Open-access Epidemiologia das betalactamases de espectro estendido no Brasil: impacto clínico e implicações para o agronegócio

Epidemiology of extended-spectrum beta-lactamases in Brazil: clinical impact and implications for agribusiness

Resumos

A emergência e a disseminação de bactérias produtoras de betalactamases de espectro estendido (ESBL) têm sido retratadas como grande problema de saúde pública, especialmente no que diz respeito a patógenos associados às infecções relacionadas com a assistência à saúde (IRAS). No Brasil, a maior preocupação inclui as altas taxas de resistência a Klebsiella pneumoniae e Escherichia coli, embora as ESBL estejam amplamente disseminadas entre os membros da família Enterobacteriaceae e sejam descritas como enzimas do tipo TEM, SHV, CTX-M, VEB, BES e GES em diferentes estados. Contudo, as enzimas dos grupos CTX-M-2, CTX-M-8 e CTX-M-9 são as mais prevalentes em território brasileiro. Além do ambiente hospitalar, as ESBL de origem comunitária e ambiental têm sido retratadas. A CTX-M-2 também tem sido identificada em Salmonella, oriunda do ciclo de produção animal, o que é alarmante para o Brasil diante da importância que a exportação de carnes assume para o agronegócio. Dessa forma, faz-se necessária a regulamentação do uso de antimicrobianos em todos os setores, a fim de evitar a disseminação de bactérias resistentes e resguardar a qualidade e a inocuidade dos alimentos. Portanto, o presente estudo visa retratar o panorama geral da epidemiologia das ESBL no Brasil, enfatizando o impacto clínico, ambiental e econômico.

ESBL; Agronegócio; Enterobacteriaceae; Resistência bacteriana; Infecção hospitalar


The emergence and dissemination of extended-spectrum beta-lactamase bacteria (ESBL) have been reported as a major public health issue, mainly with regard to nosocomial infections. In Brazil, ESBL are widely disseminated among the Enterobacteriaceae family and enzymes TEM, SHV, CTX-M, VEB, BES and GES have been reported in several states. However, the major concern is the high rates of resistant Klebsiella pneumoniae and Escherichia coli strains. Currently, ESBL belonging to CTX-M-2, CTX-M-8 and CTX-M-9 subtypes are the most prevalent in Brazil. Apart from nosocomial infections, ESBL bacteria from outpatient and environmental samples have been identified. CTX-M-2 has been identified in Salmonella samples from animal production, which may have dire consequences for agribusiness, particularly meat export in Brazil. Thus, the regulation of antimicrobial agents is vital in order to avoid the dissemination of multidrug-resistant bacteria and to assure the quality and innocuousness of food products. Therefore, this review aims to report the epidemiology of ESBL in Brazil, focusing on their clinical, environmental and economic impact.

ESBL; Agribusiness; Bacterial resistance; Enterobacteriaceae; Nosocomial infection


ARTIGO DE REVISÃO REVIEW ARTICLE

Epidemiologia das betalactamases de espectro estendido no Brasil: impacto clínico e implicações para o agronegócio

Epidemiology of extended-spectrum beta-lactamases in Brazil: clinical impact and implications for agribusiness

Ketrin Cristina da SilvaI; Nilton LincopanII

IMestra em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP); doutoranda em Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP

IIPós-doutor em Ciências pelo Instituto de Química da USP; professor do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Ketrin Cristina da Silva Av. Professor Lineu Prestes, 1.374 Cidade Universitária CEP: 05508-900 – São Paulo-SP

RESUMO

A emergência e a disseminação de bactérias produtoras de betalactamases de espectro estendido (ESBL) têm sido retratadas como grande problema de saúde pública, especialmente no que diz respeito a patógenos associados às infecções relacionadas com a assistência à saúde (IRAS). No Brasil, a maior preocupação inclui as altas taxas de resistência a Klebsiella pneumoniae e Escherichia coli, embora as ESBL estejam amplamente disseminadas entre os membros da família Enterobacteriaceae e sejam descritas como enzimas do tipo TEM, SHV, CTX-M, VEB, BES e GES em diferentes estados. Contudo, as enzimas dos grupos CTX-M-2, CTX-M-8 e CTX-M-9 são as mais prevalentes em território brasileiro. Além do ambiente hospitalar, as ESBL de origem comunitária e ambiental têm sido retratadas. A CTX-M-2 também tem sido identificada em Salmonella, oriunda do ciclo de produção animal, o que é alarmante para o Brasil diante da importância que a exportação de carnes assume para o agronegócio. Dessa forma, faz-se necessária a regulamentação do uso de antimicrobianos em todos os setores, a fim de evitar a disseminação de bactérias resistentes e resguardar a qualidade e a inocuidade dos alimentos. Portanto, o presente estudo visa retratar o panorama geral da epidemiologia das ESBL no Brasil, enfatizando o impacto clínico, ambiental e econômico.

Unitermos: ESBL, Agronegócio, Enterobacteriaceae, Resistência bacteriana, Infecção hospitalar

ABSTRACT

The emergence and dissemination of extended-spectrum beta-lactamase bacteria (ESBL) have been reported as a major public health issue, mainly with regard to nosocomial infections. In Brazil, ESBL are widely disseminated among the Enterobacteriaceae family and enzymes TEM, SHV, CTX-M, VEB, BES and GES have been reported in several states. However, the major concern is the high rates of resistant Klebsiella pneumoniae and Escherichia coli strains. Currently, ESBL belonging to CTX-M-2, CTX-M-8 and CTX-M-9 subtypes are the most prevalent in Brazil. Apart from nosocomial infections, ESBL bacteria from outpatient and environmental samples have been identified. CTX-M-2 has been identified in Salmonella samples from animal production, which may have dire consequences for agribusiness, particularly meat export in Brazil. Thus, the regulation of antimicrobial agents is vital in order to avoid the dissemination of multidrug-resistant bacteria and to assure the quality and innocuousness of food products. Therefore, this review aims to report the epidemiology of ESBL in Brazil, focusing on their clinical, environmental and economic impact.

Key words: ESBL, Agribusiness, Bacterial resistance, Enterobacteriaceae, Nosocomial infection

Introdução

A emergência e a disseminação de betalactamases de espectro estendido (ESBL) entre os membros da família Enterobacteriaceae têm sido descritas mundialmente como ponto de urgência clínica devido à grande incidência desses isolados em infecções relacionadas com a assistência à saúde (IRAS).

A esse respeito, as ESBL são definidas como enzimas capazes de hidrolisar cefalosporinas de terceira e quarta gerações e aztreonam e são inativadas por inibidores específicos, isto é, clavulanato, sulbactam e tazobactam. Até o momento, mais de 430 ESBL foram caracterizadas, havendo descrição de muitas delas no Brasil.

Frequentemente, as ESBL são codificadas por genes presentes em elementos genéticos móveis, como plasmídeos, transposons e integrons, os quais também carregam genes de resistência a outras classes de antibióticos, de modo que o isolamento de cepas produtoras de ESBL multirresistentes é a principal causa de falha terapêutica, levando ao aumento considerável de morbidade por infecções bacterianas. Por outro lado, o uso de antimicrobianos na produção animal tem favorecido a seleção de enterobactérias produtoras de ESBL com potencial para disseminação na comunidade por meio de contato direto e consumo de alimentos contaminados, podendo ainda se estabelecer nos ecossistemas.

Assim, este trabalho apresenta dados sobre a epidemiologia das ESBL descritas no Brasil, as possíveis vias de disseminação de cepas resistentes e suas implicações na saúde pública e no agronegócio.

Betalactamases

A produção de betalactamases constitui o principal mecanismo associado à resistência aos antibióticos betalactâmicos, como penicilinas, cefamicinas, cefalosporinas, monobactâmicos e carbapenens (Figura 1). Essas enzimas são diversas em estrutura e preferência de substrato e, diante da multiplicidade de betalactamases descritas, há dois esquemas de classificação.


A enzima associa-se não covalentemente ao anel betalactâmico. O anel é, então, atacado pela hidroxila livre do lado do sítio ativo do resíduo de serina, resultando na formação de um grupo acil-éster. A hidrólise finalmente libera a enzima ativa e o antibiótico hidrolisado inativo, formando água e ácido peniciloico.

O esquema proposto por Bush-Jacoby-Medeiros baseia-se na preferência de substrato da enzima e na inativação diante de inibidores específicos(12, 14). Nessa classificação, as ESBL pertencem ao grupo 2be (enzimas do tipo TEM, SHV e CTX-M) ou ao grupo 2d (ESBL do tipo OXA ). O esquema de classificação de Ambler considera a similaridade entre as cadeias de aminoácidos das enzimas, e elas foram agrupadas nos tipos A, B, C e D, de modo que as enzimas do tipo ESBL pertencem à classe A de Ambler, exceto as da família OXA, que pertencem à classe D(74). Atualmente, são descritas 203 enzimas do tipo OXA, das quais algumas são classificadas como ESBL OXA-11, OXA-14, OXA-15, OXA-16, OXA-17, OXA-19, OXA-28, OXA-32, OXA-34, OXA-35, OXA-36, OXA-53, OXA-141, OXA-142, OXA-145, OXA-147 e OXA-161(13). De qualquer forma, enzimas pertencentes às classes A e D são reconhecidas por possuírem resíduo de serina em seu sítio ativo.

Outro grupo de enzimas com sítio ativo de serina e capacidade de hidrolisar cefalosporinas são as betalactamases cromossômicas (AmpC); são resistentes aos inibidores clavulanato, sulbactam e tazobactam e, portanto, não se classificam como ESBL. Essas enzimas podem ser cromossomais ou plasmidiais e pertencem ao grupo 1 na classificação de Bush-Jacoby-Medeiros e ao grupo C na classificação de Ambler(42).

Um dos métodos para identificação fenotípica de ESBL é a utilização de fitas comerciais de E-test ESBL (Biomérieux, Marcy l'Etoile, France), em que há queda de pelo menos três vezes na concentração inibitória mínima (MIC) do antibiótico, quando este é associado a um inibidor que indica a produção de ESBL(21, 40). Outro método é o teste de aproximação de discos (DDST), em que os discos de cefalosporinas são colocados a 30 mm de distância do disco com inibidor (clavulanato, tazobactam e sulbactam), havendo sinergismo entre os substratos e o inibidor; a produção de ESBL é confirmada(75). A zona de sinergismo é comumente denominada zona fantasma (Figura 2). Geralmente, utilizam-se várias cefalosporinas no teste, incluindo cefotaxima, ceftazidima, cefoxitina e cefepima. Quando há resistência à cefoxitina e ao inibidor e sensibilidade à cefepima, infere-se a produção de AmpC. Nesse caso, é preciso um pouco de cautela, uma vez que a resistência à cefoxitina pode ser mediada por outros mecanismos, como bombas de efluxo, perda da expressão de porinas e produção de determinadas carbapenemases(42). O teste do disco combinado também é uma alternativa para a triagem de ESBL. Nesse teste, quando há diferença de 5 mm do diâmetro do halo de inibição entre o disco de cefalosporina e seu respectivo disco combinado com inibidor, infere-se a produção de ESBL(15).


Histórico

A primeira betalactamase codificada por elemento genético móvel foi identificada na Escherichia coli, isolada de um paciente chamado Temoniera, nome que designou a enzima TEM-1(26). A localização em plasmídeos e transposons de TEM-1 possibilitou sua disseminação por transferência horizontal, além de outras espécies de Enterobacteriaceae em Pseudomonas aeruginosa, Haemophilus influenza e Neisseria gonorrhoeae(65, 75). Da mesma maneira, SHV-1 tornou-se mundialmente disseminada.

Devido à prevalência e à disseminação das betalactamases, as cefalosporinas de terceira geração foram introduzidas na prática médica na década de 1980, tendo estrutura molecular resistente à ação das enzimas descritas até então. Porém, a pressão seletiva exercida pelo uso intensivo dessas novas drogas ocasionou a emergência de cefalosporinases com espectro de atividade estendido, de modo que, em 1983, foi feita a primeira descrição de uma ESBL, denominada SHV-2, por diferir-se de apenas um aminoácido da enzima SHV-1(44). Na América Latina, a primeira descrição de ESBL foi feita no Chile, sendo reportada a presença de SHV-5 em K. pneumoniae(39).

Em 1990, Bauerfeind reportou na Alemanha a produção de uma cefalosporinase não pertencente às famílias TEM ou SHV, denominada de CTX-M-1(5), idêntica à enzima MEN-1, identificada na França(6, 8). No mesmo período, vários relatos da enzima CTX-M-2 ocorreram na Argentina(4, 73, 74). Posteriormente, o sequenciamento do gene codificador da enzima FEC-1 (número de acesso no Genbank AB098539), descrita no Japão em 1986, demonstrou sua similaridade com outras enzimas do tipo CTX-M(51); foi esta a primeira descrição de enzima do tipo CTX-M(74). Desde então, as enzimas da família CTX-M disseminaram-se de forma acelerada nos cinco continentes. Dados presentes na literatura sugerem que elas se tornaram mais prevalentes que as enzimas do tipo TEM e SHV. No Brasil, a primeira enzima do tipo CTX-M foi identificada na década de 1990(10).

Outras famílias de ESBL têm sido identificadas em menor número: PER, GES, VEB, BES, TLA, SFO e IBC(13, 75).

ESBL no Brasil

As ESBL tornaram-se o principal problema de saúde pública no que diz respeito às infecções nosocomiais e comunitárias por membros da família Enterobacteriaceae(30), destacando-se a rápida disseminação dessas enzimas e o surgimento constante de novas variantes. No Brasil, a produção de ESBL em Enterobacteriaceae também é alarmante, uma vez que variantes do tipo TEM, SHV, CTX-M, OXA, BES, GES e VEB têm sido descritas (Figura 3). Infelizmente, não existem programas de vigilância de abrangência nacional referentes à resistência bacteriana e a seus mecanismos, tornando-se difícil estimar a proporção de produtores de ESBL na federação.


Por outro lado, as enzimas pertencentes à família CTX-M são predominantes na América do Sul, assim como na Espanha e no Leste Europeu(52, 74, 88). Portanto, segundo o número crescente de descrições dessas enzimas no Brasil, infere-se que variantes do tipo CTX-M também sejam predominantes no país em comparação às enzimas do tipo TEM e SHV, prevalentes na América do Norte e no Oeste Europeu, respectivamente(52). Ainda de acordo com a família CTX-M, as betalactamases mais frequentemente isoladas em território brasileiro incluem os grupos CTX-M-2, CTX-M-8 e CTX-M-9(1, 10, 20, 31, 35, 52, 62, 68).

Em relação à família Enterobacteriaceae, o isolamento de ESBL é descrito em diversos patógenos de origem hospitalar e comunitária, inserindo Klebsiella spp., Escherichia coli, Salmonella enterica, Citrobacter spp., Enterobacter spp., Proteus mirabilis e Serratia marcescensi(9, 16, 18, 20, 24, 52, 59, 85). Contudo, o ponto de urgência clínica tem sido a alta prevalência de ESBL em Klebsiella spp. e Escherichia coli, os principais enteropatógenos associados às IRAS. Além disso, a promiscuidade de plasmídeos carregando genes blaESBL é retratada na identificação de isolados clínicos de Pseudomonas aeruginosa, carregando enzimas do tipo CTX-M-2 em integron de classe 1(68).

ESBL de origem hospitalar

As primeiras descrições dos determinantes genéticos de ESBL no Brasil caracterizaram a presença de genes do tipo blaCTX-M em Enterobacter spp., Citrobacter spp., Proteus spp. e E. coli(10, 11). Posteriormente, genes do tipo blaCTX-M disseminaram-se para outras espécies de bactérias Gram-negativas, como P. aeruginosa e K. pneumoniae(35, 45, 52, 68).

Hoje, estima-se que aproximadamente 50% dos isolados de Klebsiella spp. sejam produtores de ESBL, resultando em falha terapêutica e surtos por cepas resistentes no ambiente hospitalar, o que tem alto impacto na saúde pública diante das características de patogenicidade e endemicidade da bactéria(43, 49, 88). Desse modo, diferentes clones de Klebsiella spp. produtores de CTX-M têm sido relatados na literatura, especialmente em unidades de tratamento intensivo, assim como cepas de Escherichia coli extraintestinal(16, 35, 83, 86). Logo, altas taxas de mortalidade são associadas a infecções por K. pneumoniae produtora de ESBL(48, 49, 82), tendo como evento favorável a colonização para o estabelecimento da infecção(16).

Variantes das ESBL do tipo GES são relatadas, principalmente, em isolados de P. aeruginosa recuperados de pacientes internados em hospitais(17, 64). Entretanto, as variantes GES-5 e GES-7 já foram identificadas em cepas de K. pneumoniae no estado de São Paulo(29, 67). O fato de genes do tipo blaGES estarem presentes em integrons pode ter contribuído para a aquisição desses determinantes por bactérias Gram-negativas, o que é digno de preocupação diante das características de algumas variantes do tipo GES, que são eficientes em hidrolisar antibióticos carbapenêmicos(72).

Recentemente, Escherichia coli produtora de CTX-M-15 tem se disseminado mundialmente e se tornado endêmica na Europa, identificando-se o clone MLST ST131, altamente virulento, produtor da enzima(22, 23). No Brasil, a CTX-M-15 tem sido identificada em K. pneumoniae e Escherichia coli(18, 83), pertencendo a última espécie ao grupo filogenético B2, considerado o mais virulento segundo o esquema proposto por Clermont et al.(19).

O constante isolamento de cepas produtoras de ESBL e o risco de falha terapêutica pela administração de cefalosporinas têm direcionado ao maior uso de antibióticos carbapenêmicos(68). Consequentemente, carbapenemases do tipo KPC-2, SPM-1, OXA-23, IMP-1 e OXA-143 têm se disseminado no país, especialmente em patógenos associados às IRAS(2, 7, 32, 37, 45, 50, 62).

ESBL de origem comunitária

A alta taxa de resistência em bactérias de importância clínica, a emergência e a disseminação de K. pneumoniae produtora de KPC-2 fizeram que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no ano de 2010, proibisse a venda de antimicrobianos sem prescrição médica, com o intuito de diminuir o uso inadequado desses medicamentos pela população brasileira. No entanto, a emergência de ESBL em infecções comunitárias e, mais recentemente, em produtos de origem animal, animais selvagens e de companhia e meio ambiente têm demonstrado a complexidade envolvendo a disseminação de ESBL em Enterobacteriaceae(27, 31, 38, 53, 54, 60, 79, 81, 83).

O primeiro caso de produção de CTX-M-2 reportado no Brasil ocorreu no ano 2000 em cepas de Proteus mirabilis isoladas em laboratórios de hospitais brasileiros(10) e, em 2007, foi reportada pela primeira vez Escherichia coli de origem comunitária produtora da mesma betalactamase(55). Além disso, estirpes de Enterobacteriaceae carregando genes do tipo blaESBL foram identificadas em infecções de origem comunitária em pacientes diabéticos, assim como Klebsiella pneumoniae produtora de SHV isoladas da microbiota de indivíduos hígidos(57, 87).

ESBL na cadeia de produção de alimentos

O uso intensivo de antimicrobianos na produção animal, de forma profilática e terapêutica, ou mesmo como promotores de crescimento (aditivo de ração), é descrito como uma das principais causas de aquisição de resistência em enteropatógenos(66, 84). Recentemente, a produção de CTX-M-2 por cepas de Salmonella enterica recuperadas de produtos de origem aviária (frango e ovos) e fontes relacionadas (granjas produtoras de frango e peru) tem sido reportada em diferentes estados brasileiros, inclusive Paraná e Santa Catarina, os maiores produtores de carne de frango do país(31, 79). Por outro lado, Salmonella spp. isolada de abatedouros de aves, resistente à cefotaxima , é descrita no Brasil desde 2003, sugerindo a aquisição de ESBL em salmonelas de origem animal antes desses relatos recentes(25).

Segundo a Secretaria de Vigilância em Saúde, ocorreram 1.275 surtos por Salmonella spp. no período de 1999 a 2008, correspondendo a 429% do total de surtos de doenças transmitidas por alimentos no país(56). Assim, a presença de patógenos produtores de ESBL em alimentos de origem animal é alarmante, devido: (I) ao risco de infecções com alternativas terapêuticas limitadas; (II) ao fato de o intestino dos seres humanos e dos animais de produção servirem de reservatório para genes de resistência; (III) devido à possibilidade de transferência horizontal dos mecanismos de resistência à microbiota residente e a outros patógenos(66, 84, 89). Sob esse aspecto, a Salmonella spp. assume importância, visto que portadores assintomáticos continuam eliminando a bactéria por longos períodos.

ESBL de origem ambiental

O despejo de efluentes nos recursos aquáticos também tem contribuído para a disseminação dos mecanismos de resistência, e vários países descrevem a presença de bactérias resistentes em rios e efluentes( 27, 32-34). No estado do Rio de Janeiro, fenótipos de Klebsiella spp. produtores de ESBL foram recuperados de efluentes de hospital(71). Não fermentadores resistentes a betalactâmicos também têm sido isolados em fontes aquáticas em outros estados. Fontes et al. relataram Pseudomonas aeruginosa multirresistente recuperada de amostras de água do Rio Tietê produtora de SPM-1(33), demonstrando o risco do estabelecimento de patógenos resistentes no meio ambiente.

Indubitavelmente, a mobilização dos genes de resistência por meio de elementos genéticos móveis, isto é, plasmídeos, transposons e integrons, está intimamente relacionada com a ampla disseminação das betalactamases(90). A íntima relação entre genes cromossomais do gênero Kluyvera e enzimas plasmidiais do tipo CTX-M demonstra a interação entre diferentes microrganismos nos ecossistemas(41, 70), facilitando a troca de elementos genéticos entre as diversas espécies bacterianas que, posteriormente, poderão colonizar diferentes hospedeiros e ecossistemas e se disseminar por diferentes vias (Figura 4).


ESBL: implicações para o agronegócio brasileiro

Além de todas as implicações sanitárias e na saúde pública da disseminação de cepas multirresistentes e estirpes produtoras de enzimas do tipo ESBL, devem-se considerar os prejuízos econômicos acarretados pelo isolamento de bactérias resistentes oriundas da cadeia de produção animal.

O Brasil é o terceiro maior produtor e o primeiro exportador mundial de carne de frango, com mercados importadores em ascensão. As exportações de carne de aves totalizaram 3.981 milhões de toneladas, correspondendo a uma receita de 7.244 bilhões de dólares em 2010(3). O isolamento de amostras resistentes nos produtos de origem avícola pode prejudicar as exportações brasileiras com os importadores exigentes. De fato, em 2007, um estudo realizado no Reino Unido revelou a produção de CTX-M-2 por cepas de Escherichia coli isoladas de frangos importados do Brasil(89). Mais recentemente, a presença de CTX-M-2 também foi confirmada em cepas de Salmonella enterica recuperadas da cadeia avícola(78).

Finalmente, sob a perspectiva de que a incidência de amostras oriundas do ciclo de produção animal resistentes a antibióticos tem aumentado ao longo dos anos, faz-se necessária a regulamentação do uso de antimicrobianos no agronegócio em âmbito nacional, além de medidas que possam diminuir a disseminação de enteropatógenos em alimentos de origem animal, como o melhoramento nas técnicas de abate, resguardando a segurança e a inocuidade dos alimentos e consolidando o agronegócio brasileiro no cenário internacional.

Conclusão

As ESBL são descritas como o ponto de urgência clínica entre os membros da família Enterobacteriaceae e estão amplamente disseminadas no território brasileiro, retratando-se diversas enzimas em diferentes patógenos. Vários estados ainda não notificaram a presença de ESBL, uma vez que o país não dispõe de programa nacional de vigilância da resistência microbiana. No entanto, o relato de ESBL em Klebsiella spp. e Escherichia coli no ambiente hospitalar têm sido frequente, especialmente enzimas pertencentes ao grupo CTX-M-2.

O surgimento de novas variantes e a prevalência de ESBL em isolados de origem comunitária, ambiental e em alimentos de origem animal têm demonstrado a complexidade em estabelecer a origem da resistência. Com relação aos animais de produção e produtos derivados, o isolamento de ESBL é preocupante, tanto pelas implicações na saúde pública como pelo fator econômico, uma vez que o Brasil é o maior exportador mundial de carne de frango. O isolamento de enteropatógenos resistentes na agropecuária pode prejudicar o agronegócio brasileiro com mercados importadores exigentes. Dessa maneira, são necessários estudos mais abrangentes com relação à resistência no Brasil, além de medidas que estabeleçam o uso adequado de antibióticos na clínica médica e no agronegócio, a fim de diminuir os impactos na saúde pública e consolidar o mercado brasileiro no cenário internacional.

Primeira submissão em 18/04/11

Última submissão em 13/01/12

Aceito para publicação em 14/02/12

Publicado em 20/04/12

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  • Endereço para correspondência
    Ketrin Cristina da Silva
    Av. Professor Lineu Prestes, 1.374
    Cidade Universitária
    CEP: 05508-900 – São Paulo-SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Abr 2012

    Histórico

    • Recebido
      14 Fev 2012
    • Aceito
      20 Abr 2012
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