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Análise metabólica e cristalográfica de cálculos renais: estruvita não difere dos demais quanto ao caminho necessário

O cálculo de estruvita representa a causa mais comum de cálculo coraliforme de rápido crescimento cujos fatores predisponentes incluem sexo feminino, estase a partir de malformações ou obstrução do trato urinário, bexiga neurogênica, entre outros11 Iqbal MW, Shin RH, Youssef RF, Kaplan AG, Cabrera FJ, Hanna J, et al. Should metabolic evaluation be performed in patients with struvite stones?. Urolithiasis. 2017 Apr;45(2):185-92. DOI: https://doi.org/10.1007/s00240-016-0893-6
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. Sua morbidade relevante é atribuída à frequente associação com infecções do trato urinário (ITU) recorrentes, pielonefrite, abscesso perinéfrico ou mesmo sepse, sem mencionar a perda potencial da função renal22 Cunha TDS, Rodriguez A, Heilberg IP. Influence of socioeconomic disparities, temperature and humidity in kidney stone composition. Braz J Nefrol. 2020 Oct/Dec;42(4):454-60. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-2019-0206
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. Além disso, o status socioeconômico mais baixo e a má qualidade dos cuidados de saúde estão intimamente relacionados à redução do acesso aos procedimentos de remoção de cálculos, taxas mais baixas de manejo preventivo e tratamento retardado ou inexistente das ITU recorrentes, predispondo em conjunto à formação de cálculos infecciosos. Assim, Cunha et al. (2020)22 Cunha TDS, Rodriguez A, Heilberg IP. Influence of socioeconomic disparities, temperature and humidity in kidney stone composition. Braz J Nefrol. 2020 Oct/Dec;42(4):454-60. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-2019-0206
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mostraram recentemente que os cálculos de estruvita são mais comumente observados em áreas de baixos índices de desenvolvimento humano (IDH). Como consequência, os pacientes podem ser submetidos à nefrectomia radical com maior frequência do que os pacientes com outros tipos de cálculos. Finalmente, parece haver uma chance maior de disfunção renal progressiva ou doença renal crônica (DRC) como resultado de nefrectomia entre pacientes com formação de cálculos de estruvita, uropatia obstrutiva ou ITU recorrente33 Carvalho M, Martin RLS, Passos RC, Riella MC. Nephrectomy as a cause of chronic kidney disease in the treatment of urolithiasis: a case-control study. World J Urol. 2013 Oct;31(5):1141-5. DOI: https://doi.org/10.1007/s00345-012-0845-x
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Avaliamos com grande interesse o trabalho de Danilovic et al. (2021)44 Danilovic A, Ferreira TAC, Gomes SA, Wei IA, Vicentini FC, Torricelli FCM, et al. Metabolic assessment in pure struvite stones formers: is it necessary?. Braz J Nephrol. 2021 Apr 29; [Epub ahead of print]. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2020-0106
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, que realizaram uma avaliação retrospectiva dos prontuários de pacientes submetidos à nefrectomia total unilateral devido a cálculos de FAM puro (fosfato de amônio magnesiano ou estruvita) ou cálculo de oxalato de cálcio (OxCa) puro, buscando parâmetros metabólicos urinários preditivos de novos eventos clínicos. Embora este tópico tenha sido levantado nos últimos anos11 Iqbal MW, Shin RH, Youssef RF, Kaplan AG, Cabrera FJ, Hanna J, et al. Should metabolic evaluation be performed in patients with struvite stones?. Urolithiasis. 2017 Apr;45(2):185-92. DOI: https://doi.org/10.1007/s00240-016-0893-6
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, a falta de dados em nossa população destaca a relevância epidemiológica deste estudo44 Danilovic A, Ferreira TAC, Gomes SA, Wei IA, Vicentini FC, Torricelli FCM, et al. Metabolic assessment in pure struvite stones formers: is it necessary?. Braz J Nephrol. 2021 Apr 29; [Epub ahead of print]. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2020-0106
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Os autores encontraram uma frequência similar de anormalidades metabólicas em amostras de urina de 24 horas entre os grupos, relevantes apenas para hipocitratúria. Não houve diferença significante de novos eventos entre os grupos, e o tratamento de anormalidades metabólicas entre pacientes com cálculo de FAM os tornou propensos ao mesmo risco para um novo evento como aqueles sem qualquer distúrbio metabólico.

Embora as anormalidades metabólicas em formadores de cálculo de estruvita puro realmente pareçam ser mais comuns do que relatado anteriormente, o perfil de alterações metabólicas difere entre os relatos. Iqbal et al. (2017)11 Iqbal MW, Shin RH, Youssef RF, Kaplan AG, Cabrera FJ, Hanna J, et al. Should metabolic evaluation be performed in patients with struvite stones?. Urolithiasis. 2017 Apr;45(2):185-92. DOI: https://doi.org/10.1007/s00240-016-0893-6
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, por exemplo, relataram taxas muito mais altas de hipercalciúria (43%) e taxas mais baixas de hipocitratúria (14%) entre os formadores de cálculo de estruvita puro do que aquelas apresentadas por Danilovic et al. (2021)44 Danilovic A, Ferreira TAC, Gomes SA, Wei IA, Vicentini FC, Torricelli FCM, et al. Metabolic assessment in pure struvite stones formers: is it necessary?. Braz J Nephrol. 2021 Apr 29; [Epub ahead of print]. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2020-0106
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. Uma possível razão para tal poderia ter sido uma amostra com aproximadamente um terço dos pacientes no estágio 3 da DRC em ambos os grupos (OxCa e FAM) por este último autor. Além disso, há limitações na avaliação metabólica urinária de pacientes com taxas de filtração glomerular (TFG) inferiores a 60 mL/min/1,73m2, especialmente no que diz respeito a níveis mais baixos de cálcio urinário, devido ao hiperparatireoidismo secundário, como já demonstrado em populações de pacientes com urolitíase primária por estruvita55 Kristensen C, Parks JH, Lindheimer M, Coe FL. Reduced glomerular filtration rate and hypercalciuria in primary struvite nephrolithiasis. Kidney Int. 1987 Nov;32(5):749-53. DOI: https://doi.org/10.1038/ki.1987.270
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. Os autores também não encontraram diferenças na excreção de citrato entre os grupos FAM e OxCa, embora tenha sido demonstrado que o citrato urinário está correlacionado com a TFGe66 Goraya N, Simoni J, Sager LN, Madias NE, Wesson DE. Urine citrate excretion as a marker of acid retention in patients with chronic kidney disease without overt metabolic acidosis. Kidney Int. 2019 May;95(5):1190-6. DOI: https://doi.org/10.1016/j.kint.2018.11.033
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. Portanto, a avaliação metabólica neste grupo de pacientes deve ser interpretada com cautela. Embora a suplementação de citrato de potássio possa ajudar a prevenir a cristalização de estruvita, a alcalinização excessiva deve ser evitada. Devido à característica retrospectiva do estudo, os valores de pH urinário infelizmente não estavam disponíveis antes ou depois da nefrectomia. Outra preocupação destacada pelos autores foi a análise química dos cálculos, que poderia ter dificultado sua análise, fornecendo relatórios imprecisos sobre a composição mineral. Cálculos renais devem ser analisados preferencialmente por um método físico, ou seja, uma análise cristalográfica, normalmente realizada por espectroscopia infravermelha (IRS, do inglês infrared spectroscopy) ou difração de raios X (XRD, do inglês X-ray diffraction) para melhor identificar os tipos de minerais e até mesmo distinguir entre brushita de outras formas de fosfato de cálcio ou FAM puro77 Williams Junior JC, Gambaro G, Rodgers A, Asplin J, Bonny O, Costa-Bauzá A, et al. Urine and stone analysis for the investigation of the renal stone former: a consensus conference. Urolithiasis. 2021 Feb;49(1):1-16. DOI: https://doi.org/10.1007/s00240-020-01217-3
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De qualquer modo, o estudo de Danilovic et al. (2021)44 Danilovic A, Ferreira TAC, Gomes SA, Wei IA, Vicentini FC, Torricelli FCM, et al. Metabolic assessment in pure struvite stones formers: is it necessary?. Braz J Nephrol. 2021 Apr 29; [Epub ahead of print]. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2020-0106
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ilustra e destaca o melhor manejo de cálculo renal no ambiente ambulatorial. Deve-se considerar a avaliação frequente do histórico clínico e do exame físico do paciente, a análise de cálculos por XRD ou IRS em certos intervalos de tempo, e a avaliação metabólica periódica com base em amostras de urina de 24 horas55 Kristensen C, Parks JH, Lindheimer M, Coe FL. Reduced glomerular filtration rate and hypercalciuria in primary struvite nephrolithiasis. Kidney Int. 1987 Nov;32(5):749-53. DOI: https://doi.org/10.1038/ki.1987.270
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especialmente em casos que necessitam de procedimentos cirúrgicos e em pacientes com alterações nas manifestações clínicas, mudanças sociais ou geográficas no decorrer do tempo de acompanhamento, pois esses fatores podem afetar a abordagem ao longo do tempo.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    06 Abr 2021
  • Aceito
    14 Abr 2021
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