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Polimorfismos associados ao risco cardiovascular em indivíduos em hemodiálise: uma revisão sistemática

RESUMO

A doença cardiovascular (DCV) é uma das principais causas de mortalidade de indivíduos em hemodiálise (HD). Além dos fatores de risco tradicionais, que são frequentes nesses indivíduos, também estão envolvidos fatores genéticos, com destaque para os polimorfismos de nucleotídeo único (do inglês, single nucleotide polymorphism, SNP). O presente trabalho tem como objetivo revisar sistematicamente os estudos que investigaram os polimorfismos associados ao risco cardiovascular nessa população. De modo geral, os SNPs presentes em indivíduos em HD são aqueles de genes relacionados à inflamação, estresse oxidativo e calcificação vascular, também capazes de interferir no risco cardiovascular dos pacientes. Polimorfismos em genes relacionados a fatores de risco reconhecidos para DCV, como dislipidemia, hipertensão arterial e hipertrofia ventricular esquerda, também influenciam a morbidade e mortalidade cardiovascular.

Palavras-chave:
Insuficiência Renal Crônica; Inflamação; Estresse Oxidativo; Calcificação Vascular; Hipertrofia Ventricular Esquerda; Polimorfismo de Nucleotídeo Único

ABSTRACT

Cardiovascular disease (CVD) is one of the leading causes of mortality in hemodialysis (HD) subjects. In addition to the traditional risk factors that are common in these individuals, genetic factors are also involved, with emphasis on single nucleotide polymorphs (SNPs). In this context, the present study aims to systematically review the studies that investigated the polymorphisms associated with cardiovascular risk in this population. In general, the SNPs present in HD individuals are those of genes related to inflammation, oxidative stress and vascular calcification, also able of interfering in the cardiovascular risk of this population. In addition, polymorphisms in genes related to recognized risk factors for CVD, such as dyslipidemia, arterial hypertension and left ventricular hypertrophy, also influence cardiovascular morbidity and mortality.

Keywords:
Chronic Renal Failure; Inflammation; Oxidative Stress; Vascular Calcification; Hypertrophy, Left Ventricular; Polymorphism Single Nucleotide

INTRODUÇÃO

A Doença Renal Crônica (DRC) é definida como uma lesão do parênquima renal e/ou diminuição da taxa de filtração glomerular (menor que 60 ml/min/1,73m2), presentes por um período igual ou superior a três meses, com implicações para a saúde.11 Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) CKD Work Group. KDIGO 2012 Clinical Practice Guideline for the Evaluation and Management of Chronic Kidney Disease. Kidney Int 2013;3:1-150. Essa enfermidade apresenta altas taxas de incidência e prevalência e tem se configurado um problema de saúde mundial, com elevados custos para a saúde pública, de aproximadamente 1,4 bilhão de reais/ano no Brasil.22 Gonçalves FA, Dalosso IF, Borba JMC, Bucaneve J, Valerio NMP, Okamoto CT, et al. Qualidade de vida de pacientes renais crônicos em hemodiálise ou diálise peritoneal: estudo comparativo em um serviço de referência de Curitiba - PR. J Bras Nefrol 2015;37:467-74.

No Brasil, estudos epidemiológicos vêm registrando aumento gradativo do número de portadores de DRC, com elevada taxa de prevalência de tratamento dialítico, o qual atendeu 112.004 pacientes no ano de 2014. Destes, 91% estavam em hemodiálise (HD).33 Sesso RC, Lopes AA, Thomé FS, Lugon JR, Martins CT. Inquérito Brasileiro de Diálise Crônica 2014. J Bras Nefrol 2016;38:54-61.

Apesar das melhorias na tecnologia de diálise, a taxa de mortalidade de pacientes em HD é muito alta, cuja principal causa é a doença cardiovascular (DCV). Embora fatores de risco tradicionais, como hipertensão, diabetes mellitus, dislipidemia, idade e tabagismo, sejam comuns nesses indivíduos, explicam somente em parte a alta prevalência de DCV. Assim como em outras doenças multifatoriais, sugere-se que fatores genéticos estejam envolvidos na sua patogênese.44 Ishimitsu T, Tsukada K, Ohta S, Inada H, Minami J, Ono H, et al. Increased cardiovascular risk in long-term hemodialysis patients carrying deletion allele of ACE gene polymorphism. Am J Kidney Dis 2004;44:466-75.

Dentro desse contexto, diversos polimorfismos de nucleotídeo único (do inglês, Single Nucleotide Polymorphism, SNP), caracterizados pela variação de um único par de bases na sequência de DNA, têm sido identificados em indivíduos em HD.55 Nordfors L, Lindholm B, Stenvinkel P. End stage renal disease-not an equal opportunity disease: the role of genetic polymorphism. J Intern Med 2005;258:1-12. Alguns SNPs levam à substituição de aminoácidos na proteína e outros provocam a produção de códons de parada, interrompendo prematuramente o processo de tradução da proteína, ambos capazes de interferir em sua função biológica.66 Zhao Z, Fu YX, Hewett-Emmett D, Boerwinkle E. Investigating single nucleotide polymorphism (SNP) density in the human genome and its implications for molecular evolution. Gene 2003;312:207-13. Dessa forma, alguns estudos demonstram a influência desses SNPs no risco cardiovascular em indivíduos em HD.77 Osman NA, El-Abd N, Nasrallah M. VKORC1 gene (vitamin k epoxide reductase) polymorphisms are associated with cardiovascular disease in chronic kidney disease patients on hemodialysis. Saudi J Kidney Dis Transpl 2016;27:908-15.

8 Song Y, Gu HD, He Y, Wang JW. Role of IL-6 polymorphism on the development of cardiovascular events and coronary artery disease in patients receiving hemodialysis. Genet Mol Res 2015;14:2631-7.
-99 Liu F, Mei X, Zhang Y, Qi H, Wang J, Wang Y, et al. Association of peroxisome proliferator-activated receptorγ gene Pro12Ala and C161T polymorphisms with cardiovascular risk factors in maintenance hemodialysis patients. Mol Biol Rep 2014;41:7555-65.

A presente revisão tem como objetivo revisar sistematicamente os estudos que investigaram os polimorfismos associados ao risco cardiovascular em indivíduos em HD.

METODOLOGIA

Essa revisão sistemática foi conduzida de acordo com um protocolo específico e é descrita conforme os itens de relatórios preferenciais para revisão sistemática e declaração de meta-análises.1010 Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DG; PRISMA Group. Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses: The PRISMA Statement. Ann Intern Med 2009;151:264-9. Este artigo baseia-se em estudos anteriores e não envolve estudos realizados por nenhum dos autores.

ESTRATÉGIA DE BUSCA

Uma revisão da literatura foi conduzida nas bases de dados informatizadas MEDLINE (PubMed), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Science Direct, usando as palavras-chave "hemodialysis", "end-stage renal disease", "renal replacement therapy", "ESRD", combinadas com "polymorphism" OU "polymorphisms". A pesquisa foi limitada aos artigos publicados entre 2010 e 2017.

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO

Foram incluídos estudos clínicos com adultos e idosos em tratamento de HD. Os artigos que não foram publicados na íntegra ou aqueles apresentados como tutoriais, editoriais, notícias, cartas ou comentários, revisões narrativas e sistemáticas, meta-análises, estudos de caso, ensaios experimentais, estudos originais com temas diferentes do interesse e repetições foram excluídos. Também foram excluídos os estudos sobre doença renal aguda, DRC em tratamento conservador ou em tratamento com diálise peritoneal, transplante e síndrome nefrótica.

RESULTADOS DA PESQUISA

Os estudos identificados nas bases de dados eletrônicas foram reunidos em um único banco de dados para excluir duplicatas. Após a exclusão de todas as duplicações, dois revisores independentes selecionaram as referências em três fases: análise de títulos, resumos e textos completos.

Durante o processo de seleção inicial foram encontrados 179 artigos, dos quais 149 foram excluídos após leitura do título, de acordo com os critérios de seleção. Em seguida, os resumos foram lidos para verificar a conformidade com os critérios de inclusão e posteriormente para confirmar a elegibilidade do artigo. Foram excluídos 12 estudos. Finalmente, foram selecionados 18 artigos para análise e discussão de resultados (Figura 1). Outros artigos foram utilizados para contextualização e discussão dos estudos apresentados.

Figura 1
Fluxograma das etapas seguidas para a obtencao dos artigos selecionados para a presente revisao sistematica.

DISCUSSÃO

A partir da análise dos estudos incluídos nesta revisão é possível constatar que diferentes genes têm sido investigados quanto ao risco cardiovascular em indivíduos em HD. A maioria deles está relacionada ao estado inflamatório e estresse oxidativo (EO) (Tabela 1) e calcificação vascular (CV) (Tabela 2). Contudo, também têm sido avaliados genes relacionados à hipertrofia ventricular esquerda, dislipidemia e hipertensão (Tabela 3).

Tabela 1
Polimorfismos em genes relacionados à inflamação, estresse oxidativo e risco cardiovascular em indivíduos em hemodiálise
Tabela 2
Polimorfismos em genes relacionados à calcificação vascular e risco cardiovascular em indivíduos em hemodiálise
Tabela 3
Polimorfismos em genes relacionados à calcificação vascular e risco cardiovascular em indivíduos em hemodiálise

A seleção de tais genes deve-se ao fato de que a presença da inflamação crônica e EO desempenham papel patogênico importante no desenvolvimento de DCV em indivíduos em HD.1111 Ishii H, Takahashi H, Ito Y, Aoyama T, Kamoi D, Sakakibara T, et al. The Association of Ankle Brachial Index, Protein-Energy Wasting, and Inflammation Status with Cardiovascular Mortality in Patients on Chronic Hemodialysis. Nutrients 2017;9:pii:416. Os genes avaliados em relação ao estado inflamatório e EO foram fator de necrose tumoral (TNF), interleucina-10 (IL-10), IL-6, molécula de adesão intercelular-1 (ICAM-1), receptor transmembrana para produtos finais de glicação avançada (RAGE), NADPH oxidase, uridina difosfato-glucuronosiltransferase (UGT1A1), E-selectina e heme oxigenasse 1 (HO1) (Tabela 1).

O TNF é uma das citocinas pró-inflamatórias mais relevantes no desenvolvimento, progressão e complicação da aterosclerose, por meio da redução da expressão da óxido nítrico sintase endotelial, levando à disfunção endotelial. O TNF é positivamente regulado na doença renal progressiva.1212 Stenvinkel P, Heimbürger O, Paultre F, Diczfalusy U, Wang T, Berglund L, et al. Strong association between malnutrition, inflammation, and atherosclerosis in chronic renal failure. Kidney Int 1999;55:1899-911. O seu gene está localizado no cromossomo 6, sendo altamente polimórfico na região promotora. A maioria dos SNPs apresenta a substituição G/A, e o mais investigado é o da posição -308. Na população geral, o polimorfismo -308 G/A está associado à produção elevada de TNF em homozigotos AA.1313 Wilson AG, Symons JA, McDowell TL, McDevitt HO, Duff GW. Effects of a polymorphism in the human tumor necrosis factor alpha promoter on transcriptional activation. Proc Natl Acad Sci U S A 1997;94:3195-9.

A IL-10 tem sido considerada uma das mais importantes citocinas anti-inflamatórias e antiaterogênicas. Como é eliminada principalmente pelos rins, sua meia-vida é aumentada nos indivíduos em HD, levando a concentrações plasmáticas aumentadas.1414 Morita Y, Yamamura M, Kashihara N, Makino H. Increased production of interleukin-10 and inflammatory cytokines in blood monocytes of hemodialysis patients. Res Commun Mol Pathol Pharmacol 1997;98:19-33. Além disso, por causa da ativação crônica de monócitos, pacientes urêmicos produzem quantidades maiores de IL-10 comparados a indivíduos saudáveis.1515 Brunet P, Capo C, Dellacasagrande J, Thirion X, Mege JL, Berland Y. IL-10 synthesis and secretion by peripheral blood mononuclear cells in haemodialysis patients. Nephrol Dial Transpl 1998;13:1745-51. O gene da IL-10 está localizado no cromossomo 1, e as sequências polimórficas foram descritas na região promotora nas posições -592 C/A, -818 C/T e -1082 G/A. O alelo -1082 G parece ser o mais importante, uma vez que portadores do genótipo G/G produzem 30% mais da citocina, enquanto que a baixa produção pelo genótipo A/A está associada ao aumento da mortalidade cardiovascular em indivíduos em HD.1616 Girndt M, Sester U, Sester M, Deman E, Ulrich C, Kaul H, et al. The interleukin-10 promoter genotype determines clinical immune function in hemodialysis patients. Kidney Int 2001;60:2385-91.

A IL-6 é uma citocina multifuncional envolvida em vários processos contraditórios, uma vez que tem efeitos pró e anti-inflamatórios e pode promover a aterosclerose e perda muscular. Diferentes haplótipos no gene da IL-6 podem determinar os níveis de sua transcrição. O gene IL-6 está localizado no cromossomo 7p21 e tem vários polimorfismos nas regiões promotoras (-174 G/C, -634 C/G, -572 G/C e -597 G/A)1717 Tosic Dragovic J, Popovic J, Djuric P, Jankovic A, Bulatovic A, Barovic M, et al. Relative risk for cardiovascular morbidity in hemodialysis patients regarding gene polymorphism for Il-10, Il-6 and TNF. Can J Physiol Pharmacol. 2016;94:1106-9. associados ao aumento do risco de DCV.

Nesse contexto, Song et al.88 Song Y, Gu HD, He Y, Wang JW. Role of IL-6 polymorphism on the development of cardiovascular events and coronary artery disease in patients receiving hemodialysis. Genet Mol Res 2015;14:2631-7. observaram que os genótipos IL-6-634GG e IL-6-174CC foram associados a maior risco de eventos cardiovasculares em indivíduos em HD. Já Tosic Dragovic et al.,1717 Tosic Dragovic J, Popovic J, Djuric P, Jankovic A, Bulatovic A, Barovic M, et al. Relative risk for cardiovascular morbidity in hemodialysis patients regarding gene polymorphism for Il-10, Il-6 and TNF. Can J Physiol Pharmacol. 2016;94:1106-9. além da IL-6, também avaliaram polimorfismos na IL-10 e TNF e concluíram que a morbidade cardiovascular poderia estar sob a influência de polimorfismos genéticos nessas citocinas.

Ainda, ICAM-1, uma glicoproteína de superfície celular, é um membro da superfamília de imunoglobulinas de moléculas de adesão, responsável pela adesão de leucócitos circulantes ao endotélio ativado, que é um dos primeiros eventos na patogênese da aterosclerose. A ICAM-1 é expressa no endotélio vascular, células do músculo liso, macrófagos e linfócitos ativados. Sua expressão pode ser positivamente regulada por mediadores inflamatórios.1818 Blankenberg S, Barbaux S, Tiret L. Adhesion molecules and atherosclerosis. Atherosclerosis. 2003;170:191-203.

O gene ICAM-1 está localizado no cromossomo 19p13 e consiste em sete éxons. O polimorfismo em que a citosina é substituída pela timina no sexto éxon desse gene resulta na substituição do aminoácido ácido glutâmico (E) à lisina (K) no domínio 5 de imunoglobulina da proteína ICAM-1 (K469E). Esse polimorfismo está envolvido em doenças inflamatórias e aterosclerose.1919 Mohamed AA, Rashed L, Amin H, Abu-Farha M, El Fadi SA, Pakhoum S. K469E polymorphism of the intercellular adhesion molecule-1 gene in Egyptians with coronary heart disease. Ann Saudi Med 2010;30:432-6. Em indivíduos em HD, ser portador do alelo T desse polimorfismo foi considerado um fator de risco, independentemente de susceptibilidade para DCV.2020 Buraczynska M, Zaluska W, Baranowicz-Gaszczyk I, Buraczynska K, Niemczyk E, Ksiazek A. The intercellular adhesion molecule-1 (ICAM-1) gene polymorphism K469E in end-stage renal disease patients with cardiovascular disease. Hum Immunol 2012;73:824-8.

RAGE é um membro da superfamília de imunoglobulinas, que reconhece uma vasta gama de ligantes endógenos que se acumulam nos tecidos durante o envelhecimento, degeneração crônica e inflamação. A expressão de RAGE é baixa em condições normais, enquanto que, em condições patogênicas, como diabetes ou inflamação, está associada a aumento em sua expressão.2121 Barlovic DP, Soro-Paavonen A, Jandeleit-Dahm KA. RAGE biology, atherosclerosis and diabetes. Clin Sci (Lond) 2011;121:43-55.

O gene que codifica RAGE está localizado no cromossomo 6p21.3, no complexo principal de histocompatibilidade (MHC), e compreende 11 éxons. De todos os polimorfismos identificados nesse gene, a variante -374 T/A foi associada à DCV.2222 Hudson BI, Stickland MH, Futers TS, Grant PJ. Effects of novel polymorphisms in the RAGE gene on transcriptional regulation and their association with diabetic retinopathy. Diabetes 2001;50:1505-11. Diversos estudos revelaram forte ligação entre o genótipo -374A ou AA e proteção contra doença vascular.2323 Picheth G, Constantini CO, Pedrosa FO, Leme da Rocha Martinez T, Maltempi de Souza E. The -374A allele of the receptor for advanced glycation end products (RAGE) gene promoter is a protective factor against cardiovascular lesions in type 2 diabetes mellitus patients. Clin Chem Lab Med 2007;45:1268-72.,2424 Boiocchi C, Bozzini S, Buzzi MP, Schirinzi S, Zorzetto M, Pelissero G, et al. Age of onset of myocardial infarction: is promoter polymorphism of the RAGE gene implicated? Rejuvenation Res 2011;14:67-73. Esses resultados foram também confirmados em indivíduos caucasianos em HD, nos quais a presença do alelo A desse polimorfismo apresentou efeito protetor contra acidente vascular encefálico.2525 Buraczynska M, Zaluska W, Buraczynska K, Markowska-Gosik D, Ksiazek A. Receptor for advanced glycation end products (RAGE) gene polymorphism and cardiovascular disease in end-stage renal disease patients. Hum Immunol 2015;76:843-8.

NADH/NADPH oxidase é uma enzima associada à membrana que produz superóxido em células musculares lisas vasculares e endoteliais,2626 Ushio-Fukai M, Zafari AM, Fukui T, Ishizaka N, Griendling KK. p22phox is a critical component of the superoxide-generating NADH/NADPH oxidase system and regulates angiotensin II-induced hypertrophy in vascular smooth muscle cells. J Biol Chem 1996;271:23317-21. sendo a fonte mais importante de espécies reativas de oxigênio em artérias intactas.2727 Sorescu D, Weiss D, Lassègue B, Clempus RE, Szöcs K, Sorescu GP, et al. Superoxide production and expression of nox family proteins in human atherosclerosis. Circulation 2002;105:1429-35. O polimorfismo C242T CYBA nessa enzima está associado à produção aumentada de superóxido em vasos sanguíneos de indivíduos com DCV.2828 Inoue N, Kawashima S, Kanazawa K, Yamada S, Akita H, Yokoyama M. Polymorphism of the NADH/NADPH oxidase p22 phox gene in patients with coronary artery disease. Circulation 1998;97:135-7. De fato, em indivíduos em HD, os genótipos CT+TT foram considerados fator de proteção independente para DCV, indicando que a presença desse polimorfismo é um fator significativo no desenvolvimento de DCV.2929 Tang FY, Zhu Y, Wang GH, Xie XW. Relation between development of cardiovascular disease and the C242T CYBA polymorphism of the NADPH oxidase in ESRD patients. Dis Markers 2010;29:89-93.

A bilirrubina possui propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias e acredita-se que seus efeitos antioxidantes e anti-aterogênicos são decorrentes da capacidade de inibir a oxidação de LDL (lipoproteína de baixa densidade) e outros lipídios,3030 Wu TW, Fung KP, Wu J, Yang CC, Weisel RD. Antioxidation of human low density lipoprotein by unconjugated and conjugated bilirubins. Biochem Pharmacol 1996;51:859-62. eliminar radicais livres3131 Stocker R, Yamamoto Y, McDonagh A, Glazer A, Ames BN. Bilirubin is an antioxidant of possible physiological importance. Science 1987;235:1043-6. e neutralizar o EO.3232 Vítek L, Jirsa M, Brodanová M, Kalab M, Marecek Z, Danzig V, et al. Gilbert syndrome and ischemic heart disease: a protective effect of elevated bilirubin levels. Atherosclerosis 2002;160:449-56. Estudos têm demonstrado associação inversa entre as concentrações séricas de bilirrubina e doença coronariana e vascular periférica e acidente vascular cerebral.3333 Perlstein TS, Pande R, Beckman JA, Creager MA. Serum total bilirubin level and prevalent lower-extremity peripheral arterial disease: National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) 1999 to 2004. Arteriocler Thromb Vasc Biol 2008;28:166-72.,3434 Kimm H, Yun JE, Jo J, Jee SH. Low serum bilirubin level as an independent predictor of stroke incidence: a prospective study in Korean men and women. Stroke 2009;40:3422-7.

As concentrações séricas de bilirrubina são controladas pela enzima UGT1A1, que contribui para a glucorinidação da bilirrubina e, consequentemente, é a principal determinante da sua eliminação em seres humanos. Uma causa comum de diminuição na atividade da UGT1A1 é a inserção de um TA na caixa TATAA, na região promotora do gene UGT1A1, designado por UGT1A1*28.3535 Bosma PL, Chowdhury JR, Bakker C, Gantla S, de Boer A, Oostra BA, et al. The genetic basis of the reduced expression of bilirubin UDP-glucuronosyltransferase 1 in Gilbert's syndrome. N Engl J Med 1995;333:1171-5.

Indivíduos homozigotos para 7 repetições (7/7) têm concentrações mais elevadas de bilirrubina sérica do que os heterozigotos (7/6) ou aqueles com o tipo selvagem de 6 repetições (6/6).3535 Bosma PL, Chowdhury JR, Bakker C, Gantla S, de Boer A, Oostra BA, et al. The genetic basis of the reduced expression of bilirubin UDP-glucuronosyltransferase 1 in Gilbert's syndrome. N Engl J Med 1995;333:1171-5.,3636 Beutler E, Gelbart T, Demina A. Racial variability in the UDP glucuronosyltransferase 1 (UGT1A1) promoter: A balanced polymorphism for regulation of bilirubin metabolism? Proc Natl Acad Sci U S A 1998;95:8170-4. Nos pacientes em HD, o polimorfismo UGT1A1*28 apresentou forte efeito sobre os níveis de bilirrubina e o genótipo 7/7 parece ter efeito importante na redução de eventos cardiovasculares e morte.3737 Chen YW, Hung SC, Tarng DC. Serum bilirubin links UGT1A1*28 polymorphism and predicts long-term cardiovascular events and mortality in chronic hemodialysis patients. Clin J Am Soc Nephrol 2011;6:567-74.

Porém, esses estudos relacionados a polimorfismos nesses genes foram realizados com pequeno tamanho amostral. Dessa forma, sugere-se a replicação dessas associações encontradas em outras coortes de pacientes, possivelmente por estratégias diferentes, para validar os resultados e esclarecer o papel desses genes na DCV no contexto de um ambiente urêmico.

A E-selectina, uma glicoproteína de superfície celular de 11 kDa, é uma molécula de adesão da família das selectinas, que recruta leucócitos circulantes por meio de interações adesivas e participa da sinalização e rolamento celular, o que por sua vez leva a uma adesão firme.3838 Roldán V, Marin F, Lip GY, Blann AD. Soluble E-selectin in cardiovascular disease and its risk factors. A review of the literature. Thromb Haemost 2003;90:1007-20. A E-selectina não é detectada em células endoteliais inativas, e sim sintetizada rapidamente em resposta a certas citocinas e outros estímulos pró-inflamatórios, tornando-a um marcador do fenótipo endotelial "ativado".3939 Khazen D, Jendoubi-Ayed S, Aleya WB, Sfar I, Mouelhi L, Matri S, et al. Polymorphism in ICAM-1, PECAM-1, E-selectin, and L-selectin genes in Tunisian patients with inflammatory bowel disease. Eur J Gastroenterol Hepatol 2009;21:167-75.

Issac et al.4040 Issac MSM, Afif A, Gohar NA, Fayek NA, Zayed B, Sedrak H, et al. Association of E-selectin gene polymorphism and serum PAPP-A with carotid atherosclerosis in end-stage renal disease. Mol Diagn Ther 2014;18:243-52. avaliaram a diferença nas concentrações de proteína-A plasmática associada à gravidez (PAPP-A) entre os genótipos rs5355C > T no gene da E-selectina e também investigaram a possível associação entre PAPP-A sérica e esse polimorfismo com a pressão arterial e perfil lipídico em indivíduos em HD. Não houve associação direta entre o polimorfismo, concentração sérica de PAPP-A e espessura da camada média da íntima. Os autores sugerem que essa associação com a aterosclerose da carótida pode refletir em um mecanismo indireto tanto do polimorfismo quanto dos níveis séricos de PAPP-A com fatores de risco cardiovasculares, pressão arterial e HDL-c (lipoproteína de alta densidade), em vez de um efeito direto sobre a vasculatura.4040 Issac MSM, Afif A, Gohar NA, Fayek NA, Zayed B, Sedrak H, et al. Association of E-selectin gene polymorphism and serum PAPP-A with carotid atherosclerosis in end-stage renal disease. Mol Diagn Ther 2014;18:243-52.

A PAPP-A é produzida, principalmente, pelo sincitiotrofoblasto durante a gestação, mas também por fibroblastos, osteoblastos e células do músculo liso endotelial e vascular, tanto em homens como em mulheres. Sugere-se que concentrações séricas elevadas de PAPP-A podem ser um marcador do grau de ecogenicidade das lesões ateroscleróticas nas carótidas.4141 Beaudeux JL, Burc L, Imbert-Bismut F, Giral P, Bernard M, Bruckert E, et al. Serum plasma pregnancy-associated protein A: a potential marker of echogenic carotid atherosclerotic plaques in asymptomatic hyperlipidemic subjects at high cardiovascular risk. Arterioscler Thromb Vasc Biol 2003;23:e7-10.

A HMOX1 é uma enzima citoprotetora que potencialmente exerce funções antioxidantes, anti-inflamatórias, antiapoptóticas e angiogênicas por meio de seus produtos reativos.4242 Idriss NK, Blann AD, Lip GY. Hemoxygenase-1 in cardiovascular disease. J Am Coll Cardiol 2008;52:971-8. O gene HMOX1 foi mapeado no cromossomo 22q12,4343 Kutty RK, Kutty G, Rodriguez IR, Chader GJ, Wiggert B. Chromosomal localization of the human heme oxygenase genes: heme oxygenase-1 (HMOX1) maps to chromosome 22q12 and heme oxygenase-2 (HMOX2) maps to chromosome 16p13.3. Genomics 1994;20:513-6. e o número de repetições de dinucleotídeo de guanosina-timidina [(GT)n] na região promotora desse gene está inversamente associado aos níveis de RNAm (ácido ribonucleico mensageiro) de HMOX1 e à atividade da enzima transcrita.4444 Exner M, Schillinger M, Minar E, Mlekusch W, Schlerka G, Haumer M, et al. Heme oxygenase-1 gene promoter microsatellite polymorphism is associated with restenosis after percutaneous transluminal angioplasty. J Endovasc Ther 2001;8:433-40. De fato, indivíduos em HD com comprimentos mais longos (GT)n nesse gene apresentaram maior inflamação e EO, e correm maior risco de eventos cardiovasculares em longo prazo, bem como estão mais suscetíveis à mortalidade.4545 Chen YH, Hung SC, Tarng DC. Length polymorphism in heme oxygenase-1 and cardiovascular events and mortality in hemodialysis patients. Clin J Am Soc Nephrol 2013;8:1756-63.

A dislipidemia é um importante fator de risco para o desenvolvimento das lesões ateroscleróticas.4646 Vance DE, Vance JE, eds. Biochemistry of Lipids, Lipoproteins and Membranes. 5th ed. Amsterdam: Elsevier; 2008. 631 p. Dessa forma, os genes avaliados quanto à presença de polimorfismos que poderiam influenciar o surgimento de DCV foram a sirtuína 1 (SIRT1) e o receptor ativado por proliferador de peroxissoma γ (PPARγ, do inglês peroxisome proliferator-activated receptor γ) (Tabela 2).

A SIRT1 atua na sinalização endócrina, especificamente no metabolismo de glicose e gordura,4747 Picard F, Kurtev M, Chung N, Topark-Ngarm A, Senawong T, Machado De Oliveira R, et al. Sirt1 promotes fat mobilization in white adipocytes by repressing PPAR-gamma. Nature 2004;429:771-6.,4848 Rodgers JT, Lerin C, Haas W, Gygi SP, Spiegelman BM, Puigserver P. Nutrient control of glucose homeostasis through a complex of PGC-1alpha and SIRT1. Nature 2005;434:113-8. por meio da ativação de proteínas α e β no receptor X do fígado, que regulam o metabolismo lipídico.4949 Li X, Zhang S, Blander G, Tse JG, Krieger M, Guarente L. SIRT1 deacetylates and positively regulates the nuclear receptor LXR. Mol Cell 2007;28:91-106. No tecido adiposo, a SIRT1 interage com PPARγ inibindo a atividade transcricional, e consequentemente a adipogênese.4747 Picard F, Kurtev M, Chung N, Topark-Ngarm A, Senawong T, Machado De Oliveira R, et al. Sirt1 promotes fat mobilization in white adipocytes by repressing PPAR-gamma. Nature 2004;429:771-6. Assim, a SIRT1 está associada ao metabolismo lipídico, e polimorfismos no seu gene podem afetar o perfil lipídico. Essa associação foi verificada em indivíduos japoneses em HD, nos quais a presença dos polimorfismos rs7069102 e rs2273773 foi associada ao metabolismo anormal de colesterol e à calcificação das artérias coronárias, respectivamente, especialmente em homens.5050 Shimoyama Y, Mitsuda Y, Tsuruta Y, Suzuki K, Hamajima N, Niwa T. SIRTUIN 1 gene polymorphisms are associated with cholesterol metabolism and coronary artery calcification in Japanese hemodialysis patients. J Ren Nutr 2012;22:114-9.

Por sua vez, o PPARγ é um receptor nuclear de hormônios que regula genes alvo, responsáveis pelo metabolismo de lipídeos e glicose, inflamação, proliferação e necrose de células tumorais, esclerose de órgãos e fibrose.5151 Kliewer SA, Willson TM. The nuclear receptor PPARgamma - bigger than fat. Curr Opin Genet Dev 1998;8:576-81. Pelo fato de atuar sobre a regulação do metabolismo lipídico e inflamação, ele pode afetar os processos ateroscleróticos.5252 Dumasia R, Eagle KA, Kline-Rogers E, May N, Cho L, Mukherjee D. Role of PPAR- gamma agonist thiazolidinediones in treatment of pre-diabetic and diabetic individuals: a cardiovascular perspective. Curr Drug Targets Cardiovasc Haematol Disord 2005;5:377-86.

Inúmeras variações genéticas do gene que codifica PPARγ influenciam seu papel regulador na transcrição gênica.99 Liu F, Mei X, Zhang Y, Qi H, Wang J, Wang Y, et al. Association of peroxisome proliferator-activated receptorγ gene Pro12Ala and C161T polymorphisms with cardiovascular risk factors in maintenance hemodialysis patients. Mol Biol Rep 2014;41:7555-65. Os SNPs mais comuns são Pro12Ala e C161T. O polimorfismo Pro12Ala é caracterizado por uma substituição CG no éxon B, resultando na conversão de prolina em alanina no resíduo 12 da proteína. O outro é a substituição CT na posição do nucleotídeo 161 no éxon 6 (C161T).5353 Chao TH, Li YH, Chen JH, Wu HL, Shi GY, Liu PY, et al. The 161TT genotype in the exon 6 of the peroxisomeproliferator-activated receptor gamma gene is associated with premature acute myocardial infarction and increased lipid peroxidation in habitual heavy smokers. Clin Sci (Lond) 2004;107:461-6. Estudos anteriores mostraram que esses polimorfismos podem desempenhar um papel importante na aterosclerose da artéria carótida em populações caracterizadas por dislipidemia, diabetes, obesidade e DCV.5454 Wan J, Xiong S, Chao S, Xiao J, Ma Y, Wang J, et al. PPARc gene C161T substitution alters lipid profile in Chinese patients with coronary artery disease and type 2 diabetes mellitus. Cardiovasc Diabetol 2010;9:13.,5555 Ereqat S, Nasereddin A, Azmi K, Abdeen Z, Amin R. Impact of the Pro12Ala polymorphism of the PPAR-Gamma 2 gene on metabolic and clinical characteristics in the Palestinian type 2 diabetic patients. PPAR Res 2009;2009:874126. Porém, em indivíduos chineses em HD, esses dois polimorfismos foram associados a importantes fatores de risco para DCV, como aumento da proteína C-reativa e espessura das camadas íntima e média das carótidas, além de formação de placas ateromatosas nessas artérias, mas não ao metabolismo de lipídeos e nutrição.99 Liu F, Mei X, Zhang Y, Qi H, Wang J, Wang Y, et al. Association of peroxisome proliferator-activated receptorγ gene Pro12Ala and C161T polymorphisms with cardiovascular risk factors in maintenance hemodialysis patients. Mol Biol Rep 2014;41:7555-65.

A presença da hipertensão arterial sistêmica leva ao aumento do risco de eventos cardiovasculares fatais e não-fatais.5656 Chobanian A, Bakris L, Black R, Cushman WC, Green LA, Izzo JL Jr, et al.; National Heart, Lung, and Blood Institute Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure; National High Blood Pressure Education Program Coordinating Committee. The Seventh Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure. JAMA 2003;289:2560-72. Nesse sentido, um estudo incluído nesta revisão investigou a influência de polimorfismos no gene da enzima conversora de angiotensina (ECA) sobre a morbidade cardiovascular em indivíduos em HD5757 Tošić JS, Đurić Z, Popović J, Buzadzić I, Dimković S, Dimković N. Polymorphism of angiotensin converting enzyme in hemodialysis patients--association with cardiovascular morbidity. Med Pregl 2014;67:297-304. (Tabela 2).

A ECA converte a angiotensina I inativa na sua forma ativa, a angiotensina II, um potente vasoconstritor e o principal produto do sistema renina-angiotensina.5858 Sayed-Tabatabaei FA, Oostra BA, Isaacs A, van Duijn CM, Witteman JC. ACE polymorphisms. Circ Res 2006;98:1123-33. O gene que codifica a ECA está localizado no braço longo do cromossomo 17 e compreende 26 éxons e 25 íntrons. Um polimorfismo encontrado nesse gene é o de inserção (I)/deleção (D), sendo que a deleção é considerada uma mutação. Existem três genótipos diferentes I/I, I/D e D/D, e cada um deles pode influenciar a atividade da ECA. Os níveis mais elevados de ECA plasmática são encontrados em homozigotos DD. Os homozigotos com genótipo I/I apresentam os níveis mais baixos, e os heterozigotos I/D têm níveis plasmáticos intermediários dessa enzima.5959 Agerholm-Larsen B, Nordestgaard BG, Tybjaerg-Hansen A. ACE gene polymorphism in cardiovascular disease: meta-analyses of small and large studies in whites. Arterioscler Thromb Vasc Biol 2000;20:484-92. Esse polimorfismo leva a uma maior predisposição ao desenvolvimento de DCV, como infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e outros distúrbios ateroscleróticos.6060 Keavney B, McKenzie C, Parish S, Palmer A, Clark S, Youngman L, et al. Large-scale test of hypothesised associations between the angiotensinconverting-enzyme insertion/deletion polymorphism and myocardial infarction in about 5000 cases and 6000 controls. International Studies of Infarct Survival (ISIS) Collaborators. Lancet 2000;355:434-42.,6161 Mallamaci F, Zuccalà A, Zoccali C, Testa A, Gaggi R, Spoto B, et al. The deletion polymorphism of the angiotensin-converting enzyme is associated with nephroangiosclerosis. Am J Hypertens 2000;13:433-7. De fato, em indivíduos em HD, o polimorfismo do gene da ECA foi associado ao desenvolvimento de acidente vascular cerebral, sendo que o alelo D desse gene aumentou significativamente o risco de desenvolvimento de hipertrofia ventricular esquerda e doença vascular periférica. No entanto, os autores sugerem a necessidade de um acompanhamento mais longo para chegar a uma conclusão definitiva sobre a influência desse polimorfismo na morbidade cardiovascular e sua importância na prática clínica diária.5757 Tošić JS, Đurić Z, Popović J, Buzadzić I, Dimković S, Dimković N. Polymorphism of angiotensin converting enzyme in hemodialysis patients--association with cardiovascular morbidity. Med Pregl 2014;67:297-304.

A CV é altamente prevalente entre pacientes com DRC, progredindo, muitas vezes, durante um período relativamente curto de tempo, e é um forte preditor de DCV e mortalidade por todas as causas nessa população.6262 NasrAllah MM, Nassef A, Elshaboni TH, Morise F, Osman NA, Sharaf El Din UA. Comparing different calcification scores to detect outcomes in chronic kidney disease patients with vascular calcification. Int J Cardiol 2016;220:884-9.,6363 London GM, Guérin AP, Marchais SJ, Métivier F, Pannier B, Adda H. Arterial media calcification in end-stage renal disease: impact on all-cause and cardiovascular mortality. Nephrol Dial Transplant 2003;18:1731-40. Sendo assim, dos estudos incluídos nesta revisão, três investigaram polimorfismos em genes que poderiam influenciar a CV e, consequentemente, o risco cardiovascular, sendo eles: proteína Gla de matriz (MGP), vitamina K epóxido redutase (VKORC) e 5,10 metilenotetrahidrofolato (MTHFR) (Tabela 3).

A MGP é uma proteína dependente de vitamina K, com 84 aminoácidos e peso molecular de 12 kDa.6464 Covic A, Kanbay M, Voroneanu L, Turgut F, Serban DN, Serban IL, et al. Vascular calcification in chronic kidney disease. Clin Sci (Lond) 2010;119:111-21. Sugere-se que esse seria um fator crítico no desenvolvimento da aterosclerose em indivíduos em HD.6565 Moe SM, Chen NX. Pathophysiology of vascular calcification in chronic kidney disease Circ Res 2004;95:560-7. O gene que codifica a MGP tem vários SNP nas suas regiões promotora e codificante.6666 Farzaneh-Far A, Davies JD, Braam LA, Spronk HM, Proudfoot D, Chan SW, et al. A polymorphism of the human matrix gamma-carboxyglutamic acid protein promoter alters binding of an activating protein-1 complex and is associated with altered transcription and serum levels. J Biol Chem 2001;276:32466-73. Em destaque, o genótipo MGP-138CC do polimorfismo T-138C no gene dessa proteína pode estar associado a uma progressão mais lenta da CV em pacientes em HD. Dessa forma, os autores propõem que o genótipo do gene MGP pode ser um biomarcador genômico preditivo da progressão de CV. Além disso, esse biomarcador inalterável pode ser útil na detecção e classificação de doenças, predição de resposta ao tratamento, eficácia do tratamento e prognóstico.6767 Yoshikawa K, Abe H, Tominaga T, Nakamura M, Kishi S, Matsuura M, et al. Polymorphism in the human matrix Gla protein gene is associated with the progression of vascular calcification in maintenance hemodialysis patients. Clin Exp Nephrol 2013;17:882-9.

Ainda dentro desse contexto da CV, Osman, El-Abd e Nasrallah77 Osman NA, El-Abd N, Nasrallah M. VKORC1 gene (vitamin k epoxide reductase) polymorphisms are associated with cardiovascular disease in chronic kidney disease patients on hemodialysis. Saudi J Kidney Dis Transpl 2016;27:908-15. investigaram a associação de polimorfismos no gene da VKORC1 com DCV em indivíduos em HD, pela presença de DCV clinicamente evidente e/ou CV. Os autores verificaram que polimorfismos nesse gene tinham associação com calcificação cardiovascular prevalente e DCV clinicamente evidente, sendo que pacientes com o polimorfismo C1173T apresentaram maior risco de doenças e os com G-1639A, menor risco. Porém, esses resultados precisam ser confirmados em estudos envolvendo a mensuração de concentrações de vitamina K carboxilada, MGP e fatores de coagulação para uma melhor interpretação.77 Osman NA, El-Abd N, Nasrallah M. VKORC1 gene (vitamin k epoxide reductase) polymorphisms are associated with cardiovascular disease in chronic kidney disease patients on hemodialysis. Saudi J Kidney Dis Transpl 2016;27:908-15.

De fato, a VKOR é responsável pela reciclagem da vitamina K, cuja necessidade no organismo humano é muito baixa. A inativação dessa enzima aumenta os requerimentos da vitamina a valores acima do presente na dieta, resultando em sua insuficiência funcional.6868 Theuwissen E, Smit E, Vermeer C. The role of vitamin K in soft-tissue calcification. Adv Nutr 2012;3:166-73. VKORC1 é o gene que codifica a VKOR, e polimorfismos nesse gene foram associados à disponibilidade de vitamina K ativa para a carboxilação de fatores de coagulação, particularmente resistência à cumarina.6969 Müller E, Keller A, Fregin A, Müller CR, Rost S. Confirmation of warfarin resistance of naturally occurring VKORC1 variants by coexpression with coagulation factor IX and in silico protein modelling. BMC Genet 2014;15:17. Concentrações aumentadas de fatores de coagulação associados a esses polimorfismos podem estar relacionadas a eventos vasculares como consequência da hipercoagulabilidade.7070 Leung A, Huang CK, Muto R, Liu Y, Pan Q. CYP2C9 and VKORC1 genetic polymorphism analysis might be necessary in patients with Factor V Leiden and pro-thrombin gene G2021A mutation(s). Diagn Mol Pathol 2007;16:184-6.

A 5,10 MTHFR é uma das principais enzimas envolvidas no metabolismo da homocisteína, que apresenta propriedades aterogênicas nos vasos sanguíneos. Mutações no gene da MTHFR poderiam reduzir sua atividade enzimática e causar hiperhomocisteinemia, que é um fator de risco para a aterosclerose devido à disfunção endotelial e EO.7171 Spark JI, Laws P, Fitridge R. The incidence of hyperhomocysteinaemia in vascular patients. Eur J Vasc Endovasc Surg 2003;26:558-61. Em indivíduos em HD, houve forte relação entre a presença do polimorfismo C677T no gene MTHFR e CV, já que, comparados ao genótipo CC, os pacientes com genótipos CT e TT apresentaram odds ratios ajustadas para CV de 1,39 e 1,58, respectivamente (p < 0,005).7272 Lee SY, Kim HY, Park KM, Lee SY, Hong SG, Kim HJ, et al. MTHFR C677T polymorphism as a risk factor for vascular calcification in chronic hemodialysis patients. J Korean Med Sci 2011;26:461-5.

A hipertrofia ventricular esquerda é um dos mais importantes fatores de risco de mortalidade por todas as causas e cardiovascular em indivíduos em HD.7373 Zoccali C, Benedetto FA, Mallamaci F, Tripepi G, Giacone G, Cataliotti A, et al.; CREED Investigators. Prognostic impact of the indexation of left ventricular mass in patients undergoing dialysis. J Am Soc Nephrol 2001;12:2768-74. Dois estudos incluídos nesta revisão investigaram o efeito de polimorfismos no gene do receptor da vitamina D sobre a hipertrofia ventricular esquerda e, consequentemente, no risco cardiovascular nessa população7474 Testa A, Mallamaci F, Benedetto FA, Pisano A, Tripepi G, Malatino L, et al. Vitamin D receptor (VDR) gene polymorphism is associated with left ventricular (LV) mass and predicts left ventricular hypertrophy (LVH) progression in end-stage renal disease (ESRD) patients. J Bone Mir Res 2010;25:313-9.,7575 El-Shehaby AM, El-Khatib MM, Marzouk S, Battah AA. Relationship of BsmI polymorphism of vitamin D receptor gene with left ventricular hypertrophy and atherosclerosis in hemodialysis patients. Scand J Clin Lab Invest 2013;73:75-81. (Tabela 2).

A deficiência de vitamina D é comum nesses pacientes, podendo ter consequências significativas em sua saúde.7676 Wolf M, Shah A, Gutierrez O, Ankers E, Monroy M, Tamez H, et al. Vitamin D levels and early mortality among incident hemodialysis patients. Kidney Int 2007;72:1004-13. O miocárdio é um alvo importante da vitamina D, e três polimorfismos comuns (BsmI, ApaI e TaqI) no extremo 3' no receptor da vitamina D têm sido intensamente investigados. Nesse sentido, Testa et al.7474 Testa A, Mallamaci F, Benedetto FA, Pisano A, Tripepi G, Malatino L, et al. Vitamin D receptor (VDR) gene polymorphism is associated with left ventricular (LV) mass and predicts left ventricular hypertrophy (LVH) progression in end-stage renal disease (ESRD) patients. J Bone Mir Res 2010;25:313-9. e El-Shehaby et al.7575 El-Shehaby AM, El-Khatib MM, Marzouk S, Battah AA. Relationship of BsmI polymorphism of vitamin D receptor gene with left ventricular hypertrophy and atherosclerosis in hemodialysis patients. Scand J Clin Lab Invest 2013;73:75-81. observaram que, em pacientes em diálise, o alelo B do polimorfismo BsmI no gene do receptor da vitamina D foi independentemente relacionado à hipertrofia ventricular esquerda e está associado a uma maior taxa da sua progressão. Além disso, o alelo B desse polimorfismo pode ser considerado um novo marcador de alteração da sinalização da vitamina D nesses pacientes.

Ademais, um estudo incluído na presente revisão investigou a influência de polimorfismo no gene do fator de crescimento do tecido conjuntivo (CCN2) na morbidade e mortalidade cardiovascular em indivíduos em HD7777 Cozzolino M, Biondi ML, Banfi E, Riser BL, Mehmeti F, Cusi D, et al. CCN2 (CTGF) gene polymorphism is a novel prognostic risk factor for cardiovascular outcomes in hemodialysis patients. Blood Purif 2010;30:272-6. (Tabela 2). A CCN2, uma citocina profibrótica secretada por células endoteliais humanas, está envolvida na aterogênese, uma vez que o seu RNAm é expresso em células musculares lisas de vasos sanguíneos ateroscleróticos, mas não em artérias homólogas normais.7878 Oemar BS, Lüscher TF. Connective tissue growth factor. Friend or foe? Arterioscler Thromb Vasc Biol 1997;17:1483-9.

Além disso, a expressão da proteína CCN2 é significativamente maior em placas ateroscleróticas em comparação com placas fibrosas e mais estáveis, e pode aumentar a migração de monócitos em lesões ateroscleróticas, contribuindo assim para a aterogênese.7979 Cicha I, Yilmaz A, Klein M, Raithel D, Brigstock DR, Daniel WG, et al. Connective tissue growth factor is overexpressed in complicated atherosclerotic plaques and induces mononuclear cell chemotaxis in vitro. Arterioscler Thromb Vasc Biol 2005;25:1008-13. Em indivíduos caucasianos em HD, o polimorfismo no gene CCN2 foi considerado um fator de risco prognóstico para morbidade e mortalidade cardiovascular. Os autores deste estudo sugerem que esses resultados podem ter implicações importantes para uma melhor compreensão da ligação entre a aterosclerose acelerada e aumento da mortalidade nessa população.7777 Cozzolino M, Biondi ML, Banfi E, Riser BL, Mehmeti F, Cusi D, et al. CCN2 (CTGF) gene polymorphism is a novel prognostic risk factor for cardiovascular outcomes in hemodialysis patients. Blood Purif 2010;30:272-6.

Por fim, indivíduos homozigotos para o alelo de risco (GG) do SNP rs10757278 no ANRIL (RNA não codificante antisentido) mostraram duas vezes maior risco de evento cardiovascular adverso do que os portadores do alelo protetor (AA ou AG), mesmo após ajuste para outros fatores de risco, como diabetes mellitus.8080 Arbiol-Roca A, Padró-Miquel A, Hueso M, Navarro E, Alía-Ramos P, González-Álvarez MT, et al. Association of ANRIL gene polymorphisms with major adverse cardiovascular events in hemodialysis patients. Clin Chim Acta 2017;466:61-7. ANRIL está localizado no cromossomo 9p21.3 e é considerado o fator genético mais fortemente associado à DCV aterosclerótica.8181 Holdt LM, Teupser D. From genotype to phenotype in human atherosclerosis-recent findings. Curr Opin Lipidol 2013;24:410-8. A expressão aumentada desse gene acelera a proliferação, aumenta a adesão e diminui a apoptose,8181 Holdt LM, Teupser D. From genotype to phenotype in human atherosclerosis-recent findings. Curr Opin Lipidol 2013;24:410-8. mecanismo relacionado com a patogênese da aterosclerose.

CONCLUSÃO

De modo geral, os resultados dos estudos incluídos nesta revisão sugerem que polimorfismos em genes relacionados à inflamação e EO e CV afetam o risco cardiovascular em indivíduos em HD. Além disso, polimorfismos em genes considerados fatores de risco para DCV, como dislipidemia, hipertensão arterial e hipertrofia ventricular esquerda, também influenciam a morbidade e mortalidade cardiovascular nessa população.

LIMITAÇÕES E PERSPECTIVAS

Os estudos incluídos nesta revisão apresentaram como limitações o uso de pequeno tamanho amostral e grupos étnicos específicos, não sendo possível a extrapolação dos resultados para pacientes em HD em geral. A maioria dos estudos é do tipo transversal, impossibilitando verificar a relação causa-efeito da presença de alelo específico. Além disso, os estudos analisam, de modo geral, polimorfismos em um único gene, sendo que a análise de haplótipos em alguns casos é mais interessante, ou seja, a análise em conjunto de polimorfismos em genes próximos ao analisado que poderiam influenciar o risco de desenvolver a doença. Finalmente, deve-se considerar que a influência apenas do polimorfismo no risco de desenvolver a doença é pequena, uma vez que fatores ambientais, estilo de vida e, no caso de indivíduos em HD, a presença de outras comorbidades (como doença renal, diabetes mellitus, hipertensão, dentre outros) podem interagir com o polimorfismo influenciando na determinação do fenótipo.

Apesar das limitações anteriormente citadas, sabe-se que avaliar a presença desses polimorfismos é de extrema importância, uma vez que a identificação de pacientes portadores de genótipos de alto risco pode permitir estratégias preventivas precoces e propiciar acompanhamento mais próximo das populações-alvo apropriadas. Além disso, é fundamental reconhecer um biomarcador preditivo para morbidade e mortalidade e permitir melhor identificação dos grupos de alto risco. Por fim, a nutrigenética, ciência que estuda o efeito da variação genética entre os indivíduos na resposta à dieta, é um aspecto importante a ser considerado, uma vez que, no contexto de uma recomendação personalizada, o conhecimento dessa interação gene-nutriente indica quais indivíduos poderiam ser beneficiados com a adoção de uma dieta específica. Aponta também que outros fatores ambientais podem interferir na relação gene-nutriente.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à FAPEMIG, pela bolsa de doutorado concedida a KP Balbino. HHM Hermsdorff e J Bressan são bolsistas de Produtividade em Pesquisa do CNPq.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2018
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2017
  • Aceito
    23 Ago 2017
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