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EDITORIAL

Química e Nanotecnologia: uma grande parceria. O desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (C&T) vem integrando várias áreas do conhecimento, levando ao mesmo tempo a uma crescente miniaturização dos sistemas e dispositivos funcionais. O foco atual da C&T está principalmente sobre a nanoescala, onde notáveis progressos vêm sendo alcançados graças à evolução do planejamento molecular dos materiais, e da capacidade de lidar com as estruturas ao nível atômico-molecular. De fato, atualmente, os avanços nos materiais já estão sendo ditados pela capacidade de controlar a distribuição espacial dos elementos estruturais. Na convergência com as nanociências, mudanças de paradigma já estão ocorrendo na Física, Química, Biologia, Medicina, e Ciência dos Materiais, extrapolando os limites dimensionais do mundo clássico para entrar no domínio quântico dos átomos e moléculas, tão familiar aos químicos.

A Química realmente está em todo lugar, até no coração e consciência. A mãe Natureza a tem praticado há bilhões de anos, aprendendo como escolher as espécies certas para formar sistemas mais organizados, capazes de se automontarem e até de evoluirem para formas autoreplicantes. Na fotossíntese e cadeia respiratória mitocondrial podemos encontrar exemplos típicos de processos organizados, onde o fluxo de energia/elétrons é ditado pelo gradiente de potencial exibido pelas biomoléculas localizadas estrategicamente ao longo das membranas celulares internas, permitindo realizar com eficiência a conversão de energia que mantém a vida. A natureza também aprendeu a realizar processos normalmente considerados drásticos e difíceis, porém de forma suave e em condições ambientes, como é o caso da fixação do nitrogênio molecular. Ao mesmo tempo conseguiu regular a atividade das enzimas através de mecanismos alostéricos, aumentando ou interrompendo sua ação, como se fossem verdadeiras máquinas nanométricas. Finalmente, a Natureza acabou criando com moléculas uma máquina capaz de aprender, que evoluiu até formar uma fantástica rede de neurônios, capaz de realizar 1017 operações por segundo; mil vezes mais rápido que o computador Blue Gene da IBM, considerado o mais possante já feito pelo homem. Trata-se, evidentemente, do computador molecular "molhado" que chamamos de Cérebro!

Assim, por meio de exemplos, a Natureza está mostrando ao Químico como ascender ao próximo degrau na escala evolucionária. Para isso será necessário ampliar a visão para além das moléculas, e aprender suas linguagens como em todo processo de comunicação. As moléculas fazem isso o tempo todo: a fenolftaleína, por exemplo, cora-se em meio básico, para sinalizar a falta de prótons. Essa mudança, tão trivial, não é muito diferente da resposta binária de uma junção p-n clássica utilizada nas portas lógicas (tipo YES e NO) de um computador. De fato, as moléculas sinalizam de alguma forma quando sofrem transformações físicas ou químicas, respondendo como se fossem as clássicas portas lógicas (tipo NOT, AND, OR, NOR etc) utilizadas em processamento binário. Assim, com certeza, as moléculas podem ser usadas em computação. Porém, será que é possível reduzir tal dispositivo lógico a uma única molécula? A resposta é sim, porém tal desafio, sem dúvida, será enorme.

As propriedades das moléculas isoladas não são necessariamente as mesmas das espécies correspondentes, bem conhecidas do Químico. Assim, mesmo a simples passagem de elétron através da molécula representa um problema tão desafiador que novas teorias têm aparecido com freqüência, levando em conta, por exemplo, os níveis internos de energia, efeitos de bloqueio coulombiano e até novos modelos capazes de lidar com a interface molécula-eletrodo. Por outro lado, também deve ser dito que não é nada fácil colocar uma molécula no espaço nanométrico de dois eletrodos especialmente projetados para isso. Além de levar tempo, é extenuante e nem sempre reprodutível. E quanto tempo seria necessário para produzir um milhão de desses dispositivos monomoleculares? Nem é preciso responder. Com certeza, outro procedimento será necessário para construir dispositivos moleculares.

A solução encontrada pela Natureza foi simplesmente deixar que as moléculas sejam guiadas pela própria afinidade química para gerar sistemas organizados, encontrando dessa forma suas próprias espécies complementares através do reconhecimento molecular. Dessa forma surgiram estruturas automontadas e autoreplicantes. Em princípio, a Química poderá fazer até mais do que isso, pois não é limitada pelo uso de moléculas que estão presentes na Natureza.

Existe ainda um outro conceito a ser explorado nessa linha. Moléculas distintas podem ser colocadas em sistemas organizados de forma que possam atuar de forma cooperativa ou sinergística, expandindo sua ação para além do plano individual. Tal efeito, que vai além da molécula, traduz o genuíno conceito de Química Supramolecular estabelecido por Jean-Marie Lehn. Por isso, atualmente a Química Supramolecular é considerada o passaporte para a Nanotecnologia Molecular. Novas estratégias em Nanotecnologia já estão surgindo com base na Química Supramolecular, levando a materiais e medicamentos inteligentes, assim como ao desenvolvimento de sensores avançados e dispositivos eletrônicos e de conversão de energia.

Da mesma maneira, a Química, através do planejamento molecular dos materiais, está convertendo os óxidos metálicos clássicos, bem como polímeros e metais, em interessantes materiais nanoestruturados, nanofios e nanopartículas coloridas, dotadas de novas propriedades. Nanocompósitos híbridos (orgânicos/inorgânicos) já estão invadindo as indústrias automobilísticas e de plástico, melhorando as características mecânicas e o desempenho dos materiais, proporcionando ainda barreiras contra gases, chama e impacto. Nanotubos de carbono ou de semi-condutores como sulfeto de cádmio estão sendo explorados como nanotransístores, nanofios e nanodispositivos emissores de luz. Da mesma forma, novos catalisadores dotados de canais e nanoestruturas, ou sítios de alta atividade, estão sendo desenvolvidos visando uma maior seletividade e eficiência. Novas drogas e princípios ativos, ancorados sobre nanopartículas, ou intercalados em materiais lamelares, ou ainda encapsulados em nanoesferas, dendrímeros ou nanossomas, já começam a ser usadas na medicina e em cosméticos. Novas terapias e recursos de imagem estão sendo desenvolvidas com o uso de nanopartículas magnéticas e pontos quânticos.

A Nanotecnologia vem sendo incorporada no planejamento estratégico de todos os países desenvolvidos, diante do crescente impacto provocado, como uma verdadeira onda de inovação tecnológica, capaz de movimentar trilhões de dólares na economia mundial, já na próxima década. Em 2005 os investimentos públicos em todo o mundo já se aproximam de 4 bilhões de dólares, distribuídos de forma equilibrada entre os EUA, Japão, União Européia e o conjunto dos demais países (com predominância da China e da Coréia do Sul). Novos centros de Nanotecnologia estão se multiplicando em todo o mundo, estimulando e atraindo investimentos, bem como criando empregos e oportunidades. No Brasil, fazendo uma prospecção otimista, o investimento público em nanotecnologia poderá revelar números bastante expressivos, principalmente se forem computadas as iniciativas de criação do Laboratório Nacional de Luz Síncroton, em Campinas, ao lado de outras de menor porte, como a implantação de 4 redes nacionais em nanotecnologia molecular (RENAMI), semicondutores, nanomateriais e nanobiologia e de pelo menos três Institutos do Milênio com vocação nanotecnológica. E, principalmente, não podem ser esquecidos os investimentos de algumas FAPs, como a FAPESP, que tem apoiado substancialmente a área Nano no Estado de São Paulo, porém de forma discreta. A implantação de um Programa Nacional de Nanotecnologia e Nanociências está sendo discutida pelo Governo, estimulando ao mesmo tempo a movimentação de algumas sociedades científicas em torno desse tema.

Finalmente, deve ser enfatizado que a Química encontra-se em posição estratégica para atuar e fazer deslanchar a Nanotecnologia, formando uma grande parceria. Isso já se faz evidente na crescente inclusão de temas de Nanotecnologia em todas nas revistas internacionais de Química, até nas mais conservadoras. Ao mesmo tempo, já se faz necessário pensar na formação de Químicos qualificados para atuar no mercado da Nanotecnologia. Como as Nanociências e Nanotecnologia são essencialmente interdisciplinares, um forte entrosamento terá que ser construído entre a Química e as Ciências dos Materiais, a Eletrônica e a Biologia no currículo da graduação, além de aprimorar a participação da Física e da Matemática. Portanto, é hora de refletir seriamente a respeito, lembrando que os estudantes de hoje serão os principais atores da era Nanotecnológica que está se iniciando.

Henrique E. Toma (Universidade de São Paulo - Brasil)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2005
  • Data do Fascículo
    Jun 2005
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