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Uso do laboratório de função pulmonar para auxiliar no manejo de doenças: Asma

CONTEXTO

A asma é uma doença inflamatória crônica e heterogênea das vias aéreas a respeito da qual os testes de função pulmonar (TFP) podem fornecer informações valiosas para o diagnóstico, avaliação do controle clínico e estimativa de risco futuro.

VISÃO GERAL

Uma mulher de 57 anos que nunca havia fumado relatou uma história de 10 anos de dispneia recorrente e sibilância ocasional que pioraram depois da COVID-19 dois anos antes. A progressão da dispneia foi associada ao ganho de peso (IMC = 33 kg/m2) em um contexto de diabetes tipo 2 e hipertensão. A paciente relatou asma na infância, e seus sintomas eram tipicamente precipitados por mudanças de tempo. A espirometria revelou reduções leves e semelhantes no VEF1 e na CVF, com VEF1/CVF normal. O broncodilatador inalatório associou-se a aumentos proporcionais do VEF1 (­ 0,37 L e 22%) e da CVF (­ 0,39 L e 18%), com normalização da espirometria. A DLCO estava preservada. Com base na história clínica e nos dados funcionais, fez-se o diagnóstico de asma, com notável melhora clínica após algumas semanas de tratamento com doses médias de corticosteroides inalatórios.

A redução da CVF e/ou do VEF1 com VEF1/CVF normal é um achado inespecífico que pode indicar restrição e/ou obstrução. A melhora proporcional do VEF1 e da CVF com o uso de broncodilatador inalatório indica recrutamento de volume pulmonar, revelando doença subjacente das vias aéreas. Se essas alterações forem grandes o suficiente para normalizar os resultados da espirometria, a asma é o diagnóstico mais provável. É importante mencionar, porém, que obstrução “fixa” do fluxo aéreo com graus variáveis de hiperinsuflação e aprisionamento aéreo podem ser observados em pacientes com vias aéreas remodeladas e asma grave. Obstrução variável do fluxo aéreo ao longo do tempo é comumente observada em pacientes com asma e geralmente melhora espontaneamente ou com tratamento. Em casos duvidosos, a hiper-reatividade das vias aéreas pode ser revelada pelo teste de broncoprovocação.11 Lougheed DM, Webb KA, O'Donnell DE. Breathlessness during induced lung hyperinflation in asthma: the role of the inspiratory threshold load. Am J Respir Crit Care Med. 1995;152(3):911-20. https://doi.org/10.1164/ajrccm.152.3.7663804
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Uma vez iniciado o tratamento, a variabilidade do VEF1 e da resposta ao broncodilatador entre as consultas pode fornecer informações auxiliares para estimar a estabilidade da doença. Embora não seja obrigatório que os medicamentos de manutenção ou por demanda sejam suspensos antes do teste, repetir os TFP em condições terapêuticas semelhantes permite uma interpretação mais significativa. O VEF1 baixo pós-broncodilatador (particularmente < 60% do previsto)22 Osborne ML, Pedula KL, O'Hollaren M, Ettinger KM, Stibolt T, Buist AS, et al. Assessing future need for acute care in adult asthmatics: the Profile of Asthma Risk Study: a prospective health maintenance organization-based study. Chest. 2007;132(4):1151-1161. https://doi.org/10.1378/chest.05-3084
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,33 Denlinger LC, Phillips BR, Ramratnam S, Ross K, Bhakta NR, Cardet JC, et al. Inflammatory and Comorbid Features of Patients with Severe Asthma and Frequent Exacerbations [published correction appears in Am J Respir Crit Care Med. 2018 Apr 1;197(7):971]. Am J Respir Crit Care Med. 2017;195(3):302-313. https://doi.org/10.1164/rccm.201602-0419OC
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e maior resposta ao broncodilatador33 Denlinger LC, Phillips BR, Ramratnam S, Ross K, Bhakta NR, Cardet JC, et al. Inflammatory and Comorbid Features of Patients with Severe Asthma and Frequent Exacerbations [published correction appears in Am J Respir Crit Care Med. 2018 Apr 1;197(7):971]. Am J Respir Crit Care Med. 2017;195(3):302-313. https://doi.org/10.1164/rccm.201602-0419OC
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são preditores independentes de aumento do risco de exacerbação, mesmo em pacientes com carga de sintomas relativamente modesta (Quadro 1). Já se relatou que o teste indireto da hiper-reatividade das vias aéreas com o uso de solução salina hipertônica para determinar a dose de corticosteroides inalatórios diminui o número de exacerbações de asma em crianças em comparação com o tratamento baseado apenas nos sintomas.44 Ciólkowski J, Hydzik P, Rachel M, Mazurek-Durlak Z, Skalska-Izdebska R, Mazurek H. Childhood asthma treatment based on indirect hyperresponsiveness test: Randomized controlled trial [published online ahead of print, 2023 Jun 21]. Pediatr Pulmonol. 2023;10.1002/ppul.26556. https://doi.org/10.1002/ppul.26556
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Quadro 1
Informações fundamentais fornecidas pelos testes de função pulmonar relevantes para o manejo da asma em pacientes individuais.

MENSAGEM CLÍNICA

Os TFP são fundamentais para o diagnóstico e acompanhamento de pacientes com asma. Por exemplo, obstrução não diagnosticada em pacientes com asma é mais comum naqueles que nunca fizeram espirometria ou que nunca foram encaminhados a um pneumologista.55 Cherian M, Magner KMA, Whitmore GA, Vandemheen KL, FitzGerald JM, Bergeron C, et al. Patient and physician factors associated with symptomatic undiagnosed asthma or COPD. Eur Respir J. 2023;61(2):2201721. https://doi.org/10.1183/13993003.01721-2022
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No entanto, os resultados dos TFP não devem ser usados isoladamente. A melhor abordagem ao manejo envolve uma avaliação longitudinal dos desfechos clínicos (controle dos sintomas e frequência das exacerbações) e dados laboratoriais (contagem de eosinófilos, IgE total e IgE específica) sob a influência moduladora de comorbidades-chave (obesidade, rinossinusite, polipose nasal e doença do refluxo gastroesofágico). Há um interesse renovado em usar parâmetros de função pulmonar para melhorar a fenotipagem da asma, o que pode lançar nova luz sobre mecanismos biológicos mais complexos (endótipos) relevantes para a fisiopatologia da doença e, em última análise, as opções de tratamento.66 Reyna ME, Bedard MA, Subbarao P. Lung Function as a Biomarker of Health: An Old Concept Rediscovered. Am J Respir Crit Care Med. 2023;208(2):117-119. https://doi.org/10.1164/rccm.202305-0911ED
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REFERENCES

  • 1
    Lougheed DM, Webb KA, O'Donnell DE. Breathlessness during induced lung hyperinflation in asthma: the role of the inspiratory threshold load. Am J Respir Crit Care Med. 1995;152(3):911-20. https://doi.org/10.1164/ajrccm.152.3.7663804
    » https://doi.org/10.1164/ajrccm.152.3.7663804
  • 2
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  • 3
    Denlinger LC, Phillips BR, Ramratnam S, Ross K, Bhakta NR, Cardet JC, et al. Inflammatory and Comorbid Features of Patients with Severe Asthma and Frequent Exacerbations [published correction appears in Am J Respir Crit Care Med. 2018 Apr 1;197(7):971]. Am J Respir Crit Care Med. 2017;195(3):302-313. https://doi.org/10.1164/rccm.201602-0419OC
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  • 4
    Ciólkowski J, Hydzik P, Rachel M, Mazurek-Durlak Z, Skalska-Izdebska R, Mazurek H. Childhood asthma treatment based on indirect hyperresponsiveness test: Randomized controlled trial [published online ahead of print, 2023 Jun 21]. Pediatr Pulmonol. 2023;10.1002/ppul.26556. https://doi.org/10.1002/ppul.26556
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  • 6
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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