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História natural

3. História natural

A TEP é uma afecção comum, com alta mortalidade, que requer tratamento de longo prazo e pode ser associada a uma considerável iatrogenia, cujo diagnóstico de certeza é caro e não disponível em muitos hospitais. Assim, o conhecimento preciso da história natural de TEP é importante, pois permitiria tomar decisões lógicas, evitando riscos e custos desnecessários. Entretanto, os dados disponíveis são escassos por serem múltiplos os fatores que dificultam sua avaliação e que serão analisados a seguir.

Afecção da circulação venosa

A relação das várias formas de TVP com a TEP é tão estreita que se justifica a adoção do termo TEP para designar a afecção, sendo quase impossível separar a história natural da TEP daquela de TVP, sendo a probabilidade de recidiva de TVP o aspecto crucial para a história natural de TEP. Até certo ponto, a história natural de TVP e de TEP é dependente do tempo de seguimento, o que dificulta a comparação entre várias séries.

Os êmbolos sanguíneos são os mais comuns. Eles quase sempre têm origem nas veias mais proximais dos membros inferiores, sendo admitido que os mais distais praticamente nunca embolizam para os pulmões. Entretanto, cerca de um quarto das tromboses mais distais evoluem para as veias proximais em poucos dias ou até em horas.(1) Outras sedes venosas de êmbolos geralmente estão associadas a trombofilias. Assim, é presumível que a história natural dessas condições seja diferente da história natural das provenientes das veias proximais de membros inferiores.

Tratamento obrigatório

Em 1960, foi publicado o trabalho que até hoje baliza o tratamento de TEP aguda.(2) Dois autores observaram que, em 19 pacientes não tratados, ocorreram 5 óbitos, dos quais 3 com processos embólicos pulmonares graves, e 5 recorrências. Entre os 16 pacientes tratados com heparina, não foi observado nenhum desses eventos, o que estava de acordo com a literatura até então disponível e que incluía cerca de 1.000 pacientes tratados. A pesquisa continuou com a inclusão de mais 38 pacientes tratados, não ocorrendo nenhum óbito por TEP. Apesar de aspectos não aceitos atualmente, como a administração insuficiente da heparina (seis doses de 10.000 UI a cada 6 h, em um total de seis de aplicações) e repouso na cama por 10 dias, a pesquisa só incluiu casos muito graves (diagnóstico clínico, radiológico e eletrocardiográfico), mas demonstrou cabalmente que a falta de tratamento estava associada à mortalidade e à recidiva inaceitáveis, o que tornou antiético a falta de tratamento. Essa conclusão é seguida até hoje e inclui a TEP diagnosticada acidentalmente, e provavelmente não será modificada a curto prazo.(3)

Entretanto, algumas informações são relevantes, como a pesquisa a respeito de pacientes submetidos à angiografia pulmonar por suspeita de TEP e não diagnosticada inicialmente por esse exame. Portanto, esses pacientes não foram tratados. A revisão dos exames, entretanto, demonstrou TEP em 20 pacientes, dos quais só 1 apresentou evidência de recidiva de TEP.(4) Esses dados devem ser vistos com cautela, pois se tratava de TEP de pequena magnitude.

Outros autores(5) realizaram uma interessante pesquisa envolvendo 87 pacientes com TVP confirmada por venografia e com fatores de risco presentes em 69%. Inicialmente, o mapeamento pulmonar era normal em todos, e MECG foram usadas por todos. Dividiu-se a amostra em dois grupos: 46 pacientes foram tratados com heparina e anticoagulante oral, e 41 não receberam esse tratamento. Na evolução, a taxa de progressão dos trombos nos membros inferiores foi semelhante nos dois grupos. Os autores concluíram que o tratamento com anticoagulante não tinham importância no prognóstico de pacientes com TVP de membros inferiores.

Por outro lado, a diferença de prognóstico relacionada ao tratamento de TEP, deduzida por dois autores,(6) é extraordinária (mortalidade de 30% e 8%, respectivamente, nos pacientes não tratados e naqueles tratados que sobreviveram por mais de uma hora), como também o é o achado de embolia prévia pouco significativa em pacientes que faleceram com TEP aguda. Há ainda outro aspecto conflitante: a enorme proporção de TEP assintomática (até 50%) em pacientes com TVP aguda.(7)

Causas predisponentes

Numerosas são as causas predisponentes, sendo comum a existência de mais de um fator; o risco é cumulativo e não independente. Em muitos pacientes, a TEP é aparentemente um evento isolado, mas as pesquisas demonstram que a incidência de neoplasia oculta e só revelada meses após é maior que na população normal.(8-10) Em um trabalho realizado há anos, demonstrou-se que a recidiva de TEP era maior nos pacientes sem fatores de risco evidentes, e levantou-se a hipótese de que, na realidade, esses pacientes apresentavam uma condição predisponente não reconhecida, como se sabe hoje, como por exemplo, trombofilias. Assim, fica claro que a história natural é influenciada profundamente pelas causas predisponentes, que, quando transitórias, estão associadas a um excelente prognóstico. Na repetição dos episódios, é fundamental pesquisar as causas predisponentes permanentes, como neoplasias ocultas e trombofilias.

Doenças associadas

Além das condições predisponentes, outras condições obrigam o paciente a permanecer no leito, e, portanto, têm grande influência na repetição dos episódios de TEP e no prognóstico em relação à sobrevida. Assim, nem sempre é fácil classificar um óbito por repetição de TEP ou pela doença de base, podendo a dúvida persistir mesmo em pacientes autopsiados.

Apresentação clínica

Admite-se que a formação de êmbolos e sua lise sejam comuns em indivíduos normais e que o rompimento deste equilíbrio é o determinante primário da TEP. O quadro clínico é muito variável, podendo ocorrer o óbito em poucos minutos ou passar despercebido, sendo intermediário na maior parte dos casos.(6)

A influência do tamanho do êmbolo e das doenças associadas é fundamental no prognóstico imediato, sendo, por exemplo, pior nos grandes êmbolos e nos portadores de cardiopatias ou pneumopatias prévias graves. É possível que êmbolos de pequeno tamanho em indivíduos sem doença concomitante grave estejam associados à TEP pouco ou nada sintomáticas e cujo prognóstico seria muito melhor na fase aguda, com probabilidade quase nula em relação à recidiva.

Influência do tratamento e da integridade do endotélio após o evento inicial

A evolução do êmbolo pulmonar é muito variável com o tratamento com heparina ou fibrinolítico, podendo ocorrer lise, fragmentação ou recanalização em 24 h, como observado em 8% dos pacientes em um estudo.(11) Há o restabelecimento do fluxo sanguíneo em 3 meses em ¾ dos pacientes, mas isso pode não ocorrer, como observado principalmente em cardiopatas. Em uma meta-análise recente envolvendo mais de 200 pacientes com o diagnóstico de TEP, revelouse que 87%, 68%, 65%, 57% e 52% dos pacientes, respectivamente, apresentavam uma involução incompleta da obstrução arterial pulmonar em 8 dias, 6 semanas, 3 meses, 6 meses e 1 ano.(12) A não normalização do fluxo pode estar associada a perdas funcionais importantes e influenciar o prognóstico de novas embolias, além de dificultar o diagnóstico de recidivas. A recuperação integral do endotélio das artérias pulmonares e das veias de origem do êmbolo provavelmente está associada a um melhor prognóstico, mas não há evidência indiscutível que confirme essa possibilidade. Portanto, além de influenciar o prognóstico imediato, é possível que o tratamento da fase aguda possa modificá-lo a longo prazo.

  • 1. Kakkar VV, Howe CT, Flanc C, Clarke MB. Natural history of postoperative deep-vein thrombosis. Lancet. 1969;2(7614):230-2.
  • 2. Barrit DW, Jordan SC. Anticoagulant drugs in the treatment of pulmonary embolism. A controlled trial. Lancet. 1960;1(7138):1309-12.
  • 3. Sebastian AJ, Paddon AJ. Clinically unsuspected pulmonary embolism--an important secondary finding in oncology CT. Clin Radiol. 2006;61(1):81-5.
  • 4. Stein PD, Henry JW, Relyea B. Untreated patients with pulmonary embolism. Outcome, clinical, and laboratory assessment. Chest. 1995;107(4):931-5.
  • 5. Nielsen HK, Husted SE, Krusell LR, Fasting H, Charles P, Hansen HH. Silent pulmonary embolism in patients with deep venous thrombosis. Incidence and fate in a randomized, controlled trial of anticoagulation versus no anticoagulation. J Intern Med. 1994;235(5):457-61.
  • 6. Dalen JE, Alpert JS. Natural history of pulmonary embolism. Prog Cardiovasc Dis. 1975;17(4):259-70.
  • 7. Meignan M, Rosso J, Gauthier H, Brunengo F, Claudel S, Sagnard L, et al. Systematic lung scans reveal a high frequency of silent pulmonary embolism in patients with proximal deep venous thrombosis. Arch Intern Med. 2000;160(2):159-64.
  • 8. Prandoni P, Lensing AW, Büller HR, Cogo A, Prins MH, Cattelan AM, et al. Deep-vein thrombosis and the incidence of subsequent symptomatic cancer. N Engl J Med. 1992;327(16):1128-33.
  • 9. Monreal M, Casals A, Boix J, Olazabal A, Montserrat E, Mundo MR. Occult cancer in patients with acute pulmonary embolism. A prospective study. Chest. 1993;103(3):816-9.
  • 10. Morrone N, Dourado AM, Pereira CA, Mendes ES, Saito M. Recorrência em embolia pulmonar: fatores determinantes. Ação profilática de anticoagulante oral e da heparina subcutânea. J Pneumol. 1982;8(3):141-5.
  • 11. The urokinase pulmonary embolism trial. A national cooperative study. Circulation. 1973;47(2 Suppl):II1-108.
  • 12. Nijkeuter M, Hovens MM, Davidson BL, Huisman MV. Resolution of thromboemboli in patients with acute pulmonary embolism: a systematic review. Chest. 2006;129(1):192-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Out 2010
  • Data do Fascículo
    Mar 2010
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