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Avaliação pré-operatória de apneia obstrutiva do sono em doentes a serem submetidos à cirurgia bariátrica: limitações do laboratório do sono

A obesidade(11. Duarte RL, Magalhães-da-Silveira FJ. Factors predictive of obstructive sleep apnea in patients undergoing pre-operative evaluation for bariatric surgery and referred to a sleep laboratory for polysomnography. J Bras Pneumol. 2015;41(5):440-8. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132015000000027
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,22. Selim BJ, Surani SR, Ramar K. Role of preoperative screening for adult patients for obstructive sleep apnea. Hosp Pract (1995). 2014;42(5):100-7. http://dx.doi.org/10.3810/hp.2014.12.1163
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) é um fator de risco comprovado para apneia obstrutiva do sono (AOS), e é previsível que vários pacientes que serão submetidos à cirurgia bariátrica (CB) possam apresentar a doença.

Porém, na maioria das vezes, os pacientes não são diagnosticados com a doença, quer sejam sintomáticos ou não. Os cirurgiões(22. Selim BJ, Surani SR, Ramar K. Role of preoperative screening for adult patients for obstructive sleep apnea. Hosp Pract (1995). 2014;42(5):100-7. http://dx.doi.org/10.3810/hp.2014.12.1163
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) geralmente examinam esses pacientes a fim de avaliar o risco de AOS antes da realização da CB e podem encaminhar tais pacientes para investigação e tratamento adequados.

Duarte e Magalhães-da-Silveira(11. Duarte RL, Magalhães-da-Silveira FJ. Factors predictive of obstructive sleep apnea in patients undergoing pre-operative evaluation for bariatric surgery and referred to a sleep laboratory for polysomnography. J Bras Pneumol. 2015;41(5):440-8. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132015000000027
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) realizaram um estudo retrospectivo com o objetivo de avaliar e identificar quais parâmetros poderiam predizer maior chance de AOS nessa população específica. Também desenvolveram um escore com 6 itens, o qual apresentou boa acurácia para o diagnóstico da AOS moderada e grave.

Entendemos as limitações do estudo; porém, gostaríamos de considerar alguns aspectos chave que precisam ser levados em conta para uma adequada extrapolação clínica.

Em primeiro lugar, sabe-se que a hipertensão(33. Torres G, Sánchez-de-la-Torre M, Barbé F. Relationship Between OSA and Hypertension. Chest. 2015;148(3):824-32. http://dx.doi.org/10.1378/chest.15-0136
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) é um fator importante no desenvolvimento da AOS.(44. Bonsignore MR, Borel AL, Machan E, Grunstein R. Sleep apnoea and metabolic dysfunction. Eur Respir Rev. 2013;22(129):353-64. http://dx.doi.org/10.1183/09059180.00003413
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) Existem dados amplamente disponíveis que revelam os benefícios da CB no controle da pressão arterial. No referido estudo,(11. Duarte RL, Magalhães-da-Silveira FJ. Factors predictive of obstructive sleep apnea in patients undergoing pre-operative evaluation for bariatric surgery and referred to a sleep laboratory for polysomnography. J Bras Pneumol. 2015;41(5):440-8. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132015000000027
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) constatamos que a hipertensão não foi considerada um fator preditivo na casuística deles. Isso talvez se deva ao fato de que pacientes em tratamento ou não para hipertensão foram reunidos em um mesmo grupo, o que pode ter influenciado os resultados.

Em segundo lugar, os autores referiram não ter abordado todas as comorbidades conhecidas ou outras queixas de sono. Considerando-se que o artigo é sobre pacientes com AOS à espera de CB, achamos que existe um fator preditivo potencialmente relevante que não foi totalmente explorado: a síndrome metabólica,(44. Bonsignore MR, Borel AL, Machan E, Grunstein R. Sleep apnoea and metabolic dysfunction. Eur Respir Rev. 2013;22(129):353-64. http://dx.doi.org/10.1183/09059180.00003413
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) a qual apresenta associação consistente tanto com a AOS quanto com a CB. Acreditamos que, mesmo se excluirmos a hipertensão, os níveis de colesterol e outras comorbidades, como o diabetes, a síndrome metabólica pode predizer AOS e precisa ser levada em conta em estudos futuros.

Por fim, sabemos que é necessária a realização de triagem para AOS em todos os pacientes que serão submetidos a esse tipo de cirurgia, independentemente de qualquer escore. Não queremos diminuir o valor ou a importância clínica do escore NO-OSAS; porém, questionamos se existe alguma vantagem em sua aplicação rotineira. Isso mudaria nosso comportamento?

Em nossa opinião, o referido artigo(11. Duarte RL, Magalhães-da-Silveira FJ. Factors predictive of obstructive sleep apnea in patients undergoing pre-operative evaluation for bariatric surgery and referred to a sleep laboratory for polysomnography. J Bras Pneumol. 2015;41(5):440-8. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132015000000027
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) demonstra que é possível perceber quais subgrupos dessa população específica apresentam maior risco, a fim de direcionar nossa atenção para eles. Porém, outros parâmetros clínicos importantes precisam ser avaliados para que se possa aumentar seu poder preditivo.

References

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    Duarte RL, Magalhães-da-Silveira FJ. Factors predictive of obstructive sleep apnea in patients undergoing pre-operative evaluation for bariatric surgery and referred to a sleep laboratory for polysomnography. J Bras Pneumol. 2015;41(5):440-8. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132015000000027
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    Torres G, Sánchez-de-la-Torre M, Barbé F. Relationship Between OSA and Hypertension. Chest. 2015;148(3):824-32. http://dx.doi.org/10.1378/chest.15-0136
    » https://doi.org/10.1378/chest.15-0136
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Resposta dos autores

Autoria SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Em resposta aos questionamentos relacionados ao nosso trabalho,(11. Duarte RL, Magalhães-da-Silveira FJ. Factors predictive of obstructive sleep apnea in patients undergoing pre-operative evaluation for bariatric surgery and referred to a sleep laboratory for polysomnography. J Bras Pneumol. 2015;41(5):440-8. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132015000000027
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) gostaríamos de tecer alguns comentários. A literatura aponta uma associação bidirecional entre apneia obstrutiva do sono (AOS) e hipertensão arterial sistêmica (HAS).(22. Torres G, Sánchez-de-la-Torre M, Barbé F. Relationship between OSA and hypertension. Chest. 2015;148(3):824-32. http://dx.doi.org/10.1378/chest.15-0136
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) Quanto ao papel da HAS e da AOS como fatores de risco para o desenvolvimento, respectivamente, de AOS e HAS, alguns dados merecem ser salientados: a AOS atuando como fator de risco causal para o desenvolvimento de HAS é mais bem estudada do que o inverso; além disso, o tratamento da AOS com pressão positiva contínua na via aérea geralmente melhora os níveis tensionais de pacientes hipertensos.(22. Torres G, Sánchez-de-la-Torre M, Barbé F. Relationship between OSA and hypertension. Chest. 2015;148(3):824-32. http://dx.doi.org/10.1378/chest.15-0136
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) Em contrapartida, o tratamento da HAS com anti-hipertensivos visando melhorar a AOS apresenta resultados conflitantes; exceção feita, talvez, ao tratamento da HAS com diuréticos, especialmente a espironolactona, por reduzir o edema parafaríngeo e a obstrução secundária da via aérea.(22. Torres G, Sánchez-de-la-Torre M, Barbé F. Relationship between OSA and hypertension. Chest. 2015;148(3):824-32. http://dx.doi.org/10.1378/chest.15-0136
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)

Quanto ao fato de os pacientes hipertensos estarem com ou sem tratamento, acreditamos que isso possa não ter influenciado a magnitude de associação entre HAS e AOS, pois os principais questionários clínicos que utilizam a variável HAS não discriminam quais pacientes estão ou não em tratamento anti-hipertensivo.(33. Abrishami A, Khajehdehi A, Chung F. A systematic review of screening questionnaires for obstructive sleep apnea. Can J Anesth. 2010;57(5):423-38. http://dx.doi.org/10.1007/s12630-010-9280-x
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) No nosso trabalho,(11. Duarte RL, Magalhães-da-Silveira FJ. Factors predictive of obstructive sleep apnea in patients undergoing pre-operative evaluation for bariatric surgery and referred to a sleep laboratory for polysomnography. J Bras Pneumol. 2015;41(5):440-8. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132015000000027
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) a HAS se mostrou como um fator prognóstico na análise univariada nos três pontos de corte - índice de apneia-hipopneia (IAH) ≥ 5 eventos/h, ≥ 15 eventos/h e ≥ 30 eventos/h - porém, quando usada na análise multivariada, a HAS mostrou ser um fator prognóstico e independente somente no ponto de corte de IAH ≥ 5 eventos/h, evidenciando que, nas formas mais graves de AOS, a HAS atua como um fator de confusão, motivo pelo qual ela não foi utilizada no nosso questionário.

A síndrome metabólica é definida com a presença de três ou mais dos seguintes cinco fatores: 1) circunferência da cintura > 80 cm em mulheres e > 94 cm em homens; 2) triglicerídeos séricos ≥ 150 mg/dl (ou em tratamento); 3) HDL colesterol < 40 mg/dl em homens e < 50 mg/dl em mulheres (ou em tratamento), 4) HAS (ou em tratamento); e 5) glicose de jejum ≥ 100 mg/dl (ou em tratamento).(44. Alberti KG, Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ, Cleeman JI, Donato KA, et al. Harmonizing the metabolic syndrome: a joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity. Circulation. 2009;120(16):1640-5. http://dx.doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.109.192644
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)A síndrome metabólica não foi utilizada em nosso questionário, uma vez que sua definição requer dosagens séricas, comprometendo a obtenção de um questionário de fácil aplicabilidade para os médicos e pacientes.

A elaboração de um questionário clínico não pretende substituir a polissonografia (PSG). O objetivo de um questionário é o rastreamento dos pacientes, selecionando aqueles de alto risco e possibilitando um diagnóstico mais rápido e mais barato através dos monitores portáteis.(22. Torres G, Sánchez-de-la-Torre M, Barbé F. Relationship between OSA and hypertension. Chest. 2015;148(3):824-32. http://dx.doi.org/10.1378/chest.15-0136
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) A PSG do tipo I, apesar de ser o padrão-ouro para o diagnóstico da AOS, é um procedimento com seus custos inerentes, e sua realização está associada a longas filas de espera. Como a utilização dos métodos portáteis já foi validada na população bariátrica,(55. Oliveira MG, Treptow EC, Fukuda C, Nery LE, Valadares RM, Tufik S, et al. Diagnostic accuracy of home-based monitoring system in morbidly obese patients with high risk for sleep apnea. Obes Surg. 2015;25(5):845-51. http://dx.doi.org/10.1007/s11695-014-1469-6
https://doi.org/10.1007/s11695-014-1469-...
) o nosso questionário, desenvolvido especificamente para essa população, pode sim mudar a conduta: selecionando os pacientes de alto risco, encaminhando-os para diagnóstico domiciliar, limitando custos, diminuindo o tempo de espera para a cirurgia e reduzindo a fila para a realização de PSG laboratorial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016
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