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Intelectuais em defesa da radiocultura (1920-1930)

Intelectuales en defensa de radiocultura (1920-1930)

Resumos

O tema deste artigo são as diferentes campanhas empreendidas pelos pioneiros da radiofonia no Brasil, na década de 1920. A investigação se baseia em pesquisa bibiográfica e documental. Utiliza fontes primárias e secundárias. O objetivo é identificar as estratégias de divulgação, o conceito de radiofonia, as disputas e as alianças que permearam o processo de implantação da radiodifusão no país. O estudo destes movimentos reivindicatórios nos permite concluir que o desenvolvimento da radiodifusão foi um processo plural, resultado da fermentação intelectual, que enxergava neste canal de Comunicação uma via para o desenvolvimento da nação.

Radio; Radiocultura; Pioneiros; Campanhas; História


El tema de este artículo son las diversas campañas emprendidas por los pioneros de la radio en Brasil en la década de 1920. El estudio se basa en la investigación documental y bibiográfica y fuentes primarias y secundarias. El objetivo es identificar estrategias para promover el concepto de la radio, los conflictos y las alianzas que impregnaba el proceso de implementación de la radiodifusión en nuestro país. El estudio de estas protestas movimientos colectivos nos permite concluir que el desarrollo de la radiodifusión fue un proceso plural, dando como resultado la efervescencia intelectual que veía la radio como un artefacto importante para el desarrollo de la nación.

Radio; Radiocultura; Pioneros; Campañas; Historia


The subject of this article are the various campaigns undertaken by the pioneers of radio in Brazil in the 1920s. The investigation is based on bibliographical and documentary research. Through analysis of sources, the goal is to identify strategies for promoting the concept of radio, disputes and alliances that permeated the deployment process of broadcasting in the country. The study of these collective protests movements allows us to conclude that the development of broadcasting was a plural process, resulting intellectual ferment that saw the radio as an important Communication artifact for the development of the nation.

Radio; Radio culture; Pioneers; Campaigns; History


Introdução

As primeiras experiências de radiofonia no Brasil ocorreram durante a Exposição de 1922. Nessa ocasião, o governo, em colaboração com as companhias americanas Western e Westinghouse, instalou duas pequenas estações transmissoras de 500 w, a saber, a primeira na Praia Vermelha e a segunda no alto do Corcovado, aparato este que, em parceria com a Light e a Cia. Telefônica Brasileira, tornou possíveis as primeiras emissões1 1 Essas comunicações públicas não podem ser consideradas como radiodifusão, tendo em vista a sua característica de recepção em espaço aberto por meio de alto-falantes, e, ainda, o número insignificante de aparelhos individuais, como nos lembra Federico (1982). Em 1923, o governo adquiriu apenas uma das emissoras, que se constituiu na Estação Praia Vermelha (PRA1), ficando a cargo da Repartição de Correios e Telegraphos. . Em 1923, um grupo de cientistas da Academia Brasileira de Ciências (ABC), fundou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro (PRA2). Paralelamente ao movimento dos associados da ABC, ocorreu a criação da Rádio Club do Brasil (PRA 3). A Estação Praia Vermelha foi entregue à direção do engenheiro Elba Dias, que, utilizando o equipamento, fundou a emissora. No mesmo ano foi autorizado o início das atividades de outras emissoras como a Rádio Sociedade da Bahia (PRA4), a Radio Educadora Paulista (PRA6) e a Rádio Club de Pernambuco (PRA8).

Os pioneiros da radiofonia em nosso país partilhavam dos princípios da ciência e da importância da educação para a integração da nação, viam o rádio como um instrumento capaz de contribuir para o nosso desenvolvimento. Os diretores da Radio Sociedade do Rio de Janeiro (PRA2) e da Radio Club do Brasil (PRA3), por exemplo, concomitantemente, realizavam pesquisas na ABC, colaboravam com a organização da Associação Brasileira da Educação (ABE) e se dedicavam à implantação da radiofonia no Brasil. Era o caso de Edgard Roquette-Pinto, Álvaro Ozorio de Almeida, Manoel Amoroso Costa, Dulcídio Pereira e Ferdinando Labouriau2 2 Fonte: Ata da reunião ABE de 04/1926 (Arquivo da ABE). .

Na década de 1920, intelectuais defenderam a radiocultura, que tinha como perspectiva assegurar a utilização exclusiva da radiodifusão para divulgação da ciência e da cultura. Para os entusiastas deste projeto, o rádio, assim utilizado, libertaria nossa população, dispersa pela imensidão do território nacional, das explicações lendárias e da ignorância. A proposta destes homens não era substituir o sistema educacional, mas algo muito mais complexo. A missão consistia em:

Pelo T.S.F. não haverá homem mais isolado, nem choupana perdida nas quebradas das serranias agrestes para as vozes tentadoras dos grandes centros, vozes da sciência, da arte, do progresso, sejam coisas que se escuta fallar aos recemvindos, mas que nunca se há de ouvir por si mesmo, coisas lendárias e quase mentirosas3 3 Foi mantida a grafia da época nas citações diretas. (O BRASIL ..., 1924O BRASIL e a radiocultura. Rádio, Rio de Janeiro, p.10, 15 julho1924., p.10).

Em seus estudos, Abreu (2010)ABREU, Regina. Colecionando o outro: o olhar antropológico nos primeiros anos da República do Brasil. In: HEIZER, Alda; VIDEIRA, Antonio A.Passos (Orgs.). Ciência, civilização e República nos trópicos: 1889-1930. Rio de Janeiro: Mauad X: Faperj, 2010. p. 245-254. destaca que o início da República fora marcado pelo desafio da construção de um pensamento social que transformasse a visão da maldição racial, da condenação ao atraso, e da existência de doenças que degeneraram o povo, tão presentes no período monárquico. A partir do contato de intelectuais com os sertões, em expedições com as mais variadas finalidades tais como abrir estradas, mapear o território e introduzir telégrafos, edificou-se um novo olhar para as populações do interior, que passaram a ser vistas como elementos que necessitavam do processo educacional, para se integrarem a nação. Os estudos de Euclides da Cunha eram uma inspiração para novas pesquisas.

Para esses homens de ciência, os males do Brasil não haviam sido curados com inovações republicanas: voto secreto, uma nova Constituição, protecionismo às indústrias ou reformas de ensino. Tudo havia fracassado pela incapacidade do povo em compreender essas linguagens. O contexto só seria revertido por meio de um trabalho de desbravamento moral e intelectual. O termo desbravamento se associa à ideia do sertão desconhecido, ou seja, das pessoas abandonadas pelo poder público no interior.

Os pioneiros da radiodifusão no Brasil organizaram campanhas, que tinham como propósito a construção da estrutura necessária à realização do projeto de Radiocultura. Antes mesmo da instalação do estúdio Marconi, que possibilitaria as transmissões de broadcasting pela Rádio Sociedade do Rio de Janeiro (PRA2), que foi aguardada por meses após a fundação da emissora4 4 Durante esse período, era utilizada a Estação da Praia Vermelha, sob a direção da Empresa de Correios e Telégrafos, para transmissões isoladas de músicas e palestras. , havia uma intensa atividade dos sócios fundadores, que organizaram diferentes movimentos5 5 Fontes: Atas de reunião (Arquivo ABC) . As campanhas tinham diversos temas, definidos a partir das demandas surgidas ao longo do processo de implementação da radiodifusão em nosso país, podendo ser citadas: a regulamentação da radiofonia, a diminuição de impostos para a importação de aparelhos, a diminuição das exigências para a aquisição de receptores, a compra de rádios para os hospitais, pedidos de ajuda financeira e divulgação de palestras científicas, concertos e cursos organizados por professores com grande prestígio. Os idealizadores destes movimentos usavam os periódicos para divulgar suas mensagens e promover debates.

Estas manifestações poderiam se dirigir ao público em geral ou a destinatários específicos. Neste último caso, é possível citar a jornada dirigida ao Ministério de Viação e Obras Públicas em prol do desenvolvimento da radiofonia, tão prejudicada pelos seguintes obstáculos: o controle, por parte do governo, das atividades de radiotelegrafia, impedindo a aquisição de simples receptores sem autorização; os altos impostos cobrados na importação de equipamentos e as regras impostas aos que desejassem criar estações emissoras.

O objetivo deste texto é estudar as campanhas em prol da radiocultura, organizadas pelos fundadores da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, na década de 1920. Nos limites de um artigo, o foco da análise irá recair nas movimentações pela livre irradiação dos espetáculos realizados no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Empregando o método de análise documental de fontes primárias e secundárias, a saber, atas de reuniões, correspondência, publicações e manifestos localizados na Casa de Rui Barbosa, na Academia Brasileira de Letras, na Associação Brasileira de Educação, na Biblioteca Nacional, no Arquivo Nacional serão identificados os idealizadores e analisados os objetivos, os recursos empregados e o público alvo destas manifestações. Este trabalho procura contribuir com novas visões sobre o processo de implantação da radiofonia em nosso país. Quais as estratégias empregadas pelos pioneiros para divulgar a causa da radiocultura? Como as campanhas eram articuladas? Que disputas estavam presentes neste contexto? Por fim, de que forma os intelectuais defenderam um modelo de radiodifusão amparado na concepção de radiocultura? São questões que nortearão o diálogo com as fontes.

Análise documental pressupõe a interpretação do conteúdo das fontes à luz da teoria. Neste aspecto, os estudos de Certeau (1994,)CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. são primordiais. Para este autor, a cultura acaba por produzir disputas, articular conflitos, mas também fortalece o movimento do equilíbrio, por meio da legitimação, do deslocamento, ou do controle da razão. Em meio a táticas e estratégias serão analisadas as ações do grupo de pioneiros da radiodifusão brasileira em prol do desenvolvimento desta atividade em nosso país, a partir dos preceitos da radiocultura.

O artigo está estruturado em três partes. A primeira seção terá como objeto de estudo a concepção de radiocultura defendida pelos pioneiros da radiodifusão no Brasil. A seguir, serão analisadas as estratégias empreendidas pelos homens do rádio para a expansão da radiocultura. Na última parte, será estudada a mobilização da diretoria da Radio Sociedade do Rio de Janeiro em torno da liberdade para irradiar espetáculos relizados no Teatro Municipal do Rio de Janeiro direcionada ao prefeito da cidade e aos responsáveis pela Companhia Scotto, que organizava espetáculos clássicos em países da América.

A radiocultura

Muitas pessoas andam ainda intrigadas com a significação precisa do vocábulo "broadcasting" ...

É uma palavra inglesa formada pela junção de dois vocábulos

O verbo – "to cast" – part. Presente casting – quer dizer "semear"... É termo essencialmente agrícola ...

"Board"... por sua vez significa ao longe. De onde "broadcasting" ... semear ao longe, lançar bem ao largo a boa semente. Como ninguém deve semear a má semente, todo broadcasting deve ser digno do nome (ALTO FALANTE, 1926ALTO FALANTE. Electron, Rio de Janeiro, p.2, 01 fevereiro 1926., p.2).

A ideia de radiocultura, já citada por Gilioli (2008)GILIOLI, Renato de S. Porto. Educação e cultura no rádio brasileiro: concepções de radioescola em Roquette-Pinto. 2008. Tese (Doutorado em Educação), Universidade de São Paulo, 2008., é fundamental à compreensão do trabalho realizado pelos pioneiros da radiofonia no Brasil. A radiocultura foi o movimento que defendeu a utilização do radio exclusivamente para divulgação de conteúdos culturais e científicos. Os pioneiros não concebiam a radiofonia dissociada da radiocultura. Portanto, as campanhas para implementação da radiodifusão em nosso país, pressupunham a criação da estrutura que permitisse a multiplicação deste movimento pela nação. A maior parte de seus defensores acreditava se tratar de uma missão civilizatória:

A sciencia moderna oferece acima de tudo, dois meios para fugir a terrível condenação contida no vaticínio de Euclydes: a aviação e o telefone sem fios. Este está ao alcance de todos. Nada impede que cada grande cidade do Brasil possua, em um ou dois anos, outros tantos centros de educação popular, irradiando para edificação, deleite e instrução população rural, os conselhos da sciencia, as notícias da história nacional, a poesia e a musica (O BRASIL..., 1924O BRASIL e a radiocultura. Rádio, Rio de Janeiro, p.10, 15 julho1924., p.10).

Um dos pontos que deve ser reforçado consiste no fato de que esta não se confunde com a rádio escola, esta sim destinada a oferecer atividades coordenadas com o sistema de ensino, a utilizar o receptor em salas de aula, e a treinar professores de acordo com os conteúdos ministrados na rede e com uma metodologia própria. Acima de tudo, a radiocultura se inseria no ideário de disseminação do conhecimento pelo rádio. A alfabetização por meio do rádio não era uma meta, este veículo de Comunicação tinha a vantagem de tornar a cultura letrada acessível aos analfabetos. Para os entusiastas da Radiocultura, o início das irradiações estimularia os ouvintes à busca pelo saber, proporcionaria a mesma sensação da primeira leitura:

Nós, que assistimos à aurora da radiotelefonia, temos a impressão que deveriam sentir alguns dos que conseguiram possuir e lêr os primeiros livros. Que abalo no mundo moral! Que meio para transformar um homem em poucos minutos, si o empregarem com boa vontade, com alma e coração! (O BRASIL..., 1924O BRASIL e a radiocultura. Rádio, Rio de Janeiro, p.10, 15 julho1924., p.8).

As Sociedades de Rádio objetivavam a organização de programas que colaborassem com o crescimento intelectual de seus ouvintes. Para tal, eram favoráveis que estudiosos controlassem as emissões. As orientações que deveriam ser seguidas pelos responsáveis pela programação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, podem melhor dimensionar a perspectiva dos conteúdos que eram considerados adequados à promoção da radiocultura:

Na organização dos programmas à Radio Sociedade do Rio de Janeiro, serão obedecidos as seguintes normas geraes:

Irradiação das 12 ás 13 horas.

Jornal do Meio Dia (Noticiario geral; informações commerciaes; boletim de previsão do campo) – Supplemento musical.

Irradiação das 17 ás 18 horas e 5 minutos

- Musica pela orchestra da Sorveteria Alvear (17 horas e 45 m.)

- Quarto de hora infantil (17 horas, 45 m. às 18 horas)

Irradiação das 19 horas ás 20 horas e 30 m.

Discos: O programma de discos se divide em duas partes distinctas: a primeira de discos musica popular e de dança; a segunda de musica clássica e de opera.

Jornal da Noite (Noticiario Geral; informações commerciaes; previsão do tempo) (20horas e 15 minutos)

Irradiação das 20 horas e 30 minutos em deante:

Durante a temporada lyrica transmittiremos as operas cantadas no Theatro Lyrico, alternando com o Radio Club do Brasil.

Terminada a temporada lyrica, transmittiremos ás segundas, quartas e sextas-feiras concertos que se realizarão no " Studio" da Radio Sociedade, ás terças, quintas e sabbados – licções, palestras, musica popular e dansa (IRRADIAÇÕES..., 1926IRRADIAÇÕES de óperas. Electron, Rio de Janeiro, 01 setembro 1926., p.9).

No anúncio, observa-se a intenção em divulgar diferentes conteúdos: informações, música popular e clássica, concertos e palestras. No entanto, é possível notar a preocupação em assegurar a presença de conhecimentos científicos e de uma cultura erudita. Como exemplo, é possível citar as lições, palestras, concertos e a transmissão da temporada lírica, que juntas compõem a maior parte da programação.

Quando iniciaram as atividades de estúdio da Rádio Sociedade, a música clássica também era privilegiada na seleção do conteúdo a ser irradiado pela PRA2. Os anúncios publicados na revista Electron exaltavam a transmissão de concertos:

Com um recital de piano da grande artista patrícia cujo nome encima estas linhas, vae a Radio Sociedade proporcionar aos seus amigos, no dia 21 do corrente uma noite da mais pura arte. Este concerto ainda faz parte da serie que foi organisada por iniciativa do illustre professor Mario Saraiva, Director do Conselho Director da Radio Sociedade e há de deixar funda e indelével impressão. Deixando agora, em virtude de suas actuaes prementes ocupações o cargo de Director do programma desta instituição, quis o professor Saraiva fechar com chave de ouro sua breve e notável collaboração, obtendo da grande artista este recital com o qual se inaugura o novo piano de concertos "Steinway" fornecido à Radio Sociedade pela Casa Wehrs (DYLA TAVARES..., 1926DYLA TAVARES JOSETTI. Electron, Rio de Janeiro, p.13, 16 de setembro de 1926., p.13).

Diante das endemias rurais, como o amarelão, a malária e a doença de Chagas que assolavam a população rural (SÁ, 2010SÁ, Magali R. A ciência, as viagens de coleta e as coleções: medicina tropical e o inventário de história natural na Primeira República. In: HEIZER, Alda; VIDEIRA, Antonio Augusto Passos (Orgs.). Ciência, civilização e república nos trópicos: 1889-1930. Rio de Janeiro: Mauad /Faperj, 2010. p. 227-224.), outras programações irradiavam palestras sobre a importância da higiene e dos exames médicos. É o caso da palestra de Teophilo Mendes intitulada "Da necessidade do exame medico antes do casamento", irradiada em 10 de abril de 1924, pela Estação Praia Vermelha6 6 Fonte: O Brasil e a radiocultura. Rádio. Rio de Janeiro, 1/06/1924, p.29. .

O conteúdo selecionado revela que a concepção de radiofonia dos diretores da PRA2 perpassa pela transmissão de uma cultura clássica, de um conhecimento científico que deveria fazer parte da formação do homem brasileiro. As aulas de História voltadas para um viés patriótico, as histórias, ditos morais para crianças e as palestras para senhoras mostram a intenção de interagir com os valores familiares. A escolha do que deveria ser irradiado pressupõe que ao radio caberia dialogar com todas as classes em um projeto de construção nacional.

Campanhas pela radiocultura

A promoção da radiocultura enfrentava diferentes obstáculos. As Sociedades de Rádio tinham grandes dificuldades em manter seu equilíbrio financeiro. Não era necessário ser sócio para desfrutar das suas irradiações e serviços. As campanhas em busca de associados utilizavam como argumento a dependência das colaborações em espécie para a sobrevivência da emissora:

Si todos os de qualquer forma, se valem das irradiações da Radio Sociedade fossem seus associados, se lhes dessem a insignificante contribuição de uma mensalidade, a instituição que lhe presta serviços teria a situação que merece e, ainda, o que é mais natural; poderia benfeciá-los proporcionando- -lhes programmas cada vez melhores. Porque, e é preciso notar isso, todos os recursos da Radio Sociedade, mas todos sem excepção, são destinados aos seus serviços de programmas e aparelhagem técnica.

Uma simples questão de reciprocidade de forças e convenhamos, fácil tão pouco onerosa para os que nos ouvem e que tanto recebem de nós (UMA EXPLICAÇÃO ..., 1926UMA EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA. Electron. Rio de Janeiro, p.3, 01 agosto 1926., p.3).

À medida que o broadcasting se desenvolvia, as despesas com manutenção da aparelhagem aumentavam. A programação passava requerer mais investimentos, razão pela qual, com o passar do tempo, não foi mais possível elaborá-la apenas graças a benesses de colaboradores. Foram contratados músicos, cantores e speakers. A solução encontrada muitas vezes foi a publicidade. Nos primeiros tempos, a propaganda só poderia ser executada mediante a autorização prévia do Ministério de Viação e Obras Públicas. Para os diretores da emissora, a publicidade era um derradeiro recurso para enfrentar as dificuldades que se acumulavam.

Outro ponto muito debatido por esses intelectuais era o controle exercido pelo governo sobre a recepção, incluindo amadores em geral. O órgão que previa e legislava a atuação dos meios de radiodifusão era o departamento de Correios e Telégrafos, diretamente vinculado ao Ministério da Viação, e o ouvinte, que desejasse possuir um aparelho, deveria dirigir-se aos Correios para cumprir as exigências burocráticas. Entre outras ações, foi elaborada, em nome da ABC, uma carta ao Ministro da Viação, Francisco Sá, reivindicando a concessão de ampla liberdade para a aquisição de aparelhos receptores:

A divulgação da T.S.F., no território nacional, permittindo que um grande numero de Brasileiros se possa preparar para servir á Patria no terreno scientifico, militar, industrial, etc é uma das mais urgentes necessidades do paiz. Causa verdadeira tristeza aos estudiosos verificar o grão de inconcebível atrazo em que se encontra o Brazil, o T.S.F. como pratica popular.

Em todos os paizes do Mundo Civilizado, até mesmo nas velhas nações conservadoras do Oriente, já o Poder Publico comprehender a vantagem de permittir amplamente a pratica usual da radiocomunicação por amadores e estudiosos. Na hora actual o surto da radiotelephonia e da radiotelegraphia e, por toda parte menos no Brasil, facto de surprehendente relevo.

A prohibição da recepção da T.S.F. é scientifica e praticamente um absurdo e um ingenuidade, si fosse possível torná-la realmente effectiva, seria, ainda assim, um grande mal para o progresso da nação.

A vista das considerações acima, a ABC julga cumprir o seu programma e trabalhar pelo bem commum fazendo um ardoroso appello a V.E. para que torne realidade tão importantes medidas rigorosamente comprehendidas no espírito e na lettra da lei da 10 de julho de 1917 (art.12) que faculta ao Ministério da Viação conceder licença para o estabelecimento de estações experimentaes (NOTAS, 1923NOTAS. Rádio, Rio de Janeiro, p.39, 15 novembro 1923., p.39).

Como parte da campanha visando influenciar a elaboração da legislação que regulamentaria o serviço de radiofonia, foi realizado um inquérito, durante o qual políticos e intelectuais foram convidados a dar suas opiniões sobre o que deveria ser modificado em relação ao decreto de 1917. Os diferentes pontos de vista expostos servem para ilustrar a polêmica gerada pela questão. A primeira opinião publicada em Radiofoi de Prudente de Moraes, deputado e professor de Direito da Universidade do Rio de Janeiro que, sugeriu que a nova legislação devesse cercear a liberdade dos amadores em suas casas postos de radiotelephonia.

Neste aspecto, o olhar de Dulcídio Pereira, então chefe da Comissão de broadcasting da Rádio Sociedade, sobre a liberdade de transmissões de programas é esclarecedor:

Aos que desejam apenas irradiações, sem caracter de broadcasting, restrinjamos de muito a zona permittida no spectro do rádioelectrico, não lhes deixemos ir além das ondas de cem metros, e sejamos nesse particular extremamente rigorosos na fiscalização. Exijamos; mesmo dos amadores que irradiem, muitos requisitos, entre os quais a idoneidade moral e a pratica de recepção dos signaes Morse devem ser essenciaes.

Ondas maiores só devem ser permitidas ás associações de radiocultura, com intuitos perfeitamente definidos, onde a permanência de mentalidades reconhecidamente idôneas, seja a maior garantia da excellencia dos seus broadcastings como meio educativo, meio justificativo da liberdade de irradiar em ondas grandes (PEREIRA, 15/6/1924PEREIRA, Dulcídio. Liberdade de transmissão. Rádio. Rio de Janeiro, p.18, 15 de junho de 1924, p.18).

Neste contexto, as emissoras estabeleceram uma rede de sociabilidade. Estavam em funcionamento a Rádio Club do Brasil (1923), a Rádio Educadora Paulista (1923) e a Radio Club de Pernambuco (1923), a Rádio Sociedade de Bahia (1923) que se solidarizavam no projeto de transmissão da cultura sem o caráter de comercial. Não havia o clima de concorrência, e nem caberia tal rivalidade, pois todas lutavam pelo desenvolvimento da radiofonia nacional. As emissoras estabeleciam canais de Comunicação por meio de correspondência e visitas para troca de informações e conhecimento.

De São Paulo onde esteve alguns dias, como noticiamos voltou o professor H. Morize deveras encantado com o progresso que ali atingiu a radiofonia. S.S. visitou as estações transmissoras existentes na capital do grande Estado, bem como vários postos transmissores de recepção particular. O que mais o comoveu contudo, foi a carinhosa recepção que teve na Sociedade Radio Educadora Paulista. Tanto a sua directoria como seus sócios foram incorporados a Estação da Luz assistir ao embarque e ao desembarque do Presidente da Radio Sociedade cumulando-o de gentilezas (NOTÍCIAS, 1924NOTÍCIAS. Rádio, Rio de Janeiro, p.1, 1924., p.1).

Os diretores da Rádio Sociedade usavam o prestígio conquistado a partir de suas atuações em outras instituições como ABC, Museu Nacional, o Colégio Pedro II, a ABE, a Escola Politécnica, para obter a adesão de intelectuais, artistas e comerciantes a causa do rádio em prol da cultura. Para realizar palestras sobre temas científicos ou promover cursos, os diretores da emissora contavam com a colaboração de especialistas reconhecidos em seus campos. Os estudiosos cooperavam por seus laços de amizade e por compartilharem dos ideais de radiofonia da PRA2.

As lições, por exemplo, transmitiam aos ouvintes aulas de diversas disciplinas: Português por José Oiticica, Física por Francisco Venâncio Filho, Química por Mário Saraiva, Francês por Maria Veloso, Silvicultura prática por Alberto J. de Sampaio, História do Brasil por João Ribeiro e Radiotelelefonia e Radiotelegrafia por Victoriano Borges. As matérias, em formato de cursos, eram ministradas por diversos professores que aderiam à causa do rádio como transmissor de informação e cultura e que, imbuídos dessa convicção, se dispunham a cooperar. Os mestres convidados a dar sua colaboração à cultura popular eram escolhidos por serem autoridades reconhecidas no tema. Ao final do curso, a revista Electron, que funcionava como apoio aos ouvintes, dispondo os resumos das aulas e a programação em detalhes, publicava uma nota de agradecimento, onde os critérios de seleção para os colaboradores da PRA2 são evidenciados:

Encarregou-se do curso de História do Brasil organisado pela Radio Sociedade do Rio de Janeiro, o illustre Prof João Ribeiro, glória das nossas letras e um dos mais autorisados conhecedores do nosso passado. As encantadoras palestras de João Ribeiro começaram a ser irradiadas na terça-feira, 19 de janeiro p.p. O concurso do notável humanista representa mais um brilhante serviço da Rádio Sociedade á nossa cultura popular (PROFESSOR..., 1926PROFESSOR JOÃO RIBEIRO. Electron, Rio de Janeiro, p.6, 01 de fevereiro de 1926., p.6).

Uma campanha pelas irradiações de óperas

Após o término do primeiro mandato da diretoria da PRA2, em meados de 1926, Ferdinando Labouriau foi escolhido para a Presidência da emissora. Em defesa da Radiocultura, o novo presidente enfrentou questões provenientes das mudanças no mundo da radiofonia. Ocorriam as primeiras experiências sobre a transmissão com o uso de ondas curtas, mas sem muito sucesso.

Ao final da década de 1920, o cenário começou a mudar. Outras questões surgiram aos homens do rádio: a necessidade da renda dos reclames comerciais para o pagamento das despesas das emissoras, a reivindicação dos artistas por pagamento de um adicional quando suas obras fossem irradiadas e a criação de radio-escolas.

Desde 1924, as emissoras francesas tinham embates com músicos, que não aceitavam a irradiação de óperas. Alguns temiam que as pessoas não fossem assistir aos seus espetáculos, outros desejavam uma remuneração extra. Na coluna Chronica dos Radiocentros de Paris, Vidal relatava:

Sabe-se que susceptibilidades provocam em certo mundo de músicos, os concertos radiofônicos. A inveja é enorme. Principalmente quando se trata da irradiação de óperas. Mas a radiola não se aperta. Já que o theatro fecha as suas portas, é necessário improvisar a scena (VIDAL, 1/06/1924VIDAL, R. C. Chronica dos Radiocentros de Paris. Rádio, Rio de Janeiro, p.23, 01 de junho de 1924., p.23).

A Companhia Scotto, responsável pela montagem de espetáculos de ópera no Rio de Janeiro, passou a reivindicar o pagamento de um adicional quando suas obras fossem irradiadas. Esta remuneração implicava em uma despesa com a qual as emissoras não tinham condições de arcar.

A diretoria da PRA2 organizou uma campanha dirigida aos responsáveis pela Companhia e ao prefeito da cidade do Rio de Janeiro, reivindicando a liberdade de irradiação das audições de música clássica. Argumentavam a importância de transmissão deste tipo de música pelo rádio, para a população que ao menos conhecia este tipo de manifestação cultural. Se fazia um apelo em nome da radiocultura.

Uma tática empregada para superar a resistência para a liberdade de irradiação dos concertos foi a solidariedade das emissoras, como a Rádio Sociedade Mayrinck Veiga, que estreava no mundo do éter:

A R.S. Mayrinck Veiga acaba de praticar um gesto altamente generoso permittindo a Radio Sociedade a ao Radio Club do Brasil, a irradiação das operas que estão sendo executadas pela Companhia Ottavio Scotto das quaes tinha exclusividade. Como se vê, representa isso para os amadores brasileiros um motivo de jubilo pois muitos são aquelles que têm preferência por esta ou aquella estação, quer por sympathias que uma dellas lhes inspirem particularmente, quer por deficiência de selectividade de seus apparelhos. É o caso de nos congratularmos com a Radio Sociedade Mayrinck Veiga (IRRADIAÇOES...., 1926IRRADIAÇÕES de óperas. Electron, Rio de Janeiro, 01 setembro 1926., p.12).

Foi organizada pela Rádio Sociedade uma campanha, divulgada principalmente na revista Electron, a partir de 1926, com o propósito de conscientizar os governantes e responsáveis pelas Companhias de ópera sobre a importância da música clássica, como um dos expoentes da nossa cultura, que o povo deveria conhecer, e que, por isso, eram fundamentais às suas programações. As conquistas eram anunciadas com entusiasmo na imprensa. No entanto, estas publicações revelam uma possível discordância entre as autoridades das esferas federal e municipal quanto ao direito de realizar este tipo de irradiação:

Graças a boa vontade do governo no qual, honra lhe seja, vai a radio- -cultura nacional encontrando apoio e prestígio, serão irradiadas as óperas lyricas actualmente levados á scena no Theatro Lyrico e no João Caetano. O Sr Ministro da Viação, mais uma vez concorreu de modo decisivo para que a Radio Sociedade e o Radio Club possam realisar a transmissão daquellas audições.

O lyrico em Matto Grosso! Que pedaço de Brasil é por ventura hoje inhabitavel, si o lyrico o vae embellezar, docilisar, reanimar? (ALTO FALANTE, 1926_______. Electron, Rio de Janeiro, p.1, 16 março 1926., p.1).

Apesar de intensa manifestação, as transmissões tiveram que ser interrompidas. Esta interrupção era considerada um grave empecilho aos propósitos culturais das sociedades de rádio,

Está sancionado o projeto de lei que manda por em concorrência o arrendamento por três annos, a nossa Casa de Òpera.

Silenciosamente seguram os tranmites regimentaes no Conselho Municipal, aquelles 19 artigos que especificam as condições para a occupação do Municipal e silenciosamente o Prefeito lançou sobre elles a sua sanção. Tratou-se de tudo menos do ponto de vista da radiotelephonia.

Não poude em tempo a Radio Sociedade fazer com que os nossos edis fossem despertados para esse ponto capital de cultura tal a surpreza com que os jornaes publicaram o facto já consumado com a approvação do Prefeito.

Quanto custa a fazer comprehender aos elaboradores de nossas leis as vantagens decorrentes de uma diffusão intensa da sciencia, das artes, da literatura, por intermedio do Radio.

As irradiações das operas que interessam a todos os amadores do território e quiçá do extrangeiro têm até hoje sido obtidas pelo esforço que a Radio Sociedade emprega junto aos poderes da União. Equivale isso dizer que, em troca alguma cousa é dada aos emprezarios que se julgam sempre no direito de quererem tudo (DO NOSSO MICROFONE, 1926DO NOSSO microfone. Electron, Rio de Janeiro, p.7, 01 de outubro1926., p.7).

Após o término do primeiro mandato da diretoria da PRA2, em meados de 1926, Ferdinando Labouriau, sócio efetivo, foi escolhido para a Presidência da emissora. Em defesa da Radiocultura, o novo presidente deu continuidade a campanha juntamente com a Radio Club do Brasil reivindicando a livre irradiação dos espetáculos clássicos realizados no Teatro Municipal. Neste aspecto, foi publicado nos jornais um manifesto denunciando a decisão de proibir que as óperas fossem irradiadas:

Havendo a empreza Scotto recusado attender as solicitações das sociedades de radio que interpretavam o sentir de milhares de brasileiros desejosos de ouvir a transmissão das operas da actual estação lyrica, as mesmas sociedades cessaram toda a sua actividade presente a empreza decididas a appelar para melhores dias.

A empreza recusava-se a permittir na irradiação, em vista de um convenio firmado em Roma, pelo qual os artistas ficaram com o direito a uma percentagem que importaria em despesa avultada. Agora é permitida a irradiação de uma ópera. Não vala a pena exigir da empreza tal sacrifício pela irradiação de uma opera apenas.

Assim, os associados de radio apoiados por muitos de seus consórcios não aceitam o favor que lhes quer fazer a empreza Scotto, certos de que outro não poderia ser o seu procedimento.

Pela Radio Sociedade do Rio de Janeiro –Ferdinado Labouriau – Presidente Pela Radio Club do Brasil – Julio Nogueira – Presidente (AS SOCIEDADES..., 1928AS SOCIEDADES de rádio e as óperas do municipal. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p.11, 04 set.1928., p.11).

Os resultados não foram favoráveis. Os intelectuais enfrentavam dificuldades cada vez maiores para manter no rádio os pressupostos da radiocultura. De acordo com o formato de sociedade que as emissoras adotavam, as despesas deveriam ser custeadas exclusivamente pela contribuição de sócios e pelas doações. O valor arrecadado não era capaz de custear as despesas de manutenção e as dívidas se acumulavam, ameaçando a sobrevivência da radiocultura. O projeto da rádio escola, elaborado pelos pioneiros do rádio propunha que o Estado assumisse os custos de uma emissora educativa:

Cada Estado na sua capital, dispondo de estabelecimento de certo vulto fundaria uma grande radio escola. Um entendimento entre os governos, sob os auspícios do Governo Federal, permittiria a acquisição das vinte poderosas estações necessárias. Seriam todas do mesmo typo, por economia, fornecidas em concorrência publica. Não há um só estado do Brasil em condições de não poder com esta despesa. A função destas vinte Radio Escolas Estaduaes, seria puramente directora. Seus programmas educativos mostrariam as cidades do interior o caminho a seguir. Uma vez que o ideal é dar ao homem do povo o seu radio, seria preciso completar a instalação do sistema (O TERCEIRO ANIVERSÁRIO..., 1926O TERCEIRO ANIVERSÁRIO DA RADIO SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO. Electron, Rio de Janeiro, p.4, 16 abril 1926., p.16).

A partir destes preceitos, os pioneiros do rádio organizaram uma campanha pela criação de rádio escolas. A ABE participou deste movimento:

Em uma das reuniões da Secção de Ensino Primário o professor Dulcídio Pereira depois de fazer o histórico do que tem sido a Radio Cultura no Brasil, e após várias considerações mostrou a necessidade da realização da Radio Escola Municipal, tendo ficado assentado que se entendesse elle a respeito com o Dr Fernando de Azevedo e Frota Pessoa, o que de fato aconteceu, estando neste momento a organização de um minucioso trabalho que o Dr Dulcídio Pereira apresentará ao Director de Instrucção (BOLETIM DA ABE, maio de 1929BOLETIM DA ABE, Rio de Janeiro, maio de 1929, p.34., p.34).

O Estado de Pernambuco, por meio da iniciativa de Carneiro Leão, e o Distrito Federal, pela Reforma de Fernando de Azevedo, instituíram oficialmente rádio escolas, ainda na década de 1920.

Diante do novo contexto que emergia, ainda no final dos anos 1920, a década seguinte não será marcada pela discussão de questões técnicas ou pela luta para que a recepção seja autorizada para todos. Várias empresas que trabalhavam com equipamentos para radiofonia como receptores e peças montam suas emissoras, com interesses amplamente comerciais, a partir da tecnologia disposta pela Estação Sepetiba. A luta dos homens pela ciência, a educação e o rádio se desloca para o controle do que deve ser irradiado, uma vez que eles se sentem responsáveis pela condução da cultura nacional. Neste aspecto, não aceitam perder o controle sobre o veículo de Comunicação que tanto divulgaram como solução para o nosso atraso.

À guisa de conclusão

As campanhas são ótimas fontes para os estudos sobre a história da radiofonia em nosso país. Ao analisá-las é possível perceber diversos prismas do processo de implantação do rádio no Brasil: as disputas em torno da regulamentação de meio de Comunicação, as diferentes concepções de radiodifusão e a pluralidade de interesses.

Os pioneiros da radiofonia em nosso país percebiam este veículo de Comunicação como um instrumento "civilizatório", por seu potencial de salvar a nação do atraso intelectual. O movimento da radiocultura revela o ideário que orientou a implantação da radiodifusão em nosso país: a divulgação da ciência, o desenvolvimento educacional e a integração nacional. Neste aspecto, é possível afirmar que os intelectuais não concebiam a implementação da radiofonia dissociada da radiocultura.

Neste contexto, todo esforço dos homens de rádio para conseguir equipamentos de transmissão, obter licença para o funcionamento, elaborar programas, pedir colaborações financeiras, pleitear a regulamentação, difundir métodos tinha por objetivo assegurar a radiocultura.

Na defesa da radiocultura os intelectuais usaram diferentes táticas. Como exemplo é possível citar o prestígio que tinham no campo intelectual, as colunas em periódicos e a rede de sociabilidade. As campanhas em torno desta causa revelam o esforço coletivo daqueles que acreditavam ter a missão de contribuir com o desenvolvimento da nação. A organização de várias emissoras pelo país ainda na década de 1920, mostra que a luta destes homens não foi em vão. O clima de integração e colaboração caracteriza esta fase da radiofonia brasileira.

O rádio permanece sendo um importante instrumento de difusão de informação, educação e cultura. A história deste meio de Comunicação é rica e merece o esforço dos historiadores no sentido que as lacunas existentes diminuam. As campanhas representam mais uma possibilidade, um ponto de partida para novas pesquisas e para a construção de novas histórias.

  • 1
    Essas comunicações públicas não podem ser consideradas como radiodifusão, tendo em vista a sua característica de recepção em espaço aberto por meio de alto-falantes, e, ainda, o número insignificante de aparelhos individuais, como nos lembra Federico (1982)FEDERICO, Maria Elvira B. História da comunicação. Rádio e TV no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1982.. Em 1923, o governo adquiriu apenas uma das emissoras, que se constituiu na Estação Praia Vermelha (PRA1), ficando a cargo da Repartição de Correios e Telegraphos.
  • 2
    Fonte: Ata da reunião ABE de 04/1926 (Arquivo da ABE).
  • 3
    Foi mantida a grafia da época nas citações diretas.
  • 4
    Durante esse período, era utilizada a Estação da Praia Vermelha, sob a direção da Empresa de Correios e Telégrafos, para transmissões isoladas de músicas e palestras.
  • 5
    Fontes: Atas de reunião (Arquivo ABC)
  • 6
    Fonte: O Brasil e a radiocultura. Rádio. Rio de Janeiro, 1/06/1924, p.29.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2013
  • Aceito
    22 Maio 2014
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