RESUMO
Considerando a nova epidemia de coronavírus (Covid-19), a Sociedade Brasileira de Nefrologia, representada pelo Comitê de Diálise Peritoneal, em concordância com a diretoria e o Departamento de Diálise, desenvolveu uma série de recomendações de boas práticas clínicas para os serviços de diálise peritoneal a serem consideradas durante o período da epidemia de Covid-19, com o objetivo de minimizar a disseminação da doença, proteger pacientes e funcionários e garantir a qualidade do tratamento prestado e acompanhamento adequado para os pacientes em DP. As recomendações aqui sugeridas devem ser adaptadas a cada realidade de serviço e às condições estruturais e de recursos humanos e dependem da provisão financeira adequada do sistema público de saúde para sua plena implementação.
Covid-19; Infecções por Coronavirus; Diálise Peritoneal; Estratégias de eSaúde
ABSTRACT
Considering the new coronavirus epidemic (Covid-19), the Brazilian Society of Nephrology, represented by the Peritoneal Steering Committee, in agreement with the and the Dialysis Department, developed a series of recommendations for good clinical practices for peritoneal dialysis (PD) clinics, to be considered during the period of the Covid-19 epidemic. We aim to minimize the disease spread, protecting patients and staff, and ensuring the quality of the treatment provided and adequate follow-up for PD patients. The recommendations suggested at this moment must be adapted to each clinic’s reality and the conditions of the structural and human resources, dependent on the adequate financial provision of the public health system for its full implementation.
Covid-19; Coronavirus infections; Peritoneal dialysis; eHealth Strategies
INTRODUÇÃO
A Diretoria da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), em conjunto com o Comitê de Diálise Peritoneal, elaborou recomendações para os serviços de diálise peritoneal em relação aos cuidados com o coronavírus. As recomendações aqui contidas devem ser adaptadas ao contexto e à realidade local de cada serviço e dependem de adequado financiamento pelos gestores públicos para sua completa implementação.
CONSIDERAÇÕES
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Considerando que a terapia de diálise peritoneal (DP) consiste em uma modalidade de terapia renal substitutiva (TRS) domiciliar que permite ao paciente manter seu tratamento contínuo sem necessidade de comparecer diversas vezes por semana à unidade de diálise, pois torna possível o acompanhamento ambulatorial mensal para revisão e ajuste do tratamento quando necessário, de forma eletiva1.
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Considerando os riscos de exposição a que os pacientes renais crônicos, em sua grande maioria com múltiplas comorbidades, estão sujeitos, associados à baixa imunidade que a própria doença lhes confere, e às recomendações de isolamento social para minimizar a propagação do Covid-19 determinadas pelo Ministério de Saúde, entre outros órgãos2.
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Considerando o ofício emitido pelo Conselho Federal de Medicina na mesma data (Ofício CFM nº 1756/2020), reconhecendo a possibilidade e a eticidade da utilização da telemedicina, além do disposto na Resolução CFM nº 1.643, de 26 de agosto de 2002, nos estritos e seguintes termos: teleorientação: para que profissionais da medicina realizem a distância a orientação e o encaminhamento de pacientes em isolamento; telemonitoramento: ato realizado sob orientação e supervisão médica para monitoramento ou vigência a distância de parâmetros de saúde e/ou doença; teleinterconsulta: exclusivamente para troca de informações e opiniões entre médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico3.
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Considerando as orientações da Portaria nº 467, de 20 de março de 2020, publicadas posteriormente no Diário Oficial da União pelo Ministério da Saúde, que dispõe, em caráter excepcional e temporário, sobre as ações de telemedicina, com o objetivo de regulamentar e operacionalizar as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional previstas no art. 3º da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, decorrente da epidemia de Covid-194.
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Considerando a determinação de muitos estados no país para a suspensão de atendimentos ambulatoriais, para minimizar a circulação de pessoas e a disseminação da doença de forma rápida, e visto que o Brasil entrou na fase epidemiológica de transmissão comunitária da doença, quando o número de casos aumenta exponencialmente e se perde a capacidade de identificar a fonte transmissora, a SBN, por meio de seu Comitê de Diálise Peritoneal e sua Diretoria Executiva, elaborou as recomendações que elencamos a seguir.
RECOMENDAÇÕES
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Que os serviços de diálise peritoneal se estruturem, na medida do possível, para assistir a seus pacientes neste período da pandemia, via telemedicina, dentro das modalidades reconhecidas pelo CFM (teleorientação, telemonitoramento ou teleinterconsulta), de acordo com a capacidade técnica de cada serviço com as regras estabelecidas pela Portaria nº 467, publicada no Diário Oficial da União3 - 5 .
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As visitas dos pacientes às unidades devem ser reduzidas ao mínimo e restritas apenas a casos essenciais, caso o paciente apresente alguma intercorrência clínica, como peritonite, infecção relacionado ao cateter (túnel e/ou orifício de saída), alterações de volume corpóreo, ou caso não haja ferramentas necessárias para serem assistidos remotamente de forma segura e ética.
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Os implantes de cateteres peritoneais de pacientes com necessidade imediata de início da terapia, bem como reposicionamento de cateteres com disfunção e retiradas por infecções, não são considerados procedimentos eletivos; portanto, devem ser realizados tomando-se todas as precauções orientadas para a redução do risco de transmissão da Covid-19.
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Treinamentos de pacientes com necessidade de iniciar diálise devem ser priorizados e agendados em horários espaçados (que permita a limpeza do ambiente entre um paciente e outro), controlando o número de pacientes atendidos por período na clínica e agilizando ao máximo todos os procedimentos para reduzir o número de pacientes na área de espera, sempre respeitando todas as medidas de prevenção ao Covid-19 especificadas pelo Ministério da Saúde (MS), SBN e OMS, e sempre realizando a triagem dos pacientes antes de adentrarem o serviço.
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Procedimentos não essenciais, como troca de equipo 6'', teste de equilíbrio peritoneal (PET), KT/V, devem ser evitados durante a pandemia, para minimizar riscos e a exposição desnecessária do paciente.
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Sugerimos ainda que o paciente use máscara de tecido quando eventualmente tiver que sair à rua, conforme últimas recomendações do Ministério da Saúde. A SBN não recomenda o uso de máscara de tecido durante a realização da DP.
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Em concordância com o orientado recentemente nas recomendações da International Society for Peritoneal Dialysis (ISPD), a SBN sugere que as admissões hospitalares eletivas e não urgentes sejam reagendadas e os casos cirúrgicos e de procedimentos eletivos hospitalares, adiados6.
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Além disso, se a equipe de enfermagem em DP estiver envolvida com atendimento hospitalar de pacientes, é preferível ter equipes separadas, responsáveis pelo atendimento em DP ambulatorial e hospitalar. Caso não seja possível, recomendamos que os atendimentos hospitalares ocorram no fim de cada turno de trabalho, para que, após serem realizados com as devidas precauções de higiene, os profissionais possam ir diretamente para casa.
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Reforçar para os pacientes a orientação quanto aos cuidados referentes ao material utilizado na terapia. O armazenamento no domicílio e seu uso em casa devem ser mantidos conforme protocolo local.
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Todos os materiais a serem utilizados em cada sessão de DP na clínica ou no hospital devem ser higienizados com álcool 70% antes de sua utilização.
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O descarte de insumos gerados por pacientes confirmados ou suspeitos de Covid-19 deve ser feito de acordo com as regras de regulamentação locais.
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Para os casos de pacientes que precisem ser avaliados presencialmente na unidade, a SBN reforça a necessidade de manutenção das recomendações técnicas de boas práticas, adaptadas ao contexto e à realidade local e com adequado financiamento pelos gestores públicos, previamente publicadas para os serviços de hemodiálise compiladas e adaptadas para a diálise peritoneal, conforme citado a seguir7 - 1 1 :
MEDIDAS GERAIS PARA ATENDIMENTO PRESENCIAL
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As unidades de DP devem atuar na orientação adequada de seus pacientes e colaboradores sobre as medidas básicas de prevenção. Enfatizar e intensificar a higienização frequente das mãos com álcool gel 70% ou lavagem com água e sabão por cerca de 20 a 60 segundos. Devem também orientar pacientes e colaboradores a: evitar tocar os olhos, a boca e o nariz sem ter feito higienização das mãos; evitar contato próximo com indivíduos infectados; utilizando a etiqueta social, cobrir boca e nariz ao espirrar ou tossir, com lenço descartável e desprezá-lo assim que possível, ou usar o ângulo formado pelo braço e antebraço (cotovelo); limpar e desinfetar objetos e superfícies tocados com frequência; evitar o compartilhamento de objetos de uso pessoal (como escovas de dentes, talheres, pratos e copos); e, se estiver infectado, evitar contato com outras pessoas, optando por ficar em casa sempre que possível12 , 13 .
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Recomenda-se intensificar a higienização de objetos e superfícies de uso frequente do público, como maçanetas de portas, braços de cadeiras e botões de elevadores. Evidências recentes sugerem que alguns coronavírus podem permanecer infectantes em superfícies inanimadas por até 9 dias. A desinfecção de superfícies com hipoclorito de sódio a 0,1% ou etanol 62-71% reduz significativamente a infectividade dos coronavírus após 1 minuto de exposição14.
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Pacientes e colaboradores devem ser estimulados a evitar, se possível, o transporte público. Quando necessário, usar máscara de tecido.
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Recomenda-se que as unidades de DP estimulem a vacinação para influenza de seus pacientes, na ausência de contraindicação.
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Recomenda-se às unidades de diálise que tomem medidas administrativas para reduzir, dentro do possível, o número de transeuntes e acompanhantes.
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Acompanhantes de pacientes e colaboradores com sintomas respiratórios devem ser desencorajados a comparecer à Unidade de DP.
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Recomenda-se manter os ambientes ventilados e arejados na Unidade de Diálise.
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Reuniões por videoconferência devem ser estimuladas sempre que possível.
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Cuidados em relação aos pacientes em DP em consulta ambulatorial presencial: entrar em contato com o paciente e os familiares para uma pré-triagem antes da consulta via telefone, para identificar a existência de sintomas respiratórios (caso haja, orientar paciente e família a não comparecer à unidade); orientar sinais e sintomas de gravidade e a procurar atendimento conforme referência de cada município caso haja piora do quadro.
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Na chegada do paciente à unidade, se for detectado que se trata de um caso suspeito, ele deve ser submetido à avaliação médica e receber orientação antes da entrada no serviço de diálise. Após avaliação, a conduta deve ser tomada de acordo com o quadro clínico do paciente e com as recomendações vigentes das autoridades sanitárias locais e do Ministério da Saúde. Esses pacientes não devem permanecer na unidade; o monitoramento pode ser realizado posteriormente, por telefone12.
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Para atender ao caso suspeito, o profissional de saúde (médicos e enfermeiras) deve paramentar-se com avental descartável, máscara cirúrgica, óculos de proteção e/ou viseira facial e luvas de procedimento descartáveis.
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Recomenda-se a utilização de máscara cirúrgica para pacientes com sintomas respiratórios e seus acompanhantes durante a avaliação antes de sua entrada na unidade de diálise.
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Demais membros da equipe assistencial multidisciplinar devem usar máscara cirúrgica. Caso o atendimento preveja contato mais direto com o paciente, seguir as mesmas recomendações do segundo item. Sugere-se também que os demais colaboradores (manutenção, higienização, recepcionistas, vigilantes) da unidade de diálise também usem máscara cirúrgica. A máscara cirúrgica deve ser substituída por uma nova sempre que estiver úmida.
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Profissionais da saúde da unidade de diálise responsáveis pela assistência de casos confirmados ou suspeitos devem utilizar máscaras (tipo N95) sempre que forem realizar procedimentos geradores de aerossóis, como, por exemplo, intubação orotraqueal, ventilação não invasiva, reanimação cardiopulmonar ou ventilação manual antes da intubação.
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Se possível, designar um sanitário para uso exclusivo do caso suspeito. Se não for possível, deve-se limpar as superfícies normalmente tocadas do(s) sanitário(s) (torneira, maçaneta, tampa de lixeira, balcões) com água e sabão ou desinfetante, conforme procedimentos descritos na RDC 56, de 6 de agosto de 2008.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As medidas anteriormente propostas servem como fonte de informação e alerta para atenuar a propagação do vírus e promover uma assistência mais adequada à população com doença renal crônica em tratamento dialítico durante o período de duração da pandemia pela Covid-19. Essas medidas podem, e devem, ser revistas a medida que a situação sanitária se modifique15.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos pela contribuição e o apoio dos demais membros do comitê de Diálise Peritoneal da SBN, Dr. Mario Ernesto Rodrigues, Dr. Elias Flato, Dra. Gina Moreno, Dr. Henrique Carrascossi e Dr. Hugo Abensur.
Referências bibliográficas
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3 Conselho Federal de Medicina (BR). Ofício Conselho Federal de Medicina, Nº1756/2020 – COJUR, 19 de Março de 2020. http://portal.cfm.org.br/images/PDF/2020_oficio_telemedicina.pdf Published 2020. Accessed.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
26 Ago 2020 -
Data do Fascículo
2020