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Avaliando o pulmão envelhecido: desafios da interpretação de testes de função pulmonar em idosos

CONTEXTO

O número de idosos (com idade ≥ 65 anos) em todo o mundo deverá triplicar até 2050, sendo que um quarto desses indivíduos estará na faixa etária dos “idosos longevos” (com idade > 85 anos).11 National Institutes of Health. National Institute on Aging [homepage on the Internet]; Bethesda: National Institute on Aging [updated: 2011 Oct; cited: 2022 Jul 19]. Global health and aging: Preface. [Adobe Acrobat document; 32p.]. Available from: https://www.nia.nih.gov/sites/default/files/2017-06/global_health_aging.pdf
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A prevalência de doenças pulmonares crônicas e de comorbidades que podem influenciar os testes de função pulmonar aumenta com o envelhecimento. Conhecer os efeitos fisiológicos da senescência no sistema respiratório é fundamental para evitar o subdiagnóstico ou o sobrediagnóstico de doenças respiratórias em idosos.

VISÃO GERAL

Um homem de 77 anos, com carga tabágica = 50 anos-maço - ele havia deixado de fumar 10 anos antes - insuficiência cardíaca (fração de ejeção do ventrículo esquerdo = 36%) e fibrilação atrial, apresentou dispneia progressiva (3 pontos na escala modificada do Medical Research Council) após uma infecção do trato respiratório inferior que foi tratada em casa. A radiografia de tórax mostrou pequenas opacidades lineares no lobo inferior direito. O paciente recebeu diagnóstico de DPOC com base nos seguintes dados: a) VEF1/CVF < 0,7 (porém acima do limite inferior da normalidade); b) VEF1/CV “lenta” abaixo do limite inferior da normalidade; c) redução limítrofe do FEF25-75%, com algum “scooping” expiratório (concavidade da alça expiratória); d) aumento discreto do VR; e) ligeira redução da DLCO. O formoterol inalatório não melhorou a dispneia; causou efeitos colaterais indesejáveis (palpitações e tontura) e, portanto, foi suspenso. A dispneia cedeu após algumas semanas de fisioterapia respiratória para a eliminação de secreções.

Há relação entre o envelhecimento e a perda tanto da retração elástica pulmonar como de ligações alveolares às pequenas vias aéreas, ambas as quais contribuem para a diminuição dos fluxos expiratórios e, consequentemente, do VEF1 e FEF25-75% (a-c acima). Fluxos meso e tele-expiratórios baixos podem criar uma ligeira concavidade na curva de fluxo expiratório (c). O aumento do volume de relaxamento do sistema respiratório e a tendência ao fechamento das vias aéreas em baixos volumes pulmonares causam o aumento da capacidade residual funcional e do VR (d), respectivamente. A CPT pode permanecer inalterada ou diminuir em decorrência da maior rigidez da parede torácica, reduzindo a capacidade inspiratória e a CV.22 Neder JA, Berton DC, O'Donnell DE. The Lung Function Laboratory to Assist Clinical Decision-making in Pulmonology: Evolving Challenges to an Old Issue. Chest. 2020;158(4):1629-1643. https://doi.org/10.1016/j.chest.2020.04.064
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Como as pequenas vias aéreas tendem a se fechar mais cedo durante uma manobra expiratória forçada do que durante uma manobra expiratória “lenta”, a CVF diminui mais do que a CV; assim, a relação VEF1/CV diminui mais do que a relação VEF1/CVF (a-b acima).33 Saint-Pierre M, Ladha J, Berton DC, Reimao G, Castelli G, Marillier M,et al. Is the Slow Vital Capacity Clinically Useful to Uncover Airflow Limitation in Subjects With Preserved FEV1/FVC Ratio?. Chest. 2019;156(3):497-506. https://doi.org/10.1016/j.chest.2019.02.001
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Como o volume em que as pequenas vias aéreas começam a se fechar durante a expiração aumenta mais do que a capacidade residual funcional, as desigualdades na distribuição da ventilação podem diminuir a eficiência das trocas gasosas pulmonares. Dilatação dos espaços aéreos sem destruição alveolar distinta e densidade reduzida dos bronquíolos membranosos sugerem a coalescência de alvéolos menores e maiores, reduzindo a superfície funcional para trocas gasosas e, ao mesmo tempo, aumentando áreas de alta relação ventilação-perfusão.22 Neder JA, Berton DC, O'Donnell DE. The Lung Function Laboratory to Assist Clinical Decision-making in Pulmonology: Evolving Challenges to an Old Issue. Chest. 2020;158(4):1629-1643. https://doi.org/10.1016/j.chest.2020.04.064
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O corolário é a redução, em virtude da idade, da DLCO (e) e da PaO2, bem como o aumento do gradiente alveoloarterial de oxigênio (Tabela 1).

Tabela 1
Efeitos do envelhecimento nos testes de função pulmonar, com implicações práticas para a interpretação. Os efeitos são mais pronunciados em indivíduos com mais de 75 anos, sendo ainda mais acentuados em idosos longevos (com idade > 85 anos).

MENSAGEM CLÍNICA

Várias alterações fisiológicas relacionadas ao envelhecimento podem simular as anormalidades induzidas pela doença das vias aéreas, incluindo fluxos expiratórios baixos, volumes pulmonares operantes aumentados e desigualdades na distribuição da ventilação. Por outro lado, a predominância da rigidez da parede torácica em relação à perda da retração elástica pulmonar pode gerar preocupações injustificadas a respeito de restrição, particularmente na presença de obesidade moderada a grave.44 Marillier M, Bernard AC, Reimao G, Castelli G, Alqurashi H, O'Donnell DE, et al. Breathing at Extremes: The Restrictive Consequences of Super- and Super-Super Obesity in Men and Women. Chest. 2020;158(4):1576-1585. https://doi.org/10.1016/j.chest.2020.04.006
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O fato de que os valores de referência são menos precisos nos extremos de idade complica ainda mais esse cenário.55 Neder JA, Berton DC, O'Donnell DE. Lung function: what constitutes (ab)normality?. J Bras Pneumol. 2022;48(2):e20220096. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20220096
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É preciso muito cuidado para evitar o sobrediagnóstico de doença respiratória (ou a superestimação do comprometimento causado por doenças preexistentes) em idosos.

REFERENCES

  • 1
    National Institutes of Health. National Institute on Aging [homepage on the Internet]; Bethesda: National Institute on Aging [updated: 2011 Oct; cited: 2022 Jul 19]. Global health and aging: Preface. [Adobe Acrobat document; 32p.]. Available from: https://www.nia.nih.gov/sites/default/files/2017-06/global_health_aging.pdf
    » https://www.nia.nih.gov/sites/default/files/2017-06/global_health_aging.pdf
  • 2
    Neder JA, Berton DC, O'Donnell DE. The Lung Function Laboratory to Assist Clinical Decision-making in Pulmonology: Evolving Challenges to an Old Issue. Chest. 2020;158(4):1629-1643. https://doi.org/10.1016/j.chest.2020.04.064
    » https://doi.org/10.1016/j.chest.2020.04.064
  • 3
    Saint-Pierre M, Ladha J, Berton DC, Reimao G, Castelli G, Marillier M,et al. Is the Slow Vital Capacity Clinically Useful to Uncover Airflow Limitation in Subjects With Preserved FEV1/FVC Ratio?. Chest. 2019;156(3):497-506. https://doi.org/10.1016/j.chest.2019.02.001
    » https://doi.org/10.1016/j.chest.2019.02.001
  • 4
    Marillier M, Bernard AC, Reimao G, Castelli G, Alqurashi H, O'Donnell DE, et al. Breathing at Extremes: The Restrictive Consequences of Super- and Super-Super Obesity in Men and Women. Chest. 2020;158(4):1576-1585. https://doi.org/10.1016/j.chest.2020.04.006
    » https://doi.org/10.1016/j.chest.2020.04.006
  • 5
    Neder JA, Berton DC, O'Donnell DE. Lung function: what constitutes (ab)normality?. J Bras Pneumol. 2022;48(2):e20220096. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20220096
    » https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20220096

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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