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Práticas de fisioterapia hospitalar em tempos de COVID-19 - lições para avançar

Fisioterapia cardiorrespiratória e fisioterapia em terapia intensiva são especialidades hospitalares bem estabelecidas que têm dois objetivos principais: 1) prevenir e mitigar os efeitos adversos relacionados à permanência prolongada no leito; e 2) manter e melhorar a função respiratória. Como especialidade emergente, as recomendações de intervenções respiratórias e físicas para pacientes hospitalizados têm sido continuamente desenvolvidas acompanhando o crescimento das evidências científicas.11 Gosselink R, Bott J, Johnson M, Dean E, Nava S, Norrenberg M, et al. Physiotherapy for adult patients with critical illness: recommendations of the European Respiratory Society and European Society of Intensive Care Medicine Task Force on Physiotherapy for Critically Ill Patients. Intensive Care Med. 2008;34(7):1188-1199. https://doi.org/10.1007/s00134-008-1026-7
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,22 França EÉ, Ferrari F, Fernandes P, Cavalcanti R, Duarte A, Martinez BP, et al. Physical therapy in critically ill adult patients: recommendations from the Brazilian Association of Intensive Care Medicine Department of Physical Therapy. Rev Bras Ter Intensiva. 2012;24(1):6-22. https://doi.org/10.1590/S0103-507X2012000100003
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Recentemente, as ondas de infecção por COVID-19 e o aumento do número de pacientes hospitalizados com doença grave desafiaram os fisioterapeutas em todo o mundo. Como resultado, sociedades especializadas divulgaram recomendações para orientar os fisioterapeutas.33 Felten-Barentsz KM, van Oorsouw R, Klooster E, Koenders N, Driehuis F, Hulzebos EHJ, et al. Recommendations for Hospital-Based Physical Therapists Managing Patients With COVID-19. Phys Ther. 2020;100(9):1444-1457. https://doi.org/10.1093/ptj/pzaa114
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,44 Musumeci MM, Martinez BP, Nogueira IC, Alcanfor T. Physiotherapy techniques used in the intensive care unit for the assessment and treatment of respiratory problems in patients with COVID-19. Assobrafir Ciencia. 2020;11(1):73-86. https://doi.org/10.47066/2177-9333.AC20.covid19.007
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No entanto, até o momento, desconhecemos como os fisioterapeutas têm prestado cuidados aos pacientes hospitalizados com COVID-19.

No presente número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Dias et al.55 Dias LMS, Guimaraes FS, Leite CF, Paro FM, Annoni R, Oliveira ACO, et al. Physiotherapy practice for hospitalized patients with COVID-19. J Bras Pneumol. 2022;48(4):e20220121. descrevem pela primeira vez dados sobre o encaminhamento e a prática fisioterapêutica para pacientes com COVID-19 admitidos tanto na UTI quanto na enfermaria. O estudo traz muitos resultados provocativos e reflexões sobre a prática profissional pós-pandemia.

Durante cinco meses em 2021, os pesquisadores coletaram dados usando um questionário autoaplicável com 50 itens, obtendo 485 questionários preenchidos (taxa de preenchimento de 76%). Os respondentes representavam todas as regiões do Brasil, principalmente do Sudeste (61%) e do Nordeste (21%). A maioria dos entrevistados (80%) possuía algum tipo de especialização em fisioterapia hospitalar. No entanto, apenas 13% eram especialistas certificados pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional.

Os autores verificaram que o principal motivo de indicação de fisioterapia na UTI e na enfermaria foi a melhora da oxigenação (> 80%), enquanto evitar o descondicionamento físico foi o motivo menos comum (< 65%) para pacientes tanto em ventilação mecânica quanto em respiração espontânea. A indicação de mobilização para pacientes com COVID-19 foi notavelmente menor quando comparada a um estudo prospectivo anterior,66 Timenetsky KT, Neto AS, Assunção MSC, Taniguchi L, Eid RAC, Corrêa TD, et al. Mobilization practices in the ICU: A nationwide 1-day point- prevalence study in Brazil. PLoS One. 2020;15(4):e0230971. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0230971
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que mostrou que aproximadamente 90% dos pacientes graves atendidos em UTI brasileiras receberam terapia de mobilização. A gravidade dos sintomas respiratórios em pacientes com COVID-19 pode explicar parcialmente o menor número de indicações de mobilização para priorizar a assistência respiratória.

Outra possível barreira à mobilização observada no estudo de Dias et al.55 Dias LMS, Guimaraes FS, Leite CF, Paro FM, Annoni R, Oliveira ACO, et al. Physiotherapy practice for hospitalized patients with COVID-19. J Bras Pneumol. 2022;48(4):e20220121. foi o número limitado de profissionais, pois os fisioterapeutas atenderam uma mediana de 10 pacientes por plantão de seis horas. Embora esse número siga o número mínimo recomendado pela legislação nacional brasileira vigente,77 Brazil. Ministry of Health. National Health Surveillance Agency. Resolution-RDC No. 7, of February 24, 2010. Diário Oficial da União No. 37 of February 25, 2010. acreditamos que a realização completa do tratamento respiratório e de mobilização com essa relação profissional-paciente seja difícil.

Como afirmam Dias et al.,55 Dias LMS, Guimaraes FS, Leite CF, Paro FM, Annoni R, Oliveira ACO, et al. Physiotherapy practice for hospitalized patients with COVID-19. J Bras Pneumol. 2022;48(4):e20220121. cuidar de 10 pacientes em um turno de 6 horas significa que o fisioterapeuta tinha aproximadamente apenas 30 minutos por paciente. Portanto, o tempo limitado de atendimento pode afetar potencialmente o plano terapêutico do paciente. A prioridade dos tratamentos associados à manutenção da vida (por exemplo, suporte respiratório) é insuficiente para melhorar a sobrevida e a funcionalidade, que englobam mobilização passiva, treinamento de força de membros superiores e inferiores, transferência do paciente para cadeira, deambulação e atividades funcionais.

De fato, uma pesquisa com membros da Acute Care Section da American Physical Therapy Association relatou que a falta de pessoal e de treinamento foram a principal barreira para fornecer reabilitação em UTI.88 Malone D, Ridgeway K, Nordon-Craft A, Moss P, Schenkman M, Moss M. Physical Therapist Practice in the Intensive Care Unit: Results of a National Survey. Phys Ther. 2015;95(10):1335-1344. https://doi.org/10.2522/ptj.20140417
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Além disso, há evidências que demonstram que o número de pacientes por fisioterapeuta é um preditor independente de exercício fora do leito,(66 Timenetsky KT, Neto AS, Assunção MSC, Taniguchi L, Eid RAC, Corrêa TD, et al. Mobilization practices in the ICU: A nationwide 1-day point- prevalence study in Brazil. PLoS One. 2020;15(4):e0230971. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0230971
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e que uma maior disponibilidade de fisioterapeutas (12 h/dia vs. 24 h/dia) pode reduzir o tempo de permanência e custos em UTI.99 Rotta BP, Silva JMD, Fu C, Goulardins JB, Pires-Neto RC, Tanaka C. Relationship between availability of physiotherapy services and ICU costs. J Bras Pneumol. 2018;44(3):184-189. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000196
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Outro resultado marcante no estudo de Dias et al.55 Dias LMS, Guimaraes FS, Leite CF, Paro FM, Annoni R, Oliveira ACO, et al. Physiotherapy practice for hospitalized patients with COVID-19. J Bras Pneumol. 2022;48(4):e20220121. foi que a escolha das intervenções respiratórias variou muito quando comparadas às terapias de mobilização. Mesmo com avanços importantes na assistência respiratória, a taxa de adesão ao tratamento respiratório considerado eficaz foi baixa. Por exemplo, apenas 25% dos fisioterapeutas relataram usar o “flow bias expiratório”, uma intervenção bem estudada para remoção de secreção em pacientes em ventilação mecânica.1010 Volpe MS, Adams AB, Amato MB, Marini JJ. Ventilation patterns influence airway secretion movement. Respir Care. 2008;53(10):1287-1294.

11 Li Bassi G, Saucedo L, Marti JD, Rigol M, Esperatti M, Luque N, et al. Effects of duty cycle and positive end-expiratory pressure on mucus clearance during mechanical ventilation. Crit Care Med. 2012;40(3):895-902. https://doi.org/10.1097/CCM.0b013e318236efb5
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-1212 Volpe MS, Guimarães FS, Morais CC. Airway Clearance Techniques for Mechanically Ventilated Patients: Insights for Optimization. Respir Care. 2020;65(8):1174-1188. https://doi.org/10.4187/respcare.07904
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Esse fato pode indicar que ter uma especialização não impediu a subutilização de técnicas eficazes.

Este estudo instigante55 Dias LMS, Guimaraes FS, Leite CF, Paro FM, Annoni R, Oliveira ACO, et al. Physiotherapy practice for hospitalized patients with COVID-19. J Bras Pneumol. 2022;48(4):e20220121. revelou que os fisioterapeutas na linha de frente no atendimento de pacientes com COVID-19 provavelmente permanecerão no atendimento de pacientes graves em UTI e enfermarias no Brasil. Urge a necessidade de padronizar o tratamento fisioterapêutico respiratório e rever as condições de trabalho. Além disso, os fisioterapeutas devem receber mais estímulos para se tornarem especialistas certificados. Finalmente, associações profissionais, gestores de saúde, universidades e instituições de pesquisa devem discutir esses resultados e dar os próximos passos para selecionar as evidências para melhorar o tratamento e os resultados dos pacientes.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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