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Volume expiratório forçado no primeiro segundo e resposta a broncodilatador em doença pulmonar obstrutiva crônica: um ritual inútil?

EDITORIAL

Volume expiratório forçado no primeiro segundo e resposta a broncodilatador em doença pulmonar obstrutiva crônica - um ritual inútil?

Carlos Alberto de Castro Pereira

Doutor em Pneumologia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil

O volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) foi descrito em 1947 por Tiffeneau e Pinelli em Paris e em 1951 por Gaensler nos EUA.(1-2) A ventilação voluntária máxima (VVM) tinha sido descrita anteriormente e sua redução tinha sido relacionada com o grau de dispnéia em portadores de doenças pulmonares. Tiffenau e Gaensler observaram que a parte útil da manobra da expiração forçada deveria ser a parte inicial, já que, na manobra da VVM, o tempo de cada expiração situava-se em geral abaixo de um segundo. Gaensler correlacionou a VVM com diversos volumes expiratórios forçados, e encontrou melhor correlação com o VEF1.(2)

Sendo o VEF1 um parâmetro altamente reprodutível e tendo correlação com o prognóstico da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), passou a ser considerado nas últimas décadas como o dado funcional dos testes de função pulmonar mais relevante a ser obtido.(3)

Light et al., em um estudo baseado no coeficiente de variação de diversos parâmetros funcionais, incluindo dados obtidos por pletismografia, concluíram que o VEF1 continuava sendo o parâmetro funcional mais importante na avaliação da resposta ao broncodilatador.(4)

Em 1988, Guyatt et al. demonstraram que 1/3 dos portadores de DPOC respondiam a broncodilatador, no laboratório de função pulmonar, mas 2/3 respondiam com repetidos testes espirométricos, e que não havia correlação entre resposta aguda ao broncodilatador e resposta em longo prazo.(5) Estudos recentes confirmaram estes achados, incluindo resposta para a mesma classe de broncodilatadores, entre eles os de longa duração.(6-8) Em todos estes estudos a resposta foi avaliada pelo VEF1.

Nos últimos 25 anos, diversos estudos demonstraram que a capacidade de exercício, medida pelo teste de caminhada, melhorava após o uso de broncodilatador, porém, de maneira surpreendente, não havia correlação entre aumento da distância caminhada e variação do VEF1.(9) Estudos feitos na década de 1980 demonstraram que a melhor tolerância ao exercício, após o uso de broncodilatador, se correlacionava melhor com mudanças na capacidade vital lenta (CVL) do que no VEF1.(9)

Nos anos 1990, passou a tornar-se claro que a dispnéia em DPOC se correlacionava melhor no exercício com o aprisionamento de ar, que se acentua durante o esforço.(10) O reconhecimento de que melhora significativa nos sintomas, capacidade de exercício, e qualidade de vida podem ocorrer na presença de variações mínimas do VEF1 resultou em busca de melhores métodos de avaliação. Estudos feitos nos últimos anos claramente demonstraram que o benefício sintomático em pacientes com DPOC decorre de uma redução farmacológica do volume pulmonar.(9,11-12)

Na DPOC, o aumento do volume pulmonar ao final da expiração corrente reflete-se na queda da capacidade inspiratória (CI), de modo que aumentos da CI após o uso de broncodilatador se associam com melhor desempenho ao exercício.(9-12)

O estudo de Tavares et al.,(13) presente nesta edição, mostra que 90% dos pacientes com DPOC responderam em um ou mais parâmetros funcionais após o uso de broncodilatador, sendo que o VEF1 detectou apenas 31% das respostas. A capacidade vital forçada (CVF) foi o parâmetro que mais freqüentemente variou, seguida do volume residual (VR), condutância específica das vias aéreas (GVA/Vp) e CVL.

Diversos achados explicam o pobre valor preditivo do VEF1 para prever melhor desempenho ao exercício e redução da dispnéia. O VEF1 não fornece informações a respeito da extensão da limitação ao fluxo expiratório, da forma da curva de fluxo expiratório máximo na região do volume corrente, ou da extensão do grau de aprisionamento de ar. Todos estes parâmetros são relevantes em relação à dispnéia e à limitação ao exercício em DPOC, e cada um pode variar grandemente para um dado VEF1.(14)

A resposta funcional ao broncodilatador pode ser dividida em resposta de fluxo e resposta de volume. Na DPOC, respostas de volume são em geral mais freqüentemente observadas em pacientes com maior grau de obstrução, o que ironicamente preserva a eficácia dos broncodilatadores em muitos casos de doença avançada.(15)

O VEF1 pode ser um parâmetro de resposta de fluxo ou de volume. Em muitos pacientes as variações no VEF1 após o uso de broncodilatador simplesmente refletem recrutamento de volume pulmonar, isto é, a relação VEF1 /CVF não muda, demonstrando redução do ar aprisionado por aumento concomitante da CVF. A taxa significativamente maior de respondedores pela CVL e CVF no grupo que teve elevação significativa do VEF1, no estudo de Tavares et al.(13), reflete este recrutamento de volume.

Como reconhecido pelos autores, a utilização de múltiplos testes direcionados à detecção de uma mesma anormalidade pode resultar em testes falso-positivos, porém os diferentes parâmetros analisados na resposta ao broncodilatador podem expressar fenômenos fisiológicos diferentes. A redução do aprisionamento aéreo, com redução do volume de gás torácico, introduz algumas dificuldades na interpretação da resistência e da condutância das vias aéreas. A redução do volume pulmonar resultante do uso do broncodilatador resulta em aumento da resistência das vias aéreas, que por sua vez é diminuída por efeito da medicação, de modo que a baixa sensibilidade desta medida não é surpreendente. Já o aumento da condutância corrigida para o volume pulmonar parece interessante, visto que expressaria dilatação das vias aéreas em condições de isovolume. Porém, o aumento de 50% em relação aos valores iniciais, tido como significativo, pode ser facilmente excedido, porque muitos pacientes com obstrução ao fluxo aéreo têm valores iniciais abaixo de 0,05 L/cmH2O/s, de modo que pequenas variações absolutas, dentro do erro de medida, podem resultar em grandes variações percentuais.

As variações com o uso de broncodilatador adotadas no estudo para CVL,CVF e CI correlacionaram-se com melhora relevante no desempenho ao exercício.(9) Este ponto de corte não foi estabelecido para o volume residual, embora o aumento adotado, de 20% do previsto, pareça ser razoável.(16)

Recentemente se demonstrou por diversos estudos que os broncodilatadores de longa duração diminuem o aprisionamento de ar e resultam em redução da dispnéia e melhor qualidade de vida em portadores de DPOC.(17-19) O formoterol resulta em redução mais rápida do aprisionamento de ar em DPOC em comparação com o salmeterol, o que explica a preferência de muitos pacientes com DPOC por esse fármaco.(19)

Embora os broncodilatadores possam aumentar a capacidade de exercício em DPOC, por redução do aprisionamento aéreo, nem todos os pacientes respondem. Além disso, a não resposta a determinada classe de fármacos não exclui a possibilidade de resposta a uma diferente categoria de broncodilatador. A limitação ao exercício em DPOC é multifatorial (inclui diversos fatores além da limitação ventilatória).(20)

O VEF1 tem papel limitado para predição de resposta a broncodilatador em longo prazo em DPOC, porém faltam estudos que utilizem os volumes pulmonares, incluindo medidas do volume residual e capacidade inspiratória, com este objetivo. Se positivos, estes estudos poderão estabelecer um novo e relevante papel para os testes de função pulmonar em DPOC e poderão permitir a prescrição não mais empírica, e com maior segurança, de medicamentos que são, por vezes, de custo elevado.

REFERÊNCIAS

1. Tiffeneau R, Pinelli A. Air circulante et air captif dans l'exploration de la fonction ventilatrice pulmonaire. Paris Med. 1947;133:624-8.

2. Gaensler EA. Analysis of ventilatory defect by timed capacity measurements. Am Rev Tuberc. 1951;64(3):256-78.

3. Burrows B, Earle RH. Prediction of survival in patients with chronic airway obstruction. Am Rev Respir Dis. 1969;99(6):865-71.

4. Light RW, Conrad SA, George RB. The one best test for evaluating the effects of bronchodilator therapy. Chest. 1977;72(4):512-6.

5. Guyatt GH, Townsend M, Nogradi S, Pugsley SO, Keller JL, Newhouse MT. Acute response to bronchodilator. An imperfect guide for bronchodilator therapy in chronic airflow limitation. Arch Intern Med. 1988;148(9):1949-52.

6. Molimard M, Bourcereau J, Le Gros V, Bourdeix I. Total reversibility testing as indicator of the clinical efficacy of formoterol in COPD. Respir Med. 2005;99(6):695-702.

7. Tashkin D, Kesten S. Long-term treatment benefits with tiotropium in COPD patients with and without short-term bronchodilator responses. Chest. 2003;123(5):1441-9

8. Calverley PM, Burge PS, Spencer S, Anderson JA, Jones PW. Bronchodilator reversibility testing in chronic obstructive pulmonary disease. Thorax. 2003;58(8):659-64.

9. Rodrigues Jr R, Pereira CAC. Resposta a broncodilatador na espirometria: que parâmetros e valores são clinicamente relevantes em doenças obstrutivas? J Pneumol. 2001;27(1):35-47.

10. O'Donnell DE, Bertley JC, Chau LK, Webb KA. Qualitative aspects of exertional breathlessness in chronic air-flow limitation: pathophysiologic mechanisms. Am J Respir Crit Care Med. 1997;155(1):109-15.

11. Belman MJ, Botnick WC, Shin JW. Inhaled bronchodilators reduce dynamic hyperinflation during exercise in patients with chronic obstructive pulmonary disease. Am J Respir Crit Care Med. 1996;153(3):967-75.

12. O'Donnell DE, Lam M, Webb KA. Spirometric correlates of improvement in exercise performance after anticholinergic therapy in chronic obstructive pulmonary disease. Am J Respir Crit Care Med. 1999;160(2):542-9.

13. Tavares FMB, Corrêa da Silva LC, Rubin AS. O volume expiratório forçado no primeiro segundo, não é suficiente para avaliar resposta broncodilatadora em doença pulmonar obstrutiva crônica. J Bras Pneumol. 2005;31(5)407-14.

14. Bauerle O, Chrusch CA, Younes M. Mechanisms by which COPD affects exercise tolerance. Am J Respir Crit Care Med. 1998;157(1):57-68.

15. O'Donnell DE, Forkert L, Webb KA. Evaluation of bronchodilator responses in patients with "irreversible" emphysema. Eur Respir J. 2001;18(6):914-20.

16. Newton MF, O'Donnell DE, Forkert L. Response of lung volumes to inhaled salbutamol in a large population of patients with severe hyperinflation. Chest. 2002; 121(4):1042-50.

17. Celli B, ZuWallack R, Wang S, Kesten S. Improvement in resting inspiratory capacity and hyperinflation with tiotropium in COPD patients with increased static lung volumes. Chest. 2003;124(5):1743-8.

18. O'Donnell DE, Voduc N, Fitzpatrick M, Webb KA. Effect of salmeterol on the ventilatory response to exercise in chronic obstructive pulmonary disease. Eur Respir J. 2004;24(1):86-94.

19. Bouros D, Kottakis J, Le Gros V, Overend T, Della Cioppa G, Siafakas N. Effects of formoterol and salmeterol on resting inspiratory capacity in COPD patients with poor FEV(1) reversibility. Curr Med Res Opin. 2004;20(5):581-6.

20. Saey D, Debigare R, LeBlanc P, Mador MJ, Cote CH, Jobin J, et al. Contractile leg fatigue after cycle exercise: a factor limiting exercise in patients with chronic obstructive pulmonary disease. Am J Respir Crit Care Med. 2003;168(4):425-30.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jan 2006
  • Data do Fascículo
    Out 2005
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