminação de inovações e/ou informações, que vem ao encontro do que Massey et al. (1993) e Truzzi (2008) indicam como determinante na decisão dos indivíduos de migrar ou não. As informações sobre oportunidades de emprego e condições de vida ou sobre as dificuldades encontradas no local de destino de outrem simplesmente se disseminam, autorregulando e influenciando o sistema como um todo. Nesse sentido, a confiança entra como um segundo elemento importante nas cadeias migratórias e nas redes sociais. As informações normalmente vêm de algum parente, amigo, vizinho ou amigo de amigos, aspecto que confere maior credibilidade às informações e aumenta o nível de confiança entre a rede.

Granovetter (1973) enfatiza que as informações sobre oportunidades profissionais são disseminadas principalmente a partir da rede de laços fracos, uma vez que estes têm acesso a fontes alternativas de informação, e não necessariamente pelos indivíduos da rede de laços fortes, que tendem a obter informações pleonásticas. As relações classificadas como laços fortes são aquelas que vão auxiliar na decisão do migrante, considerando que este possivelmente buscará a aprovação do seu círculo mais próximo para agir. Já a rede de laços fracos é a que vai oportunizar o indivíduo a acessar importantes informações acerca do local de destino (Truzzi, 2008).

Ainda que percebida por alguns teóricos como apenas um método de análise, a abordagem das redes é a que obteve – até o presente momento – o maior êxito em apresentar ferramentas que ilustrem como são concebidas as relações sociais. A teoria, empregada no contexto dos fenômenos migratórios, fornece importantes apontamentos sobre o comportamento dos indivíduos que desejam migrar, sobre de que forma o acesso às informações ou inovações chegam por meio de emigrantes e a confiança depositada nelas, assim como a influência dos laços interpessoais, mais precisamente os fortes, na decisão sobre a migração. Ademais, possibilita a sua aplicação no âmbito das migrações internas dos países, já que muitas teorias se preocuparam apenas com os deslocamentos internacionais. Esse paradigma faz oposição às perspectivas apresentadas anteriormente, tanto à teoria econômica neoclássica, na qual ignora as relações sociais e os seus efeitos sobre as ações dos sujeitos (visão sub-socializada) como à teoria sociológica, a qual, em contraponto, acredita que o indivíduo é totalmente determinado e orientado por normas, sendo suas decisões guiadas por elas (visão supersocializada) (Truzzi, 2008).

Destarte, para que não restem dúvidas sobre o entendimento explanado no decorrer deste artigo, como as cadeias migratórias e as redes sociais estão interligadas? Para que as cadeias migratórias se estabeleçam, os indivíduos utilizam os seus laços fortes e fracos (de parentesco, amizade, conhecidos, contatos profissionais), isto é, as redes sociais, para chegar ao fim almejado, que é conseguir efetuar o ato migratório. Nesse sentido, revela-se a importância do estudo de redes para as migrações, tendo em vista que os movimentos ocorrem não somente em virtude da insatisfação do migrante com o seu local de origem, como também porque geralmente esses eventos não acontecem de forma isolada, sendo apenas uma decisão individual; mas sim é a decisão tomada por um conjunto de pessoas que têm algum laço e fazem essa escolha graças ao auxílio de outros indivíduos que já estão no destino. Ambos fazem parte de um processo histórico e social, o qual transcende até mesmo a própria rede que ali se estabelece (Truzzi, 2008).

Na busca por melhores condições de vida e bem-estar, os indivíduos continuarão a empreender deslocamentos. Portanto, as migrações devem ser percebidas como um processo que envolve relações familiares, políticas, sociais, religiosas e, principalmente, econômicas que ultrapassam as fronteiras – sejam regionais, sejam estaduais, sejam internacionais – e unem os locais de origem e destino dos indivíduos. Essa perspectiva se encontra nos novos estudos sobre este fenômeno, que passam a abranger as noções de trânsito e fluidez, assim como buscam considerar interesses mais amplos no âmbito teórico, advindos de correntes alternativas, como a teoria de redes, que enxerga a dinâmica das relações sociais e o território sob uma outra ótica (Campos; Campos, 2022).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo objetivou fazer uma discussão teórico-conceitual de dois grandes estudos de Mark Granovetter sobre redes sociais e a sua relação com as principais teorias migratórias. Aqui, a intenção foi de abrir espaço para o debate acerca do fenômeno migratório – que segue sendo cada vez mais estudado – e de como os indivíduos fazem as suas escolhas quanto às motivações para empreender o ato. Dito isso, procurou-se apresentar de forma sucinta duas importantes reflexões de Mark Granovetter sobre redes sociais. Tais pesquisas apresentam cunho tão interdisciplinar que, mesmo sendo realizadas para entender o funcionamento dos mercados e das organizações pela lente da Nova Sociologia Econômica, é possível utilizá-las para diversos fins científicos, entre eles os estudos referentes aos fenômenos migratórios.

No trabalho publicado sobre a teoria da imersão, o autor refuta a tese de que as organizações precisam de hierarquias fortes e centralizadas para evitar oportunismos, má-fé e desconfiança. Granovetter mostra exatamente o contrário: que as organizações e os indivíduos estão imersos em uma estrutura de relações, e é através dela que se pode obter confiança, honestidade e reciprocidade. Indo ao encontro dessa perspectiva, a teoria da força dos laços fracos ajuda a entender as relações entre os indivíduos e as organizações, já que não podem ser dissociados. Os laços fortes são aqueles mais íntimos, como amigos de longa data e parentes, enquanto os laços fracos são as redes de contato que possibilitam o acesso a um rol de informações diferente daquele que a rede de laços fortes detém. É por meio da rede de laços fracos que ocorre a difusão de inovações e/ou informações, o que possibilita a interação e a relação com diferentes grupos, empresas etc. Tanto os indivíduos como as organizações não são vistos como seres atomizados, mas que agem em favor dos seus interesses a partir das relações sociais.

Tendo isso em mente, buscou-se trazer à discussão algumas correntes teóricas desenvolvidas sobre os movimentos migratórios. É sabido que existem diversas abordagens que tratam desse fenômeno e a dificuldade de formular uma teoria que consiga abranger os mais variados níveis de análise, como questões culturais, sociais, econômicas e políticas – os quais influenciam nas motivações de um indivíduo sobre querer migrar. Mas a perspectiva de redes sociais como a de Granovetter mostra que os sujeitos que decidem migrar, além de não tomarem as suas decisões sozinhos, pois tomam-nas sempre no seio da família ou círculo de vínculos pessoais (laços fortes), também recebem informações prévias de outros migrantes que já se encontram no local de destino (laços fracos), o que fortalece a rede a partir da confiança, reduz os custos do ato e faz com que o movimento se perpetue. Sendo assim, resta transparente que todo o arcabouço teórico escrito sobre redes sociais tem associação com as migrações e traz importantes contribuições para os estudos relacionados a elas, podendo tal temática ser considerada uma das suas principais teorias.

  • 1
    Texto original: “at present, there is no single, coherent theory of international migration, only a fragmented set of theories that have developed largely in isolation from one another, sometimes but not always segmented by disciplinary boundaries”.
  • 2
    O artigo foi publicado no Brasil em 2007, com o título “Ação Econômica e Estrutura Social: o problema da imersão”, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
  • 3
    Texto original: “According to this theory and its extensions, international migration, like its internal counterpart, is caused by geographic differences in the supply of and demand for labor Countries with a large endowment of labor relative to capital have a low equilibrium market wage, while countries with a limited endowment of labor relative to capital are characterized by a high market wage [...]. The resulting differential in wages causes workers from the low- wage country to move to the high-wage country As a result of this movement, the supply of labor decreases and wages rise in the capital-poor country while the supply of labor increases and wages fall in the capital-rich country leading, at equilibrium, to an international wage differential that reflects only the costs of international movement, pecuniary and psychic”.
  • 4
    Texto original: “are sets of interpersonal ties that connect migrants, former migrants, and non-migrants in origin and destination areas through ties of kinship, friendship, and shared community origin”.

REFERÊNCIAS

  • ALMEIDA, Jalcione; ROSENFIELD, Cinara. A Sociologia e as migrações. Sociologías, Porto Alegre, ano 20, n. 49, p. 9–15, set./dez. 2018.
  • BANDEIRA, Marilene Dias; ZUANAZZI, Pedro Tonon; AGRANONIK, Marilyn; SOUZA, Vinícius Rauber. Uma análise do fluxo migratório no Rio Grande do Sul e suas mesorregiões. In: LOU, Isaac Aroucha Coimbra; MAGALHAES, Marisa Valle (Org.). Migrações internas nos decênios 1990 e 2000 em unidades da Federação selecionadas: mudanças e continuidades. Salvador: SEI, 2014, p. 255–80.
  • BOURDIEU, Pierre. The forms of capital. In: RICHARDSON, John G. (Ed.). Handbook of Theory and Research for the Sociology of Education. New York: Greenwood Press, 1986. p. 241–58
  • BOVO, Cassiano R. M. A contribuição da Teoria da Rede Social, de Mark Granovetter, para a compreensão do funcionamento dos mercados e da atuação das empresas. Revista Pensamento e Realidade, São Paulo, v. 29, n. 3, p. 135–51, 2014.
  • CAMPOS, Marden B.; CAMPOS, Thiago B. Migração e mobilidade espacial em uma rede multilocal: o caso dos Pataxó na RMBH. Redes, Santa Cruz do Sul, v. 27, p. 1–20, 2022.
  • CRESWELL, John W. Projeto de pesquisa: método qualitativo, quantitativo e misto. Tradução de Luciana de Oliveira da Rocha. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.
  • DESCHAMPS, Marley Vanice. Migração em Santa Catarina: espaço atrativo no Sul do país. In: LOU, Isaac Aroucha Coimbra; MAGALHAES, Marisa Valle (Org.). Migrações internas nos decênios 1990 e 2000 em unidades da Federação selecionadas: mudanças e continuidades. Salvador: SEI, 2014, p. 227–54.
  • DIEHL, Astor Antônio; TATIM, Denise Carvalho. Pesquiso em ciências sociais aplicadas: métodos e técnicas. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2004.
  • GRANOVETTER, Mark. A ação econômica e a estrutura social: o problema da imersão. RAE-eletrônica, São Paulo, v. 6, n. 1, art. 9, p. 1–41, jan./jun. 2007.
  • GRANOVETTER, Mark. The strength of weak ties. American Journal of Sociology, Chicago, v. 78, n. 6, p.1930–38, 1973.
  • KAUFMAN, Dora. A força dos “laços fracos” de Mark Granovetter no ambiente do ciberespaço. Galaxia, São Paulo, n. 23, p. 207–18, jun. 2012.
  • LIMA, T. C. S.; MIOTO, R. C. T. Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 10, n. especial, p. 37–45, 2007.
  • LUCENA, Célia T. Migrações contemporâneas e impasses identitários: algumas teorias e conceitos. Cadernos CERU, São Paulo, supl. 2, v. 30, n. 1, p. 19–49, jun. 2019.
  • MACHADO, Deborah S.; NASCIMENTO, Maurício R. A utilização do termo imersão nas pesquisas em Administração. Caderno de Administração, Maringá, v. 18, n. 2, p. 54–61, 2010.
  • MASSEY, Douglas S.; ARANGO, Joaquín; HUGO, Graeme; KOUAOUCI, Ali; PELLEGRINO, Adela; TAYLOR, J. Edward. Theories of international migration: a review and appraisal. Population and Development Review, New York: Population Council, v. 19, n. 3, set., p. 431–66, 1993.
  • OLIVEIRA, Antônio T. R.; ERVATTI, Leila R. Fontes de informações para os estudos migratórios. In: ERVATTI, Leila R.; BORGES, Gabriel M.; JARDIM, Antonio P. (Org.). Mudança Demográfica no Brasil no Início do Século XXI: subsídios para as projeções da população. Rio de Janeiro: IBGE, 2015, p. 87-101.
  • OLIVEIRA, Antônio T. R. Algumas abordagens teóricas a respeito do fenômeno migratório. In: OLIVEIRA, Luiz Antonio P.; OLIVEIRA, Antônio T. R. (Org.). Reflexões sobre os deslocamentos populacionais no Brasil, Rio de Janeiro: IBGE, 2011, p. 11–27.
  • PEIXOTO, João. Da era das migrações ao declínio das migrações? A transição para a mobilidade revisitada. Revista Interdisciplinar de Mobilidade Humana – REMHU, Brasília-DF, v. 27, n. 57, p. 141–58, dez. 2019.
  • RAMELLA, Franco. Por un uso fuerte del concepto de red en los estudios migratorios. In: BJERG, María; OTERO, Hernán (Org.). Inmigracion y redes sociales en la Argentina moderna. Buenos Aires: CEMILA, IEHS, 1995. p. 9–21.
  • SANTOS, Mauro Augusto; BARBIERI, Alisson F.; CARVALHO, José Alberto M.; MACHADO, Carla J. Migração: uma revisão sobre algumas das principais teorias. Texto para discussão n. 398. Belo Horizonte: UFMG/ Cedepilar, 2010.
  • SCHETTINI, Eleonora.; CUNHA, Martins; ARAÚJO, Carmen. E. L. Process Tracing nas Ciências Sociais: fundamentos e aplicabilidade. Brasília: ENAP, 2018.
  • SIMMONS, Alan. B. Explicando la migración: la teoría en la encrucijada. Estudios Demográficos y Urbanos, México, DF [Colegio de México, Centro de Estudios Demográficos, Urbanos y Ambientales – Cedua], v. 6, n. 1, p. 5–31, enero/abr., 1991. Disponível em: https://estudiosdemograficosyurbanos.colmex.mx/index.php/edu/article/view/801/794
    » https://estudiosdemograficosyurbanos.colmex.mx/index.php/edu/article/view/801/794
  • SINGER, Paul I. Migrações internas: considerações teóricas sobre o seu Estudo. In: MOURA, H. (Org.). Migração interna – textos selecionados. Fortaleza: BNB, 1980, p. 211–44.
  • TRUZZI, Oswaldo. Redes em processos migratórios. Tempo Social – Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 20, n. 1, p. 199–218, jun. 2008.
  • WILLIAMSON, Oliver. Markets and Hierarchies. New York: Free Press, 1975.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2023
  • Revisado
    03 Maio 2023
  • Aceito
    26 Maio 2023
location_on
Universidade Católica Dom Bosco Av. Tamandaré, 6000 - Jd. Seminário, 79117-900 Campo Grande- MS - Brasil, Tel./Fax: (55 67) 3312-3373/3377 - Campo Grande - MS - Brazil
E-mail: suzantoniazzo@ucdb.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro