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Tratamento da linfangioleiomiomatose e Camões

Em 1958, Laipply e Sherrick descreveram um caso de derrame quiloso e hiperplasia angiomiomatosa intratorácica, que seria posteriormente reconhecido como a primeira publicação a respeito da linfangioleiomiomatose (LAM).1. LAIPPLY TC, SHERRICK JC. Intrathoracic angiomyomatous hyperplasia associated with chronic chylothorax. Lab Invest. 1958;7(4):387-400. Nesses 57 anos, muito foi somado ao conhecimento da LAM, que é uma doença crônica, multissistêmica, rara, de acometimento preferencial em mulheres, caracterizada pela formação de cistos (destruição pulmonar), derrame quiloso e lesões extrapulmonares como angiomiolipomas, tumores linfáticos e linfangioleiomiomas.2. Taveira-DaSilva AM, Moss J. Clinical features, epidemiology, and therapy of lymphangioleiomyomatosis. Clin Epidemiol. 2015;7:249-57. http://dx.doi.org/10.2147/CLEP.S50780
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A LAM pode ser classificada como uma doença autossômica dominante, causada pela mutação do TSC1 ou TSC2, e apresentação clínica com déficit cognitivo, autismo, convulsões e lesões de hamartomas no cérebro, coração, pele, rim, olhos, pulmões ou fígado2. Taveira-DaSilva AM, Moss J. Clinical features, epidemiology, and therapy of lymphangioleiomyomatosis. Clin Epidemiol. 2015;7:249-57. http://dx.doi.org/10.2147/CLEP.S50780
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; ou pode ser esporádica, em decorrência de mutação somática (sem transmissão para descendentes) no gene TSC2.2. Taveira-DaSilva AM, Moss J. Clinical features, epidemiology, and therapy of lymphangioleiomyomatosis. Clin Epidemiol. 2015;7:249-57. http://dx.doi.org/10.2147/CLEP.S50780
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Na sua patogenia, as células de LAM (células neoplásicas) possuem características de melanócitos e de células encontradas no músculo liso.2. Taveira-DaSilva AM, Moss J. Clinical features, epidemiology, and therapy of lymphangioleiomyomatosis. Clin Epidemiol. 2015;7:249-57. http://dx.doi.org/10.2147/CLEP.S50780
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A LAM é considerada uma neoplasia de baixo grau, destrutiva e com lesões metastáticas.3. Xu KF, Lo BH. Lymphangioleiomyomatosis: differential diagnosis and optimal management. Ther Clin Risk Manag. 2014;10:691-700. http://dx.doi.org/10.2147/TCRM.S50784 O diagnóstico de LAM consegue ser estabelecido, em muitos casos, pelas seguintes características: cistos pulmonares com paredes finas na TCAR de tórax, história de esclerose tuberosa, LAM familiar ou pneumotórax; dosagem elevada de VEGF no sangue (≥ 800 pg/ml); presença de linfangioleiomiomas e angiomiolipomas na TC ou ressonância magnética de abdômen; derrame quiloso; ou presença de células de LAM e detecção de HMB-45 no material de biópsia pulmonar.4. Gupta N, Vassallo R, Wikenheiser-Brokamp KA, McCormack FX. Diffuse Cystic Lung Disease. Part I. Am J Respir Crit Care Med. 2015;191(12):1354-66. http://dx.doi.org/10.1164/rccm.201411-2094CI
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O diagnóstico da LAM foi aprimorado nessas últimas décadas, e a proposta terapêutica foi modificada a partir de 2000, com a descrição da mutação do gene TSC2. A presença dessa mutação caracteriza-se com o aumento da síntese proteica e crescimento celular pela via de estimulação de mammalian target of rapamycin (mTOR).5. Bissler JJ, McCormack FX, Young LR, Elwing JM, Chuck G, Leonard JM, et al. Sirolimus for angiomyolipoma in tuberous sclerosis complex or lymphangioleiomyomatosis. N Engl J Med. 2008;358(2):140-51. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa063564
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Medicamentos como o sirolimo ou everolimo foram avaliados para o uso na LAM, pois eles possuem ação inibitória no mTOR, especificamente no complexo 1.4. Gupta N, Vassallo R, Wikenheiser-Brokamp KA, McCormack FX. Diffuse Cystic Lung Disease. Part I. Am J Respir Crit Care Med. 2015;191(12):1354-66. http://dx.doi.org/10.1164/rccm.201411-2094CI
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Ou seja, eles poderiam reduzir ou controlar o excesso de estimulação desencadeado pelas mutações. Em 2008, publicou-se um estudo aberto no tratamento de LAM que evidenciava a redução de angiomiolipomas renais com o uso de sirolimo, assim como o retorno do crescimento tumoral após a sua suspensão.5. Bissler JJ, McCormack FX, Young LR, Elwing JM, Chuck G, Leonard JM, et al. Sirolimus for angiomyolipoma in tuberous sclerosis complex or lymphangioleiomyomatosis. N Engl J Med. 2008;358(2):140-51. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa063564
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Atualmente, os inibidores de mTOR são considerados efetivos para as manifestações torácicas (quilotórax) e extratorácicas (angiomiolipoma) e auxiliares na estabilização da função pulmonar na LAM.3. Xu KF, Lo BH. Lymphangioleiomyomatosis: differential diagnosis and optimal management. Ther Clin Risk Manag. 2014;10:691-700. http://dx.doi.org/10.2147/TCRM.S50784 Freitas et al.,6. Freitas CS, Baldi BG, Araújo MS, Heiden GI, Kairalla RA, Carvalho CR. Use of sirolimus in the treatment of lymphangioleiomyomatosis: favorable responses in patients with different extrapulmonary manifestations. J Bras Pneumol 2015;41(3):275-80. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132015000004553
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na edição de maio-junho de 2015 do JBP, apresentam uma série de casos com manifestações extrapulmonares e a opção do uso de sirolimo para o controle da LAM. Os resultados são animadores, como demonstrado pelas imagens de redução do volume de angiomiolipomas renais, das massas abdominais e retroperitoneais e da resolução do quilotórax. Houve também a estabilização da função pulmonar. Essa primeira publicação brasileira demonstrou que o sirolimo é uma real opção terapêutica no controle da LAM. Outros aspectos questionados pelos autores e ainda sem resposta na literatura versam sobre a dosagem laboratorial de sirolimo, o tempo de uso e a segurança no longo prazo do tratamento.6. Freitas CS, Baldi BG, Araújo MS, Heiden GI, Kairalla RA, Carvalho CR. Use of sirolimus in the treatment of lymphangioleiomyomatosis: favorable responses in patients with different extrapulmonary manifestations. J Bras Pneumol 2015;41(3):275-80. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132015000004553
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Temos então um período promissor de avanços na LAM. De fato, as doenças intersticiais, como a LAM, apresentam novidades terapêuticas. A fibrose pulmonar idiopática obteve um avanço terapêutico relevante recentemente com as primeiras drogas específicas para seu tratamento, aprovadas nos EUA: pirfenidona e nintedanibe. 7. King TE Jr, Bradford WZ, Castro-Bernardini S, Fagan EA, Glaspole I, Glassberg MK, et al. A phase 3 trial of pirfenidone in patients with idiopathic pulmonary fibrosis. N Engl J Med. 2014;370(22):2083-92. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa1402582
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8. Richeldi L, du Bois RM, Raghu G, Azuma A, Brown KK, Costabel U, et al. Efficacy and safety of nintedanib in idiopathic pulmonary fibrosis. N Engl J Med. 2014;370(22):2071-82. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa1402584
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Na sarcoidose e na esclerose sistêmica, há novos medicamentos que estão sendo avaliados nos casos de refratariedade terapêutica.(9,10) Além disso, o transplante de pulmão consolida-se como uma opção nas doenças intersticiais, como foi demonstrado no estudo de Rubin et al.,1111 . Rubin AS, Nascimento DZ, Sanchez L, Watte G, Holand AR, Fassbind DA, et al. Functional improvement in patients with idiopathic pulmonary fibrosis undergoing single lung transplantation. J Bras Pneumol. 2015;41(4):299-304. publicado no presente número do JBP, cuja recuperação do volume pulmonar após o transplante pulmonar unilateral em pacientes com fibrose pulmonar idiopática foi, em média, de 620 ml no primeiro ano de seguimento, mas a mortalidade antes de um ano de seguimento foi de 30%.

Estamos num processo de novos rumos terapêuticos. Assim, com os novos tratamentos das doenças intersticiais pulmonares, me referencio com o Canto VI de Os Lusíadas:

Outras palavras tais lhe respondia

O Capitão, e logo, as velas dando,

Para as terras da Aurora se partia,

Que tanto tempo há já que vai buscando.

No piloto que leva não havia

Falsidade, mas antes vai mostrando

A navegação certa; e assim caminha

Já mais seguro do que dantes vinha.

- Luís Vaz de Camões (1524 - 1579)

References

  • 1
    LAIPPLY TC, SHERRICK JC. Intrathoracic angiomyomatous hyperplasia associated with chronic chylothorax. Lab Invest. 1958;7(4):387-400.
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    Xu KF, Lo BH. Lymphangioleiomyomatosis: differential diagnosis and optimal management. Ther Clin Risk Manag. 2014;10:691-700. http://dx.doi.org/10.2147/TCRM.S50784
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    King TE Jr, Bradford WZ, Castro-Bernardini S, Fagan EA, Glaspole I, Glassberg MK, et al. A phase 3 trial of pirfenidone in patients with idiopathic pulmonary fibrosis. N Engl J Med. 2014;370(22):2083-92. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa1402582
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    Richeldi L, du Bois RM, Raghu G, Azuma A, Brown KK, Costabel U, et al. Efficacy and safety of nintedanib in idiopathic pulmonary fibrosis. N Engl J Med. 2014;370(22):2071-82. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa1402584
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2015
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