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Leishmaniose visceral: série histórica de pacientes hospitalizados e correlação com o clima em área endêmica de Minas Gerais, Brasil

RESUMEN

Introducción

La leishmaniasis visceral (LV) es una enfermedad infecciosa causada por protozoos del género Leishmania; predomina en las regiones tropicales, subtropicales y templadas.

Objetivo

Caracterizar una serie de casos de LV en pacientes mayores de 18 años atendidos en un hospital de referencia del norte de Minas Gerais, así como describir la ocurrencia de casos, según la caracterización climatológica, y correlacionar la distribución de los casos con la lluvia y la temperatura ambiente.

Métodos

El diseño del estudio fue una serie de casos recopilados entre 1999 y 2016. Los datos se extrajeron de historias clínicas seleccionadas cronológicamente. La información climática se recopiló en el Centro de estudios del Semiárido de la Universidad Federal de Montes Claros (Unimontes).

Resultados

Hubo un ligero predominio del sexo masculino (54,4%) y de edades comprendidas entre uno y cuatro años (42,9%). El tiempo de evolución de las manifestaciones clínicas hasta el momento de la hospitalización osciló entre cinco y 120 días, siendo la duración más frecuente entre 16 y 30 días (34,4%). Hepatomegalia, esplenomegalia, palidez cutánea y fiebre fueron manifestaciones presentes en más del 90% de los pacientes al ingreso. El diagnóstico se realizó por métodos serológicos en la mayoría de los casos (85,9%). La mayor parte de los ingresos duró entre 16 y 30 días (44%) y el alta hospitalaria con orientación para el control ambulatorio fue el resultado más frecuente de los ingresos. El porcentaje de muertes fue del 2%.

Conclusión

Las características predominantes son niños varones de 1 a 4 años, que acudió al servicio de salud con la clásica tríada LV: hepatoesplenomegalia, palidez y fiebre prolongada. En este estudio no hubo asociación estadísticamente significativa entre temperatura, precipitación y número de casos, sin embargo, existen matices en los factores ambientales que influyen en la dinámica de transmisión de LV, los cuales varían de región a otra.

Palabras clave
leishmaniasis visceral; distribución temporal; epidemiología.

INTRODUÇÃO

A leishmaniose visceral (LV) é uma doença infecciosa causada por protozoários do gênero Leishmania; é predominante em áreas tropicais, subtropicais e regiões temperadas, com incidência estimada, mundialmente, de 200 a 400 mil novos casos a cada ano(11 Alvar J, Vélez ID, Bern C, et al. Leishmaniasis worldwide and global estimates of its incidence. PLoS One. 2012; 7(5): e35671. doi:10.1371/journal.pone.0035671.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.003...
). É uma doença mais observada em crianças e se caracteriza por febre prolongada, hepatoesplenomegalia e pancitopenia; porém, tem um amplo quadro de apresentação clínica, que varia de casos assintomáticos a quadros muito graves(22 Belo VS, Werneck GL, Barbosa DS, et al. Factors associated with visceral leishmaniasis in the americas: a systematic review and meta-analysis. PLoS Negl Trop Dis. 2013; 25: e2182.,33 Herwaldt BL. Leishmaniasis. Lancet. 1999; 354: 1191–99.). Nos países onde a LV é mais prevalente, ela acomete sobretudo a população menos favorecida socialmente, com incidência mais notável em áreas rurais e periurbanas(44 Alvar J, Yactoyo S, Bern C. Leishmaniasis and poverty. Trends Parasitol. 2006; 22(12): 552–7.,55 Misha J, Carpenter S, Singh S. Low serum zinc levels in na endemic area of visceral leishmaniasis in Bihar, India. Indian J Med Res. 2010; 793–98.). A distribuição no planeta concentra 90% dos casos em apenas seis países: Brasil, Índia, Bangladesh, Sudão, Etiópia e Nepal – regiões sabidamente de clima tropical e subtropical. A mortalidade gravita em torno de 50 mil indivíduos/ano, pois a LV pode ser fatal se não diagnosticada e tratada em tempo hábil(11 Alvar J, Vélez ID, Bern C, et al. Leishmaniasis worldwide and global estimates of its incidence. PLoS One. 2012; 7(5): e35671. doi:10.1371/journal.pone.0035671.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.003...
,66 Yared S, Deribe K, Gebreselassie A, et al. Risk factors of visceral leishmaniasis: a case control study in north-western Ethiopia. Parasites & Vectors. 2014; 7: 470.). Alguns estudos mais recentes destacam uma mudança no quadro epidemiológico da doença, a partir do aumento de casos entre adultos e do aumento da incidência de casos em áreas periurbanas, possivelmente decorrente da urbanização do vetor e dos reservatórios naturais(77 Cardim MFM, Rodas LAC, Dibo MR, et al. Introdução e expansão da leishmaniose visceral americana em humanos no Estado de São Paulo, 1999-2011. Rev Saúde Pública. 2013; 47(4): 691–700.99 Gontijo CMF, Melo MN. Leishmaniose visceral no Brasil: quadro atual, desafios e perspectivas. Rev Bras Epidemiol. 2004; 7(3): 338–49.).

O norte de Minas Gerais é uma das regiões endêmicas da LV no Brasil(1010 Silva TAM, Coura-Vital W, Barbosa DS, et al. Spatial and temporal trends of visceral leishmaniasis by mesoregion in a Southeastern state of Brazil, 2002-2013. PLoS Negl Trop Dis. 2017; 11(10): e0005950.). Trata-se de uma área de grande extensão territorial no estado, com aproximadamente 130 mil quilômetros quadrados (área superior a de muitos estados brasileiros), composta por 89 municípios, com uma população residente de quase dois milhões de habitantes. É uma região de transição entre o Sul/Sudeste e o Nordeste do país, com clima seco e quente e baixa pluviosidade. Também se destaca por ser um dos locais mais carentes do país, com baixos indicadores de desenvolvimento humano(1111 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica [internet homepage]. Latitude média dos municípios brasileiros. Available at: http:www.ibge.gov.br/latitudes. [Accessed on: Jun 2, 2018].
http:www.ibge.gov.br/latitudes...
). Para toda a região, existe apenas um hospital de referência para o tratamento da LV, localizado na cidade de Montes Claros, cidade polo da região: o Hospital Universitário Clemente Faria (HUCF).

Considerando que a LV frequentemente cursa com hospitalização, o levantamento do perfil das internações hospitalares ao longo do tempo, bem como a caracterização climatológica do mesmo período, tem o potencial de reveler importantes características da doença, possibilitando o desenvolvimento de ações preventivas e de controle de forma mais efetiva. O presente estudo teve o objetivo de caracterizar uma série de casos de LV em pacientes atendidos em um hospital de referência no norte de Minas Gerais ao longo de 18 anos, além de descrever a ocorrência desses casos, segundo a caracterização climatológica, e correlacionar sua distribuição com pluviosidade e temperatura ambiente.

MÉTODOS

Estudo descritivo, do tipo série de casos, cujos dados foram coletados no HUCF, da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), única instituição de referência para assistência ao paciente com LV na região. Os dados foram coletados diretamente a partir dos prontuários dos pacientes, que apresentaram o diagnóstico de LV à admissão ou durante o período de hospitalização, a partir de 1999 até 2016.

Para a coleta dos dados nos prontuários, foi utilizada uma ficha específica, desenvolvida pelos pesquisadores, abordando caracterização demográfica do paciente, aspectos epidemiológicos, clínicos, laboratoriais e desfecho do quadro. Uma equipe de quatro acadêmicos de medicina, especialmente treinados, fez uma leitura minuciosa dos prontuários para a coleta dos dados. O controle de qualidade foi realizado por meio de acesso aleatório aos prontuários dos pacientes com LV para conferência dos dados coletados nas fichas.

Foram definidos como critérios de inclusão todos os prontuários que apresentassem diagnóstico de LV definido por parâmetros clínicos, imunológicos, histológicos ou epidemiológicos, ou ainda a associação entre esses critérios. Os critérios de exclusão foram prontuários ilegíveis e inacessíveis (não localizados após extensiva busca) e outros tipos de leishmaniose.

Informações a respeito da média mensal de precipitação pluviométrica em milímetros cúbicos e da temperatura média mensal em graus Celsius foram obtidas do Centro de Estudos de Convivência com o Semiárido (CECS), plataforma virtual da Unimontes. As correlações de Spearman foram investigadas entre as médias pluviométricas mensais, as médias das temperaturas mensais e as médias dos números de casos hospitalizados no hospital de referência ao longo dos anos estudados. Adotou-se a relevância estatística de p < 0,05.

Para caracterização da série de casos, uma análise descritiva foi realizada, com apresentação de valores absolutos e relativos, medidas de tendência central e amplitude. Os dados coletados foram processados por meio do programa Statistical Package for the Social Science – SPSS 20.0.

O projeto de pesquisa foi aprovado pela diretoria administrativa da instituição e pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o parecer 1.471.595.

RESULTADOS

Ao longo do período estudado, 967 prontuários foram identificados e localizados. As principais características dos pacientes estão apresentadas na Tabela 1. Discreto predomínio do sexo masculino (54,4%) e da faixa etária de 1 a 4 anos (42,9%) foi verificado. O tempo de evolução das manifestações clínicas até o momento da internação variou de cinco a 120 dias, sendo mais frequente a duração entre 16 e 30 dias (34,4%).

TABELA 1
Dados demográficos, clínicos e de evolução dos pacientes internados com diagnóstico de LV no Hospital Universitário Clemente Farias, Montes Claros, Minas Gerais, Brasil, no período de 1999-2016

Hepatomegalia, esplenomegalia, palidez cutânea e febre foram manifestações presentes em mais de 90% dos pacientes no momento da internação. O diagnóstico foi realizado por métodos sorológicos na maioria dos casos (85,9%). A maior parcela das internações durou entre 16 e 30 dias (44%), e a alta hospitalar com orientação para controle ambulatorial foi o desfecho mais frequente das internações. O percentual de óbitos foi de 2%.

A distribuição dos casos assistidos, segundo a procedência dos pacientes, é apresentada na Figura 1.

FIGURA 1
Distribuição dos casos de LV admitidos em um hospital de referência no norte de Minas Gerais, segundo local de procedência (1999-2016)

A distribuição mensal de casos está relacionada nas Figuras 2 (1999 a 2007) e 3 (2008 a 2016), que incluem gráficos que apresentam também a média mensal das temperaturas e da pluviosidade.

FIGURA 2
Distribuição mensal dos casos de LV admitidos em um hospital de referência no norte de Minas Gerais, além das médias mensais das temperaturas médias e da pluviosidade mensal, 1999-2007

A Tabela 2 mostra os resultados da correlação de Spearman entre as médias de números de casos mensais de LV e as médias de temperaturas médias (p = 0,292) e entre as médias de números de casos mensais de LV e as médias das precipitações pluviométricas locais (p = 0,214), ao longo dos anos de 1999 a 2016.

FIGURA 3
Distribuição mensal dos casos de LV admitidos em um hospital de referência no norte de Minas Gerais, além das médias mensais das temperaturas médias e da pluviosidade mensal, 2007-2016
TABELA 2
Análise da correlação de Spearman entre as médias mensais de número de casos de LV, a temperatura média e a precipitação pluviométrica, entre 1999-2016; HUCF, Montes Claros, Minas Gerais, Brasil

DISCUSSÃO

Este estudo proporcionou uma caracterização detalhada de uma série de casos de LV em pacientes atendidos em um hospital de referência em área endêmica ao longo de 18 anos, identificando que, no período citado, as crianças foram as principais vítimas da doença, com predomínio da ocorrência de casos em zona urbana. Os dados reafirmam o processo de urbanização da LV, já apontado em outros estudos(1212 Campos Jr D. Características clínico-epidemiológicas do Calazar na criança. Estudo de 75 casos. J Pediatr, Rio Janeiro. 1995; 71(5): 261–5.1616 Oliveira IBB, Batista HL, Peluzi JM, et al. Aspectos epidemiológicos e ambientais da leishmaniose visceral em menores de 15 anos, no período de 2007 a 2012, no município de Araguaína, Tocantins, Brasil. Rev Soc Bras Med Trop. 2014; 4(47).).

Os aspectos clínicos registrados ao longo do período estudado confirmam a predominância de casos em crianças e o quadro clássico de hepatoesplenomegalia, palidez cutaneomucosa e febre. A tríade febre, aumento do volume abdominal e palidez cutânea – achados mais prevalentes relatados na admissão no hospital – ainda é o principal motivo para os pacientes procurarem o serviço de saúde. Resultados semelhantes foram apresentados em outros estudos(14, 15, 17, 18).

As observações em relação ao tempo de evolução da LV, considerando o surgimento dos sinais e sintomas até a admissão hospitalar, revelaram que a maioria dos pacientes foi admitida para tratamento hospitalar antes de 30 dias de manifestações da doença. Em outro estudo(1313 Queiroz MJA, Alves JGB, Correia JB. Leishmaniose visceral: características clínico-epidemiológicas em crianças de área endêmica. J Pediatric. 2004; 80(2).), esse intervalo variou de 1 a 365 dias, e a média alcançou 42,7 dias, com 88,7% dos casos manifestando os sintomas por um período superior a 30 dias. Em outra pesquisa(1313 Queiroz MJA, Alves JGB, Correia JB. Leishmaniose visceral: características clínico-epidemiológicas em crianças de área endêmica. J Pediatric. 2004; 80(2).), embora a variação do intervalo tenha sido a mesma encontrada por Queiroz et al. (2004)(1313 Queiroz MJA, Alves JGB, Correia JB. Leishmaniose visceral: características clínico-epidemiológicas em crianças de área endêmica. J Pediatric. 2004; 80(2).), a média alcançou 78,2 dias, e 60% dos casos evoluíram por mais de 30 e menos de 60 dias. No presente trabalho, como o município de Montes Claros é uma área endêmica com hospital referência em leishmaniose, isso parece justificar o intervalo menor de tempo entre o início dos sintomas e a procura pelo atendimento médico. Todavia, ainda é registrado um número considerável de pacientes com evolução da doença superior a 30 dias, o que sugere um diagnóstico tardio e/ou dificuldades no acesso aos serviços especializados de saúde(1515 Oliveira JM, Fernandes AC, Dorval MEC, et al. Mortalidade por leishmaniose visceral: aspectos clínicos e laboratoriais. Rev Soc Bras Med Trop. 2010; 43(2): 188–193.).

A confirmação diagnóstica, conforme análise dos prontuários, deu-se principalmente pela sorologia, por meio do método de imunofluorescência indireta, do teste imunoenzimático (Elisa) ou do anticorpo rK39, ou ainda pelo teste de aglutinação direta. Apesar de o padrão-ouro ser a identificação do protozoário nos tecidos orgânicos, ou seja, o método parasitológico, como observado em outros estudos(1212 Campos Jr D. Características clínico-epidemiológicas do Calazar na criança. Estudo de 75 casos. J Pediatr, Rio Janeiro. 1995; 71(5): 261–5.1515 Oliveira JM, Fernandes AC, Dorval MEC, et al. Mortalidade por leishmaniose visceral: aspectos clínicos e laboratoriais. Rev Soc Bras Med Trop. 2010; 43(2): 188–193.), o diagnóstico sorológico e/ou a associação com a questão epidemiológica e clínica tem sido amplamente empregado(1919 Diro E, Lynen L, Gebregziabiher B, et al. Clinical aspects of paediatric visceral leishmaniasis in North-west Ethiopia. Trop Med Int Health. 2015; 20(1): 8–16.). É importante destacar a associação de métodos para a conclusão do diagnóstico e a implementação oportuna da terapêutica.

O tempo de internação é uma variável significativa, pois a longa permanência do paciente no hospital pode ser uma complicação para infecções hospitalares(2020 Souza GAAD, Garcial LM, Rocha SS, Maciel APF. Perfil microbiológico de infecções de pele e partes moles em pacientes internos de um hospital universitário. Rev Epidemiologia Controle de Infecção, Santa Cruz do Sul. 2016; 6(1): 33–36. Available at: https://online.unisc.br/seer/index.php/epidemiologia/article/view/5901/5057. [Accessed on: March 10, 2018].
https://online.unisc.br/seer/index.php/e...
). No indivíduo em tratamento para LV, esse aspecto assume uma importância ainda maior, visto que infecções concomitantes representam um pior prognóstico(2121 Costa DL. Fatores de prognóstico na leishmaniose visceral: alterações clínicas e laboratoriais associadas à resposta imune, aos distúrbios da coagulação e à morte. [thesis]. Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Minas Gerais; 2009.). Neste estudo, o tempo médio de internação foi de 39,8 dias. Na literatura, o tempo de internação variou de 11,2 a 46 dias, com média de 25,2 dias(1212 Campos Jr D. Características clínico-epidemiológicas do Calazar na criança. Estudo de 75 casos. J Pediatr, Rio Janeiro. 1995; 71(5): 261–5.1515 Oliveira JM, Fernandes AC, Dorval MEC, et al. Mortalidade por leishmaniose visceral: aspectos clínicos e laboratoriais. Rev Soc Bras Med Trop. 2010; 43(2): 188–193.).

De modo geral, após a instituição do tratamento adequado, o risco de óbito reduz significativamente. Neste estudo, 19 casos (2%) evoluíram para óbito. Oliveira et al. (2010)(1515 Oliveira JM, Fernandes AC, Dorval MEC, et al. Mortalidade por leishmaniose visceral: aspectos clínicos e laboratoriais. Rev Soc Bras Med Trop. 2010; 43(2): 188–193.) tiveram 14,5% de mortes, enquanto Xavier-Gomes et al. (2009)(1717 Xavier-Gomes LM, Costa WB, Prado, PF, Oliveira-Campos M, Leite MTS. Características clínicas e epidemiológicas da leishmaniose visceral em crianças internadas em um hospital universitário de referência no norte de Minas Gerais, Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2009; 123(4): 549–55.) e Diro et al. (2015)(1919 Diro E, Lynen L, Gebregziabiher B, et al. Clinical aspects of paediatric visceral leishmaniasis in North-west Ethiopia. Trop Med Int Health. 2015; 20(1): 8–16.) relataram menos de 10%, valor mais próximo do encontrado em nosso trabalho. O Ministério da Saúde do Brasil avaliou a letalidade pela LV nas duas últimas décadas e observou um aumento de mais de 67%, ou seja, passou de 3,4% em 1994 para 5,7% em 2009(2222!Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Leishmaniose visceral: recomendações clínicas para redução da letalidade. Série A. Normas e manuais técnicos. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.). Esse agravo se deve à resistência às medicações, à toxicidade das drogas de primeira escolha, a complicações da própria infecção e aos diagnósticos tardios(2222!Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Leishmaniose visceral: recomendações clínicas para redução da letalidade. Série A. Normas e manuais técnicos. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.,2323 Aguiar PF, Rodrigues RK. Leishmaniose visceral no Brasil: artigo de revisão. Unimontes Científica. 2017; 19(1): 191–204.).

Neste estudo, não houve associação estatisticamente significativa entre variáveis ambientais, temperatura e precipitação pluviométrica e aumento do número de casos ao longo do período analisado. Embora a influência do meio ambiente sobre o aumento do número de casos de determinadas doenças tenha sido objeto de estudo de vários autores, fatores físicos são relatados como intervenientes na cadeia de transmissão de enfermidades zoonóticas. Regime de chuvas, variação de temperatura, umidade, intensidade luminosa, presença de matéria orgânica nas áreas domiciliares e peridomiciliares, altitude, entre outros fatores, são destaques dentro dessa perspectiva, uma vez que podem afetar a reprodução e a disponibilidade de nutrientes para vetores e/ou hospedeiros, favorecendo, dessa forma, a transmissibilidade das doenças(1616 Oliveira IBB, Batista HL, Peluzi JM, et al. Aspectos epidemiológicos e ambientais da leishmaniose visceral em menores de 15 anos, no período de 2007 a 2012, no município de Araguaína, Tocantins, Brasil. Rev Soc Bras Med Trop. 2014; 4(47).,2424 Dias ES, França-Silva JC, Silva JC, et al. Flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) de um foco de leishmaniose tegumentar no Estado de Minas Gerais. Rev Soc Bras Med Trop. 2007; 40(1): 49–52.).

Um estudo sobre a distribuição da LV no município de Belo Horizonte, Minas Gerais, a partir de uma análise espacial, mostrou que a variável altitude estava associada ao aumento do número de casos humanos e caninos; 71,9% e 67,5%, respectivamente, encontravam-se em uma faixa entre 780 e 880 metros acima do nível do mar. Nessa região, foi identificada a maior densidade vetorial da fauna flebotomínea(2525 Monteiro EM, França JC, Costa RT, et al. Leishmaniose visceral: estudo de flebotomíneos e infecção canina em Montes Claros, Minas Gerais. Rev Soc Bras Med Trop. 2005; 38(2): 147–152.). No município de Montes Claros, o maior em número de casos (399) registrado neste estudo possui uma altitude média de 678 metros acima do nível do mar; os demais municípios que registraram maiores índices, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)(1111 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica [internet homepage]. Latitude média dos municípios brasileiros. Available at: http:www.ibge.gov.br/latitudes. [Accessed on: Jun 2, 2018].
http:www.ibge.gov.br/latitudes...
), foram Janaúba (53) com 510 m, Porteirinha (48) com 556 m,

São Francisco (42) com 786 m e Matias Cardoso (38) com 500 m. Apesar de a maioria dessas cidades estar aquém dos níveis observados no estudo supracitado, é importante destacar que há outros fatores envolvidos na manutenção da fauna flebotomínea, como temperatura, umidade e presença de matéria orgânica principalmente de origem vegetal.

Esse cenário influencia sobremaneira as medidas profiláticas disponíveis, bem como a observância delas ao longo do tempo. A presença do flebotomíneo é inerente ao ecossistema das regiões tropicais e subtropicais. O uso de inseticida residual é um recurso obrigatório na manutenção de baixos níveis de densidade populacional da mosca de areia, sendo um cuidado elementar sua aplicação antes e após o período de maior precipitação, embora o fator abiótico da temperatura esteja mais correlacionado com a distribuição da LV no meio ambiente. Considerando as faixas tropicais de maior incidência solar, seria um fator de difícil controle(2525 Monteiro EM, França JC, Costa RT, et al. Leishmaniose visceral: estudo de flebotomíneos e infecção canina em Montes Claros, Minas Gerais. Rev Soc Bras Med Trop. 2005; 38(2): 147–152.).

Uma associação estatisticamente significativa foi encontrada entre a temperatura média anual e o número de casos de LV. Neste estudo, a temperatura variou entre 25,3°C na estação seca e 26,3°C na chuvosa. Parece que a temperatura afeta diretamente o coeficiente de incidência da LV; portanto, temperaturas mais suaves parecem colaborar com a incidência de casos da doença(1616 Oliveira IBB, Batista HL, Peluzi JM, et al. Aspectos epidemiológicos e ambientais da leishmaniose visceral em menores de 15 anos, no período de 2007 a 2012, no município de Araguaína, Tocantins, Brasil. Rev Soc Bras Med Trop. 2014; 4(47).).

Além disso, outros aspectos ambientais favorecem a proliferação do vetor e, consequentemente, o risco de contrair a doença, como florestamento, acúmulo de matéria orgânica e deslocamento populacional, que acabam gerando a ação antrópica sobre o meio(1616 Oliveira IBB, Batista HL, Peluzi JM, et al. Aspectos epidemiológicos e ambientais da leishmaniose visceral em menores de 15 anos, no período de 2007 a 2012, no município de Araguaína, Tocantins, Brasil. Rev Soc Bras Med Trop. 2014; 4(47).). Um estudo desenvolvido na Etiópia sobre fatores de risco para a LV discute o conceito de ação antrópica ao apresentar variáveis com forte associação estatística, como criação de animais no entorno do domicílio, casas com rachaduras nas paredes, famílias mais numerosas e número de dias gastos no campo da fazenda(66 Yared S, Deribe K, Gebreselassie A, et al. Risk factors of visceral leishmaniasis: a case control study in north-western Ethiopia. Parasites & Vectors. 2014; 7: 470.). Esses aspectos ainda não foram estudados no Brasil.

Este estudo não avaliou a relação entre casos confirmados de LV e acessibilidade/disponibilidade aos serviços de saúde. É relevante destacar que o município de Montes Claros conta com 133 equipes da estratégia de saúde da família (100% de cobertura da população), centro de referência em doenças infectoparasitárias para a cidade e toda a região norte de Minas Gerais e hospital de referência com ambulatório de doença infectoparasitárias(2626 Barbosa MN, Guimarães EAA, Luz ZMP. Avaliação de estratégia de organização de serviços de saúde para prevenção e controle da leishmaniose visceral. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2016; 25(3): 563–574 [quoted on March 31,2020]. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S223796222016000300563&lng=en.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Além disso, a cidade é polo universitário em várias áreas das ciências da saúde, o que, teoricamente, aliado ao serviço de vigilância epidemiológica, tornaria a organização do serviço mais sensível à detecção de casos.

Novos trabalhos necessitam ser desenvolvidos na região, a fim de verificar outros aspectos ambientais, como os propostos nos estudos selecionados para a discussão. A altitude e a presença/ quantidade de matéria orgânica no peridomicílio e no domicílio, por exemplo, seriam aspectos a serem incluídos na compreensão da dinâmica de flutuação do número de casos ao longo do ano.

Os resultados do presente estudo devem ser considerados à luz de algumas limitações. Foram utilizados dados secundários de prontuários de pacientes. Em situações similares, nem sempre existe uniformidade no registo das informações. Ao longo dos anos considerados neste trabalho, o serviço de arquivo médico do hospital passou por mudanças estruturais importantes, em especial no ano de 2015, com a introdução do prontuário eletrônico. O espaço físico do serviço também sofreu mudanças. Esses processos levaram à perda de dados, mesmo respeitando o intervalo de 20 anos para o arquivamento do prontuário físico, conforme disposição do Conselho Federal de Medicina. Apesar das limitações, o período e o número de casos avaliados conferem relevância ao estudo, que deverá subsidiar novas pesquisas na área.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    11 Fev 2020
  • Revisado
    11 Fev 2020
  • Aceito
    23 Abr 2020
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