Resumo
Este artigo analisa o desenvolvimento da personagem Yukari Yukino no anime Garden of Words (2013), com o intuito de apresentar como produções audiovisuais que não fazem parte do gênero melodrama utilizam suas estratégias narrativas na construção dramática das obras. Para tanto, realizou-se pesquisas bibliográficas sobre o melodrama e análise fílmica de recortes da animação para identificar esse recurso na concepção da história da protagonista. Como resultados, a análise indicou como um conceito ocidental (melodrama) pode ser usado em uma animação japonesa, contribuindo com a carga sentimental da narrativa e facilitando o seu acesso, tendo em vista que é difundida pelo mundo em diferentes meios, como o cinema e as plataformas de streaming.
Palavras-chave Melodrama; Imaginação melodramática; Anime; Animação japonesa; Makoto Shinkai
Resumen
Este artículo analiza el desarrollo del personaje Yukari Yukino en el anime Garden of Words (2013), con el objetivo de presentar cómo producciones audiovisuales que no son parte del género melodrama utilizan sus estrategias narrativas en la construcción dramática de las obras. Para ello, se realizó una investigación bibliográfica sobre el melodrama y un análisis de recortes cinematográficos de la animación para identificar este recurso en la concepción de la historia del protagonista. Como resultado, el análisis indicó cómo un concepto occidental (melodrama) puede ser utilizado en una animación japonesa, contribuyendo a la carga sentimental de la narrativa y facilitando su acceso, considerando que se difunde alrededor del mundo en diferentes medios, como el cine y las plataformas de streaming.
Palabras clave Melodrama; Imaginación melodramática; Anime; Animación japonesa; Makoto Shinkai
Abstract
This article analyzes the development of the character Yukari Yukino in the anime Garden of Words (2013), to present how audiovisual productions that are not part of the melodrama genre use its narrative strategies in the dramatic construction of the works. Therefore, bibliographical research about melodrama was accomplished, and film analysis of excerpts from the animation to identify this resource in the conception of the protagonist’s story. As a result, the analysis indicated how a Western concept (melodrama) can be used in a Japanese animation, contributing to the sentimental charge of the narrative, and facilitating its access, considering that it is spread around the world in different media, such as cinema and streaming platforms.
Keywords Melodrama; Melodramatic imagination; Anime; Japanese animation; Makoto Shinkai
Introdução
Os animes são produtos midiáticos pertencentes à cultura pop japonesa (ou japop), que ficaram mundialmente conhecidos após sua distribuição para o Ocidente. Atualmente, estão em todo lugar, seja na televisão, plataformas de streaming, internet ou impressos. Por não ter amarras ou obrigações de seguir um padrão, os animes podem inventar realidades, pois possuem liberdade de criação para estimular os imaginários, facilitando o intercâmbio entre países. Segundo Napier (2005), quando os espectadores assistem as obras, se inserem nesse meio e parecem ser psicologicamente menos “resistentes”, pois não possuem as mesmas expectativas de verossimilhança de quando vão consumir um filme live action1, por exemplo, o que dá espaço para várias experimentações visuais. Além disso, os animes refletem as condições sociais da sociedade e exploram de modo criativo assuntos como a história local, religião, filosofia e política (NAPIER, 2005). São produções que carregam mensagens constituídas de valores, sentidos e ideais que surgem a partir do contexto em que os criadores vivem.
Como parte de uma pesquisa (SANTOS, 2021), em que se analisaram três animes do diretor Makoto Shinkai (Children Who Chase Lost Voices, Garden of Words e Your Name), este artigo observa recortes de Garden of Words (Kotonoha no Niwa, 2013) para mostrar situações em que o melodrama serviu de estratégia narrativa em uma produção que não se encaixa necessariamente como melodrama e, mais especificamente, em uma obra japonesa de animação. Escolheu-se apresentar neste espaço a jornada da personagem Yukari Yukino2 em seu esforço para tentar se reerguer e, segundo suas palavras, aprender a caminhar novamente após sofrer um grande trauma. O filme acompanha a amizade entre Yukino e o adolescente Takao, aborda problemas referentes ao crescimento e à vida, resolução de conflitos, depressão, encontros, autoaceitação e autoconhecimento, ajuda ao próximo, amores não concretizados e os dilemas da vida adulta.
O melodrama, na concepção de gênero clássico, ficou conhecido por trabalhar questões morais de forma exagerada e por utilizar o som como apoio para as construções dramáticas (THOMASSEAU, 2012), levando o público a acompanhar os sentimentos, artimanhas, reviravoltas e demais sensações representadas nos palcos do teatro e em filmes. Entretanto, prefere-se usar a imaginação melodramática (BROOKS, 1995; ELSAESSER, 1991) como lente de observação, ao invés do conceito melodrama, por ser uma forma mais livre e adaptável de se pensar suas características em produções contemporâneas. Segundo Peter Brooks (1994), a imaginação melodramática se tornou um modo de se olhar para o mundo, entender os sonhos e problemas atuais, acompanhar o local e tempo de produção de cada obra, de maneira que narrativas de qualquer gênero podem estar em constante diálogo com o melodrama, pois as características clássicas são atualizadas e ressignificadas nesses espaços.
Analisar uma animação japonesa a partir dessa lente mostra a flexibilidade e atualidade do melodrama, que continua a fazer parte das narrativas como um modo de narrar eficiente e auxilia no entendimento de produções oriundas de outros países que não o do espectador. Ademais, o filme já esteve no catálogo da Netflix brasileira, por exemplo, durante alguns anos, antes de ser retirado em 2018, facilitando o acesso por pessoas fora de seu país de origem. Ou seja, as estratégias narrativas e de distribuição colaboram com a acessibilidade e entendimento da obra.
Isso posto, o artigo parte do entendimento que associar um conceito ocidental com uma obra asiática é uma atividade válida e viável, como foi exposto no trabalho do qual este se deriva e é reproduzido neste espaço. A escrita deste texto se desenrola a partir do questionamento “Como a imaginação melodramática retrata a recuperação emocional de Yukari Yukino em Garden of Words?”. Assim, no primeiro item abordam-se questões teóricas referentes ao melodrama e o surgimento do termo imaginação melodramática para se referir à sua atualização. No segundo, apresenta-se o caminho metodológico utilizado, e no terceiro expõe-se a análise dos recortes do filme observado.
O melodrama e a imaginação melodramática
A palavra melodrama, originada na Itália, foi usada na França para designar os dramas inteiramente cantados e passou a classificar de maneira conveniente “as peças que escapavam aos critérios clássicos e que utilizavam a música como apoio para os efeitos dramáticos” (THOMASSEAU, 2012, p. 17). Como gênero, é uma forma narrativa que atinge o imaginário das pessoas, uma manifestação cultural e social que surge a partir das necessidades da população em um determinado momento para demonstrar os sentimentos das gerações. “Tais formas de expressão seriam modos imaginativos que permaneceriam até a modernidade, cujos medos, dificuldades, esperanças, valores morais e sociais dariam tônica às tramas” (NOGUEIRA; SAMPAIO, 2013, p. 343), e poderiam levar os espectadores à reflexão. Ao trabalhar questões do cotidiano, o melodrama demonstra através do triunfo dos bons e da justiça perante o vilão, que as coisas podem ficar bem, desde que não se perca a determinação e a esperança. O otimismo, mesmo em situações de extrema dificuldade, garante na imaginação uma forma de recompensa.
Nas últimas décadas, Peter Brooks (1995) e Thomas Elsaesser (1991) popularizaram o termo imaginação melodramática para atualizar as características do melodrama, percebendo-as localizadas histórica e culturalmente, deixando de lado uma estrutura fechada de gênero para existir como uma maneira de ver o mundo, uma imaginação. De acordo com essa concepção, o melodrama nunca morre, e sim “se transforma, pois é uma forma extraordinariamente adaptável: suas premissas, sua estrutura, retórica, visão, podem ser exploradas em uma série de assuntos em muitos meios diferentes” (BROOKS, 1995, p. 89, tradução nossa). Para Brooks, o melodrama é uma forma de entender a imaginação moderna, por isso vislumbrou a necessidade de rever o seu conceito e adequá-lo às mudanças sofridas pelos novos tempos.
Segundo Pires e Nogueira (2013), o conceito de melodrama permaneceu o mesmo ao longo dos anos, o que mudou foram os valores de aceitação tomados a priori pelas obras, ou seja, o melodrama pode apresentar diversos assuntos por ter um certo público como foco. “É como se o melodrama fosse uma lente através da qual é possível olhar as mais inesperadas situações sempre dentro de certos parâmetros” (PIRES; NOGUEIRA, 2013, p. 248), atentando-se para o caráter moralizante que as mensagens possuem. Complementando a ideia, Brooks (1995) destaca que o melodrama faz com que as pessoas percebam que mesmo as coisas mais cotidianas e corriqueiras da vida possuem significados, transmitem sensações e mostram que a vida por si só é importante.
Na contemporaneidade, não há a necessidade de rotular em todas as produções quem é bom ou mau, características que ficam muitas vezes implícitas em atitudes ou pensamentos, o mais importante é a razão pela qual se deram as escolhas feitas pelos personagens. Contudo, a esperança continua sendo uma propriedade presente, pois o desejo de justiça e ânsia por um final feliz, ou bem resolvido, instiga os espectadores. A esperança de reviravolta, ao atuar na imaginação a partir da promessa de restauração, consola o público mesmo quando o mocinho morre, pois indica que tudo aconteceu por uma razão. As fragilidades e incapacidades humanas encontram terreno para serem entendidas como processos de transformação, visto que as coisas se resolverão se a força de vontade interior do personagem for tão grande que mesmo um fracassado pode se tornar um vencedor, ao lidar com os conflitos e problemas com perseverança, sinceridade e pureza, e escolher seguir o caminho da bondade (PIRES; NOGUEIRA, 2013).
As metáforas são utilizadas pela imaginação melodramática para mostrar que tudo carrega um significado e pode ser expresso de maneiras diferentes de acordo com os pontos de partida. Assim, o melodrama pode ser considerado como um gênero expressivo, que ao detalhar os sentimentos em sua representação, leva a dramaturgia para um nível mais alto de admiração, sendo entendido como uma expressão da imaginação moral (BROOKS, 1995). Para Brooks, sua persistência e apelo popular surgem a partir dessa necessidade de dizer tudo, pois “Se podemos sentir seu apelo [...], deve ser porque somos atraídos [...] pela possibilidade imaginária de um mundo onde somos solicitados a dizer tudo, onde maneiras, o medo de autotraição e a acomodação com o outro não exercem mais uma força controladora” (BROOKS, 1995, p. 42, tradução nossa).
Pires e Nogueira (2013) destacam que a existência de uma imaginação melodramática em obras audiovisuais faz com que o público seja afetado diretamente pela obra, pois há um envolvimento entre eles de acordo com esse imaginário, “capaz de minimizar níveis de autoconsciência do público, atingindo o espectador em seu ponto mais frágil, naquilo que ele carrega, oculta e negocia todo o tempo: seus julgamentos sobre o mundo” (PIRES; NOGUEIRA, 2013, p. 244). Mas isso não quer dizer que o melodrama causa reações padronizadas ou alienantes, e sim que pode ser considerado como um auxílio para o indivíduo que vive rodeado de informações e imagens, o que retoma a ideia de Brooks (1995) de que o melodrama contribui para o entendimento de um mundo cada vez mais fragmentado e moderno. O melodrama se adapta conforme o que está acontecendo no agora, uma busca constante de novas categorias de emoções, e se reformula para adentrar diversos tipos de produções.
Com isso, ao observar um filme a partir das lentes do melodrama, seria necessário analisar através da ótica de um imaginário expansivo, que além de trabalhar questões da subjetividade dos indivíduos na contemporaneidade, também aponta para a instabilidade do próprio gênero, que utiliza de jogos para provocar estímulos, sejam visuais, sonoros ou afetivos (PIRES; NOGUEIRA, 2013). São nesses jogos que a dualidade entre bem e mal, característica do melodrama, está presente e trabalha com os julgamentos moralizantes de certo e errado da sociedade.
Brooks (1995) entende que o valor do melodrama reside em descrever as várias formas de cada cultura, em adição, Pires e Nogueira (2013) destacam que o melodrama reflete a sociedade, pois ainda que tenha se modernizado e passado por novas vivências, continua dependente de alguns valores binários. O melodrama segue renovando a forma de imaginar o mundo ao evidenciar assuntos que não podem ser facilmente ignorados, consegue transmitir significados que operam na individualidade das pessoas, explorar a vida social e criar novas interpretações de mundo.
Caminho metodológico
O artigo usa como procedimentos metodológicos o levantamento bibliográfico (STUMPF, 2005), para entender o melodrama e sua atualização para imaginação melodramática, e a análise fílmica (BORDWELL, 2008, 2013; VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 1994). A análise visou observar cenas específicas em que a história da personagem é contada e mostrada, descrever os acontecimentos para o espectador captar a atmosfera e os sentimentos dos momentos, e fazer associações com as situações e o modo como as passagens foram compostas, como as cores, trilha sonora, feições e demais detalhes que auxiliaram na construção narrativa. Desta forma, escolheram-se recortes analíticos que destacam as mudanças na vida da personagem Yukari Yukino e as estratégias narrativas melodramáticas empregadas para representar essas transformações.
A observação parte do problema principal da personagem, um bullying que sofreu e suas consequências emocionais e profissionais. Por conta do acontecimento, Yukino perde a habilidade de sentir gostos, exceto do chocolate e cerveja, e não consegue ir trabalhar, momento em que conhece outra personagem chamada Takao e tenta aprender a caminhar novamente, uma metáfora para conseguir voltar a viver sua vida normalmente. Neste percurso, algumas circunstâncias são importantes de serem analisadas, como: a dualidade entre público e privado, concepções exploradas na cultura japonesa e apresentada no filme a partir dos pés calçados e descalços; o sapato produzido por Takao para proteger Yukino em seu novo percurso; a chuva que aparece para reconfortar e ajudar a solucionar os problemas dos protagonistas; as cores e as feições que mudam de acordo com cada estação, chuvosa ou ensolarada; o final carregado de emoções, que conduz o encerramento da história seguido de um sol brilhante e um arco-íris. Essas situações foram escolhidas por direcionarem Yukino à possibilidade de conseguir seguir em frente novamente, arrumar outro trabalho e começar uma nova vida, tomar coragem para continuar.
Garden of Words: Yukari Yukino (re)aprendendo a caminhar
O filme Garden of Words (2013) acompanha o protagonista Takao em uma jornada de autoconhecimento, na qual se esbarra com Yukino. O adolescente mora com o irmão mais velho e sua mãe, que sai de casa para viver com seu jovem namorado. O maior sonho de Takao é se tornar um sapateiro, mas como os materiais e cursos necessários são muito caros, o garoto precisa arrumar trabalhos temporários para juntar dinheiro. Em um dia chuvoso, Takao decide matar o primeiro horário da escola e ir a um parque da cidade. Ao chegar, conhece uma mulher mais velha e misteriosa, Yukino, que recita um tanka (tipo de poema japonês) e o deixa intrigado. A partir desse encontro, Takao mata aula em todos os dias chuvosos para ir ao parque, na esperança de reencontrá-la. Com o desenrolar da história, os personagens chegam a um nível de esclarecimento e vínculo que nem mesmo a distância pode mudar.
Yukari Yukino (Figura 01) é uma professora de 27 anos com aparência jovem e gentil. Lecionava literatura na escola de Takao, mas largou o emprego por ter se envolvido em um escândalo inventado por alunas. O namorado de uma das meninas se apaixonou por Yukino e a garota espalhou pelo colégio que a professora tinha um romance com um menino menor de idade, na tentativa de se vingar da mulher pela qual seu namorado se afeiçoou. O episódio prejudicou Yukino e resultou em seu isolamento em casa, ao ponto de não conseguir ir trabalhar. Todos os dias se arrumava e ia até a estação, mas não era capaz de entrar no metrô, então, retornava ou se dirigia para o parque. Devido aos problemas emocionais desenvolvidos pelo choque e confusão, Yukino perdeu a capacidade de sentir os sabores das coisas, exceto da cerveja e chocolate, os quais passou a ingerir frequentemente. Seu apartamento (Figura 01) reflete o seu caos emocional e está sempre bagunçado, com roupas e lixo por todos os cantos.
Em relação ao melodrama, os protagonistas seriam a representação do bem, Yukino como a virtude corrompida pelo mal e Takao seu herói. A vilania aparece como o bullying feito pelas alunas, que injustamente acusaram a professora de algo que não fez e perturbaram sua vida por diversão e vingança. A falta de apoio de pessoas próximas revela a fragilidade das relações humanas e a facilidade de produzir julgamentos sobre os outros, visto que Yukino não recebeu ajuda durante sua depressão e Takao busca por um sonho que ninguém considera relevante.
A narrativa faz várias referências aos pés das pessoas e ao ato de caminhar e são inúmeras as cenas em que as imagens dos pés ganham destaque (Figura 02). Culturalmente para os japoneses, ficar descalço em público é incomum, pois é um ato reservado para o campo privado de suas casas, onde também não se pode entrar com o mesmo calçado que estava na rua, para não levar as impurezas de fora para dentro3. Deste modo, a obra constrói a metáfora dos pés como algo íntimo. Além disso, existem associações com a palavra andar, tanto no sentido de caminhar de um lado para o outro, quanto de forma metafórica para seguir com a própria vida, trilhar seu caminho, sair do estado de inércia. Os sapatos também são importantes, pois são responsáveis por proteger os pés e permitir o caminhar pelas ruas. Para Takao, os sapatos representam seu futuro e liberdade, pois quando conseguir se formar e ser um sapateiro profissional, terá a oportunidade de sair de casa e viver do seu próprio esforço. Curiosamente, os pés de Takao são mostrados poucas vezes durante o filme, possivelmente porque já possui um caminho trilhado para si, enquanto os de Yukino aparecem com frequência, visto que está em crise emocional.
Durante o segundo4 encontro, os personagens apenas se sentam no mesmo gazebo e fazem suas próprias coisas sem trocarem muitas palavras, mas reparam no outro. Ao associar, metaforicamente, os pés descalços com o compartilhamento de algo privado, nota-se que a professora queria se abrir para o garoto, pois balançava os pés com o sapato preso apenas pelos dedos, brincando com ele até quase cair (Figura 03). Estar perto de tirar os sapatos em público revela a inquietação de Yukino e, de certa forma, sua vontade de mostrar seu íntimo para Takao. O garoto percebe os movimentos da professora, observa atentamente e desenha seus pés descalços no caderno (Figura 03). Após esse momento, a mulher fala finalmente com Takao e pergunta sobre suas aulas. Takao, irritado pela insinuação de ter faltado a um dia letivo (o que era verdade), retruca perguntando sobre o trabalho de Yukino e encara suas cervejas em cima do banco. A professora abaixa a cabeça e diz que não foi trabalhar. Takao percebe que algo estava errado, tenta animá-la ao invés de repreendê-la pelas cervejas e aconselha a não beber sem comer para não passar mal. Yukino tira várias barras de chocolate da bolsa e o assusta, mas acrescenta que todo mundo tem suas pequenas peculiaridades, então estava tudo bem em achá-la estranha. O garoto se levanta para voltar ao colégio, conta que decidiu faltar às aulas apenas em manhãs chuvosas e Yukino se anima, pois fica implícito um acordo de se encontrarem novamente durante esse período.
Se torna claro durante a obra que a experiência traumática pela qual Yukino passou desencadeou uma depressão e a perda do paladar, exceto pelo gosto da cerveja e chocolate. Mesmo não sendo dependente do álcool, essa circunstância pode ser relacionada ao que Ien Ang (1985) discorre sobre personagens alcoólatras em melodramas. A autora defende que o alcoolismo é utilizado como uma metáfora para representar a impotência do personagem, uma vez que a intenção não é focar no vício da bebida, e sim no seu estado psicológico, seu sofrimento e os conflitos emocionais com os quais está lutando. Além de ter latas de cerveja (Figura 04) espalhadas pela casa, Yukino costuma levar as bebidas para o parque, onde existe uma placa indicando que é proibido entrar com álcool em seu interior e a professora ignora. A cerveja como a única opção de líquido que Yukino era capaz de sentir o sabor conduz os espectadores para seus problemas internos, sua incapacidade de trabalhar, seguir com sua vida e ser feliz após o ocorrido. Thomas Elsaesser (1991) contribui com o raciocínio ao explicar que:
[...] a bebida se torna interessante nos filmes em que seu significado dinâmico é desenvolvido e suas qualidades como uma metáfora visual reconhecida: sempre que os personagens são vistos degustando e engolindo suas bebidas como se estivessem engolindo suas humilhações, juntamente com seu orgulho, a vitalidade e força vital tornam-se palpavelmente destrutivas, e uma falsa libido se transforma em ansiedade real
Seguindo a ideia de que os sapatos auxiliam na conquista de um futuro melhor, Takao trabalha arduamente para fazer um bom calçado para Yukino, pois mesmo sem vê-la, deseja criar um par que vai fazê-la se erguer e andar novamente. Ou seja, além de seu crescimento pessoal, Takao almeja ajudar Yukino a encontrar seu próprio caminho e seguir com sua vida. Essa atitude se refere a um momento5 anterior no parque, em que a professora decide ajudá-lo a desenhar um sapato, pois Takao estava com dificuldade em acertar a forma de um modelo feminino. Como uma troca de gentilezas, Yukino tira sua sandália e estende os pés na folha de papel de Takao (Figura 05) para ajudá-lo a medir e traçar o molde a partir de um pé feminino real. Em contrapartida, Takao também a ajuda, pois consegue fazê-la se abrir para ele. Ao tirar seus sapatos em um local público, Yukino expõe algo que deveria ficar guardado e ser revelado apenas no espaço privado, simultaneamente, a professora revela alguns aspectos de sua vida e confessa que não conseguia andar direito. Takao pergunta se ela estava falando sobre o seu trabalho, já que toda manhã faltava o serviço e ia ao parque. Yukino responde que sim, mas que também era sobre várias outras coisas. Mesmo superficialmente, Yukino aborda seu passado, expõe sua fragilidade e a associa com o ato de andar, pois ao se referir a um momento ruim de sua vida e uma dificuldade que passou, resume em “não conseguir andar”, ou seja, não era capaz de superar o problema e seguir com sua vida, “andar para frente”.
Outro elemento importante para o filme é a chuva, da qual podem ser feitas várias relações, como se fosse um personagem. A chuva aproxima as pessoas através do cheiro e do molhado, enche os rios e estradas, traz vida para a natureza e faz com que o céu seja mais palpável, pois age como intermediária, uma ligação entre o céu distante e o restante do mundo. A obra explora essas características e expressa a chuva como algo reconfortante, que representa o encontro, o descobrimento e a esperança. Normalmente, a chuva é relacionada a fatores negativos, como a impossibilidade ou dificuldade de se locomover (principalmente a pé), roupas molhadas e preguiça, mas, para Garden of Words, é metáfora de um rito de passagem, pois é durante a estação chuvosa que as vidas dos protagonistas se transformam.
Para demonstrar a relevância da chuva, Makoto Shinkai e sua equipe optaram por atribuir-lhe uma coloração verde, principalmente nas cenas em que os personagens estão tranquilos no parque. Com a intenção de dissociar do sentido restritivo, de um frio que deixa as pessoas isoladas dentro de casa, optou-se por colocar na imagem um tom que fizesse a chuva parecer ser verde (Figura 06). Ao se misturar com a vegetação do local e o lago, a chuva verde passa uma sensação reconfortante para os espectadores. O diretor (SHINKAI, 2013) explica que escolheu essa coloração para quebrar a ideia de que a chuva é deprimente e cinza e mostrar que sua água carrega vida para o ambiente. Logo, a chuva verde seria uma forma de destacar a vida, tanto da natureza quanto dos personagens.
Para Yukino, a chuva aparenta ser ainda mais importante, pois enquanto a estação chuvosa traz conforto e esperança de uma vida melhor, a estação quente6 representa momentos desagradáveis, já que durante esse período os personagens não se encontram. O calor também está ligado às obrigações do dia a dia, pois ambos precisam encarar seus afazeres. Como Yukino está desempregada, passa o tempo caminhando pela cidade sem um motivo específico e vai ao parque na esperança de encontrar Takao, o que não acontece. Seu humor e expressão mudam totalmente, pois anda cabisbaixa pelas ruas (Figura 07), sem rumo e aparentemente infeliz. Yukino volta a tomar cervejas e comer chocolates (Figura 07), um hábito que havia deixado após começar a se envolver com Takao, o que representa uma recaída. A professora passa o final de julho e todo o mês de agosto ansiosa e depressiva. As imagens também demonstram sua inquietação, possuem tons azulados e frios, uma oposição às cores vibrantes que se espera de um clima quente. Em um momento7, sozinha no parque, Yukino balança o pé com rapidez e joga seu sapato longe, como se não importasse com mais nada.
Curiosamente, a estação chuvosa começou mais cedo e terminou mais tarde do que a média dos últimos anos na região, o que pode significar uma tentativa da chuva de continuar permitindo que os personagens se encontrem para resolverem algumas questões antes de encararem o sol, principalmente Yukino. A chuva fora de época deixa implícito a existência de pendências entre os protagonistas, sendo necessário mais um momento chuvoso para se esclarecerem. Em seguida8, apresenta-se a ocasião com maior carga emocional de todo o filme, a conclusão entre eles. Em seu prédio, Yukino corre para alcançar Takao (Figura 08), ignora os sapatos na porta do apartamento e desce as escadas, o que retoma as associações feitas anteriormente sobre os pés, o caminhar e a busca por um futuro melhor. Ao correr descalça nas escadas molhadas, a professora escorrega e cai, mas se levanta e continua a correr. O momento demonstra o esforço de Yukino em tentar andar sozinha e correr atrás daquilo que quer, ou seja, fazer as pazes e estreitar a relação com Takao, ignorando os obstáculos no caminho.
Yukino encontra Takao encostado no parapeito da escada observando a chuva e fica imóvel em sua frente (Figura 09). A chuva se intensifica, Takao diz que a odeia, pede para esquecer tudo o que disse e expõe as coisas ruins que pensa sobre ela, inclusive a postura de apenas ouvir as histórias do garoto e nunca se abrir e compartilhar quem era com ele. Takao aumenta seu tom de voz gradativamente, até começar a gritar e chorar. Yukino também chora e um raio de sol ilumina parte de seu rosto. Em seguida, a professora se joga nos braços do garoto e se entrega emocionalmente para ele. Yukino explica que todas as manhãs se vestia para ir ao trabalho e não conseguia, pois estava muito assustada, mas foi salva por Takao após os encontros no parque, que resultaram em mudanças na sua vida. Os personagens se abraçam e choram intensamente (Figura 09), o céu se abre e o sol ilumina-os na escada, o que representa a capacidade de prosseguirem com suas vidas e ideais. A sequência de encerramento do filme começa após a cena em questão.
Apesar do filme abranger diferentes meses em apenas trinta minutos, a passagem de tempo foi feita com delicadeza e tranquilidade, em contraste com a cena descrita acima, que possui aproximadamente quatro minutos seguidos de intensidade emocional. Os personagens gritam seus pensamentos e emoções um para o outro, descarregam tudo o que guardaram durante os meses que passaram. O reaparecimento da chuva para garantir a conclusão das histórias de Yukino e Takao, seguido de um sol brilhante, indica que o tempo que estiveram juntos no parque se encerrou e um novo futuro de recomeços os espera. Ao gritarem suas emoções até o surgimento do sol, os personagens completam suas jornadas, acabam com possíveis mal-entendidos e encontram-se prontos para aprenderem com as partes ruins e seguirem em frente. Yukari Yukino pode finalmente virar a página de um capítulo perturbado e recomeçar sua vida, pois conseguiu reaprender a andar, estar em público e prosseguir por novos caminhos.
Considerações finais
A partir dos recortes expostos, percebe-se que o anime Garden of Words (2013) apresenta com delicadeza o cotidiano e transparece as características do melodrama. O filme retrata as consequências do bullying, a busca por realizar sonhos, a conduta de ajudar o próximo, a superação, as mudanças que ocorrem na vida das pessoas, relacionamentos que não dão certo e emoções exaltadas. O adolescente Takao ajuda a professora Yukino a vencer um momento delicado, enquanto trabalha para conquistar suas próprias ambições.
A estação das chuvas funciona como um rito de passagem para os personagens, que se encontram em um parque e se tornam amigos. A mensagem principal envolve metáforas sobre os pés e o ato de caminhar, que transmitem a noção de público e privado, ser capaz de conseguir andar sozinho e seguir com sua própria vida, situações que envolvem o descobrimento (de si e do outro), superação de problemas e metáforas sobre como viver: um adolescente no começo de sua jornada e uma adulta com conflitos para serem solucionados. Os espectadores possuem acesso aos pensamentos dos protagonistas e podem dividir com eles suas emoções, desejos e inquietações. Ao final, uma cena curta e com grande apelo emocional mostra a importância de buscar ajuda e continuar sua caminhada, uma ocasião simbólica que retrata um momento difícil que pode ocorrer com qualquer pessoa.
Os valores morais são apresentados no universo particular dos personagens, que em vários momentos questionam suas escolhas de vida e traçam mudanças. O bullying aponta a maldade, pois uma atitude impensada de adolescentes transforma a vida de Yukino, desencadeia uma depressão e outros problemas emocionais, ao ponto de precisar se reinventar, trocar de trabalho e cidade para se recuperar. O relacionamento entre um adulto e um jovem seria problemático caso se concretizasse, mas como a paixão de Takao não é correspondida por Yukino, o fato de terem doze anos de diferença é ignorado e substituído pela ideia de uma amizade não convencional, porém profunda e necessária para o momento da vida de cada um. De certa forma, Takao desejava a aprovação de um adulto para sua escolha profissional, já que sua mãe e irmão não o levavam a sério, e encontrou em Yukino a aceitação que buscava. Yukino descobriu na juventude de Takao o conforto que precisava, uma vez que foram adolescentes que prejudicaram sua vida e os adultos não acreditaram em sua palavra.
Os recursos presentes no filme como a música, as escolhas estéticas, a passagem de tempo e a ênfase em elementos da natureza auxiliam a transmissão das mensagens e emoções, e consequentemente, facilitam o entendimento do público, reforçam a representação da beleza do cotidiano e o valor em assisti-lo. O esforço dos personagens para conquistar seus objetivos realça suas índoles e força de vontade, o que pode ajudar pessoas de várias partes do mundo a superarem seus problemas e não desistirem dos seus sonhos. Ademais, as relações entre a chuva, os pés e o caminhar, ressaltam que mesmo em tempos adversos, onde a esperança parece ter sido abandonada, é preciso continuar a lutar e seguir adiante, até o sol raiar novamente.
As metáforas escolhidas conseguem alcançar espectadores fora do Japão, tendo em vista que a relação feita entre os pés e o caminhar e as mudanças de estações são situações compartilhadas com pessoas de diversos locais. Além de todos terem pés, a compreensão deles como uma caminhada, uma metáfora para seguir em frente, é um modo de pensar que ultrapassa fronteiras, pois também faz sentido fora da cultura japonesa. O mesmo acontece com a chuva e o sol, que são elementos naturais que todos compartilham e atribuem significados semelhantes para eles, como relacionar o brilho solar com a ideia de renovação e recomeço, e a chuva como um momento introspectivo e de reflexão. Embora a narrativa tenha sido construída no contexto japonês>, as estratégias da imaginação melodramática em conjunto com as metáforas são eficazes para atingir espectadores de várias partes do mundo, ao indicarem questões que fazem parte do cotidiano e imaginário dessas pessoas, tornando a compreensão e a própria obra mais acessíveis.
Deste modo, o artigo não tem a intenção de esgotar o assunto e nem o filme, mas mostrar, através de recortes feitos em Garden of Words que destacam a personagem Yukari Yukino, como a imaginação melodramática pode ser utilizada para retratar questões pessoais, sentimentais e de superação em uma animação japonesa. A disponibilidade de animes, e desse em específico, em salas de cinema e plataformas de streaming, contribui para que mais pessoas descubram e se interessem por produtos midiáticos japoneses, entrando em contato com outra cultura.
-
1
Os filmes em live action são gravados com pessoas e locais reais, mas devido à impossibilidade de realizar algumas cenas e situações presencialmente, insere-se efeitos especiais, incluindo a própria animação, para produzir o resultado desejado.
-
2
Nome em leitura ocidental, em japonês refere-se primeiro ao sobrenome, Yukino Yukari.
-
3
Nas casas japonesas existem um espaço chamado genkan (玄関) onde as pessoas que chegam deixam seus sapatos e trocam por uma surippa (スリッパ), pantufa específica para andar no interior da casa. O genkan fica um degrau abaixo do nível da casa e serve como uma fronteira entre o interior e exterior do lar. Por ter origem nos templos budistas, acredita-se que protege a harmonia do lar de energias impuras do exterior, além das bactérias e sujeira das ruas (KUTSU..., 2020).
-
4
Sequência 00:08:11 – 00:10:00.
-
5
Sequência 00:18:52 – 00:20:45.
-
6
Sequência 00:21:15 – 00:23:09.
-
7
Sequência 00:24:17 – 00:24:40.
-
8
Sequência 00:37:40 – 00:40:30.
Disponibilidade de dados
Os dados que apoiam os resultados deste estudo estão disponíveis mediante solicitação às autoras.
Referências
- ANG, I. Watching Dallas: Soap opera and the melodramatic imagination. New York: Methuen, 1985.
- BORDWELL, D. Figuras traçadas na luz: a encenação no cinema. Tradução: Maria Luzia Machado Jatobá. Campinas: Papirus, 2008.
- BORDWELL, D. Sobre a história do estilo cinematográfico Tradução: Luís Carlos Borges. Campinas: Editora da Unicamp, 2013.
- BROOKS, P. The melodramatic imagination: Balzac, Henry James, melodrama, and the mode of excess. London: Yale University Press, 1995.
- ELSAESSER, T. Tales of sound and fury: observations on the family melodrama. In: LANDY, Marcia. Imitations of life: a reader on film and television melodrama. Detroit: Wayne State University Press, 1991, p. 68-91.
- GARDEN of Words. Direção: Makoto Shinkai. Produção: Comix Wave Films. EUA: Sentai Filmwork, 2013. 1 Blu-ray (46 min), widescreen, color.
-
KUTSU, N. W. (靴を脱ぐ): tirar os sapatos ao entrar em casa. Japan House - São Paulo 2020. Disponível em: https://www.japanhousesp.com.br/artigo/kutsu-wo-nugu-tirar-sapatos-ao-entrar-em-casa/ Acesso em: 03 ago. 2022.
» https://www.japanhousesp.com.br/artigo/kutsu-wo-nugu-tirar-sapatos-ao-entrar-em-casa/ - NAPIER, S. J. Anime from Akira to Howl’s Moving Castle: experiencing contemporary Japanese animation. Updated ed. New York: Palgrave Macmillian, 2005.
- NOGUEIRA, L. M.; SAMPAIO, Í.S. C. M. O olhar entre o bem e o mal no melodrama: um estudo de O medo consome a alma. Revista Famecos, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 337-353, maio/ago. 2013.
- PIRES, C. A. S. B.; NOGUEIRA, L. M. Como palavras ao vento: considerações sobre a imaginação melodramática. Revista UFG, Goiânia, v. 14, n. 14, dez. 2013.
- SANTOS, T. S. A imaginação melodramática em animações de Makoto Shinkai 2021. 204 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Faculdade de Informação e Comunicação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2021.
-
SHINKAI, M. Interview with Director Makoto Shinkai on his new work “The Garden of Words” (Vol. 1). [Entrevista cedida a] Tokyo Otaku Mode. Tokyo Otaku Mode 2013. Disponível em: https://otakumode.com/news/51a7128876d9348e3600755b/Interview-with-Director-Makoto-Shinkai-on-His-New-Work-ldquo-The-Garden-of-Words-rdquo-Vol-1 Acesso em: 03 ago. 2022.
» https://otakumode.com/news/51a7128876d9348e3600755b/Interview-with-Director-Makoto-Shinkai-on-His-New-Work-ldquo-The-Garden-of-Words-rdquo-Vol-1 - STUMPF, I. R. C. Pesquisa bibliográfica. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (org.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação São Paulo: Atlas, 2005, p. 51-61.
- THOMASSEAU, J. O melodrama Tradução: Claudia Braga e Jacqueline Penjon. São Paulo: Perspectiva, 2012.
- VANOYE, F.; GOLIOT-LÉTÉ, A. Ensaio sobre a análise fílmica Tradução: Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 1994.
Editado por
-
Editora responsável: Maria Ataide MalcherAssistente editorial: Aluzimara Nogueira Diniz, Julia Quemel Matta, Suelen Miyuki A. Guedes e Weverton Raiol
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Dez 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
09 Ago 2022 -
Aceito
25 Out 2023