Open-access Gabinete de Crise versus mídia: implicações para o diálogo com a comunidade

Crisis Committee versus media: implications for the dialogue with the local community

Gabinete de Crisis versus los medios: implicaciones para el diálogo con la comunidad

Resumos

Nas últimas décadas, o estudo dos desastres naturais ganhou destaque na pesquisa acadêmica, dando origem a uma variedade de métodos para a avaliação da Comunicação do poder público com a comunidade. Mileti (1999) desenvolve um modelo para a gestão da Comunicação durante as catástrofes e estabelece as tarefas básicas do Gabinete de Crise na relação com a mídia. A partir de tal paradigma, o presente trabalho analisa a Comunicação da Prefeitura de Blumenau (município localizado no Sul do Brasil) no desastre ambiental de novembro de 2008, no qual as inundações atingiram mais de 100 mil pessoas. Com base no testemunho dos profissionais do rádio, que transmitiram os acontecimentos ao vivo, se examinam as medidas que o governo adotou nos diferentes momentos da tragédia. Os resultados da investigação indicam os desafios para que o poder público se comunique de modo eficaz na iminência, ao longo e depois das catástrofes, eventos que afetam profundamente o diálogo com a comunidade.

Comunicação Desastre; Comunidade; Comunicação para o desenvolvimento; Desenvolvimento regional


In recent decades, the study of natural disasters has become more important in the academic research, leading to a variety of methods for the evaluation of the public communication with the local community. Mileti (1999) develops a model for the Communication management during the disasters and defines the basic assignments of the Crisis Committee for the relationship with the media groups. Based on this paradigm, the paper analyzes the Communication of the Blumenau City Hall (in Southern Brazil) through the environmental disaster of November 2008, when the floods affected more than 100,000 people. Based on the testimony of the radio professionals, which broadcasted the events live, the research examines the actions which the government adopted at the different moments of the tragedy. Research results indicate the challenges for the effective public Communication before, during and after the natural disasters, situations which disrupt the dialogue with the local community.

Communication; Natural disasters; Local community; Regional development


En las últimas décadas, el estudio de los desastres naturales ha ocupado más espacio en la investigación académica, dando lugar a una infinidad de métodos para la evaluación de la Comunicación del gobierno con la comunidad. Mileti (1999) desarrolla un modelo para la gestión de la Comunicación en situaciones de desastres y establece las funciones básicas del Gabinete de Crisis para la relación con los medios. Desde dicho paradigma, el presente trabajo analiza la Comunicación del Ayuntamiento de Blumenau (municipio situado en el Sur de Brasil) a lo largo del desastre ambiental de noviembre de 2008, en el que las inundaciones han cogido a más de 100 mil personas. A partir del el testimonio de los profesionales de la radio, que han transmitido los hechos en directo, se examinan las medidas que el gobierno ha adoptado en diferentes momentos de la tragedia. Los resultados de la investigación indican los retos para que la administración pública se comunique eficazmente antes, durante y después de los catástrofes, sucesos que impactan profundamente el diálogo con la comunidad.

Comunicación; Desastre natural; Comunicación para el desarrollo; Desarrollo regional


NOS CAMINHOS DO JORNALISMO

Gabinete de Crise versus mídia: implicações para o diálogo com a comunidade

Crisis Committee versus media: implications for the dialogue with the local community

Gabinete de Crisis versus los medios: implicaciones para el diálogo con la comunidad

Clóvis ReisI; Fabrícia Durieux ZuccoII; Everton DaroltIII

IProfessor doutor dos cursos de Mestrado e Doutorado, do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da FURB – Universidade Regional de Blumenau, Blumenau-SC, Brasil. E-mail: clovis@furb.br

IIProfessora doutora dos cursos de Mestrado e Doutorado, do Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hotelaria da UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí –SC, Brasil. E-mail: fabriciazucco@hotmail.com

IIIProfessor mestre do Departamento de Comunicação da UNIDAVI – Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí, Rio do Sul-SC, Brasil. E-mail: everton.darolt@unidavi.br

RESUMO

Nas últimas décadas, o estudo dos desastres naturais ganhou destaque na pesquisa acadêmica, dando origem a uma variedade de métodos para a avaliação da Comunicação do poder público com a comunidade. Mileti (1999) desenvolve um modelo para a gestão da Comunicação durante as catástrofes e estabelece as tarefas básicas do Gabinete de Crise na relação com a mídia. A partir de tal paradigma, o presente trabalho analisa a Comunicação da Prefeitura de Blumenau (município localizado no Sul do Brasil) no desastre ambiental de novembro de 2008, no qual as inundações atingiram mais de 100 mil pessoas. Com base no testemunho dos profissionais do rádio, que transmitiram os acontecimentos ao vivo, se examinam as medidas que o governo adotou nos diferentes momentos da tragédia. Os resultados da investigação indicam os desafios para que o poder público se comunique de modo eficaz na iminência, ao longo e depois das catástrofes, eventos que afetam profundamente o diálogo com a comunidade.

Palavras chave: Comunicação Desastre. Comunidade. Comunicação para o desenvolvimento. Desenvolvimento regional.

ABSTRACT

In recent decades, the study of natural disasters has become more important in the academic research, leading to a variety of methods for the evaluation of the public communication with the local community. Mileti (1999) develops a model for the Communication management during the disasters and defines the basic assignments of the Crisis Committee for the relationship with the media groups. Based on this paradigm, the paper analyzes the Communication of the Blumenau City Hall (in Southern Brazil) through the environmental disaster of November 2008, when the floods affected more than 100,000 people. Based on the testimony of the radio professionals, which broadcasted the events live, the research examines the actions which the government adopted at the different moments of the tragedy. Research results indicate the challenges for the effective public Communication before, during and after the natural disasters, situations which disrupt the dialogue with the local community.

Keywords: Communication. Natural disasters. Local community. Regional development.

RESUMEN

En las últimas décadas, el estudio de los desastres naturales ha ocupado más espacio en la investigación académica, dando lugar a una infinidad de métodos para la evaluación de la Comunicación del gobierno con la comunidad. Mileti (1999) desarrolla un modelo para la gestión de la Comunicación en situaciones de desastres y establece las funciones básicas del Gabinete de Crisis para la relación con los medios. Desde dicho paradigma, el presente trabajo analiza la Comunicación del Ayuntamiento de Blumenau (municipio situado en el Sur de Brasil) a lo largo del desastre ambiental de noviembre de 2008, en el que las inundaciones han cogido a más de 100 mil personas. A partir del el testimonio de los profesionales de la radio, que han transmitido los hechos en directo, se examinan las medidas que el gobierno ha adoptado en diferentes momentos de la tragedia. Los resultados de la investigación indican los retos para que la administración pública se comunique eficazmente antes, durante y después de los catástrofes, sucesos que impactan profundamente el diálogo con la comunidad.

Palabras clave: Comunicación. Desastre natural. Comunicación para el desarrollo. Desarrollo regional.

Introdução

Nas últimas décadas, o estudo dos desastres naturais ganhou uma posição de destaque na pesquisa acadêmica, adotando diferentes perspectivas de investigação e dando origem a uma série de métodos para a avaliação de múltiplos aspectos da tragédia (HUANG, LIU; MA, 2011). Um número expressivo de trabalhos dedica-se a temas como a vulnerabilidade de determinadas regiões a eventos climáticos, seus impactos na definição das políticas públicas e na dinâmica empresarial (BAKER; HUNT; RITTENBURG, 2007, ZHANG; LINDELL; PRATER, 2008, ZUCCO, F. D. et al., 2009), bem como a capacidade de recuperação de algumas comunidades depois da ocorrência das catástrofes (CUTTER et al., 2008, BAKER, 2009). Pesquisadores como Pérez-Lugo (2004), Guion, Scammon e Borders (2007), Spence, Lachlan e Griffin (2007), Barnes et al. (2008), entre outros, têm como foco da análise o papel-chave da área de Comunicação nas diferentes fases da calamidade.

De fato, desastres naturais como tsunamis, furacões, tornados, tempestades, enchentes e terremotos constituem episódios críticos, que afetam diretamente o diálogo e a interação do poder público com a população. A gestão da crise exige planejamento, mobilização e integração de amplas áreas da administração, de instituições privadas, do corpo de agentes voluntários, das comunidades afligidas e da mídia. Nesse contexto, os departamentos de Comunicação ganham protagonismo nas tarefas de envolver os diferentes atores, impulsionar as ações de socorro e apoio às vítimas, gerar confiança no governo e salvaguardar a imagem da gestão.

De acordo com Spence, Lachlan e Griffin (2007), a Comunicação em tempos de crise busca prevenir ou diminuir os resultados negativos de um episódio em concreto e cumpre, sobretudo, duas funções: uma informativa e outra persuasiva. Em primeiro lugar, as mensagens devem criar uma compreensão racional do risco e, depois, incentivar o público a adotar medidas que evitem uma possível ameaça ou atenuem as consequências de tais acontecimentos. Deste modo, os comunicados necessitam oferecer instruções claras sobre o estado atual da situação e orientar acerca das medidas que exigem providências imediatas.

A direção eficaz da Comunicação é um dos principais desafios do poder público durante o processo de calamidade. A escassez de dados essenciais entre os principais interessados constitui um problema associado às dificuldades de gestão da crise. Nesse sentido, a qualidade da informação incide sobre o alerta da iminência de um desastre, a planificação do trabalho de socorro e apoio às vitimas, a reabilitação e a reconstrução das áreas atingidas. Com efeito, para Moe e Pathranarakul (2006), o êxito da administração de uma catástrofe está diretamente associado às características do sistema de emissão, distribuição e recepção das mensagens.

O sucesso de um projeto de Comunicação depende verdadeiramente da Comunicação e cooperação entre as partes afetadas. A confiança resultante do diálogo entre o poder público e a comunidade é um elemento-chave, do mesmo modo que a interação entre os membros da equipe de coordenação. Em outras palavras, trata-se de um trabalho colaborativo, que envolve diferentes atores e que, por isso, exige o máximo planejamento.

Nesse contexto, os Meios de Comunicação prestam relevantes serviços para a sociedade, uma vez que configuram os canais privilegiados para que os gestores da crise se comuniquem com o público em ocasiões de perigo iminente. O alcance dos jornais, da televisão e do rádio permite que as mensagens cheguem com a frequência necessária até as pessoas que, de outro modo, se encontrariam totalmente inacessíveis durante uma situação de emergência.

Guion, Scammon e Borders (2007) julgam que o papel da mídia durante as etapas de preparação e resposta a uma catástrofe seja o de disseminar a informação sobre a proximidade do evento, preparar as ações de retirada das pessoas da zona assolada e fomentar os esforços de recuperação. Não obstante, advertem que não existe um acordo geral sobre o emprego e o controle dos meios tradicionais no processo de Comunicação durante os desastres. Embora se possa argumentar que tais suportes sejam os mais importantes veículos para a distribuição de informações sobre determinados riscos e perigos para as pessoas, utilizam-se extensivamente diferentes ferramentas de comunicação durante as diversas fases de uma tragédia.

Além disso, um expressivo contingente de dados circula pela mídia – especialmente nas transmissões ao vivo do rádio e da televisão – a partir de diferentes fontes e origens, sem que os gestores da crise exerçam qualquer controle sobre a pauta informativa. Tal realidade intervém tanto na quantidade quanto na qualidade da mensagem que chega ao público, moldando as percepções, as convicções, as atitudes e influenciando no comportamento da população.

Por esse motivo, Guion, Scammon e Borders (2007) apontam sérias dificuldades para que o poder público logre comunicar-se eficazmente com as pessoas ante a proximidade de um desastre. O principal desafio é a elaboração de mensagens concisas e consistentes, para que produzam reações imediatas ante a compreensão da gravidade dos riscos e das medidas necessárias para fazer frente a tais situações. Assim, torna-se imprescindível que o departamento de comunicação divulgue informações com frequência e coordene as diferentes fontes no âmbito do governo. O modo como a mídia se envolve nessas ações influencia de maneira determinante a percepção do risco e o tempo de resposta ao plano de contingência.

Fundamentalmente, a perspectiva aqui assumida coincide com o postulado de Baker (2009), no sentido de que as tragédias são eventos socialmente construídos e a vulnerabilidade ao risco se configura como um processo dinâmico que depende de uma série de fatores contextuais.

O problema é que, segundo Pérez-Lugo (2004), a abordagem da mídia atualmente assume mais a perspectiva dos gestores da crise do que as implicações dos eventos para as vítimas dos desastres naturais. Ao mesmo tempo em que o rádio, a televisão e os jornais são ferramentas importantes para prestar informações e auxiliar na resposta às situações de emergência, convém lembrar que também influenciam no moral dos afetados. Os Meios de Comunicação conectam com o mundo exterior os indivíduos que se encontram isolados, proporcionando apoio emocional às famílias, facilitando a coesão social e ajudando a reduzir os efeitos negativos das adversidades na fase de recuperação das perdas.

Deste modo, Barnes et al. (2008) consideram de fundamental importância o conhecimento sobre os critérios que os veículos empregam para publicação de notícias sobre as catástrofes, o enquadramento dos temas, como a cobertura impacta a opinião pública nas diferentes etapas de um desastre e como a agenda informativa contribui para a definição das políticas públicas em tais âmbitos.

Autor de referência na área, Mileti (1999) desenvolve um modelo teórico para a gestão de catástrofes no qual identifica quatro fases das situações de emergência. São elas: mitigação (planejamento), preparação (prevenção), resposta (socorro) e recuperação (reconstrução). Para cada etapa, estabelece as tarefas básicas do Gabinete de Crise na relação com a mídia. Trata-se de uma referência bibliográfica largamente empregada pelos estudiosos que desenvolvem trabalhos na área, como é o caso das publicações de Guion, Scammon e Borders (2007), Zhang, Lindell e Prater (2008), Cutter et al., 2008, entre outros.

Material e métodos

A partir do modelo teórico de Miletti (1999), o presente trabalho analisa a Comunicação da Prefeitura Municipal de Blumenau no desastre de novembro de 2008.

Desde a perspectiva da metodologia científica, classifica-se este trabalho como uma pesquisa teórica (quanto à natureza), descritiva (quanto à tipologia) e qualitativa (quanto ao tratamento dos dados primários). Na sua implementação, a presente pesquisa incluiu a adoção dos seguintes procedimentos técnicos: revisão bibliográfica e realização de entrevistas (a partir de um questionário semiestruturado). A população ou universo do presente trabalho são os profissionais que atuaram na cobertura informativa do rádio ao longo do desastre socioambiental de Blumenau em novembro de 2008, enquanto a mostra está composta pelo testemunho de oito repórteres e apresentadores de programas radiofônicos, escolhidos intencionalmente de modo não probabilístico. As entrevistas ocorreram ao longo do mês de maio de 2009.

Tais jornalistas são personagens fundamentais para a reconstituição dos fatos, porque seus testemunhos constituem a memória de eventos históricos ainda não registrados bibliograficamente. Os relatos estão na memória dos profissionais que efetivamente fazem o rádio e viveram com intensidade referida cobertura informativa.

Compreende-se o uso da memória dos entrevistados para esta investigação como a recordação que reconstrói o passado, baseada na experiência do indivíduo em determinado espaço e tempo histórico (KESSEL, 2011). A memória é uma fonte de informação que se integrou nas pesquisas da área de ciências humanas a partir da década de 1930, consolidando-se como procedimento metodológico com os chamados historiadores da oralidade (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2010).

Segundo Thompson (1991), a história oral é um procedimento que resgata a memória coletiva através das recordações individuais dos atores da história. Seu emprego permite recolher informações exclusivas e uma boa avaliação sobre o contexto histórico, especialmente porque facilita o contato direto com as pessoas que viveram determinados fatos.

Os resultados das entrevistas foram complementados com informações extraídas de reportagens publicadas em jornais do município. Na maioria dos casos, as matérias se baseavam na entrevista de membros do Gabinete de Crise da Prefeitura. O cruzamento amplia a compreensão do processo de emissão e gestão das mensagens.

Resultados e discussão

O município de Blumenau situa-se no Sul do Brasil, no Estado de Santa Catarina, em uma mesorregião chamada de Vale do Itajaí, em referência ao principal rio da bacia hidrográfica. Blumenau está a cerca de 50 quilômetros da costa e a 21 metros acima do nível do mar. Em seu território de 520 quilômetros quadrados, vive uma população de aproximadamente 300 mil habitantes.

Todo patrimônio cultural e econômico do município está vulnerável aos fenômenos naturais associados ao nível do Rio Itajaí-Açu. Com efeito, como assinalam Zucco, Magalhães e Moretti (2010), a história local está marcada por uma série de desastres naturais. Entretanto, a tragédia de maiores proporções da história, evento concreto do qual se recolheram os dados empíricos para o presente estudo, ocorreu em novembro de 2008, quando as inundações atingiram mais de 100 mil pessoas. Depois de três meses de chuvas consecutivas, Blumenau sofreu uma forte inundação entre os dias 22 e 23. Em 48 horas, precipitou-se uma quantidade de chuvas correspondente a 500 milímetros, quase a metade do que choveu durante todo o mês, e o nível do Rio Itajaí-Açu logo alcançou a marca de 11,5 metros acima do nível habitual (DIAS; MINUZZI, 2009).

Estradas inteiras desapareceram do mapa e as redes de energia elétrica, de telefonia e de abastecimento de água foram seriamente danificadas. O desastre comprometeu todas as atividades econômicas do município (agricultura, indústria, comércio e serviços). O transporte coletivo ficou suspenso, a rede de saúde pública sofreu com a destruição total ou parcial de muitas edificações e a rede de ensino público e privado ficou totalmente paralisada ao longo de vários dias.

Em episódios de tal extensão, os Meios de Comunicação exercem uma função social fundamental, prestando um serviço de interesse público na orientação da comunidade, que se descobre totalmente desamparada com a situação. Entretanto, a tragédia que devastou Blumenau como nunca antes na história contraditoriamente permitiu o acesso às informações de um modo mais amplo que nas enchentes das décadas de 1980, graças ao desenvolvimento dos meios tradicionais e ao surgimento de suportes eletrônicos, como demonstra o clipping de publicações da Secretaria de Comunicação (PREFEITURA MUNICIPAL DE BLUMENAU, 2008).

Efetivamente, o desastre de novembro de 2008 se converteu na primeira grande catástrofe natural do Brasil na era da internet (GLOBAL VOICES, 2009). Vários sites das redes sociais e blogs independentes publicaram informações permanentemente, funcionando como uma linha direta para o socorro às vítimas da tragédia. O emprego da Web facilitou o acesso aos dados e mobilizou os usuários de diferentes origens, que contribuíram de modo decisivo nas tarefas de auxílio aos flagelados. Além disso, as características da internet, somadas à extensiva participação dos leitores, com a publicação de textos e imagens, auspiciou uma espécie de construção coletiva do relato do desastre (REIS; ZABOENCO, 2010).

Outra particularidade da cobertura informativa do desastre foi a relação estabelecida entre a internet e as emissoras de rádio. De acordo com Reis e Darolt (2010), a ascensão da Web foi o fator que propiciou a diferença mais importante no trabalho do rádio em 2008, em comparação com as atividades desenvolvidas nas enchentes da década de 1980. O rádio forneceu dados para a rede e ali buscou subsídios. Desse modo, as informações permaneceram mais tempo disponíveis para a audiência e ampliaram o alcance geográfico através das publicações na internet.

A atuação ao longo da catástrofe, com transmissões ao vivo e sem interrupções, consolidou a confiança da população no trabalho informativo do rádio, a exemplo do que já ocorrera três décadas antes. O rádio foi o principal, senão o único, meio de informação para grande parcela das vítimas, que se situava em pontos inacessíveis e sem os serviços de energia elétrica e de telefonia. Além disso, com a elevação das águas, a maioria das emissoras de televisão e os jornais suspenderam as suas atividades, aumentando ainda mais a importância do rádio na tragédia.

Durante o desastre, a Secretaria de Comunicação do município montou um Gabinete de Crise denominado "Operação Esperança". O comitê planejou todas as ações para divulgar a informação oficial, adaptando as medidas previstas no plano de contingência, que até então não previa a conjugação de três fenômenos naturais simultâneos (enchentes, enxurradas e deslizamentos). Os trabalhos envolveram uma equipe de nove jornalistas e quatro profissionais de apoio, que se dedicaram a sistematizar os dados e a torná-los públicos através da internet. No edifício da Prefeitura, a Secretaria de Comunicação destinou espaço físico para que os veículos instalassem postos avançados de suas redações.

O Gabinete de Crise centralizava toda a atenção à mídia, indicando fontes para as entrevistas, conforme as necessidades específicas. Às entrevistas coletivas compareciam diferentes setores do governo (Defesa Civil, Infraestrutura, Transportes, Educação, Saúde, Assistência Social etc.), além dos órgãos de segurança pública (Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Exército). A direção do comitê se reunia todas as tardes para o balanço dos trabalhos e a definição das atividades do dia seguinte.

De acordo com o Entrevistado A, a cobertura radiofônica do desastre de novembro de 2008 começou no dia 22, ao cair da tarde, de modo praticamente casual, quando estava num shopping center. A agitação de uma equipe de segurança privada chamou a atenção do repórter, que imediatamente telefonou para a emissora e abriu as transmissões ao vivo, relatando um desbarrancamento que ameaçava a integridade física do edifício e de milhares de consumidores que se encontravam no seu interior.

A transmissão desatou o alarme entre os ouvintes, que logo entraram em contato, informando episódios semelhantes e simultâneos em diferentes regiões do município e reclamando a presença da Defesa Civil para as tarefas de socorro e apoio às vítimas. A partir daí, as emissoras de rádio estreavam uma larga jornada de transmissões, com a participação de todo o quadro de profissionais disponíveis. A Secretaria de Comunicação da Prefeitura, por sua vez, reforçou a estrutura de trabalho, como exposto anteriormente.

O Entrevistado B recorda que dois apresentadores se revezavam no estúdio, intermediando o contato da audiência com a Defesa Civil, enquanto os repórteres nas ruas atualizavam os dados sobre o transbordamento do rio, as inundações por todas as partes, as enxurradas na periferia, as quedas de barreira, a suspensão dos serviços de abastecimento de água, de energia e de telefonia. O Entrevistado C assinala que mesmo as emissoras que habitualmente interrompiam as suas transmissões às 22h permaneceram no ar, com o que se manteve aberto aquele que seria o principal canal de Comunicação de grande parte da população ao longo da tragédia.

O clima de consternação pública despertou a solidariedade entre os cidadãos, organizando-se centenas de equipes de trabalhadores voluntários. O Entrevistado D não esquece que, enquanto repassava os dados ao vivo da rua, ficou com a viatura da unidade móvel atolada no meio da lama. Feito o registro no ar, toda a vizinhança acudiu em auxílio.

Entretanto, o avanço das águas também isolou muitas emissoras de rádio, cujos estúdios foram inundados, fazendo com que entrassem em cadeia com as estações que ainda estavam em funcionamento. A situação instou a criação da chamada "Rede da Solidariedade". O Entrevistado E assinala que até mesmo as emissoras de televisão recorriam ao serviço informativo das rádios, enquanto jornais do centro do país telefonavam a todo instante buscando dados atualizados sobre a catástrofe. O Entrevistado F lembra que fez vários boletins para a programação nacional de diferentes emissoras de rádio, veiculando relatos pessoais das vítimas do desastre e declarações das autoridades sobre as atividades de assistência.

O Entrevistado G ressalta que uma grande dificuldade nas transmissões, comparando-se com as coberturas das quais participou na década de 1980, foi a simultaneidade de vários eventos relacionados à tragédia: transbordamento do rio, inundações generalizadas, enxurradas na periferia e desmoronamentos nas partes mais elevadas do município. A novidade surpreendeu até mesmo os profissionais mais experientes, que não sabiam como transmitir a informação, analisar os acontecimentos e orientar a audiência de forma adequada diante da nova realidade.

Passado o sobressalto inicial, o Entrevistado H recorda que a Secretaria de Comunicação da Prefeitura instalou o Gabinete de Crise, a partir do qual se organizaram boletins detalhados com a informação oficial sobre a catástrofe. Os dados eram complementados com a participação dos ouvintes, oferecendo à audiência uma visão geral de tudo o que se passava no município, como o estado de cada bairro e os pontos que estavam sem circulação. Um expressivo número de pedidos de socorro foi realizado diretamente por intermédio do rádio, uma vez que o contato com as equipes do governo estava congestionado. Como a maioria das emissoras deslocou profissionais para a área reservada à imprensa no prédio da Prefeitura, os próprios repórteres encaminhavam as solicitações aos órgãos competentes.

Todos os entrevistados relataram que a cobertura informativa superou diferentes fases ao longo da crise. Em um primeiro momento, os registros concentraram-se nos pedidos de socorro e de resgate, além da construção de abrigos para a transferência das vítimas. Depois as notícias se voltaram para a convocação de voluntários para a assistência aos atingidos e para a importância de doações para as necessidades mais urgentes das famílias.

Na etapa seguinte, a informação convergiu para a normalização dos serviços públicos (água, energia elétrica, telefonia) e a regularização das atividades nos postos de saúde. O calendário letivo nas escolas públicas e privadas foi encerrado com três semanas de antecipação, porque em muitos estabelecimentos funcionavam os abrigos nos quais permaneciam as vítimas da catástrofe. A informação de que o prefeito contraíra leptospirose devido ao contato com a água contaminada serviu de alerta para reforçar as orientações de prevenção, o que exigiu muito cuidado, para não desatar o pânico entre a população. Nas últimas fases da cobertura informativa, os trabalhos voltaram-se para os projetos de recuperação do município, a reconstrução das casas e a prevenção a novos desastres.

De acordo com o Entrevistado D, o planejamento da cobertura informativa se beneficiou do suporte oferecido pela Secretaria de Comunicação da Prefeitura. O Gabinete de Crise facilitou permanentemente o contato com as autoridades e ofereceu dados complementares àqueles que chegavam das ruas com a participação dos ouvintes. A cooperação nas operações aéreas permitiu que em inúmeras ocasiões os repórteres chegassem às áreas distantes do centro e totalmente isoladas, difundindo informações atualizadas e orientando a audiência.

O Entrevistado E considera que facilitou muito o trabalho o fato de que os profissionais das emissoras se instalassem na sede da Prefeitura, onde funcionava o Gabinete de Crise e de onde provinham os dados mais atuais sobre a tragédia. A estrutura de trabalho disponível e o contato direto com as fontes oficiais permitia que os boletins aprofundassem o tratamento informativo, sem que escapasse qualquer detalhe. Com efeito, o Entrevistado A recorda que muitos colegas permaneceram na Prefeitura durante toda a catástrofe e dormiram de modo totalmente improvisado nos corredores do edifício até que o Gabinete de Crise suspendesse as suas atividades.

Considerações finais

Os transbordamentos do Rio Itajaí-Açu acompanham o processo de colonização e desenvolvimento de Blumenau. Com a passagem do tempo, os impactos negativos dos desastres foram socialmente assimilados, em função do largo histórico de convivência com as tragédias, circunstâncias as quais a população por fim se acostumou. Desde a fundação do município, em 1850, até a presente data registrou-se um total de aproximadamente 70 enchentes. A urbanização acelerada e não planejada intensificou o problema (Mattedi, 2000) e nada menos que 40 cheias ocorreram nos últimos 50 anos.

Não obstante os esforços para amenizar as consequências dos transbordamentos do Rio Itajaí-Açu, a vulnerabilidade de Blumenau às catástrofes ficou ainda mais evidente depois das grandes enchentes da década de 1980. Inúmeras tentativas de solução foram estudadas e implementadas, mas o debate entre o desenvolvimento econômico e o modo de emprego dos recursos naturais nunca esteve na ordem do dia como agora. Para Mattedi (2000), a questão crucial é a adequação dos procedimentos técnicos às estratégias políticas de confrontação do problema.

Em novembro de 2008, o principal problema não foi propriamente o transbordamento do Rio Itajaí-Açu. De fato, o nível das águas subiu "apenas" 11,5 metros acima do nível normal, uma quota de enchente a que a população de Blumenau já se habituou. A gravidade do evento residiu na quantidade de chuvas que caíram nos dias 22 e 23 – um total de 500 milímetros, o que corresponde a quase a metade do que choveu durante todo o mês – e que produziram uma série de acontecimentos simultâneos em distintas partes do município: transbordamento do Rio Itajaí-Açu na parte central, inundações isoladas nos arredores, enxurradas na periferia e desbarrancamentos em diferentes quadrantes geográficos. Totalmente encharcado, o solo parecia um sorvete se derretendo sob o sol.

A singularidade do episódio surpreendeu a população e as autoridades, posto que em sua história o município não tinha convivido com um desastre natural que produzisse tamanha devastação. Nesse contexto, os Meios de Comunicação reafirmaram a importância do seu papel social, difundindo informação, interpretando os fatos e opinando sobre as causas e as consequências da catástrofe. O rádio em particular, organizado a partir da "Rede da Solidariedade" e com postos avançados instalados na sede da Prefeitura, manteve suas transmissões no ar ao longo da tragédia. Com facilidade para chegar a lugares isolados por barreiras de terra e, além disso, prejudicados com o corte no fornecimento de energia elétrica, as emissoras se consolidaram como porta-vozes das vítimas que clamavam por socorro. Os ouvintes não apenas escutavam as transmissões, mas falavam e geravam informação.

Nesse contexto, os profissionais do rádio se converteram em personagens com informações privilegiadas da história, oferecendo abundante material de análise sobre a evolução da catástrofe e a gestão da política de Comunicação da Prefeitura de Blumenau ao longo do desastre. A memória coletiva que compartilham dos fatos contribui para descrever o episódio em detalhe e examinar as ações do comitê de gestão da crise.

No presente trabalho, o testemunho dos oito profissionais entrevistados oferece pistas importantes sobre os desafios que o poder público enfrentou para se comunicar eficazmente com a população na iminência, durante e depois da catástrofe de novembro de 2008. A partir de tais declarações, conclui-se que no mais devastador episódio da história do município, cujas características foram completamente distintas dos desastres anteriores, a produção de eventos repentinos e simultâneos constituiu o principal desafio para que a Secretaria de Comunicação agisse rapidamente. Vencido o sobressalto inicial, a montagem do Gabinete de Crise "Operação Esperança" constituiu a medida decisiva nas tarefas de difundir informação, oferecer análises, envolver os diferentes setores, impulsionar as medidas de auxilio, gerar confiança, elevar o ânimo das vítimas e salvaguardar a imagem da administração.

Com um grupo multidisciplinar de diferentes áreas da Prefeitura, o Gabinete de Crise dedicou-se a planejar a atenção à mídia, distribuir as tarefas entre os membros da equipe de assessoria, coordenar a distribuição dos dados e informar com precisão. Nesse sentido, a suspensão dos serviços de energia elétrica em diferentes bairros do município, que não permitia o acesso à programação das emissoras de televisão ou aos sites da internet, e a queda de barreiras de terra, que isolaram comunidades em todos os quadrantes geográficos e impediram a circulação dos jornais, reforçaram a importância do rádio para a Comunicação com a comunidade. Para expressiva parcela da população, a informação, a interpretação e a análise dos fatos ficaram totalmente dependentes da cobertura radiofônica.

O transbordamento do Rio Itajaí-Açu e a inundação dos estúdios de várias emissoras motivaram a instalação da "Rede da Solidariedade", cadeia que agrupou diferentes estações e profissionais, com equipes de repórteres distribuídas nas distintas partes do município e com uma sala de redação no edifício da Prefeitura. As transmissões sem interrupção ao longo do desastre se beneficiaram enormemente da participação da audiência, que recorreram às emissoras para pedir socorro, alertar a vizinhança ou tranquilizar os familiares. Nesse contexto, a principal dificuldade dos apresentadores dos programas foi separar a informação dos rumores, alertar sem alarmar. Por sua vez, o trabalho da Secretaria de Comunicação foi o de acompanhar as transmissões, corrigir os dados e orientar os trabalhos, sem ferir susceptibilidades, censurar a agenda ou o enquadramento temático da imprensa.

Do testemunho dos entrevistados, conclui-se que as tarefas pendentes para a Secretaria de Comunicação da Prefeitura são as de revisar o plano de contingência para o caso de futuros desastres com fenômenos naturais simultâneos (enchente, enxurrada e deslizamentos) e dar sequência a todas as etapas do modelo que Mileti (1999) estabelece para a gestão da relação com a mídia durante as situações de emergência. A partir de tal proposta teórica, se pode dizer que no caso estudado foram superadas as fases de resposta e de recuperação. Restam as etapas de mitigação e preparação, que seguramente fornecerão valioso material para a análise da Comunicação do poder público com a comunidade.

No caso de realização de novas pesquisas, recomenda-se que o estudo implementado a partir dos dados aqui apresentados seja complementado em duas direções distintas. Por um lado, com a entrevista aprofissionais da Prefeitura Municipal de Blumenau. Por outro, com a análise dos press-releases enviados pela Secretaria de Comunicação e das matérias publicadas nos jornais.

Nesse sentido, o presente trabalho tem limitações que incidem na interpretação dos seus resultados. Em primeiro lugar, como acontece em pesquisas semelhantes, os dados foram coletados a partir da memória dos entrevistados, o que não exclui a possibilidade de que em tais testemunhos os fatos se misturem à análise pessoal. Desse modo, a organização das informações constitui uma tarefa de relativa complexidade. A realização de entrevistas complementares e a confrontação dos dados com a análise documental anteriormente mencionada ajudariam na superação de algumas das limitações deste estudo.

Em segundo lugar, embora alguns resultados aqui indicados sejam extensivos a outros desastres ambientais, recomenda-se cautela na sua aplicação prática. As catástrofes apresentam características próprias e supõe-se que as diferenças impliquem o emprego de distintas medidas na gestão da crise. Assim, os dados expostos na pesquisa servem unicamente como referência teórica para a atuação em outras situações de emergência.

Não obstante, a frequência e a intensidade dos eventos climáticos na atualidade chamam a atenção para o papel social da Comunicação no enfrentamento dos desastres, assim como da pesquisa acadêmica na área. Antes, durante e depois das tragédias, a mídia se envolve completamente no relato dos fatos, difundindo informação, interpretando dados e construindo significados. A agenda e o enquadramento informativo influenciam de modo decisivo no ânimo das pessoas, na percepção das vítimas e do restante da população no que se refere à dimensão do risco e à adequação das respostas do poder público para a solução da crise. Tal contexto expõe os desafios do planejamento em longo prazo para uma Comunicação eficaz com a comunidade durante catástrofes como a que se abateu sobre Blumenau em novembro de 2008.

Clóvis Reis

Doutor em Comunicação pela Universidad de Navarra, Espanha, sua produção acadêmica concentra-se na área de Comunicação Social, com ênfase nos estudos midiáticos regionais e nas linguagens contemporâneas da mídia.

Fabrícia Durieux Zucco

Doutora em Administração pela Universidade Nove de Julho, sua produção acadêmica concentra-se nas áreas de Comunicação Social e Turismo, com ênfase nos estudos sobre marketing, segmentação, estratégia e publicidade e propaganda.

Everton Darolt

Mestre em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná, sua produção acadêmica concentra-se na área de Comunicação Social, com ênfase nos estudos sobre publicidade e propaganda no rádio, na televisão e na internet.

Recebido em: 30.08.2012

Aceito: 21.07.2013

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jan 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2012
  • Aceito
    21 Jul 2013
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