Resumos
As vespas sociais são notáveis por sua organização social complexa, arquitetura elaborada dos ninhos, e por seu papel em ecossistemas terrestres como predadores de outros insetos e artrópodes. O número de inventários de vespas sociais no Brasil ainda é pequeno, assim como os esforços para padronização dos protocolos de coleta, dificultando a comparação entre os resultados obtidos. A composição e a riqueza das vespas sociais na Floresta Nacional de Caxiuanã, Melgaço, PA, foram avaliadas através de um inventário estruturado numa parcela quadrada de 25 km² de floresta de terra firme. Os métodos de coleta empregados foram a "busca ativa por indivíduos e colônias em trilhas de 1.000m" e "armadilhas de Malaise". Foram registradas 65 espécies de vespas sociais pertencentes a 12 gêneros. Agelaia fulvofasciata (Deeger, 1773) e Angiopolybia pallens (Lepeletier, 1836) foram as espécies mais frequentes na área em ambos os métodos. Busca ativa apresentou um melhor desempenho quanto à descoberta de espécies de vespas sociais (63) do que armadilha de Malaise (26). O levantamento representou um incremento de 21 espécies à lista obtida anteriormente para Caxiuanã e de um novo registro para o estado do Pará (Polybia brunnea (Curtis, 1844)).
Polistinae; vespas sociais; inventário estruturado; Amazônia
Social wasps are remarkable for their complex social organization, elaborated architecture of the nests, and predatory activity over other insects and arthropods. The number of inventories made in Brazil has been small as well the efforts for standardization of collecting protocols, so that adequate comparison of results remains difficult. The composition and richness of social wasps in Floresta Nacional de Caxiuanã, Melgaço, PA, Brazil were assessed by performing a structured inventory in a 25 km² square parcel of "terra firme" forest. Collecting methods were "active search for individual and colonies along 1,000 m transects" and "Malaise trapping". Sixty-five species of 12 genera were collected with both methods. Agelaia fulvofasciata (Degeer, 1773) and Angiopolybia pallens (Lepeletier, 1836) were the most frequent species. The active search method performed better (63 spp.) than Malaise traps (26 spp). The survey added 21 species to the list of Caxiuanã, and resulted in a new record for Pará state (Polybia brunnea (Curtis, 1844)).
Polistinae; social wasps; structured inventory; Amazonia
Suzanna de S. Silva; Orlando T. Silveira
Museu Paraense Emílio Goeldi, Coordenação de Zoologia, Av. Perimetral, s/n, Caixa Postal 399, 66040-170 Belém, PA, Brasil. (suzanna_silva@yahoo.com.br; orlando@museu-goeldi.br)
ABSTRACT
Social wasps are remarkable for their complex social organization, elaborated architecture of the nests, and predatory activity over other insects and arthropods. The number of inventories made in Brazil has been small as well the efforts for standardization of collecting protocols, so that adequate comparison of results remains difficult. The composition and richness of social wasps in Floresta Nacional de Caxiuanã, Melgaço, PA, Brazil were assessed by performing a structured inventory in a 25 km² square parcel of "terra firme" forest. Collecting methods were "active search for individual and colonies along 1,000 m transects" and "Malaise trapping". Sixty-five species of 12 genera were collected with both methods. Agelaia fulvofasciata (Degeer, 1773) and Angiopolybia pallens (Lepeletier, 1836) were the most frequent species. The active search method performed better (63 spp.) than Malaise traps (26 spp). The survey added 21 species to the list of Caxiuanã, and resulted in a new record for Pará state (Polybia brunnea (Curtis, 1844)).
Keywords: Polistinae, social wasps, structured inventory, Amazonia.
RESUMO
As vespas sociais são notáveis por sua organização social complexa, arquitetura elaborada dos ninhos, e por seu papel em ecossistemas terrestres como predadores de outros insetos e artrópodes. O número de inventários de vespas sociais no Brasil ainda é pequeno, assim como os esforços para padronização dos protocolos de coleta, dificultando a comparação entre os resultados obtidos. A composição e a riqueza das vespas sociais na Floresta Nacional de Caxiuanã, Melgaço, PA, foram avaliadas através de um inventário estruturado numa parcela quadrada de 25 km² de floresta de terra firme. Os métodos de coleta empregados foram a "busca ativa por indivíduos e colônias em trilhas de 1.000m" e "armadilhas de Malaise". Foram registradas 65 espécies de vespas sociais pertencentes a 12 gêneros. Agelaia fulvofasciata (Deeger, 1773) e Angiopolybia pallens (Lepeletier, 1836) foram as espécies mais frequentes na área em ambos os métodos. Busca ativa apresentou um melhor desempenho quanto à descoberta de espécies de vespas sociais (63) do que armadilha de Malaise (26). O levantamento representou um incremento de 21 espécies à lista obtida anteriormente para Caxiuanã e de um novo registro para o estado do Pará (Polybia brunnea (Curtis, 1844)).
Palavras-chave: Polistinae, vespas sociais, inventário estruturado, Amazônia.
A subfamília Polistinae representa o grupo mais diverso dentre as vespas sociais, com mais de 900 espécies descritas. Esta subfamília encontra-se subdivida em quatro tribos, das quais apenas Polistini, Mischocyttarini e Epiponini ocorrem no Brasil. Polistes Latreille, 1802, Mischocyttarus de Saussure, 1853 e mais 20 gêneros de Epiponini formam a fauna brasileira, com um total de cerca de 300 espécies, das quais, 104 são endêmicas (CARPENTER et al., 1996; CARPENTER & MARQUES, 2001).
Vespas sociais constituem um grupo importante para o entendimento da evolução do comportamento social. O grupo apresenta uma série de características que refletem uma estrutura social elaborada tais como: aprovisionamento progressivo para a prole com presas mastigadas (formas adultas e imaturas de artrópodes), cuidado da prole até a emergência do adulto, reutilização das células de cria, compartilhamento do ninho por adultos de várias gerações, "trofalaxis" entre adultos, cooperação no cuidado da prole e divisão temporal reprodutiva de trabalho (CARPENTER, 1991). A diversidade de formas e a complexidade arquitetônica dos ninhos são tamanhas que alguns detalhes estruturais têm sido usados na elaboração de chaves de identificação em nível de gênero (WENZEL, 1998; ARAB et al., 2003). A dieta rica em proteínas, adquirida em grande parte através do consumo de larvas de lepidópteros, confere a estes insetos um importante papel econômico no controle natural de pragas (MARQUES, 1996).
No Brasil os estudos publicados sobre a biologia de vespas sociais envolvem aspectos como a preferência por habitats (HENRIQUES et al., 1992; RAW, 1992; DINIZ & KITAYAMA, 1994; RAW, 1998; CRUZ et al., 2006), densidade de ninhos (HENRIQUES et al., 1992; DINIZ & KITAYAMA, 1994), flutuação sazonal em número de colônias, hábitos de nidificação (DINIZ & KITAYAMA, 1998; LIMA et al., 2000), visitantes florais (MECHI & MORAIS, 2000; SILVA-PEREIRA & SANTOS, 2006), dentre outros. Estes trabalhos têm contribuído para o registro de um número significativo de espécies, principalmente em áreas de cerrado. Entretanto, a falta de padronização entre as diferentes metodologias utilizadas dificulta o estudo comparado sobre aspectos como a composição, distribuição e abundância da fauna de vespas sociais nas diversas regiões estudadas.
O número de inventários propriamente ditos da fauna de vespas sociais no Brasil ainda pode ser considerado reduzido (SILVEIRA, 2002; SOUZA & PREZOTO, 2006; ELPINO-CAMPOS et al., 2007; SANTOS et al., 2007). Para a Amazônia brasileira, destaca-se o trabalho de SILVEIRA (2002), realizado em uma área de preservação no Estado do Pará, onde foi aplicado um protocolo simples de amostragem baseado principalmente na busca por indivíduos e colônias de vespas ao longo de trilhas de 1.000 m e na instalação de armadilhas de Malaise. Este inventário conduziu ao registro de 79 espécies de vespas. Além disso, tornou possível a obtenção de estimativas indiretas da abundância relativa da maioria das espécies e a construção de curvas de acumulação, úteis na avaliação da eficiência dos métodos de coleta e do estágio alcançado no inventário.
O presente trabalho foi realizado no âmbito do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio), criado em 2004 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. O Programa tem como um de seus objetivos estabelecer protocolos padronizados para inventários de variados táxons biológicos. O PPBio tem abrangência nacional e iniciou sua implementação nas regiões da Amazônia e do Semi-Árido, tendo o compromisso de ser implementado em todas regiões e biomas brasileiros. Os protocolos de coleta do PPBio em Caxiuanã baseiam-se num sistema de trilhas perpendiculares, em forma de grade, cobrindo uma área de 5x5 km. Coletar vespas sociais em uma grade de 5x5 km resulta em alguns aspectos diferenciais em relação ao protocolo proposto por SILVEIRA (2002): a área da grade inventariada corresponde a aproximadamente 1/8 da área explorada pelo autor citado e a disposição dos percursos de busca de forma concentrada e regular difere do padrão seguido por SILVEIRA (2002) (percursos dispersos, abrangendo uma maior variedade de ambientes).
O presente estudo apresenta dados faunísticos obtidos sob condições controladas de amostragem em respeito à área total explorada, aos procedimentos de coleta e à intensidade de esforço amostral. A estratégia adotada é comparada àquela do inventário realizado por SILVEIRA (2002), com relação à eficiência no descobrimento das espécies.
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo. A área de coleta situa-se na Floresta Nacional de Caxiuanã, Município de Melgaço, a 400 km de Belém - Pará, uma área de 330 mil hectares gerenciada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA). Em sua porção norte encontra-se a Estação Científica Ferreira Penna (ECFPn), base de pesquisas do Museu Paraense Emílio Goeldi, que compreende uma área de 33 mil ha (Fig. 1). O clima da região é do tipo Ami (Köppen), clima tropical úmido com um curto período de estiagem, e a temperatura média fica em torno de 26°C, com mínima de 22°C e máxima de 32°C (COSTA & MORAIS, 1997). O tipo de vegetação mais comum é a Floresta Tropical Úmida de Terra Firme que ocupa 85% de toda a área da FLONA (LISBOA et al., 1997).
A área de coleta consiste numa parcela quadrada de 5x5 km cujo interior é cortado por dois conjuntos perpendiculares de trilhas com extensão de 5 km. As trilhas se entrecruzam em intervalos de 1 km, conferindo à parcela um formato de grade. As expedições foram realizadas no ano de 2006, nos meses de março-abril (16 dias), julho-agosto (18 dias) e outubro-novembro (10 dias), totalizando 44 dias efetivos de coleta.
Busca ativa. Consistiu na procura visual por colônias e indivíduos em voo ao longo dos 60 segmentos de 1.000 m da parcela. Foi realizada por três coletores, sendo que um deles permaneceu sobre o eixo da trilha, enquanto os outros dois se deslocaram pelas laterais, afastados cerca de 5 m para o interior da mata. A busca ativa foi feita, em geral, no período de 9:00 h às 16:00 h. Houve certa variação no número de trilhas percorridas em cada expedição, 12 trilhas tendo sido percorridas na primeira expedição, 28 na segunda e 20 na terceira. A unidade amostral considerada para este método consistiu em um segmento de 1.000 m.
Armadilha de Malaise. Foram instaladas nos pontos de intersecção das trilhas da parcela, sendo 10 na primeira expedição (lado norte da grade), 10 na segunda (lado sul) e 6 na última expedição (lado sul). As armadilhas permaneceram em funcionamento por 10 dias e, a cada período de 5 dias, as mesmas foram vistoriadas para retirada do material coletado. Neste método, a unidade amostral consistiu em uma armadilha de Malaise funcionando em um período de 10 dias.
Os exemplares coletados encontram-se depositados na coleção de invertebrados do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG).
Análise dos dados. A identificação das espécies foi feita com chaves publicadas (RICHARDS, 1978; COOPER, 1996a, b; 1997a, b) e através da comparação com exemplares depositados na coleção de invertebrados do MPEG.
O Índice de Jaccard (KREBS, 1989) foi utilizado para medir a similaridade entre a lista de espécies obtida no presente trabalho e àquela obtida por Silveira (2002) na área da ECFPn.
A abundância relativa das espécies foi estimada indiretamente por suas freqüências nas amostras (número de amostras no qual a espécie foi registrada/número total de amostras) (SILVEIRA, 2002). O termo registro refere-se a qualquer tipo de encontro da espécie, seja do indivíduo ou da colônia.
Para avaliar o processo de adição de espécies em resposta ao aumento do esforço de coleta, foram construídas curvas de acumulação de espécies com o auxílio do programa Estimates 7.5.0. Também foram obtidas estimativas do número máximo assintótico de espécies para cada método de coleta, seguindo o modelo de Michaelis-Menten para dados presença/ausência (MMMeans; COLWELL, 2005). Utilizando um algoritmo informado por Robert K. Colwell (com. pess.), foi calculado o número de amostras necessárias para adicionar mais uma espécie à lista total.
Para a avaliação do grau de redundância (repetições) na composição em espécies entre amostras, foi utilizado o programa DIVA-GIS 5.2 (HIJMANS et al., 2005). Este programa realiza a busca de um subconjunto das amostras sujeito às condições de que o mesmo seja o menor possível, e que as amostras tenham máxima complementaridade, daí resultando um máximo de espécies. O algoritmo é utilizado para a seleção de reservas biológicas, num procedimento que captura a quantidade máxima de diversidade com o menor número de unidades possível (HIJMANS et al., 2005).
RESULTADOS
Ao longo das três expedições foram registradas 65 espécies de vespas sociais distribuídas em 12 gêneros (Tab. I). Quase 65% das espécies coletadas pertencem somente a dois gêneros: Polybia Lepeletier, 1836 e Mischocyttarus de Saussure, 1853. Com exceção destes e também de Agelaia Ducke, 1910, os demais gêneros foram representados por apenas 1 a 2 espécies.
A comparação entre as listas de espécies da parcela de 25 km2 e da área estudada anteriormente na ECFPn, também em Caxiuanã, revelou uma similaridade de 42%.
Busca ativa. Em percursos de busca ativa foram registradas 63 espécies e 12 gêneros (Tab. I). Através deste método, foram efetuados 590 registros, dos quais 87,4% foram indivíduos em voo e 12,5% colônias inteiras. Os principais gêneros em número de espécies foram Mischocyttarus (21) e Polybia (19).
As espécies mais frequentes nos percursos de busca ativa foram Agelaia fulvofasciata (Deeger, 1773) (85% das amostras) e Angiopolybia pallens (Lepeletier, 1836) (66,7% das amostras) (Tab. I). Juntas, estas espécies totalizaram 42,5% dos encontros efetuados. Poucas espécies apresentaram frequência superior a 20% nas amostras, enquanto que, a grande maioria (49 espécies) apresentou frequência abaixo de 10%. Trinta e seis espécies foram representadas por apenas um ou dois indivíduos. Tais espécies pertencem principalmente aos gêneros Polybia e Mischocyttarus.
Nas armadilhas de Malaise foram coletados 244 indivíduos distribuídos em cinco gêneros e 26 espécies (Tab. I). Os principais gêneros em número de espécies foram Polybia (13) e Agelaia (8). O número de espécies obtido em armadilhas representa apenas 40 % do total registrado em toda a área da parcela com os dois métodos empregados. A espécie mais frequentemente registrada foi Angiopolybia pallens, capturada em 73 % das amostras, seguida por Agelaia fulvofasciata (65 % das amostras) (Tab. I). Polybia lilliacea (Fabricius, 1804), uma das espécies de menor freqüência no método busca ativa, foi a terceira espécie mais freqüente em armadilha de Malaise. Oito espécies apresentaram uma frequência superior a 20 %; seis espécies apresentaram uma frequência intermediária (entre 10 e 20 %) e 12 espécies uma frequência reduzida nas amostras (abaixo de 10 %). As espécies dos gêneros Polybia, Agelaia e Angiopolybia Araujo, 1946 detêm a maior parte dos indivíduos capturados nas armadilhas. Apenas uma pequena porcentagem de indivíduos (<1 %) pertence aos gêneros Leipomeles e Mischocyttarus.
O número médio de espécies capturadas por armadilha variou de 3-5 e o número médio de indivíduos por armadilha de 3-9. Este último valor foi semelhante entre as duas primeiras expedições e mais diferenciado na última. De modo geral, a contribuição em número de espécies do primeiro período parcial (1°-5° dia) foi muito diferente do segundo período (5°-10° dia). Em todas as três expedições o segundo período parcial acrescentou apenas uma espécie à lista total (Tab. II).
Estimativas de Riqueza. Observando-se a curva original de acumulação de espécies no método busca ativa (Fig. 2) notam-se dois "momentos" de incremento acentuado de espécies. O primeiro momento inicia com a aquisição das amostras da 1ª expedição e continua com a obtenção das amostras da segunda expedição até que, de 30 até 40 amostras, a curva não chega a apresentar acréscimos significativos de espécies. Na terceira expedição, quando foram exploradas 19 trilhas em outro setor, no lado sul da parcela, a curva de acumulação volta a apresentar um incremento acentuado de espécies. Somente na terceira expedição foram acrescentadas mais 20 espécies (31% da lista).
Uma análise da riqueza de espécies das amostras, feita com o programa DIVA-GIS, resultou em dois exemplos de combinações possíveis de apenas 25 amostras que resultam no mesmo total de 63 espécies alcançado com 60 amostras (Fig. 3). Em ambos os casos, as 25 amostras escolhidas pelo programa abrangem uma ampla extensão da parcela.
A riqueza estimada através do programa ESTIMATES para a parcela quadrada de 25 km2 é de 75 espécies. Além disso, também foi estimado que seriam necessárias 29 amostras adicionais para o acréscimo de mais uma espécie.
A figura 4 apresenta as curvas de acumulação média e original das espécies de vespas sociais coletadas em armadilha de Malaise na parcela. A riqueza total estimada através do programa ESTIMATES para a área a partir deste método foi de 29 espécies.
DISCUSSÃO
O número de espécies registradas foi considerado elevado (65 espécies), tendo em vista que o esforço de coleta foi concentrado em uma parcela relativamente pequena de floresta, com 25 km2 de área. Vinte e uma espécies foram registradas pela primeira vez em Caxiuanã, dez destas provavelmente novas (ver espécies não identificadas na tabela I). Adicionalmente, Polybia brunnea (Curtis, 1884) foi registrada pela primeira vez no Estado do Pará.
Segundo SILVEIRA (2002), 19 gêneros de polistíneos são passíveis de ser encontrados em Caxiuanã, dos quais dois (Chartergellus Bequaert, 1938 e Nectarinella Bequaert, 1938) ainda não haviam sido registrados por este autor. No presente trabalho foi acrescentado o registro de mais um gênero para a região (Chartergellus Bequaert, 1938). Assim, dos 19 gêneros possíveis de encontrar em Caxiuanã, conforme sugerido por SILVEIRA (2002), apenas Nectarinella ainda não foi registrado.
Os 21 novos registros do presente trabalho acrescidos às 79 espécies coletadas por SILVEIRA (2002) e a duas espécies coletadas ocasionalmente em um período anterior à realização destes inventários (Parachartergus griseus (Fox, 1898) e Mischocyttraus filiformis (de Saussure, 1854), exemplares na Coleção MPEG) totalizam 102 espécies para a região de Caxiuanã. Este total supera o número de espécies registradas para a região de Belém, que é de 79, e corresponde a 87,9 % das espécies registradas na Serra dos Carajás (116), onde a fauna de vespas sociais supera qualquer outra área amostrada na região Neotropical.
O número de espécies da parcela estudada também é expressivo quando comparado às listas obtidas em outras áreas de florestas amazônicas em Roraima (RAW, 1992, 46 espécies) e Rondônia (RAW, 1998, 36 espécies). Também supera o número de espécies registradas em algumas áreas de Cerrado (DINIZ & KITAYAMA, 1994, 30 espécies; MECHI & MORAIS, 2000, 20 espécies; SOUZA & PREZOTO, 2006, 38 espécies; ELPINO-CAMPOS et al., 2007, 29 espécies) e em Mata Atlântica (MARQUES et al., 1993, 20 espécies). O número de espécies compartilhadas com outros inventários tanto aqueles realizados no bioma amazônico, como em outros biomas, é em geral reduzido.
A similaridade entre a lista de espécies do presente estudo e a apresentada por SILVEIRA (2002) pode ser considerada baixa (42 %), visto que as áreas distam apenas cerca de 30 km. No inventário conduzido por SILVEIRA (2002), foram realizados percursos de busca no interior da mata, em áreas de vegetação secundária e nas margens de rios. Os dois últimos tipos de ambiente não foram explorados no presente trabalho, o que poderia ser apontado como o fator responsável pela baixa similaridade entre as áreas. Considerando apenas as espécies coletadas no mesmo tipo de ambiente (vegetação no interior da mata), o valor do índice de similaridade apresenta um acréscimo de 10 pontos percentuais, chegando a 52 %. Grande parte das espécies não compartilhadas entre as duas áreas são aquelas de frequência reduzida, a maioria tendo sido registrada apenas uma única vez nas amostras. Entretanto, quando consideradas apenas as 10 espécies mais comuns em cada uma das listas, a similaridade mantém-se da mesma ordem, igual a 54 %. Outro fator a ser considerado é a diferença no número de percursos realizados em área de floresta no presente trabalho (60) e no inventário feito na ECFPn por SILVEIRA (2002) (23). É provável que um maior número de percursos na ECFPn ocasionasse um aumento do número de espécies nesta área e, consequentemente, do valor da similaridade com a parcela estudada neste trabalho. Entretanto, acredita-se que este aumento não seria tão significativo, uma vez que a similaridade entre as listas, considerando apenas as espécies mais comuns entre as áreas, sofreu um acréscimo de apenas dois pontos percentuais em relação ao valor encontrado entre listas totais em área de floresta.
Angiopolybia pallens, a espécie mais freqüente em armadilha de Malaise e a segunda mais freqüente em trilhas da parcela estudada, foi também a mais frequentemente registrada através destes mesmos métodos por SILVEIRA (2002). Segundo SILVEIRA et al. (2005), esta é provavelmente a espécie de vespa social mais frequente nas terras baixas amazônicas.
O método de coleta busca ativa apresentou um melhor desempenho em relação à descoberta das espécies. O formato da curva média de acumulação sugere que o incremento de espécies, a partir das 60 amostras em diante, ocorreria em uma taxa bem mais lenta. Esta afirmação é corroborada pelo cálculo de 29 amostras adicionais para o acréscimo de mais uma espécie na parcela. O número de espécies nos percursos de busca representa 84% da riqueza total estimada para a área (75 espécies), o que pode ser considerado um resultado positivo na avaliação do método.
A curva média de acumulação de espécies sugere que, com metade do esforço empregado (30 amostras), 47 espécies teriam sido coletadas (75 % do total). Entretanto, a randomização da ordem de entrada das amostras feita para o cálculo da curva média "descarta" a referência espacial associada a cada amostra. A esse respeito, o exame da disposição das amostras na curva original de acumulação, correspondendo ao progresso da exploração da área, permite inferir que "percorrer toda a extensão" de uma parcela sob inventário tem um efeito significativo no número de espécies registradas. Os modelos construídos pelo programa DIVA-GIS também confirmam esta observação já que, nos dois subconjuntos de 25 amostras totalizando o máximo observado de 63 espécies, uma área ampla da parcela é abrangida. Isto sugere que, em casos onde não haja tempo ou recursos disponíveis para explorar todas as trilhas de uma parcela como a estudada, a exploração de 50% das amostras, distribuídas por toda a sua extensão, poderia fornecer um resultado bastante satisfatório.
O número de espécies capturadas em armadilha de Malaise foi consideravelmente menor que nos percursos de busca. A estimativa de riqueza para a parcela com base em dados de armadilha (29 espécies) também foi muito inferior à estimativa para o método busca ativa (79 espécies). Por ser um método passivo de coleta, com abrangência restrita ao entorno do local onde está montada, a armadilha de Malaise é ineficiente quanto à coleta de espécies raras em uma determinada área. O número de espécies capturadas em Malaise na parcela estudada, com 26 amostras, é muito semelhante ao que foi obtido por SILVEIRA (2002) com 40 amostras (23 espécies).
KOJIMA & ACHTERBERG (1997), com base em dados coletados em Malaise no sudeste da Ásia, sugerem que, no interior da floresta, vespas sociais forrageiam na região de dossel, onde os recursos alimentares seriam muito mais ricos que próximo ao chão. Entretanto, no levantamento realizado por SILVEIRA (2002) e também no presente trabalho (experimentalmente), armadilhas suspensas foram instaladas próximo a copa das árvores (cerca de 25 m de altura). Essas armadilhas capturaram um número ainda menor de espécies e indivíduos neste estrato da floresta.
Apesar da eficiência reduzida, o método de Malaise permitiu registrar com rapidez as espécies mais comuns na parcela. A semelhança entre as 10 espécies mais comuns em armadilha de Malaise e nos percursos de busca, medida pelo índice de Jaccard, chega a 54%. Além disso, duas espécies foram registradas exclusivamente em armadilhas (P. emaciata e P. quadricincta). Isso demonstra, conforme sugerido por SILVEIRA (2002), a importância de utilizar uma variedade de métodos na coleta de vespas sociais.
Agradecimentos. Ao Programa de Pós-Graduação em Zoologia (MPEG/UFPA) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de mestrado (processo nº 132617/2005-6). Ao Programa Pesquisa em Biodiversidade da Amazônia (PPBio) pelo apoio às pesquisas de campo. Ao programa BECA - Fundação Moore, pela bolsa/auxílio concedida (B/2005/02/BMP/16).
Recebido em junho de 2008.
Aceito em março de 2009.
Referências bibliográficas
- ARAB, A.; PIETROBON, T. A. O.; BRITTO, F. B.; ROCHA, T.; SANTOS, L.; BARBIERI, E. F. & FOWLER, H. G. 2003. Key to the nests of Brazilian Epiponini wasps (Vespidae: Polistinae). Sociobiology 42(2):425-432.
- CARPENTER, J. M. 1991. Phylogenetic relationships and the origin of social behavior in the Vespidae. In: ROSS, K. G. & MATTHEWS, R.W. eds. The Social Biology of Wasps. Ithaca, Cornell University. p.7-32.
- CARPENTER, J. M. & MARQUES, O. M. 2001. Contribuição ao estudo de vespídeos do Brasil (Insecta, Hymenoptera, Vespoidea, Vespidae) Cruz das Almas, Universidade Federal da Bahia. Série Publicações digitais. v.2, versão 1.0. 1 CD-ROM.
- CARPENTER, J. M.; WENZEL, J. W. & KOJIMA, J-I. 1996. Sinonymy of the Genus Occipitalia Richards, 1978, with Clypearia de Saussure, 1854 (Hymenoptera: Vespidae; Polistinae, Epiponini). Journal of Hymenoptera Research 5:157-165.
- COLWELL, R. K. 2005. EstimateS: Statistical estimation of species richness and shared species from samples Users Guide and application version 7.5. Disponível em: . Acesso em: 15.10.2005.
- COOPER, M. 1996a. The subgenus Monogynoecus Richards of Mischocyttarus de Saussure (Hym., Vespidae, Polistinae) with descriptions of two new species. Entomologist's Monthly Magazine 132:23-28.
- ___. 1996b. The mendax group of Mischocyttarus (Hym., Vespidae, Polistinae) with descriptions of two new species. Entomologist's Monthly Magazine 132:273-280.
- ___. 1997a. A new subgenus of Mischocyttarus de Saussure (Hym., Vespidae, Polistinae). Entomologist's Monthly Magazine 133:117-129.
- ___. 1997b. A new subgenus Megacanthopus of Mischocyttarus de Saussure (Hym., Vespidae, Polistinae) with a key and three new species. Entomologist's Monthly Magazine 133:217-233.
- COSTA, J. P. R. & MORAES, J. C. 1997. Médias mensais de variáveis meteorológicas (1996-1999). In: LISBOA, P. L. B. org. Caxiuanã Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi. p.234-239.
- CRUZ, J. D.; GIANNOTTI, E.; SANTOS, G. M. M.; BICHARA FILHO, C. C. & da ROCHA, A. A. 2006. Nest Site Selection and Flying Capacity of Neotropical Wasp Angiopolybia pallens (Hymenoptera: Vespidae) in the Atlantic Rain Forest, Bahia State, Brazil. Sociobiology 47(3):739-749.
- DINIZ, I. R. & KITAYAMA, K. 1994. Colony densities and preferences for nest habitat of some social wasps in Mato Grosso State, Brazil (Hymenoptera, Vespidae). Journal of Hymenoptera Research 3:133-143.
- ___. 1998. Seasonality of vespid species (Hymenoptera, Vespidae) in Central Brazilian Cerrado. Revista de Biologia Tropical 46(1):15-22.
- ELPINO-CAMPOS, A.; DEL-CLARO, K. & PREZOTO, F. 2007. Diversity of social wasps (Hymenoptera: Vespidae) in Cerrado fragments of Uberlândia, Minas Gerais State, Brazil. Neotropical Entomology 36(5):685-692.
- HENRIQUES, R. P. B.; ROCHA, I. R. D. & KITAYAMA, K. 1992. Nest density of some social wasp species in cerrado vegetation of Central Brazil (Hymenoptera, Vespidae). Entomologia Generalis 17(4):265-268.
- HIJMANS, R. J.; GUARINO, L.; JARVIS, A.; O'BRIEN, R. & MATHUR. P. 2005. Programa DIVA-GIS versão 5.2. Manual de uso. Disponível em: <http://www.diva-gis.org/>. Acesso em: 10.06.2006.
- KOJIMA, J. & VAN ACHTERBERG, K. 1997. Social wasps collected by Malaise trapping in southeast Asia, with a note on relative abundance of swarm-found species (Insecta: Hymenoptera: Vespidae). Natural History Bulletin of Ibaraki University 1:1-13
- KREBS, C. J. 1989. Ecological Methodology New York, Harper Colins. 654p.
- LIMA, M. A. P.; LIMA, J. R. & PREZOTO, F. 2000. Levantamento dos gêneros, flutuação das colônias e hábitos de nidificação de vespas sociais (Hymenoptera, Vespidae), no Campus da UFJF, Juiz de Fora, MG. Revista Brasileira de Zoociências 2(1):69-80.
- LISBOA, P. L. B.; SILVA, A. S. L. & ALMEIDA, S. S. 1997. Florística e estrutura dos ambientes. In: LISBOA, P. L. B. org. Caxiuanã Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi. p.163-193.
- MARQUES, O. M. 1996. Vespas sociais (Hymenoptera, Vespidae): características e importância em agrossistemas. Insecta 5(2):18-39.
- MARQUES, O. M.; CARVALHO, C. A. L. DE & COSTA, J. M. DA 1993. Levantamento das espécies de vespas sociais (Hymenoptera, Vespidae) no Município de Cruz das Almas- Estado da Bahia. Insecta 2(1):1-9
- MECHI, M. R. & MORAES, J. A. P. V. DE 2000. Comunidade de vespas Aculeata (Hymenoptera, Vespoidea) de uma área de cerrado e suas visitas às flores. In: SANTOS, J. E. & PIRES, J. S. R. eds. Estudos Integrados em Ecossistemas. Estação Ecológica de Jataí. São Carlos, RIMA. p.765-790.
- RAW, A. 1992. The forest: savanna margin and habitat selection by Brazilian social wasps (Hymenoptera, Vespidae). In: FURLEY, P. A.; RATTER, J. A. & PROCTOR, J. eds. The nature and Dynamics of the Forest-Savanna Boundary London, Chapman & Hall. p.499-511.
- ___. 1998. Social wasps (Hymenoptera, Vespidae) of the Ilha de Maracá. In: MILLIKEN, W. & RATTER, J. A. eds. Maracá: The biodiversity and environment of the Amazonian Rainforest. Chichester, John Wiley & Sons. p.307-321.
- RICHARDS, O. W. 1978. The social wasps of the Americas: Excluding the Vespinae. London, British Museum. 571p.
- SANTOS, G. M. DE M.; BICHARA FILHO, C. C.; RESENDE J. J.; CRUZ, J. D. &. MARQUES, O. M. 2007. Diversity and Community Structure of Social Wasps (Hymenoptera:Vespidae) in three Ecosystems in Itaparica Island, Bahia State, Brazil. Neotropical Entomology 36(2):180-185.
- SILVA-PEREIRA, V. DA & SANTOS, G. M. M. 2006. Diversity in Bee (Hymenoptera: Apoidea) and Social Wasp (Hymenoptera: Vespidae, Polistinae) Community in "Campos Rupestres", Bahia, Brasil. Neotropical Entomology 65(2):165-174.
- SILVEIRA, O. T. 2002. Surveying Neotropical Social Wasps. An Evaluation of Methods in the "Ferreira Penna" Research Station (ECFPn), in Caxiuanã, PA, Brazil (Hymenoptera, Vespidae, Polistinae). Papéis Avulsos de Zoologia 42(12):299-323.
- SILVEIRA, O. T.; ESPOSITO, M. C.; SANTOS JR., J. N. & GEMAQUE JR., F. E. 2005. Social wasps and bees captured in carrion traps in a rainforest in Brazil. Entomological Science 8(1):33-39.
- SOUZA, M. M. DE & PREZOTO, F. 2006. Diversity of Social Wasps (Hymenoptera: Vespidae) in Semidecidous Forest and Cerrado (Savanna) regions in Brazil. Sociobiology 47(1):135-147.
- WENZEL, J. W. 1998. A generic key to the nests of hornets, yellowjackets, and paper wasps worldwide (Vespidae, Vespinae, Polistinae). American Museum Novitates 3224:1-39.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
26 Jan 2010 -
Data do Fascículo
Set 2009
Histórico
-
Recebido
Jun 2008 -
Aceito
Mar 2009