Open-access Censo Brasileiro de Diálise: análise de dados da década 2009-2018

RESUMO

Introdução:  Dados nacionais sobre o tratamento dialítico crônico são essenciais para a elaboração de políticas de saúde que almejem melhora no tratamento dos pacientes.

Objetivo:  Apresentar dados do inquérito da Sociedade Brasileira de Nefrologia sobre pacientes com doença renal crônica dialítica em julho de 2018, fazendo análise comparativa dos últimos 10 anos.

Métodos:  Coleta de dados a partir das unidades de diálise, com preenchimento de questionário on-line referentes a 2018. Foram comparados dados de 2009, 2013 e 2018.

Resultados:  288 (36,6%) centros responderam ao questionário. Em julho de 2018, o número total estimado de pacientes em diálise foi de 133.464. Estimativas das taxas de prevalência e incidência de pacientes em tratamento dialítico por milhão da população (pmp) foram de 640 e 204, respectivamente, com médias de aumento anuais de 23,5 pmp e 6 pmp para prevalência e incidência, respectivamente. Taxa anual de mortalidade bruta foi de 19,5%. Dos pacientes prevalentes, 92,3% estavam em hemodiálise e 7,7%, em diálise peritoneal, com 29.545 (22,1%) em fila de espera para transplante. Concentração mediana de bicarbonato no banho de hemodiálise foi de 32 mEq/L. Cateter venoso era usado como acesso em 23,6% dos pacientes em hemodiálise. Taxa de prevalência de sorologia positiva para hepatite C apresentou redução progressiva (3,2%).

Conclusão:  Número absoluto de pacientes e taxas de incidência e prevalência em diálise no país aumentaram substancialmente no período, embora haja diferenças consideráveis nas taxas por estado. Tem havido persistente aumento no uso de cateter venoso como acesso para diálise; e redução de pacientes com sorologia positiva para hepatite C.

Palavras-chave: Censos; Falência Renal Crônica; Epidemiologia; Diálise Renal; Diálise Peritoneal; Brasil

ABSTRACT

Introduction:  National data on chronic dialysis treatment are essential for the development of health policies that aim to improve patient treatment.

Objective:  To present data from the Brazilian Society of Nephrology on patients with chronic dialysis for kidney disease in July 2018, making a comparative analysis of the past 10 years.

Methods:  Data collection from dialysis units, with filling in an online questionnaire for 2018. Data from 2009, 2013 and 2018 were compared.

Results:  288 (36.6%) centers answered the questionnaire. In July 2018, the estimated total number of patients on dialysis was 133,464. Estimates of the prevalence and incidence rates of patients undergoing dialysis treatment per million of the population (pmp) were 640 and 204, respectively, with average annual increases of 23.5 pmp and 6 pmp for prevalence and incidence, respectively. The annual gross mortality rate was 19.5%. Of the prevalent patients, 92.3% were on hemodialysis and 7.7% on peritoneal dialysis, with 29,545 (22.1%) on the waiting list for transplantation. Median bicarbonate concentration in the hemodialysis bath was 32 mEq/L. Venous catheters were used as access in 23.6% of the hemodialysis patients. The prevalence rate of positive serology for hepatitis C showed a progressive reduction (3.2%).

Conclusion:  The absolute number of patients and rates of incidence and prevalence in dialysis in the country increased substantially in the period, although there are considerable differences in rates by state. There has been a persistent increase in the use of venous catheters as an access for dialysis; and reduction in the number of patients with positive serology for hepatitis C.

Keywords: Censuses; Kidney Failure, Chronic; Epidemiology; Renal Dialysis; Peritoneal Dialysis; Brazil

INTRODUÇÃO

Pelo décimo ano consecutivo, a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) realiza o Censo Brasileiro de Dialise.1-8 Trata-se de uma pesquisa on-line de âmbito nacional com o intuito de reunir informações sobre pacientes em tratamento dialítico crônico nos centros de diálise ativos registrados. Os dados epidemiológicos e técnicos reunidos através desse censo são importantes ferramentas de políticas de saúde, permitindo, além do conhecimento do perfil dos pacientes, a formulação de projetos e estratégias que melhorem seu atendimento. Apesar dos problemas inerentes às pesquisas baseadas no fornecimento voluntário de dados, uma parcela significativa dos centros de atendimento renal no Brasil tem contribuído para essa iniciativa.

O presente artigo compara o perfil clínico e laboratorial dos pacientes em diálise crônica no Brasil nos últimos 10 anos (2009-2018), procurando mostrar as tendências de variação das características avaliadas nesse extenso período de tratamento dialítico crônico no país.

MÉTODOS

COLETA DE DADOS

Durante o segundo semestre de 2018, foi realizada uma pesquisa nos centros de diálise cadastrados na Sociedade Brasileira de Nefrologia com o objetivo de coletar e analisar os dados de pacientes em terapia de substituição renal crônica ambulatorial. Para tal, foi disponibilizado no site eletrônico da SBN, durante o período de agosto a dezembro de 2018, um questionário com perguntas sobre variáveis sociodemográficas, clínico-laboratoriais e terapêuticas. A participação no censo é voluntária e todos os centros de diálise foram convidados, através de carta e e-mail, a responder ao questionário e enviar seus dados eletronicamente para a SBN. Após o convite inicial, mensalmente, novos lembretes eram enviados aos que não haviam preenchido seus dados até o prazo final da coleta (31 de dezembro de 2018). Durante o período da pesquisa, os presidentes das regionais da SBN ficaram incumbidos de contactar os diretores dos centros de diálise de suas respectivas regiões e encorajá-los a participar do censo. Ao término do período de coleta de dados, a diretoria da SBN entrou novamente em contato com os centros de diálise, e enfatizou a importância da participação.

Os dados relativos às taxas de mortalidade e aos pacientes incidentes em diálise foram coletados em julho de 2018 e estimados para o ano. Os dados apresentados pelos centros foram agrupados de forma a não retratar informações individuais dos pacientes. Para a estimativa de dados em nível nacional, foi atribuído aos centros não participantes o número médio de pacientes esperados. Para o restante das variáveis, foram também atribuídas médias baseadas na região geográfica do centro.

Para a realização dos cálculos de prevalência e incidência, foram obtidos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), baseados na população brasileira de julho de 2018, e dados pertinentes às diversas regiões do país. Segundo tal instituto, a população brasileira em julho de 2018 era de 208,49 milhões de habitantes. Para a estimativa da proporção de pacientes que não atingiram os alvos recomendados9-11 para a dose de diálise (Kt/V ou taxa de redução de ureia), níveis séricos de albumina, fósforo, paratormônio (PTH) e hemoglobina, foram utilizados dados agrupados. A maioria dos dados foi mostrada de forma descritiva e refere-se a 2018, sendo alguns comparados com dados de anos anteriores.

CÁLCULOS REALIZADOS EM ESTIMATIVAS

Número total estimado (N) de pacientes em 1º de julho: N de pacientes na amostra/proporção de centros participantes. Prevalência global estimada: N total estimado de pacientes em 1º de julho/população brasileira em 1º de julho dos anos correspondentes, expresso em milhão de habitantes (pmp). Nas estimativas regionais e estaduais de N e razões, os dados considerados estavam restritos a regiões ou estados específicos. N total estimado de pacientes iniciando tratamento nos anos correspondentes: (N informado de indivíduos iniciando tratamento em julho x 12)/proporção de centros participantes ativos. Estimativa de incidência global: N total estimado de pacientes iniciando tratamento/população brasileira em 1º de julho nos anos correspondentes, expresso em pmp.

As prevalências relativas às variáveis demográficas, clínicas, laboratoriais e de medicamentos foram expressas em relação aos totais derivados das respostas relacionadas a cada um dos fatores investigados entre os 48.596 pacientes atendidos nos centros participantes. N total estimado de mortes nos anos correspondentes: (N de mortes relatadas em julho x 12)/proporção de centros participantes ativos. Taxa de mortalidade bruta: N total estimado de mortes em 2018/N estimado de pacientes em diálise em 1º de julho do ano correspondente.

RESULTADOS

Analisando-se comparativamente os dados dos censos de 2009, 2013 e 2018, observou-se aumento progressivo no número de centros que mantinham programas ativos de diálise crônica (594, 658 e 786, respectivamente), caracterizando um aumento de 32,3% durante a década. Houve redução na adesão de resposta ao censo nos últimos anos, tanto em números percentuais quanto absolutos. Em 2009, 437 (69,8%) dos centros colaboraram com seus dados, passando a 334 (50,8%) em 2013 e 288 (36,6%) em 2018. Essa redução da adesão foi observada em todas as regiões, mas principalmente na região Sul, com 69% de respostas em 2013 e 34%, em 2018. Dessa forma, houve redução discreta, mas progressiva, do número de pacientes cujas informações contribuíram para os dados do relatório anual: 53.816, 50.961 e 49.215, nos anos 2009, 2013 e 2018, respectivamente. Na comparação dos extremos, a redução foi da ordem de 8,6%. Nesse período, houve aumento progressivo do número de pacientes prevalentes em programa de diálise crônica (Figura 1), correspondendo a um aumento médio anual de 5.587 pacientes.

Figura 1
Número estimado de pacientes em diálise crônica por ano.

Com relação ao perfil das clínicas de diálise, avaliando-se os dados de 2009, 2013 e 2018, mantém-se predominância de clínicas privadas (70-72%), não universitárias (86-88%), com aumento da porcentagem de clínicas satélites (48-52%) e manutenção do SUS como principal fonte pagadora (80% em 2018). Observou-se estabilidade tanto na distribuição do número de clínicas por região (metade delas localizada na região Sudeste) como na taxa de ocupação (85-86%). Comparando-se dados de 2013 e 2018, os centros que responderam ao censo informaram sobre a presença de 1.863 nefrologistas que trabalhavam em tais clínicas (discreto aumento de 3,2%), mantendo o padrão de concentração na região Sudeste, onde se encontram cerca de 50% desses profissionais. Houve redução discreta do número médio de pacientes por nefrologista (de 28 para 26), e a região Norte, apesar da redução (45 para 33), ainda se mantém como região com maior número de pacientes/nefrologista. Houve aumento no número de clínicas que atendem pacientes com insuficiência renal aguda (67% para 75%) e em tratamento conservador de doença renal crônica (73% para 84%). Com relação ao tempo de uso das máquinas, houve aumento de 12% na frequência de equipamentos com uso maior que 6 anos (32 para 44%) em detrimento da redução daqueles com 1-6 anos (49% para 47%) e menos de 1 ano (16% para 9%).

A prevalência global estimada de pacientes em diálise crônica passou de 405 pmp em 2009 para 640 pmp em 2018, correspondendo a um aumento absoluto de 58%, com aumento médio de 6,4% ao ano. As taxas de prevalência aumentaram progressivamente em todas as regiões, exceto na região Sul, que se apresentou estável a partir de 2013 (Figura 2). O número estimado de novos pacientes em diálise em 2018 foi de 42.546, um aumento de 54,1% em relação a 2009 (Figura 3). Houve também um aumento na taxa de incidência estimada, que foi de 204 pmp em 2018, 20% superior à observada em 2013. A Tabela 1 traz dados sobre as incidências e prevalências estimadas por estado de pacientes em diálise no ano de 2018. Os estados com maiores taxas de prevalência estimada de pacientes em diálise foram o Distrito Federal, Rondônia e Alagoas, com 931, 874 e 865 pmp respectivamente, sendo as menores taxas registradas no Amazonas, na Paraíba e no Maranhão, com 313, 311 e 276 pmp, respectivamente. A hemodiálise continua sendo o método de depuração renal predominante, adotado atualmente para 92% dos pacientes com doença renal em estádio terminal (DRCT) (aumento de 3% em relação a 2009). Quanto à diálise peritoneal, houve redução progressiva da porcentagem de pacientes submetidos ao método, sendo de 10,5%, 9,2% e 7,8%, em 2009, 2013 e 2018, respectivamente. Pela primeira vez, observou-se maior porcentagem de pacientes em DP reembolsados pelo SUS em relação aos convênios (7,8% vs. 7,0%, respectivamente). Nesse tipo de terapia, mantém-se o predomínio de Diálise Peritoneal Automatizada, que corresponde a 5,7-5,8% do total dos pacientes, seguida por Diálise Peritoneal Ambulatorial Contínua (DPAC) (1,9%). A redução na porcentagem de pacientes em diálise peritoneal ao longo do tempo se deu principalmente pela redução do número de pacientes em DPAC, com queda de 3,5% para 1,9%.

Figura 2
Evolução da prevalência estimada de pacientes em diálise por região geográfica no Brasil, 2009-2018 (por milhão da população).
Figura 3
Incidência anual estimada de pacientes em diálise.

Tabela 1
Taxas de Incidência e prevalência estimadas de pacientes em diálise por estado em 2018

No que tange ao perfil dos pacientes em diálise, permanece estável o predomínio do sexo masculino (58%); a maioria na faixa etária entre 45-64 anos (41,5%), e com mais de 65 anos (35%). Houve aumento percentual da ordem de 4% nos casos de doença renal do diabetes, redução de 4% nos de glomerulopatia crônica e aumento de 3% daqueles com etiologia indefinida (Figura 4). Com relação ao índice de massa corporal (IMC), cerca de metade (51%) dos pacientes encontra-se com IMC adequado (18,5-24,9 kg/m2), 8% abaixo de 18,5 kg/m2 e 41% com sobrepeso/obesidade (IMC ≥ 25 kg/m2). Quanto à positividade de pacientes dialíticos portadores de sorologias virais positivas, houve redução da porcentagem de pacientes com sorologias para os vírus da hepatite B e particularmente C (com quedas maiores que 50% em relação aos dados de 2009) e estabilidade da proporção de pacientes com HIV (Figura 5). Com relação ao acesso vascular, o número de pacientes em uso de cateter de longa permanência mais do que dobrou em relação a 2013, com redução do número de próteses e estabilidade do número de pacientes com cateteres de curta permanência (Figura 6). Em relação ao uso de medicações inerentes ao tratamento da DRC em estádio terminal, observa-se redução no uso de eritropoietina, ferro e calcitriol e aumento do uso de paricalcitol, cinacalcete e sevelamer (Figura 7). Com relação aos indicadores de adequação de diálise com base nos índices recomendados pelo KDIGO, observou-se aumento na proporção de pacientes com valores de hemoglobina abaixo das metas recomendadas pelo KDIGO e na proporção de pacientes com valores de PTH abaixo de 100 pg/mL, mantendo-se os demais índices estáveis (Figura 8). O número estimado de pacientes em fila de espera para transplante renal reduziu discretamente, passando de 30.419, 31.351 a 29.545, nos 3 anos considerados, com queda de 2,9% no período. Em 2018, o número correspondeu a 22,1% dos pacientes em diálise. Em contrapartida, o número absoluto estimado de óbitos aumentou, passando de 13.235, 17.944 a 25.986 em 2008, 2013 e 2018, respectivamente. A Figura 9 ilustra a taxa de mortalidade bruta estimada comparando os três anos, em que se observa aumento de 2,4%. Comparando-se apenas dados disponíveis nos censos de 2013 e 2018, houve estabilidade da porcentagem de pacientes internados por mês (5,8%). Uma questão inserida a partir do censo de 2018 mostra que, em 78% dos centros, a concentração de bicarbonato no banho de diálise é a mesma para todos os pacientes, com valor mediano nacional de 32mEq/L.

Figura 4
Distribuição de pacientes em diálise de acordo com doença de base, entre 2009-2018.
Figura 5
Prevalência de pacientes com sorologia positiva para vírus da Hepatite B, C e HIV.
Figura 6
Distribuição dos acessos vasculares para hemodiálise entre 2013-2018.
Figura 7
Percentual de pacientes em uso de medicações para tratamento de doença renal crônica em estádio terminal.
Figura 8
Proporção de pacientes com exames em não conformidade com índices recomendados pelo KDIGO.
Figura 9
Taxa de mortalidade bruta anual estimada de pacientes em diálise.

DISCUSSÃO

Desde o ano de 1999, a Sociedade Brasileira de Nefrologia realiza anualmente a coleta de dados para o Censo Brasileiro de Diálise,1-8 cujo objetivo é apresentar um panorama sobre o perfil dos pacientes e de clínicas de diálise, focando em aspectos do método dialítico, perfil das clínicas e dos pacientes, além da análise de dados relacionados à adequação em diálise, acesso vascular e mortalidade, dentre outros. Apesar da enorme importância do censo e da facilidade de preenchimento on-line apenas uma vez ao ano, observamos redução na adesão dos centros nos últimos anos, sendo que, em 2018, 36,6% deles contribuíram com dados.1-8

Assim como no cenário brasileiro, observa-se uma tendência mundial de aumento do número de pacientes em diálise, assim como das taxas de prevalência.12,13 A taxa de incidência tem mostrado maior variação, com tendência estável em alguns países, aumentando ou diminuindo em outros.13,14 Estimativas apontam que em 2010 havia cerca de 2 milhões de pacientes em diálise no mundo e que tal cifra deve duplicar até 2030.12 Dados de 2018 da Sociedade Latino-Americana de Nefrologia e Hipertensão (SLAHN)14 mostram que a taxa média de prevalência de pacientes em terapia renal substitutiva, TRS (incluindo diálise e transplante), na América Latina era de 805 por milhão de pessoas (pmp), sendo as maiores taxas vistas em Porto Rico, Chile e México (2.129, 1.541 a 1.405 pmp, respectivamente). Nos Estados Unidos (EUA), dados de 2017 do United States Renal Data System (USRDS)13 mostram uma taxa de prevalência em 2.203 pmp. Nesse contexto, o Brasil tem cifras de taxas em TRS intermediarias, atualmente estimadas em 876 pmp (incluindo pacientes em diálise e com transplante renal funcionantes), com os maiores valores nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Já em relação à taxa anual de incidência de pacientes dialíticos no Brasil em 2018, a cifra foi de 204 pmp, com maiores valores nas regiões Sul e Centro-Oeste. Tal taxa é maior que a global da América Latina (154 pmp), porém menor que as de outros países da América Latina, como Porto Rico, México, Honduras e El Salvador (419, 344, 233 e 217, respectivamente), e dos Estados Unidos (370 pmp). Nesse último país, observa-se uma tendência à estabilidade das taxas de incidência nos últimos anos. Em relação à modalidade dialítica, a hemodiálise é o método mais adotado no Brasil (92,2%), assim como nos Estados Unidos (89,9%). A porcentagem de pacientes em diálise peritoneal vem apresentando queda tanto na América Latina quanto nos Estados Unidos, porém ainda se mantém como método importante, atingindo cifras próximas de 50% em países como El Salvador e Guatemala, em contraponto ao Brasil e EUA, que têm cifras menores que 10%.13,14

Acerca do perfil dos pacientes prevalentes em diálise, mantém-se o predomínio de homens, porém observa-se tendência global no aumento progressivo da faixa etária dos pacientes, com expressiva porcentagem de idosos.12-14 Tal fato pode ser explicado pelo aumento da expectativa de vida da população em geral, além do aprimoramento progressivo das técnicas dialíticas e medicações de suporte às complicações da doença renal crônica terminal, permitindo também maior longevidade aos pacientes prevalentes. Entretanto, o aumento da porcentagem de pacientes longevos implica aumento de carga de comorbidades entre os pacientes realizando terapia renal substitutiva. O aumento do número de pacientes idosos com falência funcional renal associado a maior presença de comorbidades tem levado à discussão sobre a necessidade de planejamento de cuidados e de tratamento dialítico nessa população.15,16

Com relação à doença de base, diferentemente dos EUA e da maioria dos países na América Latina, onde a doença renal do diabetes é a principal causa de DRCT,13,14 o Brasil mantém a hipertensão como principal causa-base, com cifras estáveis há alguns anos, seguida de perto por aqueles com doença renal do diabetes. Em nosso inquérito, observamos aumento do número de pacientes com cateteres venosos (de 6% para 14% para cateteres de longa permanência entre 2013 e 2018). No panorama brasileiro atual, sabemos que tal fato pode estar associado à maior dificuldade de disponibilidade de cirurgião vascular para confecção de acesso vascular, visto que a maioria das clínicas são financiadas predominantemente pelo SUS. A não confecção de fístulas aumenta a incidência de pacientes com falência de acesso vascular e/ou acessos vasculares de exceção (como cateteres trans-hepáticos ou translombares), além das priorizações para transplante. Com o crescimento progressivo da área de Nefrologia Intervencionista no Brasil, um programa de treinamento específico para confecção de fístula arteriovenosa pelo nefrologista durante a residência médica poderia contribuir para a redução de pacientes em uso de cateter para hemodiálise. Apesar dos programas de incentivo à confecção de fístula nos EUA, em 2017, 80% dos pacientes ainda iniciavam tratamento dialítico através de cateter venoso central, com discreto aumento da porcentagem de fístula ao longo dos anos. Entretanto, os pacientes prevalentes norte-americanos atingiram cerca de 63% usando fístula; 17,6%, prótese; e 19,5%, cateteres.12,13 Em relação aos parâmetros de adequação de hemodiálise, observamos que a porcentagem de pacientes que não atingiram os parâmetros de dose (Kt/V), nutrição e marcadores de doença renal óssea continua estável, entretanto houve aumento na porcentagem de pacientes com hemoglobina < 10g/dL, paralela à redução da porcentagem de pacientes em uso de eritropoietina. Ainda em relação às medicações, nos últimos anos, novas drogas para tratamento da doença mineral óssea relacionada à DRC, como o cinacalcete e o paricalcitol, passaram a ser custeadas pelo SUS. Ambas as drogas tiveram aumento do uso, visto que o cinacalcete pode auxiliar no tratamento de pacientes com hiperparatireoidismo grave e/ou hiperparatireodismo em pacientes com hiperfosfatemia e o paricalcitol ser mais seletivo para a absorção de cálcio intestinal, sendo associado à menor incidência de hiperfosfatemia.11 Concomitantemente, observamos redução do uso de calcitriol ao longo do tempo.

Um fato interessante a se destacar é a tendência na queda na prevalência de sorologia positiva para vírus da hepatite C entre pacientes em diálise. Em países desenvolvidos, a prevalência de tais pacientes chega a até 9%, com cifras maiores em outros pacientes subdesenvolvidos, entretanto a tendência à queda é global.17-19 Tal redução progressiva no Brasil pode ser explicada pela redução do número de transfusões sanguíneas pelo uso de agentes estimulantes de eritropoiese, pela proibição do reuso de dialisadores e linhas para pacientes com sorologia positiva para hepatite C desde 2014,20 e também pela recente acessibilidade a tratamentos com elevadas taxas de cura.

Em relação à porcentagem de pacientes dialíticos inscritos em fila de transplante, Brasil e Uruguai dividem a primeira colocação na América Latina, com 22%, entretanto, as maiores taxas de transplante ocorrem no México, com 79 pmp (no Brasil, essa cifra é de 28 pmp).14 Nos EUA, 63,4% dos pacientes em diálise estavam inscritos em 2017. Além disso, tem havido uma tendência de queda no número de pacientes em fila nos últimos anos nesse país, decorrente de mudanças no processo de alocação de rins e do aumento do número absoluto de transplantes renais naquele país.13

Com relação à taxa de mortalidade bruta no período avaliado, observamos um discreto aumento, de 17,1% para 19,5%, que entretanto se mantém entre 15-20%/ano, em conformidade com dados relatados por outros países.12-14 Tal tendência pode ser explicada pelo aumento da idade e carga de comorbidades dos pacientes prevalentes nos últimos anos.

Pela primeira vez temos no censo as informações sobre o uso de bicarbonato no banho de diálise, e verificamos que, em 78% das unidades, a concentração de bicarbonato no banho era a mesma para todos os pacientes.

O fato de que as informações obtidas por meio do censo derivam do preenchimento voluntário da pesquisa, o agrupamento dos dados dos pacientes por centro de diálise e a falta de validação das respostas enviadas exigem que as inferências deste estudo sejam feitas com cautela.

CONCLUSÕES

O censo brasileiro de diálise se mantém como ferramenta importante para a quantificação de dados em diálise e o planejamento da assistência pública à saúde. O inquérito de 2018 em comparação com 2013 e 2009 mostrou aumento crescente nas taxas de incidência e prevalência de pacientes em diálise. Persiste uma desigualdade significativa entre estados e regiões em relação a essas estimativas, sugerindo limitações no acesso ao tratamento, além das associações com os índices de desenvolvimento de cada região/estado. A proporção de pacientes com doença renal do diabetes tem aumentado. As taxas de mortalidade aumentaram ligeiramente e o uso de cateteres venosos em hemodiálise também tem crescido. Por outro lado, a positividade da sorologia para hepatite C continua em declínio. Nossos dados oferecem importantes subsídios para aprimorar o tratamento e estabelecer políticas públicas para o atendimento de pacientes com DRC em tratamento dialítico no Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2019
  • Aceito
    30 Jan 2020
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