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Para além do papel: estudo das unidades de conservação brasileiras

Beyond paper: study of Brazilian conservation units

Más allá del papel: estudio de las unidades de conservación brasileñas

Resumo

Este artigo discute as Unidades de Conservação na perspectiva conservacionista, como instrumentos de proteção da natureza, garantindo a manutenção da biodiversidade e dos biomas brasileiros, no sentido de construir um meio ambiente ecologicamente equilibrado nos termos da Constituição Federal de 1988. Por meio do método dedutivo, de análise indireta de dados do Ministério do Meio Ambiente e da Secretaria do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável do Estado de Goiás, de pesquisas exploratórias, documentais e bibliográficas, realiza apreciação jurídico-teórica das Unidades de Conservação brasileiras. A partir da análise do cenário brasileiro, nota que a maior parte das Unidades de Conservação foram criadas pelos Estados, com destaque para proteção da Mata Atlântica, do Cerrado e da Amazônia, respectivamente, tendo a sustentabilidade como fundamento político-jurídico. A realidade goiana aponta que não basta prever a existência das Unidades de Conservação no papel, pois, na prática, mais da metade das unidades de proteção integral nem sequer passaram pelo processo de regularização fundiária. Ademais, seis das vinte e cinco Unidades de Conservação goiana ainda não contam com Conselho Gestor estabelecido e vinte não possuem plano de manejo definido, o que, somado às dificuldades financeiras e à escassez de servidores, compromete a conservação da natureza esperada.

Palavras-chave
áreas de proteção ambiental; conservação da biodiversidade; sustentabilidade; regularização fundiária; planos de manejo

Abstract

This article discusses Conservation Units in the conservationist perspective, as instruments to protect nature, assuring the maintenance of Brazilian biodiversity and biomes, in orderto build an ecologically balanced environment under the terms of the Federal Constitution of 1988. Through deductive method, exploratory, documental, and bibliographic research, and indirect analysis of Environmental Ministry and Environmental, Sustainable Development State Office data, it makes a legal-theoretical appreciation of the issue in Brazil. By looking at the Brazilian scenario, it notices that most part of the Conservation Units were created by the States and were focused, respectively, on Mata Atlântica, Cerrado, and the Amazon, and had sustainability as a legal-political fundament. The conjuncture of Goiás indicates that stating the Conservation Units existence is not enough, since more than half of Conservation Units lack landing regularization. Also, six out of twenty-five Conservation Units still do not have an Administrative Counsel. Twenty Conservation Units do not have a working plan, which, added to financial and staff difficulties may compromise the expected protection of nature.

Keywords
environmental protection areas; biodiversity conservation; sustainability; territorial regularization; management plans

Resumen

Este artículo aborda las unidades de conservación desde una perspectiva conservacionista, como instrumentos para la protección de la naturaleza, garantizando el mantenimiento de la biodiversidad y de los biomas brasilehos, en el sentido de construir un ambiente ecológicamente equilibrado en los términos de la Constituer Federal de 1988. A través del método deductivo, análisis indirecto de datos del Ministerio del Medio Ambiente y de la Secretaria de Medio Ambiente y Desarrollo Sostenible del Estado de Goiás, mvestigación exploratoria, documental y bibliográfica, realiza una evaluación teórico-jurídica de las Unidades de Conservación brasileñas. Del análisis del escenario brasileño, se observa que la mayoría de las Unidades de Conservación fueron creadas por los Estados, con énfasis en la protección de la Mata Atlántica, el Cerrado y la Amazonía, respectivamente, teniendo la sustentabilidad como base político-jurídica. La realidad de Goiás señala que no es suficiente predecir la existencia de unidades de conservación en el papel, ya que, en la práctica, más de la mitad de las unidades de protección integral ni siquiera han pasado por el proceso de regularización de tierras. Además, seis de las veinticinco áreas protegidas de Goiás aún no tienen un Consejo de Gestión establecido, y veinte no tienen un plan de gestión definido, lo que, sumado a las dificultades financiers y la escasez de servidores, compromete la conservación de la esperada naturaleza.

Palabras clave
áreasde protección ambiental; conservación de la biodiversidad; sostenibilidad; regularización territorial; planes de manejo

1 INTRODUÇÃO

Um caminho muito difundido para a proteção da biodiversidade é a implementação da preservação da fauna e flora nas propriedades privadas. Sua localização estratégica em torno dos núcleos das grandes áreas protegidas instituídas pelo Estado garante uma zona de amortecimento entre as ações das atividades produtivas que perturbam o ecossistema protegido, além de serem pigmentos do bioma para a formação de corredores ecológicos, compondo o processo de reversão de degradação ambiental e da diminuição da diversidade de espécies no planeta.

Servindo como último refúgio de espécies ameaçadas e endêmicas, as áreas especialmente protegidas permitem o adequado funcionamento dos serviços ecossistêmicos e podem ser lugar de perpetuação do modo de vida de comunidades locais, que mantêm um laço de afinidade. religiosidade e de vínculos sentimentais com certos sítios naturais. Além desses objetivos básicos. as Unidades de Conservação (UCs)3 3 São áreas especialmente protegidas com o objetivo de conservação da natureza, delimitadas pelo Estado ou por particulares, integrando um Sistema Nacional (Brasil, 2000). buscam proteger a diversidade biológica, por meio de adoção de práticas voltadas à conservação, incentivo à pesquisa e à educação ambiental.

Contudo, tanto em âmbito nacional como local (Goiás), as UCs passaram a disputar espaço com as propriedades urbanas e rurais, protegendo biomas e faunas, integrando a sociedade civil e o Estado em prol da efetividade do texto constitucional, sobretudo na questão da promoção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ao passo que são constituídas, as UCs dependem de fiscalização e suporte técnico e financeiro para que cumpram os seus papéis de conservação. Porém o que se vê. na prática, é uma dificuldade de os gestores públicos se organizarem no intuito de garantir sua existência e eficiência. Um exemplo disso é a dificuldade em se realizar a regularização fundiária dessas áreas.

Em Goiás, a regularização fundiária das Unidades de Conservação pouco avançou desde os anos 2010. Em meio a uma burocratização exagerada por parte do poder público, as UCs não conseguem sair do papel. Ao contrário, os impasses para as suas efetivações desmotivam os proprietários que querem dar uma destinação protecionista para suas áreas e. quando se trata de propriedades públicas, agregam-se uma série de problemas, como os conflitos sociais, o mau uso dos recursos ou mesmo queimadas criminosas.

Nesse contexto, esta pesquisa busca, em uma abordagem qualiquantitativa. analisar dados secundários da realidade brasileira, com enfoque na realidade goiana, por meio dos bancos de dados do Ministério do Meio Ambiente e da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás4 4 A maior parte dos dados estavam publicizados nos respectivos sítios eletrônicos, contudo há de se mencionar a importância do auxílio do gerente de fiscalização e emergências ambientais Rodrigo Pinheiro Bastos e da gerente de uso público, regularização fundiária e gestão socioambiental de unidades de conservação Adriana Cristina de Oliveira, que redundou nas informações organizadas no Sistema Eletrônico de Informações do Estado de Goiás (Processo SEI n, 202100020017721). . Em seguida, associada à pesquisa bibliográfica e documental visa compreender o arcabouço teórico e politico que envolve a temática por meio do método dedutivo, de modo a responder as seguintes questões: a) de que forma as UCs brasileiras podem promover a manutenção da biodiversidade em uma perspectiva sustentável? b) Quais são os entraves para a regularização fundiária e gestão dessas áreas, especialmente em Goiás?

Para responder a tais questionamentos, traçou-se o seguinte objetivo geral: levantar as dificuldades para estabelecer, regularizar e ampliar as Unidades de Conservação da natureza. ressaltando os benefícios inerentes a elas no contexto brasileiro.

A partir dessa premissa, o trabalho subdivide-se em três seções. A primeira visa tratar da dinâmica agrária brasileira e internacional, sobretudo no que tange às áreas protegidas. Na segunda, o mote é entender os mecanismos jurídicos para a implantação das UCs no Brasil. fornecendo subsídios para. na terceira seção, analisar a situação da regularização fundiária e das gestões das UCs em Goiás.

Em síntese, este artigo busca contribuir para o debate acerca da viabilidade das UCs e de seu processo regulatório. discutindo a necessidade de articulação entre os diversos setores da sociedade civil e do Estado, para garantir a efetividade dessa política pública, garantindo, ainda que minimamente, o desenvolvimento sustentável nos termos da Constituição Federal de 1988.

2 A DINÂMICA TERRITORIAL E A PROTEÇÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA

Compreender as Unidades de Conservação dentro da dinâmica territorial5 5 A categoria território deve ser compreendida atrelada às relações de poder, ou seja, aqueles que controlam a população, os recursos, dentre outros elementos, controlam o território e a sua delimitação (Raffestin, 1993). O território se manifesta em sentido multiescalar e multidimensional, sendo que o processo de destemtorialização e reterritorialização são etapas de um processo dinâmico, em que os territórios se sobrepõem, gerando conflitos de todas as ordens (Haesbaert, 2004). é imperativo para discutir a função que desempenham ou pretendem desempenhar. Se por um lado as UCs são brindadas como um instrumento de conservação da natureza, por outro, podem ser compreendidas como estratégia geopolítica de uso e gestão do espaço (Martins, 2016MARTINS, Geraldo Inácio. Conservação da Natureza e modulação do espaço: políticas ambientais de conservação e planejamento biorregional no Mosaico Sertão Veredas - Peruaçu, 2016. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, 2016.).

A ocupação fundiária brasileira, por exemplo, é delineada por um padrão de uso intensivo dos recursos e extensivo do espaço (Moraes, 2005MORAES, Antonio Carlos Robert. Território e a história no Brasil, 2. ed. São Paulo: AnnaBlume, 2005.). em que os conflitos pela terra se asseveram ao passo em que a concentração fundiária é ampliada (Oliveira, 2007OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo capitalista de produção, agricultura e reforma agrária. São Paulo: FFLCH/Labur Edições, 2007.). Ao lado do processo de urbanização, a dinâmica agrícola amplia o uso do espaço para a produção de commodities e para a atividade pecuária, sendo que ambos os processos englobam a natureza em suas reproduções. utilizando-a como recursos. É nesse contexto, presente no cenário brasileiro, mas similar em diversos países, que as UCs se inserem, constituindo novas possibilidades para se pensar a dinâmica territorial, sobretudo a agrária.

Por fazer parte de uma política pública de interferência territorial, a criação das unidades por vezes envolve conflitos, uma vez que impõe restrições a ocupantes. “Em outras palavras. uma UC constrói um novo sentido para a natureza, constrói novos arranjos de interesse, cria mecanismos de conflitos e divergências quanto ao uso e manejo da biodiversidade” (Martins, 2016. p. 83MARTINS, Geraldo Inácio. Conservação da Natureza e modulação do espaço: políticas ambientais de conservação e planejamento biorregional no Mosaico Sertão Veredas - Peruaçu, 2016. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, 2016.).

É inegável que o hodierno modo de apropriação e exploração da natureza implica consequências desconhecidas pelo ser humano, afinal, não há como inferir exatamente em que medida as interações humanas influenciarão nas mudanças climáticas ou, ainda, até quando o ambiente suportará ser tratado como mero recurso.

Apesar de se conhecer a importância de se perceber a natureza como essencial à vida e ao bem-estar (Becker, 2011BECKER, Bertha K. A geopolítica na virada do milênio: logística e desenvolvimento sustentável. In: CASTRO, Iná Elias; GOMES, Paulo Cesar da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato (org.). Geografia: conceitos e temas. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. p, 271-307.). observa-se que a sua conservação vem sendo valorada como capital de realização futura. Ou seja. a despeito de a conservação da biodiversidade indicar, em um primeiro momento, uma preocupação ambiental, o aspecto econômico, que subsidia a busca pela proteção do patrimônio genético ou das fontes de água. é o que. de fato. prevalece.

Esse debate territorial evidencia as duas formas diferentes de tratar a questão ambiental: as lógicas preservacionista e conservacionista. Enquanto o preservacionismo pretende promover a proteção da natureza em relação à sociedade, o conservacionismo propaga a ideia do uso racional dos recursos naturais, sendo precursor do conceito de desenvolvimento sustentável (Garcia; Moreira; Burns, 2018GARCIA, Lilian Vieira Miranda; MOREIRA, Jasmine Cardozo; BURNS, Robert C. Conceitos geográficos na gestão das Unidades de Conservação brasileiras. GEOgraphia, Niterói, v, 20, n.42, p. 53-62, jan./abr. 2018.).

No Brasil, apesar da tradição civilista de proteção quase incondicional do direito de propriedade privada, a Carta constitucional impôs algumas condições para o exercício da posse e restrições de uso da propriedade, com a finalidade de proteção do meio ambiente, uso racional dos recursos naturais e cumprimento da função social da propriedade. Portanto, não está apartado da propriedade da terra o seu uso adequado, voltado para toda coletividade, como produtora de água. de alimentos, de habitat para a flora e a fauna, dentre outros. Isto é. a satisfação do proprietário de terra deve estar alinhada com os direitos e as garantias dos trabalhadores rurais e de toda a comunidade inserida no âmbito de influência da terra (Mercadante, 2001MERCADANTE, Maurício. Uma década de debate e negociação: a história da elaboração da Lei do SNUC. In: BENJAMIN, Antônio Herman (Org.). Direito Ambiental das Áreas Protegidas. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, p. 190-231, 2001.).

Todavia, dentro da perspectiva de desenvolvimento sustentável, a propriedade rural precisa ser produtiva para conseguir a sustentabilidade econômica da gestão de seus limites. além de prover a renda do dono da terra (Veiga, 2010VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.). Por isso. na década de 1990. vários estudos avançaram no sentido de ultrapassar a dicotomia estabelecida pela preservação e pelo desenvolvimento. Conceitos como o de serviços ambientais foram objetos de valoração econômica e permitiram formulações como os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSAs), ainda incipientes institucionalmente no Brasil6 6 Somente em 2021 foi promulgada a primeira lei brasileira sobre a Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais, Lei Federal n. 14.119, de 13 de janeiro de 2021. , mas que pautam debates internacionais.

Nesse sentido, programas do Governo Federal pagam valores anuais por hectare disponibilizado, por exemplo, ao produtor rural que aderir aos projetos de recuperação e conservação de nascentes em bacias hidrográficas em situação de degradação. Em áreas de pouca atração para a pecuária e a lavoura, essa estratégia mostrou-se muito benéfica para a preservação dos serviços ecossistêmicos. além de garantir renda para os proprietários (Castro; Young; Pereira, 2018CASTRO, Biancca Scarpeline de; YOUNG, Carlos Eduardo Frickmann; PEREIRA, Vanessa de Souza. Iniciativas Estaduais de Pagamentos por Serviços Ambienta is: análise legal e seus resultados. Revista Iberoamericana de Economia Ecológica, Rio de Janeiro, v, 28, n, 2. p. 44-71, 2018.). Um exemplo é o Programa “Plantadores de Rios”, sob a supervisão do Ministério do Meio Ambiente (MMA) (Rocha, 2018ROCHA, Rogério Fernandes. A conservação da biodiversidade em Unidades de Conservação de proteção integral no Estado de Goiás: territorialidade, sistema regional de gestão e regularização fundiária, 2018. Dissertação (Mestrado em Direito Agrário)- Faculdade de Direito, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, 2018.).

Esses incentivos são extremamente importantes para a incorporação, por parte da sociedade, dos benefícios que a biodiversidade preservada traz para as presentes e futuras gerações. Aprimorar o ordenamento, dando segurança jurídica ao proprietário das terras e àqueles que optarem em investir nesses serviços, é garantir aumento significativo de áreas privadas em Estado de conservação sem comprometer a renda e o desenvolvimento local. Casos de sucesso puderam ser observados na Costa Rica e nos EUA. que ampliaram os territórios naturais protegidos pelos particulares por meio de definições claras de obrigações e deveres dos gestores, além de incentivos, financeiros e sociais, sendo referências de sucesso na implantação desse tipo de política pública (Chomitz, 2004CHOMITZ, Kenneth. M. Transfer of development rights and forest Protection: an exploratory analysis. International Regional Science Review, Los Angeles, v, 27, n. 3, p. 348-73, 2004.; Castro; Young; Pereira, 2018CASTRO, Biancca Scarpeline de; YOUNG, Carlos Eduardo Frickmann; PEREIRA, Vanessa de Souza. Iniciativas Estaduais de Pagamentos por Serviços Ambienta is: análise legal e seus resultados. Revista Iberoamericana de Economia Ecológica, Rio de Janeiro, v, 28, n, 2. p. 44-71, 2018.).

A questão econômica, apesar de ser a grande motivação da degradação ambiental, vem se consolidando, em uma nova perspectiva, como motivação para projetos que conservem a natureza. Em fóruns internacionais de grande envergadura representativa, como o encontro das partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, de 1992 - que gerou o Acordo de Paris -. e da Convenção sobre Diversidade Biológica, também de 1992. percebe-se a presença cada vez maior de grandes empresas globais de diversos setores interessadas em disponibilizar tecnologias e realizar parcerias com comunidades locais para a recuperação de áreas degradadas, ou para a produção de água. ou mesmo para o cultivo sustentável em áreas até então impróprias para a lavoura (Chomitz, 2004CHOMITZ, Kenneth. M. Transfer of development rights and forest Protection: an exploratory analysis. International Regional Science Review, Los Angeles, v, 27, n. 3, p. 348-73, 2004.).

Tal pensamento é compatível com as análises de custos ambientais, os quais estão, cada vez mais. inseridos na contabilidade das empresas internacionais, pois já se entende que os serviços ecossistêmicos fazem parte da sua cadeia produtiva. Conservar passa a ser compreendido como investimento, uma vez que a dificuldade em encontrar produtos encarece o resultado final, e as ações para a sua manutenção se tornam mais baratas para o arranjo de produtivo.

Para além da questão econômica, a criação das áreas especialmente protegidas é considerada uma das melhores formas de proteção da biodiversidade e. por isso. é incentivada pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), em seu artigo 8º. Entende-se como área protegida aquela que “é destinada, ou regulamentada, e administrada para alcançar objetivos específicos de conservação” (ONU. 1992ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS [ONU]. Convenção sobre Diversidade Biológica. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Rio de Janeiro, jun. 1992.. art, 2%

Em meados do século XIX. a visão antropocêntrica, utilitarista. começou a sofrer modificações, sendo que um marco na utilização do espaço como forma de preservação ambiental foi o surgimento do Parque Nacional de Yellowstone, em 1890. nos Estados Unidos da América, criado com a função de resguardar os valores estéticos e paisagísticos. Posterior ao seu surgimento, foram criadas áreas semelhantes na Nova Zelândia (1894). África do Sul (1898). México (1998) e Argentina (1934). entre outros (Leuzinger, 2009LEUZINGER, Márcia Dieguez. Natureza e cultura: Unidades de Conservação de proteção integral e populações tradicionais residentes. Curitiba: Letra da Lei, 2009.). Pode-se falar que esse período foi o início da transição para a visão biocêntrica (Oliveira, 2010OLIVEIRA, Ludmila Junqueira Duarte. Regularização fundiária de Unidades de Conservação. Boletim Científico ESMPU, Brasília-DF, a. 9, n. 32/33, p. 143-76, jan./dez, 2010.).

Em outros termos, inicialmente, a gestão do ambiente era pensada dentro de uma visão antropocêntrica, com fins econômicos e recreativos, porém, em seguida, passou a englobar a proteção de ecossistemas, fauna, flora e ciclos ecossistêmicos, sendo que. atualmente, envolve a noção de conservação da biodiversidade (Oliveira, 2010OLIVEIRA, Ludmila Junqueira Duarte. Regularização fundiária de Unidades de Conservação. Boletim Científico ESMPU, Brasília-DF, a. 9, n. 32/33, p. 143-76, jan./dez, 2010.).

De maneira embrionária, a Convenção Internacional sobre proteção da fauna e da flora em seu Estado natural, de 1933. tratou da natureza a partir da visão biocêntrica (Luzinger, 2009). Já em 1948. criou-se a União Internacional para a Proteção da Natureza (UIPN). que. em 1956. passou a ser denominada União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) (Oliveira, 2010OLIVEIRA, Ludmila Junqueira Duarte. Regularização fundiária de Unidades de Conservação. Boletim Científico ESMPU, Brasília-DF, a. 9, n. 32/33, p. 143-76, jan./dez, 2010.). iniciando a consolidação da visão conservacionista7 7 A ideia conservacionista está presente nos documentos decorrentes da Conferência de Estocolmo (1972), na Conferência de Belgrado (1975), no Relatório Brundland (1987), ou em pesquisas sobre o desenvolvimento sustentável, como a de José Eli da Veiga (2010). em vez da preservacionista. aliando a ideia de proteção ambiental e presença humana.

No âmbito internacional, a responsabilidade humana pelo habitat da flora e fauna foi prevista na Declaração de Estocolmo, em 1972. enquanto as áreas de proteção ambiental foram objeto do tratado internacional da Nações Unidas: a Convenção sobre Biodiversidade Biológica de 1992, realizada no Rio de Janeiro e ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo n, 2. de 1994 (ONU. 1972ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS [ONU]. Declaração de Estocolmo sobre o meio ambiente humano. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Humano. Estocolmo, jun. 1972.; Coelho; Rezende, 2016COELHO, Hebert Alves. REZENDE, Elcio Nacur. A efetiva implantação das Unidades de Conservação ambiental por meio da desapropriação. Revista da Faculdade de Direito da UFG, Goiânia, v. 40, n. 1, p. 146-65, jan./jun, 2016.).

Na década de 1980, a delimitação das áreas protegidas foi consolidada sobre as premissas da conservação da biodiversidade. As Unidades de Proteção Integral não admitem a utilização direta dos recursos naturais, além de permitirem a presença humana apenas deforma esporádica. com fins turísticos, educativos ou científicos. Já as Unidades de Uso Sustentável permitem a utilização dos recursos ambientais de forma racional, dentro dos limites previstos, e a ocupação humana (Leuzinger, 2009LEUZINGER, Márcia Dieguez. Natureza e cultura: Unidades de Conservação de proteção integral e populações tradicionais residentes. Curitiba: Letra da Lei, 2009.).

O final do século XX foi marcado por movimentos internacionais ambientalistas que incentivaram a realização de acordos internacionais, as chamadas convenções, entre os Estados. no intuito de aumentar a promoção da conservação da natureza em seu Estado natural. Como a dimensão ambiental transcende as fronteiras e os limites de uma nação, firmou-se o entendimento da necessária cooperação entre os países para cuidar da questão ambiental. A intersecção entre o direito ambiental e o direito internacional público fez nascerem regras, princípios e atores próprios de um novo ramo do direito, o direito ambiental internacional. Este cuida dos direitos e das obrigações dos países, das organizações governamentais internacionais e das pessoas na defesa do meio ambiente.

Nestes termos, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) trouxe um relativo consenso para a definição do que é área protegida: “a clearly defined geographical space, recognised, dedicated and managed, through legal or other effective means, to achieve the long-term conservation of nature with associated ecosystem services and cultural values”8 8 Um espaço geográfico claramente definido, reconhecido, dedicado e administrado, através de meios legais ou outros meios eficazes, para alcançar a conservação de longo prazo da natureza, com os serviços ecossistêmicos associados, respeitando valores culturais (tradução livre). (UICN, 2008UNIÃO INTERNACIONAL PARA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA [UICN]. Guidelines for applying protected area management categories. UICN, Cidade, 2008. Disponível em: . Acesso em: 1º jun, 2023.).

A CDB. estabelecida durante a Rio-92. na Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, é o principal documento a ser considerado na tomada de decisões no nível nacional e mundial sobre as questões relacionadas à diversidade biológica. Até 2021. quase 170 países já assinaram o acordo, que entrou em vigor no final do ano de 1993. O processo de instituição do texto representou uma etapa muito importante na proteção internacional do meio ambiente, pois estabeleceu e construiu consensos em nível global. Por outro lado. pela falta de acordo entre os países signatários, não foi possível aprofundar normativamente em outras temáticas específicas.

Na prática, durante a década de 1990. havia mais de 30.300 áreas protegidas, totalizando mais de 13.2 milhões de hectares, cobrindo 8.84% da área terrestre do planeta. Tanto a quantidade de áreas como o tamanho cresceram nas décadas anteriores, aproximadamente dois terços das áreas protegidas na época foram estabelecidos dos anos 1960 e 1990. No mesmo período. houve também aumento significativo no número de países com áreas protegidas (Rocha, 2018ROCHA, Rogério Fernandes. A conservação da biodiversidade em Unidades de Conservação de proteção integral no Estado de Goiás: territorialidade, sistema regional de gestão e regularização fundiária, 2018. Dissertação (Mestrado em Direito Agrário)- Faculdade de Direito, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, 2018.).

Apesar de os principais atores dessas Convenções serem os Estados signatários, os indivíduos. as organizações internacionais e nacionais possuem grande relevância no estabelecimento de acordos e de metas com o objetivo de cuidar e preservar a natureza.

No Brasil, os avanços também ocorreram, modificando a dinâmica territorial do país. em especial a partir do final da década de 1980; contudo, dada a importância da temática, o assunto será abordado na próxima seção.

3 AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Algumas formações específicas, como as florestas tropicais, possuem uma maior variabilidade de espécies dentro de uma mesma área de amostragem e, por isso, são consideradas mais ricas que outras. Estima-se que um conjunto pequeno de países detenha 2/3 de toda a riqueza biológica do planeta, e a maior parte dela se encontra no Brasil (Leuzinger, 2009LEUZINGER, Márcia Dieguez. Natureza e cultura: Unidades de Conservação de proteção integral e populações tradicionais residentes. Curitiba: Letra da Lei, 2009.).

Desde a Rio-92. os direitos relacionados à natureza receberam melhor contorno na legislação brasileira, a exemplo da propriedade advinda da diversidade genética, que passou a pertencer ao Estado. A flora, enquanto recurso, prioritariamente, está atrelada a quem possui a terra, independentemente de ela ser pública ou particular. Já a fauna e as florestas passaram a ter um sistema de gestão comunitária e local (Barros-Platiau, 2009BARROS-PLATIAU, Ana Flávia. A proteção internacional da diversidade biológica. In: VARELLA, Marcelo D.; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia. Proteção Internacional do Meio Ambiente. Brasília-DF, DF: Unitar/UniCEUB e UnB, 2009. p. 149-59.). Ainda assim, não é possível realizar leitura dissociada da compreensão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito difuso, uma vez que o constituinte brasileiro determinou a obrigação de a sociedade e o poder público promoverem a defesa e a preservação ambiental para as presentes e futuras gerações (Brasil. 1988. art, 225BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 5 de out. 1988.). considerando todos como titulares do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Como decorrência desse entendimento, o meio ambiente pertence a todos, não sendo possível especificar quantidades atribuíveis a cada indivíduo, uma vez que a coletividade compartilha a propriedade difusa sobre o bem ambiental. Cabe aos entes federativos tão somente realizar a gestão dos recursos provenientes da natureza. Logo. ainda que as árvores presentes em determinado local sejam entendidas como propriedade daquele que possua o registro do imóvel, não é dado ao proprietário dispor da flora como bem lhe aprouver, pois o constituinte limita o direito à propriedade privada e estabelece obrigação de cumprimento da função social e da preservação do ambiente.

A Constituição Brasileira de 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 5 de out. 1988. reconhece a propriedade privada como um direito fundamental (art. 5º XXII) e como princípio da ordem econômica (art. 170. II). Igual status é conferido ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (arts, 225 e 170. IV). O direito de propriedade, portanto, sofre limitações em razão de sua conotação social (art. 5º, XXII e art. 170, III). Assim, apesar de a propriedade ser um direito individual, deve estar de acordo com os interesses sociais, uma vez que não é um direito absoluto, devendo cumprir sua função social e atender à legislação pertinente (Brasil. 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 5 de out. 1988.).

Em razão de suas características naturais relevantes, nas propriedades privadas em que são criadas Unidades de Conservação, a função social é ainda mais proeminente, podendo justificar, inclusive, eventual desapropriação a depender do tipo de UC a ser delimitado. Os espaços ambientais protegidos não têm apenas o objetivo de evitar o esgotamento de recursos naturais e proteger a biodiversidade, mas também o intuito de resguardar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (Coelho; Rezende, 2016COELHO, Hebert Alves. REZENDE, Elcio Nacur. A efetiva implantação das Unidades de Conservação ambiental por meio da desapropriação. Revista da Faculdade de Direito da UFG, Goiânia, v. 40, n. 1, p. 146-65, jan./jun, 2016.). A criação desses espaços também interfere na promoção de educação ambiental, uma vez que permite o diálogo acerca da manutenção do ecossistema e da preservação da diversidade biológica (Bilar; Pimentel, 2020BILAR, Alexandre Bezerra Correia; PIMENTEL, Rejane Magalhães de Mendonça. Participação da comunidade na gestão e em ações de proteção da biodiversidade vegetal em áreas protegidas. Desenvolvimento e Meio Ambiente, Curitiba, v. 53, p. 151-66, jan./jul. 2020.).

No Brasil, desde 1934. o Código Florestal já apresentava a previsão da criação de alguns espaços protegidos, como florestas protetoras, remanescentes, modelos ou de rendimento. mas apenas em 1965. com o novo Código Florestal, que se iniciou a sistematização das áreas ambientalmente relevantes, prevendo-se a criação de Unidades de Conservação de uso indireto (Parques Nacionais e Reservas Biológicas) e de uso direto (Florestas Nacionais. Reservas Florestais e Parques de Caça Florestal). No entanto, ainda em 1937, foi criado o primeiro Parque Nacional Brasileiro, o Parque Nacional de Itatiaia, seguido do Parque Serra dos Órgãos, em 1939 (Franco, 2010FRANCO, Loren Dutra. Parque Nacional Lagoa do Peixe: criação e uso público dos parques nacionais e a lei n. 9.985/2000 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Prismas: Direito, Políticas Públicas e Mundialização, Brasília-DF, v. 7, n, 2, p, 265-89, jul./dez, 2010.).

Em 1979, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) propôs a primeira etapa do Plano do Sistema de Unidades de Conservação para o Brasil, objetivando a identificação de áreas com potencial interesse para a proteção. Já a segunda etapa ocorreu em 1982, aprofundando a sistematização da proteção ambiental (Oliveira, 2010OLIVEIRA, Ludmila Junqueira Duarte. Regularização fundiária de Unidades de Conservação. Boletim Científico ESMPU, Brasília-DF, a. 9, n. 32/33, p. 143-76, jan./dez, 2010.).

Advindos do mandamento constitucional que determina ao poder público a obrigação de definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 5 de out. 1988., art, 225, § 1º, III), há diversas espécies de espaços ambientalmente relevantes constituídos juridicamente. Os três tipos mais importantes são as áreas de preservação permanente (APP), as áreas de reserva legal (RL) e as Unidades de Conservação (UC).

As áreas de preservação permanente e as áreas de reserva legal estão previstas na Lei Federal n. 12.651/2012 (Código Florestal), enquanto as Unidades de Conservação estão descritas na Lei Federal n. 9.985/2000 (Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação).

A partir dos pressupostos formais-jurídicos e dos elementos sociobiológicos, compreendese adequadamente a definição normativa de Unidade de Conservação, que é a determinação do Poder Público de conservar e proteger um espaço territorial limitado que tenha características naturais relevantes (Brasil, 2000BRASIL. Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art, 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília-DF, 19 jul. 2000., art, 2º, I).

O ato normativo de criação de uma Unidade de Conservação deve indicar, além da denominação, da forma de manejo, dos objetivos e limites da área, as informações a respeito de populações tradicionais e as atividades econômicas, de segurança e de defesa nacional envolvidas (Brasil, 2000BRASIL. Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art, 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília-DF, 19 jul. 2000., art, 22).

3.1 A conservação como princípio constitucional e a criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC)

Com o advento da Constituição Federal de 1988, foi prevista a função ambiental do Poder Público de criar áreas especialmente protegidas - o princípio da conservação da natureza -, contemplando, além das Unidades de Conservação, as Áreas de Preservação Permanente e as Reservas Legais (art, 225 da CF). A Lei n. 9.985/2000 regulamentou a Constituição Federal e instituiu o SNUC, inovando ao estabelecer critérios para a criação, implantação e gestão das Unidades de Conservação (Coelho; Rezende, 2016COELHO, Hebert Alves. REZENDE, Elcio Nacur. A efetiva implantação das Unidades de Conservação ambiental por meio da desapropriação. Revista da Faculdade de Direito da UFG, Goiânia, v. 40, n. 1, p. 146-65, jan./jun, 2016.).

Apesar de o legislador não obrigar as unidades da Federação a seguirem os seus preceitos, diversos Estados elaboraram leis estaduais tendo a referida lei como base. Nesse sentido, foi elaborada a Lei n. 14.247, de 2012, do Estado de Goiás, que estabelece o Sistema de Unidades de Conservação no Estado de Goiás, exemplo de uma variedade de leis locais, que, em respeito ao princípio constitucional da conservação da natureza, estabelece mecanismos jurídicos direcionados à proteção da biodiversidade, seguindo, quase que integralmente, o previsto na norma federal.

O SNUC separa as unidades em dois grandes grupos: proteção integral e uso sustentável. O primeiro grupo permite apenas o uso indireto de recursos naturais, fundado nas premissas preservacionistas, enquanto o segundo permite o uso sustentável dos recursos naturais, mantendo ecossistemas, sendo que, em ambos os casos, há de se ter um plano de manejo, instituindo os caminhos para gestão da unidade (Almeida, 2017ALMEIDA, Lorili Chaves de. As Unidades de Conservação Ambiental: uma leitura transdisciplinar. InSitu, São Paulo, v. 3, n, 2, p. 117-34, jul./dez, 2017.).

As unidades de proteção integral exigem a criação de um conselho consultivo. E, no caso de estações ecológicas e reservas biológicas, dependem de domínio público da área e não exigem consulta pública para a sua implementação, enquanto os monumentos naturais e refúgios da vida silvestre podem ser realizados com o domínio público ou privado, dependendo de consulta pública prévia (Brasil, 2000BRASIL. Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art, 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília-DF, 19 jul. 2000.).

As Unidades de Conservação de uso sustentável também exigem a criação de um conselho consultivo, subdividindo-se em: a) área de proteção ambiental, com o objetivo de proteção da biodiversidade e de disciplinar a ocupação e o uso sustentável dos recursos; b) área de relevante interesse ecológico, com o objetivo de manutenção e regulação de uso de ecossistemas; c) área de floresta nacional, com o objetivo de uso sustentável dos recursos florestais e pesquisa; d) reserva extrativista. com o objetivo de uso sustentável dos recursos e preservação da cultura; e) reserva de fauna, com o objetivo de realizar estudos técnicos-científicos; f) reserva de desenvolvimento sustentável, com o objetivo de proteger a natureza e preservar a cultura; g) reserva particular do patrimônio natural. A floresta nacional e a reserva nacional só podem ocorrer com o domínio público, enquanto as demais UCs de uso sustentável podem ser públicas ou privadas. Todas dependem de consulta pública para a implementação (Brasil, 2000BRASIL. Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art, 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília-DF, 19 jul. 2000.).

No Brasil, existem 2.146 Unidades de Conservação, em uma área total igual a 1.623.029 km2, sendo que o maior número foi criado pelos Estados (Tabela 1).

Tabela 1
Número e área do território brasileiro abrangido por Unidade de Conservação federais, estaduais e municipais

Quanto aos biomas preservados, é possível visualizar que a Mata Atlântica, seguida do Cerrado e da Amazônia, ocupa lugar de destaque quanto ao número de UCs. em especial no que tange aos parques e às RPPNs (Tabela 2).

Tabela 2
Unidades de Conservação distribuídas por biomas e categorias de manejo

Proporcionalmente, o Brasil tem mais áreas protegidas do que vários países, como a França e Itália, mas essas áreas apresentam baixa efetividade, o que dificulta a proteção da biodiversidade (Ambrósio, 2014AMBRÓSIO, Rafaela Vidal. Situação fundiária dos parques estaduais de Minas Gerais, 2014. Dissertação (Mestrado em Engenharia Florestal) - Universidade Federal de Lavras [UFLA]. Lavras, p. 156, 2014.). Em outros termos, não basta existirem UCs. também é necessário que tais áreas sejam fiscalizadas e que os corredores ecológicos e zonas de amortecimento sejam respeitados, conforme prevê a legislação. Afinal, além de se tratarem de áreas indispensáveis para a manutenção da diversidade biológica, servem também como sistema de proteção em casos de desastres, proporcionando segurança hídrica, ecológica e até mesmo urbana (Silva; Barbosa, 2019SILVA, José Irivaldo Alves Oliveira; BARBOSA, Elisandra Sarana Lucena. Gestão de territórios preservados: muito além da preservação da natureza. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 16, n. 35, p, 297-337, maio/ago, 2019.).

3.2 Objetivos e procedimentos para implementação de UCs

A partir dos objetivos da Lei 9.985/2000. previstos em seu artigo 4º, que vai desde a manutenção da diversidade biológica até recuperar ou restaurar os ecossistemas degradados, pode-se notar a complexidade envolvida na gestão das UCs. Mais do que observar o texto legal. inúmeras são as variáveis a serem consideradas em sua implementação, a exemplo da extensão da área objeto da conservação, uma vez que deve haver zona de amortecimento e. quando conveniente, corredores ecológicos (Brasil, 2000BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Cadastro Nacional das Unidades de Conservação. Portal Gov.br, Brasília-DF, 2018. Disponível em: . Acesso em: 2 mar, 2019.. art. 95). Mesmo porque, a mera criação de UCs não implica a proteção do ecossistema, pois é preciso estabelecer condições que viabilizem a sustentabilidade da área (Arruda; Fedei, 2020ARRUDA, Gerardo Clésio Maia; FEDEL, Ivone Rosana. Unidades de Conservação ambiental no Estado do Ceará: implantação e sustentabilidade. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 17, n. 37, p, 213-39, jan.-abr. 2020.). Essa regra só não incide na área de proteção ambiental (APA) e na reserva particular do patrimônio natural (RPPN). que são Unidades de Conservação de uso sustentável, mais flexíveis para a fruição.

Em razão da dificuldade de alinhamento entre os objetivos que justificam a criação de uma UC, é importante que haja plano de manejo consistente. Isso implica não apenas regulamentar as atividades realizadas no espaço protegido, mas considerar outros aspectos determinantes para conferir efetividade à UC. Para que o espaço protegido não se converta em mera formalidade, é preciso que a área tenha extensão adequada ao abrigo do processo ecológico orientador de sua criação. Além disso, é necessário planejamento para que as UCs não estejam isoladas a ponto de não conseguirem contrabalancear processos de extinção nem que sofram pressão antrópica excessiva que promova ingresso de espécies invasoras (Ambrósio, 2014AMBRÓSIO, Rafaela Vidal. Situação fundiária dos parques estaduais de Minas Gerais, 2014. Dissertação (Mestrado em Engenharia Florestal) - Universidade Federal de Lavras [UFLA]. Lavras, p. 156, 2014.).

Para evitar esses problemas, a legislação prevê a existência de zonas de amortecimento, que são o entorno de uma Unidade de Conservação, em que as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade (Brasil, 2000BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Cadastro Nacional das Unidades de Conservação. Portal Gov.br, Brasília-DF, 2018. Disponível em: . Acesso em: 2 mar, 2019.. art, 29). Em tese. a lógica determina que essas restrições serão menos incisivas do que as limitações administrativas para fruição de áreas particulares dentro de uma Unidade de Conservação. Entretanto, é o plano de manejo que apresentará essas condicionantes. feitas a partir dos estudos que motivaram a criação da Unidade de Conservação.

As normas específicas regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos de uma Unidade de Conservação serão estabelecidas pelo órgão responsável pela administração da unidade. Cabe ressaltar que os limites da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos, assim como a incidência casual das normas específicas, poderão ser definidos no ato de criação da unidade ou. como é mais comum. posteriormente, geralmente com a elaboração do plano de manejo (Brasil, 2000BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Cadastro Nacional das Unidades de Conservação. Portal Gov.br, Brasília-DF, 2018. Disponível em: . Acesso em: 2 mar, 2019.. arts, 25 a 27).

Toda Unidade de Conservação deve dispor de um Plano de Manejo, que é um documento técnico mediante o qual. com fundamento nos objetivos gerais de uma Unidade de Conservação. estabelece-se o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade. A finalidade do plano de manejo é a promoção da integração da Unidade de Conservação à vida econômica e social das comunidades vizinhas (Brasil, 2000BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Cadastro Nacional das Unidades de Conservação. Portal Gov.br, Brasília-DF, 2018. Disponível em: . Acesso em: 2 mar, 2019.. arts, 2°- e 27).

O plano de manejo dispõe, por exemplo, sobre eventual possibilidade de cultivar organismos geneticamente modificados nas áreas de proteção ambiental e nas zonas de amortecimento das demais categorias de Unidade de Conservação, tanto de proteção integral quanto de uso sustentável, visando, sobretudo, à conservação da biodiversidade. Deve-se. também, observar as informações escritas na decisão técnica elaborada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). especialmente sobre o registro de ocorrência de ancestrais diretos e parentes silvestres; as características de reprodução, dispersão e sobrevivência do organismo geneticamente modificado; o isolamento reprodutivo do organismo geneticamente modificado em relação aos seus ancestrais diretos e parentes silvestres; e situações de risco do organismo geneticamente modificado à biodiversidade (Brasil, 2000BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Cadastro Nacional das Unidades de Conservação. Portal Gov.br, Brasília-DF, 2018. Disponível em: . Acesso em: 2 mar, 2019.. art, 27. §49). O sucesso de uma UC depende, em grande parte, de concepção eficiente do plano de manejo (Rocha, 2018ROCHA, Rogério Fernandes. A conservação da biodiversidade em Unidades de Conservação de proteção integral no Estado de Goiás: territorialidade, sistema regional de gestão e regularização fundiária, 2018. Dissertação (Mestrado em Direito Agrário)- Faculdade de Direito, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, 2018.).

Na elaboração, atualização e implementação dos planos de manejo de UC. é necessário garantir a participação da população residente, uma vez que o documento estabelece os objetivos limites e a forma de gestão da área protegida. O plano de manejo vincula as atividades ou modalidades de utilização dos recursos dentro da área da Unidade de Conservação, proibindo o desempenho daquelas que não se coadunarem com os seus objetivos (Brasil, 2000BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Cadastro Nacional das Unidades de Conservação. Portal Gov.br, Brasília-DF, 2018. Disponível em: . Acesso em: 2 mar, 2019.. arts, 27 e 28; Brasil, 2002BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Cadastro Nacional das Unidades de Conservação. Portal Gov.br, Brasília-DF, 2018. Disponível em: . Acesso em: 2 mar, 2019.. arts. 12 a 20).

Para se administrar a Unidade de Conservação, é possível firmar convênio com organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP) que tenham objetivos afins aos da unidade (Brasil, 2000BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Cadastro Nacional das Unidades de Conservação. Portal Gov.br, Brasília-DF, 2018. Disponível em: . Acesso em: 2 mar, 2019.. art. 30). A intenção do legislador, nesse caso. foi permitir a integração entre a sociedade e o Estado, os dois maiores interessados no desenvolvimento sustentável de determinada região. Nessa perspectiva, o terceiro setor aparece como uma alternativa para a promoção mais eficiente da proteção à biodiversidade, contudo, é necessário que se tenha como pressuposto a não lucratividade típica das atividades particulares, haja vista que não é essa a principal função de uma UC.

Entretanto, a questão econômica também não deve ser deixada de lado. especialmente porque os recursos financeiros são importantes aliados para a preservação da natureza. Assim sendo, os órgãos executores também se articularão com a comunidade científica, tendo a finalidade de desenvolver pesquisas sobre a fauna, a flora e a ecologia das áreas das Unidades de Conservação, bem como sobre formas de uso sustentável dos recursos naturais especificamente nas unidades de uso sustentável (Brasil, 2000BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Cadastro Nacional das Unidades de Conservação. Portal Gov.br, Brasília-DF, 2018. Disponível em: . Acesso em: 2 mar, 2019.. art. 32).

Obviamente, há questões éticas a serem respeitadas. Essas pesquisas não podem colocar em risco a sobrevivência das espécies integrantes dos ecossistemas protegidos e. portanto. dependem de aprovação prévia, estando sujeitas à fiscalização do órgão responsável por sua administração (Brasil, 2000BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Cadastro Nacional das Unidades de Conservação. Portal Gov.br, Brasília-DF, 2018. Disponível em: . Acesso em: 2 mar, 2019., art. 32, §§ 1º e 2º).

Quanto à perspectiva econômica, os órgãos executores também poderão autorizar a exploração comercial de produtos, subprodutos ou serviços obtidos e desenvolvidos a partir dos recursos naturais, biológicos, cênicos, culturais ou da exploração da imagem de Unidade de Conservação - exceto da área de proteção ambiental e da reserva particular do patrimônio natural. Nesse caso, o explorador estará sujeito a pagamento da exploração (Brasil, 2000BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Cadastro Nacional das Unidades de Conservação. Portal Gov.br, Brasília-DF, 2018. Disponível em: . Acesso em: 2 mar, 2019., art. 33).

Com todas essas potencialidades, as UCs não podem ser pensadas fora da realidade social em que se inserem, isso porque as populações humanas que residem no local ou fazem uso de seus recursos são diretamente afetadas com suas criações. Ademais, os interesses conservacionistas constantemente entram em choque com os interesses econômicos relacionados à propriedade da terra, de forma que a questão fundiária é elemento primordial para ser regularizado com o fim de evitar conflitos (Ambrósio, 2014AMBRÓSIO, Rafaela Vidal. Situação fundiária dos parques estaduais de Minas Gerais, 2014. Dissertação (Mestrado em Engenharia Florestal) - Universidade Federal de Lavras [UFLA]. Lavras, p. 156, 2014.).

Entretanto, a criação de UCs sem regularização fundiária vem sendo uma constante no Brasil (Leuzinger, 2009LEUZINGER, Márcia Dieguez. Natureza e cultura: Unidades de Conservação de proteção integral e populações tradicionais residentes. Curitiba: Letra da Lei, 2009.), sendo que a falta de planejamento estatal para mapear a área, calcular possíveis indenizações e destinar corretamente o seu uso faz surgir situações conflituosas e de difíceis resoluções, constituindo o principal entrave para as suas consolidações hoje em dia (Silva et al., 2017SILVA, Matheus Miranda da; SANTOS, Isadora Ferreira dos; SILVA, Fernanda Rafaela Canuto; TEIXEIRA, Camila Palliares. Unidades de Conservação e comunidades locais: gestão de conflitos e instrumentos de participação. Revista Estudo & Debate, Lajeado, v, 24, n. 3, p, 208-18, 2017.). Tal problemática é comum tanto em âmbito federal quanto em âmbito estadual e municipal, a exemplo do que ocorre no Estado de Goiás, em que as regularizações fundiárias em UCs estão retardadas por uma enorme burocracia e insuficiência de recursos financeiros para as justas indenizações.

4 ANÁLISE DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO ESTADUAIS EM GOIÁS

As Unidades de Conservação são criadas por ato do poder público, não havendo necessidade de que se estabeleça a proteção do espaço por normativa de natureza específica. Em Goiás, por exemplo, a Floresta Nacional de Silvania foi criada pela Portaria n, 247, de 18 de julho de 2001, por meio da conversão da área anteriormente categorizada como horto florestal do município (Brasil, 2001BRASIL. Portaria n, 247, de 18 de julho de 2001. O Horto Florestal de Silvânia, criado pela Lei n. 612, de 13 de janeiro de 1949, terá a destinação de Floresta Nacional, passando a denominar-se Floresta Nacional de Silvânia, localizada no Município de Silvânia, Estado de Goiás. Diário Oficial da União, 19 jul. 2001.). Sua extinção ou redução, todavia, só pode ocorrer por meio de Lei Ordinária que trate do assunto, nos termos do art, 225, III, da Constituição. Obviamente, por ser um ato administrativo, há a necessidade de se respeitar os elementos para a legalidade do ato, especialmente o motivo, a finalidade e a forma.

Para ser capaz de atender aos objetivos que orientam sua criação e seguir as diretrizes traçadas pelo legislador, a implantação de uma Unidade de Conservação passa por análise que considera a relevância natural, o caráter oficial, a delimitação territorial, o objetivo conservacionista e o regime especial de proteção e administração (Milaré, 2018MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 11. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.).

A criação de uma Unidade de Conservação, portanto, deve ser obrigatoriamente precedida de estudos técnicos e, também, de consulta pública. A realização desses estudos técnicos e da consulta pública são os espaços de debate acerca da localização, da dimensão e dos limites mais adequados para a unidade. Ao longo das discussões, o legislador determina a obrigação de fornecimento de informações adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas. Apenas quando da criação de uma Estação Ecológica ou Reserva Biológica não há obrigatoriedade de consulta pública (Brasil, 2000BRASIL. Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art, 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília-DF, 19 jul. 2000., arts, 22 a 26; Brasil, 2002BRASIL. Decreto n. 4.340, de 22 de agosto de 2002. Regulamenta artigos da Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza- SNUC, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 23 ago, 2002., arts, 2° ao 5º).

Ao lado da possibilidade de criar uma Unidade de Conservação, tem-se também as eventualidades de transformação de uma Unidade de Conservação de uso sustentável em Unidade de Conservação de proteção integral, bem como a ampliação dos limites de uma Unidade de Conservação, sem alteração de seus limites originais. Essas hipóteses visam aumentar a proteção ambiental e, para tanto, podem ser feitas por instrumento normativo do mesmo nível hierárquico do que criou a unidade, desde que obedecidos os procedimentos de consulta, consoante artigo 22, §§ 5º e 6º, da Lei federal n. 9.985/2000. A conversão de área UC de proteção integral exclui, quase completamente, a possibilidade de ocupação humana dos espaços protegidos (Brasil, 2000BRASIL. Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art, 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília-DF, 19 jul. 2000.). A necessidade de realizar a oitiva das pessoas que vivem nessas regiões advém do fato de a elas serem impostas as restrições advindas da proteção legal conferida a estas áreas.

A despeito disso, boa parte dos procedimentos de criação de UC ocorre sem que as áreas tenham sua situação fundiária definida. Em razão da falta de interesse dos gestores públicos e das dificuldades relacionadas à disponibilidade de dados em cartório ou de recursos financeiros, por vezes, apenas a declaração de utilidade pública materializa o ato de criação da área protegida. Essa situação de irregularidade acaba por agravar conflitos em áreas rurais e urbanas, além de ampliar os obstáculos à gestão adequada dos espaços protegidos (Ambrósio, 2014AMBRÓSIO, Rafaela Vidal. Situação fundiária dos parques estaduais de Minas Gerais, 2014. Dissertação (Mestrado em Engenharia Florestal) - Universidade Federal de Lavras [UFLA]. Lavras, p. 156, 2014.).

O Estado de Goiás está longe de ser modelo em termos de Unidades de Conservação, seja pelo pequeno número existente, representando menos de 5% do total existente no país, sendo o 9º estado da Federação em área protegida (ISA, 2024INSTITUTO SOCIOAMBENTAL [ISA]. Painel das Unidades de Conservação Brasileiras [PUCB]. Dados das Unidades de Conservação cadastradas no Estado de Goiás, 2024. Disponível em: https://uc.socioambiental.org/pt-br#pesquisa. Acesso em: 1º jun. 2024.
https://uc.socioambiental.org/pt-br#pesq...
), seja pela dificuldade para regularização das UCs existentes e para a realização de uma boa gestão (Rocha, 2018ROCHA, Rogério Fernandes. A conservação da biodiversidade em Unidades de Conservação de proteção integral no Estado de Goiás: territorialidade, sistema regional de gestão e regularização fundiária, 2018. Dissertação (Mestrado em Direito Agrário)- Faculdade de Direito, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, 2018.).

Segundo o Painel de Unidades de Conservação Brasileiras (ISA, 2024INSTITUTO SOCIOAMBENTAL [ISA]. Painel das Unidades de Conservação Brasileiras [PUCB]. Dados das Unidades de Conservação cadastradas no Estado de Goiás, 2024. Disponível em: https://uc.socioambiental.org/pt-br#pesquisa. Acesso em: 1º jun. 2024.
https://uc.socioambiental.org/pt-br#pesq...
), as Unidades de Conservação em Goiás estão, em grande parte, no bioma Cerrado, sendo que somente o Parque Estadual da Mata Atlântica está localizado no bioma Mata Atlântica.

Em Goiás, existem 14 Unidades de Conservação de proteção integral (13 parques e 1 estação ecológica), contudo apenas a metade está com o processo de regularização fundiária concluído (Tabela 3).

Tabela 3
Unidades de Conservação de Proteção Integral de Goiás - 2021

Para além das de proteção integral, há também 11 Unidades de Conservação de Uso Sustentável (9 áreas de proteção ambiental, 1 floresta estadual e 1 área de relevante interesse ecológico), sendo que 52.87% da área da Floresta Estadual ainda se encontra em processo de regularização fundiária (Tabela 4).

Tabela 4
Unidades de Conservação de Uso Sustentável de Goiás - 2021

Destaca-se que as Áreas de Proteção Ambiental, por sua natureza, que permite atividades e ocupação humana compatível com proteção ambiental, possuem um processo de consolidação da área mais breve, o que explica a ausência dos dados de regularização fundiária na Tabela 4.

A criação de UCs em áreas privadas, caso não seja precedida das medidas suficientes à adequação entre a titularidade do imóvel e a tipologia da Unidade de Conservação, pode causar ou agravar conflitos agrários. A origem desses conflitos pode advir da dificuldade em se garantir a segurança jurídica dos ocupantes dos imóveis que sofrem limitações parciais ou totais no direito de propriedade sem que haja indenização prévia e justa. A regularização fundiária permite mitigar ou solucionar os problemas decorrentes da implantação da Unidade de Conservação, sobretudo quando estão envolvidos imóveis particulares (Ambrósio, 2014AMBRÓSIO, Rafaela Vidal. Situação fundiária dos parques estaduais de Minas Gerais, 2014. Dissertação (Mestrado em Engenharia Florestal) - Universidade Federal de Lavras [UFLA]. Lavras, p. 156, 2014.).

Silva et al. (2017)SILVA, Matheus Miranda da; SANTOS, Isadora Ferreira dos; SILVA, Fernanda Rafaela Canuto; TEIXEIRA, Camila Palliares. Unidades de Conservação e comunidades locais: gestão de conflitos e instrumentos de participação. Revista Estudo & Debate, Lajeado, v, 24, n. 3, p, 208-18, 2017. discutem os conflitos de uso de áreas convertidas em UCs por populações tradicionais. A despeito da importância ecológica da criação desses espaços, as restrições impostas pela conversão de imóveis particulares em terras públicas sujeitam populações tradicionais a relocações e. por vezes, a intermináveis discussões judiciais a respeito de indenizações pela perda das terras.

Os conflitos em torno das Unidades de Conservação são de difícil resolução e, quase sempre, são judicializados. Em nível municipal, no caso da capital do Estado, dois casos são emblemáticos. Em 2018. o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás determinou que o município de Goiânia tomasse providências para elaboração e concretização do Parque Municipal Curitiba, criado em 2014. mas nem sequer possuía plano de manejo elaborado ou apresentava qualquer indicativo de providência para cumprimento do estabelecido no decreto que previu a criação do parque (Goiás, 2018GOIÁS. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Apelação/Reexame Necessário 0440176-83.2014.8.09.0051, Relator José Carlos de Oliveira, 2ª Câmara Cível. Diário de Justiça Eletrônica,17 de maio 2018.). Idêntica situação foi verificada em julgado de 2016. quanto à Reserva Ecológica municipal do Morro dos Macacos, que. em decorrência do descaso do poder público, foi “[...] ocupada de forma irregular, com depósito de entulhos e lixos, bem como abertura clandestina de via de circulação de pessoas e veículos” (Goiás, 2016GOIÁS. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Duplo grau de jurisdição 418229-70.2014.8.09.0051, Relator Des. Carlos Alberto Franca, 2ª Câmara Cível. Diário de Justiça Eletrônica 2063, 7 Jul, 2016.).

Pelo teor dos conflitos que chegaram ao conhecimento do Tribunal de Justiça de Goiás. é possível verificar ainda que o próprio poder público, por vezes, coloca óbices à regularização fundiária e gera problemas para a gestão de UCs. Em 2014. foi analisado caso em que. após a criação do Parque Estadual da Serra Dourada, o Estado de Goiás se recusava a arcar com o valor de indenização devido, sob argumento de que a criação do parque não interferiria na utilização do imóvel (Goiás, 2014GOIÁS. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Apelação cível 34790-31.2012.8.09.0109, Relator Sergio Mendonca de Araújo, 4ª Câmara Cível. Diário de Justiça Eletrônica 1555, 3 jun, 2014.). Por se tratar de unidade de proteção integral que. por sua natureza. depende de se serem as terras de propriedade pública, a não realização da desapropriação. como desejava o Estado de Goiás, serviria apenas para perpetuar a situação de insegurança dos ocupantes e gerar conflitos na região.

Em 2019. o Tribunal goiano analisou demanda que discutia a suspensão de licença ambiental concedida pelo município de Formosa. Goiás, para construção de loteamento na zona de amortecimento do Parque Municipal do Itiquira (Goiás, 2019GOIÁS. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Agravo de Instrumento (CPC) 5592946-90.2018.8.09.0000, Relatora Maria das Graças Carneiro Requi, 1ª Câmara Cível. Diário de Justiça Eletrônica, 5 set, 2019.). O próprio município, nesse caso. agiu para boicotar objetivos das UCs ao estimular a especulação imobiliária e a degradação de espaço protegido.

A ausência de regularização fundiária por parte do poder público acaba por intensificar os conflitos no campo e amplia os obstáculos para que se obtenham bons resultados quando da criação de áreas protegidas. A falta ou a deficiência na regularização fundiária está ligada a problemas que vão desde a ocupação ilegal do espaço da UC. extração de espécies e dificuldade para implementação de visitação, até conflitos sociais, especulação imobiliária e grilagem de terras (Ambrósio, 2014AMBRÓSIO, Rafaela Vidal. Situação fundiária dos parques estaduais de Minas Gerais, 2014. Dissertação (Mestrado em Engenharia Florestal) - Universidade Federal de Lavras [UFLA]. Lavras, p. 156, 2014.; Almeida, 2017ALMEIDA, Lorili Chaves de. As Unidades de Conservação Ambiental: uma leitura transdisciplinar. InSitu, São Paulo, v. 3, n, 2, p. 117-34, jul./dez, 2017.).

As dificuldades de regularização fundiária também devem ser associadas aos impasses financeiros enfrentados pelos entes da Federação. Em Goiás, por exemplo, desde 2016 o Estado de Goiás encontra dificuldades para a aquisição de imóveis rurais em territórios de Unidades de Conservação. Isso porque as normas de compensação ambiental estaduais9 9 As compensações não são as únicas fontes para pagamentos de indenização nos processos de regularização fundiária no Estado. Somam-se a elas as fontes destinadas do Tesouro Estadual e a conversão de multas (SEMAD, 2021b). , maior fonte de recursos para o pagamento da desapropriação, sofreram contestação no Poder Judiciário pelo setor produtivo e estão suspensas. Em Goiás, estima-se que cerca de 72% das UCs não recebem nenhum recurso financeiro do Fundo Estadual do Meio Ambiente Goiano, sendo que apenas 7% têm suas demandas financeiras para a gestão atendidas (Rocha, 2018ROCHA, Rogério Fernandes. A conservação da biodiversidade em Unidades de Conservação de proteção integral no Estado de Goiás: territorialidade, sistema regional de gestão e regularização fundiária, 2018. Dissertação (Mestrado em Direito Agrário)- Faculdade de Direito, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, 2018.). Dessa feita, não há recursos financeiros para os processos avançarem.

Ambrósio (2014)AMBRÓSIO, Rafaela Vidal. Situação fundiária dos parques estaduais de Minas Gerais, 2014. Dissertação (Mestrado em Engenharia Florestal) - Universidade Federal de Lavras [UFLA]. Lavras, p. 156, 2014. destaca que a criação e manutenção de UCs não parece integrar prioridade dos governos brasileiros. Há. ainda, casos de áreas protegidas não implantadas. UCs que não possuem plano de manejo (Soares et al., 2017SOARES, Fernanda Bonfim; SANTOS, Ricardo dos; BARBALHO, Maria Gonçalves da Silva; PEIXOTO, Josana de Castro. Unidades de Conservação no Estado de Goiás: análise do potencial para áreas de proteção integral na microrregião de Ceres. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE CIÊNCIA E MEIO AMBIENTE [SNCMA], 8., Anápolis, 2017. Anais [...]. Anápolis: UniEVANGÉLICA, 2017.). entre outros problemas que dificultam a avaliação e o planejamento para realização dos objetivos legalmente estabelecidos. Das 25 Unidades de Conservação do Estado, apenas 5 possuem plano de manejo e conselho gestor (Tabela 5).

Tabela 5
Existência de conselho gestor e plano de manejo em Unidades de Conservação de Goiás - 2021

Dos dados da Tabela 5, observa-se uma grande deficiência da administração pública em oferecer condições para a manutenção e organização das Unidades de Conservação. Apesar de existirem UCs que foram criadas na década de 1970, 1980 e 1990. os primeiros Conselhos Gestores só foram criados, formalmente, em 1999. Ademais, mesmo com considerável avanço na gestão da Secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Andréa Vulcanis (2019-2022). criando nove Conselhos Gestores, seis Unidades de Conservação, ainda não contam com essa estrutura básica de funcionamento.

A ausência do conselho gestor nas Unidades de Conservação reverbera no comprometimento da conservação e manutenção dos ambientes, haja vista a necessidade de um corpo técnico que reconheça os elementos naturais do território, além do envolvimento da sociedade no processo de administração da área (Foli; Faria, 2020FOLI, Ana Cristina Araújo; FARIA, Karla Maria Silva de. Oportunidades e Desafios da Criação de Unidades de Conservação: reflexões sobre as experiências no Estado de Goiás, Brasil. Revista Cerrados, Montes Claros, MG, v. 18, n, 2, p. 424-46, jul./dez, 2020.). O avanço recente com a criação de vários Conselhos para as UCs goianas demonstra um novo olhar para a conservação da natureza no Estado, mas ainda carece de melhoras, a exemplo da feitura dos planos de manejo.

A inexistência do plano de manejo em 20 Unidades de Conservação configura a ineficiência em se criar, via decreto, uma UC, sem dar condições para que ela cumpra a sua função socioambiental. É no plano de manejo que os possíveis usos da área se revelam e sem ele não é possível pensar em sustentabilidade da área destinada a conservação da natureza.

Ademais, outros fatores corroboram o cenário de desregulamentação: a necessidade de mais servidores para a administração e regularização das UCs10 10 Um exemplo é quantidade de servidores lotados na Gerência de Uso Público, Regularização Fundiária e Gestão Socioambiental de Unidades de Conservação, totalizando 7 servidores, contando com o Gerente, para proceder, além de outras atribuições, a gestão das 25 UCs (dados de fevereiro de 2022). Tal quadro decorre na defasagem do quadro de pessoal da Secretaria, que não tem certames públicos desde o ano de 2010. ; a insuficiência de recursos materiais. como veículos e materiais para a realização de aceiros. com vistas a reduzir a quantidade de incêndios e suas proporções; e a ausência de coleta de dados ambientais e georreferenciamento de suas áreas (Rocha, 2018ROCHA, Rogério Fernandes. A conservação da biodiversidade em Unidades de Conservação de proteção integral no Estado de Goiás: territorialidade, sistema regional de gestão e regularização fundiária, 2018. Dissertação (Mestrado em Direito Agrário)- Faculdade de Direito, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, 2018.).

A falta de planejamento e de coordenação das ações para criação e gestão das UCs goianas impede que esses espaços sirvam à conservação do Cerrado. Em Goiás, onde a expansão do agronegócio se coloca acima da manutenção da biodiversidade, as UCs representam instrumento importante para que resguardar indispensáveis à proteção do Cerrado e à garantia de características também importantes para a agricultura, mas. devido à falta de investimentos e planejamento público, não são utilizadas como deveriam.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O caráter dicotômico das Unidades de Conservação, em que. ao mesmo tempo, são importantes instrumentos de conservação da biodiversidade e uma forma de reserva de capital natural para o futuro, revela os conflitos que permeiam este instrumento político. Dentre as dificuldades, destacam-se os custos para a regularização fundiária das áreas, os conflitos com as populações tradicionais, as dificuldades para a fiscalização após implementação, ou ainda as dificuldades para se distanciar dos interesses privados opostos aos coletivos.

Ao analisar a realidade goiana, resta claro que a simples criação de Unidades de Conservação não implica em proteção da natureza ou da biodiversidade, sendo necessário efetivá-las. criando corredores ecológicos, que permitam as transições entre os diferentes tipos de Cerrado. importante fonte do patrimônio genético brasileiro. Quase a metade da área de domínio do Cerrado já foi convertida para a realização das atividades agropecuárias, restringindo a sua diversidade natural.

Os gestores brasileiros precisam observar que a legislação ambiental não é um acumulado de regras desprovidas de fundamento e orientadas a impedir o agronegócio. As métricas previstas na legislação ambiental possuem base científica. Igualmente se pode considerar em relação a forma de gestão e planejamento das UCs. O Estado de Goiás, nesse ponto, ao longo dos anos. atuou de modo temerário para com sua população, já que o avanço da fronteira agrícola sobre o Cerrado, a despeito das normas ambientais e agrárias, é corriqueiro. Ademais, no caso das UCs, o que se vê é uma efetivação da conservação da natureza no papel, mas que não encontra concretização, seja pela ausência de conselhos gestores, planos de manejo, investimentos públicos ou escassez de servidores, comprometendo a função ecológica das áreas.

Quanto à insuficiência financeira, ressalta-se que a tutela do meio ambiente não é só dever do Estado, mas também de toda a sociedade, logo caberá aos gestores goianos a busca por diversificação das fontes de financiamentos, assim como a elaboração de estratégias para que as Unidades de Conservação sejam implementadas com o apoio da comunidade.

Constitui papel do Estado e dever da sociedade proteger o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Parte da concretização desse dever depende do planejamento responsável da gestão das áreas protegidas. As UCs devem ser espaços capazes de se autossustentar. Mas não há biodiversidade que resista a pressão constante de nuvens de agrotóxicos e fertilizantes químicos em imóveis vizinhos nos casos em que não há zona de amortecimento, ou de incêndios, quando não há planejamento e gestão da área ou presença de corredores ecológicos.

  • 3
    São áreas especialmente protegidas com o objetivo de conservação da natureza, delimitadas pelo Estado ou por particulares, integrando um Sistema Nacional (Brasil, 2000BRASIL. Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art, 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília-DF, 19 jul. 2000.).
  • 4
    A maior parte dos dados estavam publicizados nos respectivos sítios eletrônicos, contudo há de se mencionar a importância do auxílio do gerente de fiscalização e emergências ambientais Rodrigo Pinheiro Bastos e da gerente de uso público, regularização fundiária e gestão socioambiental de unidades de conservação Adriana Cristina de Oliveira, que redundou nas informações organizadas no Sistema Eletrônico de Informações do Estado de Goiás (Processo SEI n, 202100020017721).
  • 5
    A categoria território deve ser compreendida atrelada às relações de poder, ou seja, aqueles que controlam a população, os recursos, dentre outros elementos, controlam o território e a sua delimitação (Raffestin, 1993RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Tradução de Maria Cecília França. São Paulo:Ática, 1993.). O território se manifesta em sentido multiescalar e multidimensional, sendo que o processo de destemtorialização e reterritorialização são etapas de um processo dinâmico, em que os territórios se sobrepõem, gerando conflitos de todas as ordens (Haesbaert, 2004HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização. Do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.).
  • 6
    Somente em 2021 foi promulgada a primeira lei brasileira sobre a Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais, Lei Federal n. 14.119, de 13 de janeiro de 2021.
  • 7
    A ideia conservacionista está presente nos documentos decorrentes da Conferência de Estocolmo (1972), na Conferência de Belgrado (1975), no Relatório Brundland (1987), ou em pesquisas sobre o desenvolvimento sustentável, como a de José Eli da Veiga (2010)VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2010..
  • 8
    Um espaço geográfico claramente definido, reconhecido, dedicado e administrado, através de meios legais ou outros meios eficazes, para alcançar a conservação de longo prazo da natureza, com os serviços ecossistêmicos associados, respeitando valores culturais (tradução livre).
  • 9
    As compensações não são as únicas fontes para pagamentos de indenização nos processos de regularização fundiária no Estado. Somam-se a elas as fontes destinadas do Tesouro Estadual e a conversão de multas (SEMAD, 2021bSECRETARIA DE ESTADO DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL [SEMAD]. Informação sobre Unidades de Conservação. Sistema Eletrônico de Informações, Estado de Goiás. Processo n, 20210002001772121, 21 dez, 2021b. Disponível em: . Acesso em: 22 dez, 2021.).
  • 10
    Um exemplo é quantidade de servidores lotados na Gerência de Uso Público, Regularização Fundiária e Gestão Socioambiental de Unidades de Conservação, totalizando 7 servidores, contando com o Gerente, para proceder, além de outras atribuições, a gestão das 25 UCs (dados de fevereiro de 2022). Tal quadro decorre na defasagem do quadro de pessoal da Secretaria, que não tem certames públicos desde o ano de 2010.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2022
  • Revisado
    01 Jun 2023
  • Aceito
    15 Jun 2023
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