As recomendações latino-americanas para o manejo de pacientes infectados com COVID -19 em hemodiálise são realistas em sistemas de saúde com recursos limitados?

Caro editor,

No contexto da epidemia global de infecção por coronavírus (COVID-19), a Sociedade Latino-Americana de Nefrologia e Hipertensão Arterial (SLANH), a Sociedade de Transplantes da América Latina e do Caribe (STALYC) e a Associação Pan-Americana de Doenças Infecciosas (API) preparou uma declaração com recomendações para o manejo da epidemia de COVID-19 em nível regional para pacientes com doença renal¹. Embora seja um esforço importante, algumas recomendações são difíceis de aplicar em países com recursos limitados, como o Peru. Em nosso país, apesar das melhorias na oferta de serviços de nefrologia², existem aspectos estruturais que impedem o cumprimento dessas recomendações e mostram que nosso sistema de saúde não está preparado para enfrentar esta epidemia.

Uma das recomendações sugere que, quando houver suspeita ou confirmação de pacientes com COVID-19, deve haver uma separação de dois metros entre os pacientes durante o tratamento em hemodiálise (HD)¹. No Peru, as regras para contratação do serviço de HD no Ministério da Saúde (MINSA) exigem 80 cm como a distância mínima entre cada estação de HD³. Essa recomendação é seguida pela maioria dos centros de HD em hospitais nacionais de referência e por clínicas que terceirizam serviços de HD. Existe um déficit estrutural que significa que poucos hospitais têm a possibilidade de “separar salas ou caixas em condições isoladas” onde pacientes suspeitos e infectados seriam dialisados, como também sugere a declaração¹.

Devido ao número de pacientes em HD, alguns hospitais de referência foram forçados a realizar até cinco turnos por dia, o que impossibilitaria a abertura de novos turnos de diálise para pacientes infectados, como também foi sugerido¹. Um desses hospitais é o “Hospital Nacional Dois de Mayo”, em Lima (HN2M), um dos centros nacionais de referência para pacientes infectados com COVID-19 designados pelo governo peruano⁴. Essa situação é complicada porque existem regiões em nosso país onde não existem centros de HD² e cujos pacientes são encaminhados para hospitais como o HN2M⁵, o que dificultaria muito o cumprimento da recomendação de “não transferir pacientes sem sintomas de alarme para admissão hospitalar e/ou hemodiálise em unidades agudas”¹. Da mesma forma, o déficit de centros de HD e até nefrologistas² torna a alternativa da HD doméstica ou diálise peritoneal doméstica também inviáveis no Peru¹.

No Ministério da Saúde do Peru, uma instituição que presta serviços de saúde para cidadãos de baixa renda no Peru, os pacientes vão a hospitais que não estão necessariamente perto de suas casas naquele momento⁵, e o uso de transporte público é frequente, portanto, a recomendação que os pacientes viajem em “ambulâncias individuais ou veículos próprios” não se encaixa na realidade dos cidadãos peruanos de baixa renda. Pensamos que há uma situação muito semelhante em alguns outros países latino-americanos.

Embora as recomendações compartilhadas por SLANH, STALYC e API sejam, sem dúvida, muito valiosas, as sociedades nefrológicas locais devem propor urgentemente grupos de trabalho para gerar, com base nessas declarações diretivas, recomendações de acordo com a realidade de cada região, a fim de diminuir o impacto dessa pandemia na população vulnerável de pacientes em HD em todo o mundo e no pessoal responsável por seus cuidados.

References

• ¹
  Sociedad Latinoamericana de Nefrología e Hipertensión (SLANH). Recomendaciones para el manejo de pacientes portadores de enfermedad renal frente a la epidemia de coronavirus (COVID-19) [Internet]. Panamá: SLANH; 2020 Mar. Disponível em: https://arquivos.sbn.org.br/uploads/eb579306-slanh-stalyc-api_recomendaciones-para-el-manejo-de-pacientes-portadores-de-enfermedad-renal-frente-a-la-epidemia-de-coronavirus-covid-19.pdf
• ²
  Herrera-Añazco P, Atamari-Anahui N, Flores-Benites V. Número de nefrólogos, servicios de hemodiálisis y tendencia de la prevalencia de enfermedad renal crónica en el Ministerio de Salud de Perú. Rev Peru Med Exp Salud Publica. 2019;36(1):62-7. DOI: https://doi.org/10.17843/rpmesp.2019.361.4253
  » https://doi.org/10.17843/rpmesp.2019.361.4253
• ³
  Organismo Supervisor de las Contrataciones del Estado (OSCE). Directiva No. 018-2012-OSCE/CD - Bases estándar de concurso público para la contratación de servicios o para consultoría en general. Lima [Internet]. Lima, Perú: OSCE; 2014. Disponível em: http://zonasegura.seace.gob.pe/mon/docs/procesos/2014/002543/543867533rad54F57.pdf
• ⁴
  Ministerio de Salud (PER). Cinco hospitales de Lima del Ministerio de Salud se encuentran listos para atender casos sospechosos por coronavirus [Internet]. Lima, Perú: Ministerio de Salud; 2020; [acesso em 2020 Mar 03]. Disponível em: http://www.hnhu.gob.pe/Inicio/cinco-hospitales-de-lima-del-ministerio-de-salud-se-encuentran-listos-para-atender-casos-sospechosos-por-coronavirus/
• ⁵
  Herrera-Añazco P, Benites-Zapata V, Hernandez AV, Mezones-Holguin E, Silveira-Chau M. Mortality in patients with chronic kidney disease undergoing hemodialysis in a public hospital of Peru. J Bras Nefrol. 2015 Jun;37(2):192-7. DOI: https://doi.org/10.5935/0101-2800.20150031
  » https://doi.org/10.5935/0101-2800.20150031

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  16 Set 2020
• Data do Fascículo
  Oct-Dec 2020

Histórico

• Recebido
  16 Mar 2020
• Aceito
  26 Jul 2020